Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
9337/19.4T8LSB-B.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO ATAÍDE DAS NEVES
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
ALEGAÇÕES DE RECURSO
NULIDADE PROCESSUAL
OBJETO DO RECURSO
Data do Acordão: 10/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
I – As nulidades previstas nos art. 186º e seguintes do CPC versam sobre vícios processuais determinantes da nulidade do processo, respeitando ao cumprimento de formalidades cuja observância a lei adjectiva postula como principal/essencial ou de natureza secundária para a correcta tramitação do processo, para que se possa lograr o fim último do mesmo, a mais conscienciosa e justa decisão.

II – Estão em causa formalidades processuais a se, de natureza e índole intimamente adjectiva, actos formais inerentes à própria tramitação do processo, actos que a lei proíbe ou actos formais cuja observância a lei exige e foram omitidos, que a lei comina com a nulidade.

III - Sendo actos de tramitação processual stricto sensu, que se situam a montante da decisão final, não se confundem com os actos ou omissões praticadas pelo tribunal já, a jusante, no âmbito do processo decisório e com este concomitantes, como integrando este, actos que tangem ao âmago da decisão, nulidades de conhecimento, de índole material decisória, que a lei adjectiva também considera e classifica como nulidades do julgamento ou da sentença, estas previstas no art. 615º do CPC.

IV - Estas nulidades concernentes com os vícios da sentença, integráveis no dinamismo já substantivo e material do processo decisório e com este se compaginando, deste sendo intrínsecas, são distintas e não se confundem com aquele tipo de nulidades processuais que o legislador trata nos art. 186º e segs. do CPC, inerentes à tramitação processual a se, verificáveis em momento prévio ao decisório.

V – Invocando o recorrente nulidades à decisão recorrida, do mesmo passo que da mesma interpõe recurso, impõe o art. 615º nº 4 do CPC que o faça simultânea e conjuntamente no requerimento de recurso e dentro do prazo do art. 638º nº 1 do CPC, não podendo formular primeiramente e em separado o requerimento de arguição de nulidades perante o tribunal recorrido, e depois de apreciado este, o de interposição de recurso.

Decisão Texto Integral:

AA e outros deduziram incidente de habilitação dos herdeiros de BB.

Citados CC, DD, EE (apesar de esta não ter sido indicada na habilitação de herdeiros de que consta cópia a fls. 25 enquanto filha do de cujus), FF, GG e HH e notificados os RR. na acção, não foi deduzida oposição.

Em 27.04.2021, foi proferida decisão singular que julgou o incidente procedente e, consequentemente, habilitou CC, DD, EE, FF, GG e HH para com elas prosseguirem os ulteriores termos da acção.

Inconformadas vieram FF e GG interpor recurso de apelação, assim concluindo as suas alegações:

1 – O apoio judiciário requerido pela habilitada GG em 14.07.2020, nas modalidades de nomeação de patrono, dispensa de taxa de justiça e pagamento a agente de execução, foi tacitamente deferido ao fim de 30 dias (art 25º n° 2 da Lei do Apoio Judiciário).

2 - Não tendo a recorrente GG sido notificada do teor de qualquer resposta da Segurança Social, não tinha a obrigação de saber da prolação de qualquer decisão, até de indeferimento (nem mesmo do junto aos autos em 02.12.2020), pelo que, não lhe era exigível que reagisse, quer para impugnar o alegado indeferimento (de que nunca foi notificada) quer para contestar a presente habilitação.

3 - Ao ter julgado as ora recorrentes habilitadas, por via de uma suposta não contestação de uma habilitação de herdeiros, sem antes verificar (com a certeza e a segurança jurídicas que ao caso se impõem) a efectiva formação do deferimento tácito do apoio judiciário requerido por uma das requeridas citada numa habilitação, a Sentença recorrida violou o disposto no art. 25º n° 4 da Lei do Apoio Judiciário, preceito que foi interpretado em violação dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da confiança, da igualdade e do acesso do direito e aos Tribunais e, bem assim, do disposto nos artigos 1º, 2o, 13° e 20° da Constituição da Republica Portuguesa.

4 - A Sentença recorrida deveria ter interpretado o disposto no art. 25º n° 4 da Lei do Apoio Judiciário, em conformidade com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da confiança, da igualdade e do acesso do direito e aos Tribunais e com o disposto nos artigos 1º, 2°, 13° e 20° da Constituição da República portuguesa, julgando válida a formação de deferimento tácito, ordenando a notificação da Ordem dos advogados, para que nomeasse patrono à recorrente GG, determinado que o prazo para ela contestar a habilitação, apenas se iniciaria, com a efectiva nomeação de patrono.

5 - Tendo ambas as recorrentes repudiado à herança do pai, por escritura de 30.07.2020, sendo este acto (escritura publica e repúdio) porque realizado perante oficial publico, válido e reconhecido, por si só, perante a ordem jurídica portugueses, sem necessidade de ser invocado em parte alguma, nunca o Tribunal recorrido poder ter julgado as ora recorrentes habilitadas, sem antes, se ter certificado, da existência desse mesmo repúdio, mediante simples consulta à Conservatória dos Registo Centrais (cfr. art 187º n° 1 ai a do Código do Notariado).

6 - Ao ter julgado as ora recorrentes habilitadas por sentença de 27.04.2021, sem antes verificar (com a certeza e a segurança jurídicas que ao caso se impõem) da existência de um repúdio tempestivamente outorgado em 30.07.2020, pela forma legalmente exigível (a escritura publica outorgada) perante oficial publico notário), o Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 187 n° 1 alínea a) do Código do Notariado e nos artigos 2062 a 2066 do Código Civil, preceitos que foram interpretados em violação dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da confiança, da igualdade e do acesso do direito e aos Tribunais e, bem assim, do disposto nos artigos 1°, 2o, 13° e 20° da Constituição da Republica Portuguesa.

7. O Tribunal recorrido deveria ter interpretado o disposto nos artigos 187 n° 1 al. a) do Código no Notariado e nos 2062 a 2066 do Código Civil, em conformidade com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da confiança, da igualdade e do acesso do direito e aos Tribunais e, bem assim, com o disposto nos artigos 1°, 2o, 13° e 20° da Constituição da República Portuguesa, mandando oficial ao Instituto dos Registos e do Notariado, para que informasse da existência de testamentos e repúdios.

8. Ao ter julgado as recorrentes habilitadas, por mera falta de oposição, sem cuidar de saber da existência de documentos autênticos, tal como são os testamentos ou repúdios, a sentença recorrida violou o disposto art 568 als c) e d) do CPC, preceito que foi interpretado em violação dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da confiança, da igualdade e do acesso do direito e aos Tribunais e, bem assim, do disposto nos artigos Io, 2o, 13° e 20° da Constituição da República portuguesa.

9. O Tribunal recorrido deveria ter interpretado o disposto art.0 568.°, als. c) e d) do CPC, em conformidade com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da confiança, da igualdade, do acesso do direito e aos Tribunais e, bem assim, com disposto nos artigos Io, 2o, 13° e 20° da Constituição da Republica portuguesa, ordenando, antes da prolação de sentença, a verificação da existência de testamento e repudio.

10. Termos em que, fazendo-se a correcta interpretação dos elementos dos autos e a melhor aplicação das normas legais invocadas, deve a Sentença (de habilitação) recorrida ser revogada e substituída por outra que, confirmado que à recorrente GG foi tacitamente concedido apoio judiciário, ordene a notificação da Ordem dos Advogados para que lhe nomeie patrono, contando-se, apenas a partir dessa nomeação, o prazo previsto na lei, para contestação da habilitação, por ambas as recorrentes; Quando os autos contenham elementos seguros para julgar do mérito da habilitação, deve a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que, julgando válidos os repúdios, exclua as ora recorrentes dos sucessores do falecido BB».

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foi proferida decisão singular do relator, nos termos seguintes:

“Dizem as recorrentes: “3. Ao ter julgado as ora recorrentes habilitadas, por via de uma suposta não contestação de uma habilitação de herdeiros, sem antes verificar (com a certeza e a segurança jurídicas que ao caso se impõem) a efectiva formação do deferimento tácito do apoio judiciário requerido por uma das requeridas citada numa habilitação, a Sentença recorrida violou o disposto no art 25º n° 4 da Lei do Apoio Judiciário, preceito que foi interpretado em violação dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da confiança, da igualdade e do acesso do direito e aos Tribunais e, bem assim, do disposto nos artigos 1°, 2o, 13° e 20° da Constituição da Republica portuguesa».

«6. Ao ter julgado as ora recorrentes habilitadas por sentença de 27.04.2021, sem antes verificar (com a certeza e a segurança jurídicas que ao caso se impõem) da existência de um repúdio tempestivamente outorgado em 30.07.2020, pela forma legalmente exigível (a escritura publica outorgada) perante oficial publico notário), o Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 187 n° 1 alínea a) do Código do Notariado e nos artigos 2062 a 2066 do Código Civil, preceitos que foram interpretados em violação dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da confiança, da igualdade e do acesso do direito e aos Tribunais e, bem assim, do disposto nos artigos Io, 2o, 13° e 20° da Constituição da Republica portuguesa”.

O Código de Processo Civil contém uma regra geral sobre as nulidades processuais: de acordo com o artigo 195° 1 do CPC a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de uma formalidade que a lei prescreva podem constituem nulidade se a lei o considerar ou se a irregularidade cometida puder influir no exame ou decisão da causa.

Quanto ao regime de arguição, a lei dispõe, no artigo 199° 1, que a arguição deve ser feita no decurso do processo e no momento da prática do acto enquanto este não terminar, ou então, em prazo contado a partir do dia em que depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer ramo termo dele.

O prazo de arguição é o geral de 10 dias ex artigo 149.°.

Como explica Lebre de Freitas os vícios do acto não têm a ver com o seu conteúdo, mas com sua existência ou formalidades. Existe invalidade, quando o acto é praticado em momento processual inconveniente, designadamente quando não respeita a ordem concatenada e sucessiva em que o processo estruturalmente se manifesta, antecipando-se a um outro acto que está a sua frente (Introdução ao Processo Civil, 3.a ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2013:22 ss.).

As recorrentes arguem a nulidade da decisão por ter omitido a prática de actos que deviam anteceder a decisão final do incidente.

Ora contra as «decisões recorre-se, contra as nulidades reclama-se». As recorrentes seguiram a via recursiva, procurando por esta via obter cura para a nulidade, quando deviam ter seguido a via da arguição da nulidade no prazo de 10 dias.

Assim sendo, o recurso não pode ser apreciado.

Pelo exposto julgo improcedente o recurso e, consequentemente, confirmo a decisão impugnada.”

  As recorrentes reclamaram par a conferência, vindo a ser proferido Acórdão que manteve a decisão singular, com o seguinte teor:

O procedimento é uma série concatenada e sucessiva de actos que visam preparar um resultado final. Neste particular, o processo não se distingue do procedimento, porquanto também é uma sequência de actos.

Recorrendo a uma metáfora, diz-se que «o procedimento é composto por vários anéis concatenados entre si, salvo o primeiro, que, como tal, não tem nenhum anel pressuposto, e o último que não é o pressuposto de outro anel» (Nicola Picardi, Manuale dei processo civile, Giuffrè Editore, Milano, 2016:208; igual metáfora em Francesco P. Luiso: «pode-se pensar numa corrente pendurada num suporte: cada anel segura os anési sucessivos e é seguro pelos precedentes, salvo o primeiro e último», Diritto Processuale Civile, Vol I, Giuffrè, Milano, 2021:421-422). A nossa lei não contém uma definição de acto processual. Podemos dizer, tautologia à parte, que actos processuais civis são os actos que dão vida ao processo civil, com os quais este se desenvolve e encerra ou conclui (Enrico Redenti, Atti processuali, Enciclopédia dei diritto, IV, Giuffrè Editore: 105).

Na definição de Manuel de Andrade, «as nulidades de processo podem definir-se nestes termos: são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder - embora não de modo expresso - uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais» (Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 1979:176).

A pedra angular do nosso sistema de nulidades encontra-se no artigo 195. ° CPC. Este regime é aplicável às nulidades secundárias, em geral, e aos actos, comissivos ou omissivos, do juiz, em particular, pese embora a nulidade destes actos não estar incluída na secção reservada aos actos dos magistrados (artigos 150.° a 156. °), onde nada é dito sobre a nulidade do «acto jurisdicional por excelência» que é a sentença, matéria abordada no artigo 615. °

No código de processo civil estão previstas duas categorias de nulidades: as nulidades dos actos e as nulidades do procedimento.

De nulidade dos actos se fala na epígrafe da Secção respectiva, e também aos actos textualmente são referidas as regras gerais contidas nos artigos 195.° e 199. °, para além da dos artigos 197. ° 1, e 202. °. E também nos artigos 191. ° e 192. ° se faz menção à nulidade de um acto em particular: a nulidade da citação.

Já nos artigos 186.° 1, 187.° 193.° 1 e 2, e 195.°, 2, encontra-se assinalada uma outra manifestação do fenómeno da nulidade, que radica na estrutura do processo, e que consiste na repercussão ou extensão da nulidade de acto em acto ou de omissão em acto e na relação de dependência que entre eles se estabelece (ou não) no desenvolvimento do processo.

Há nulidade do acto quando a este faltam os requisitos formais (forma-conteúdo do acto) legalmente exigidos para a perfeição do mesmo acto, mas também quando os actos estão afectados por vícios localizados não no acto singularmente considerado, mas nas circunstâncias que o envolvem (de tempo, de lugar, de comunicação, etc).

Distinta é a nulidade do procedimento. Falta no código uma definição directa deste tipo de nulidade. Daí que caiba à doutrina o papel de construção dogmática da figura.

Sérgio La China individualiza, para o que aqui nos interessa, uma hipótese-base consistente na nulidade gerada em vícios não localizados em nenhum acto em particular, o que pode ocorrer em duas situações-tipo: processo conduzido por juiz em posição jurídica viciada; processo com efeitos produzidos e que não se deviam ter produzido, pela existência de uma causa obstativa geral.

De entre estes últimos casos, pode destacar-se a hipótese de dever ter sido integrado o contraditório, e de o não ter sido, prosseguindo o processo só porque se omitiu a audiência devida. Neste caso, não tendo sido nem conhecida nem pronunciada a nulidade, a razão obstativa continua subterraneamente a ser perpetrada, e todo o procedimento, incluindo até ao seu acto final, estará viciado de nulidade» (Diritto Processuale Civile, Le disposisizione generali, Giuffrè, Milano, 1991:760).

As recorrentes arguiram vícios que dogmaticamente, a verificarem-se, não são do acto-decisão em si, mas do procedimento.

De acordo com uma conhecida regra «contra as decisões recorre-se; contra as nulidades reclama-se»

As recorrentes insistem em enveredar pela via recursiva. Este segundo grau não tem competência funcional para apreciar uma nulidade do procedimento do primeiro grau.

Mantém-se, por isso, a decisão singular do relator.

…”

Este Acórdão teve o seguinte voto de vencido:

"Vencido porque as nulidades apontadas à douta sentença recorrida estão cobertas pelo recurso dela interposto, pelo que delas conheceria.

Consideraria os alegados repúdios das recorrentes e ainda se à recorrente GG foi concedido o benefício do apoio judiciário e quando, retirando daí as devidas consequências."

Inconformadas, vieram as recorrentes apresentar reclamação, no essencial alegando o que já tinham alegado na apelação, vindo tal reclamação a ser julgada indeferida por novo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.

E novamente inconformadas vieram as recorrentes interpor RECURSO DE REVISTA para este Supremo Tribunal de Justiça, oferecendo as correspondentes alegações, formulando as seguintes conclusões:

1. Regularmente citada a habilitada GG requereu apoio judiciário em 14.07.2020, nas modalidades de nomeação de patrono, dispensa de taxa de justiça e pagamento a agente de execução, tendo feito prova nos autos, da apresentação desse pedido, em 28.07.2020.

2. Não tendo, nunca, recebido qualquer resposta da Segurança Social (SS) acreditando na informação que lhe foi prestada pelo atendimento da segurança social no sentido de que, automaticamente, ao fim de 30 dias o Tribunal lhe nomearia um advogado, a ora recorrente nada fez (art. 25º nº 2 da Lei do Apoio Judiciário).

3. Inexistindo evidência de qualquer resposta, em tempo útil (em 30 dias) da segurança social à interessada GG, sendo expectável que esta acredite, como se acreditou, nas informações que lhe foram prestadas pelos serviços de atendimento telefónico da segurança social, no sentido de que o Tribunal iria promover a nomeação de patrono se a segurança social nada dissesse ao fim de 30 dias, a recorrente FF aguardou por tal contacto (que nunca chegou), nada tendo feito, até por saber que o prazo da irmã lhe aproveitaria a ela.

4. Não tendo a recorrente GG sido notificada do teor de qualquer resposta da Segurança Social, não tinha a obrigação de saber da prolação de qualquer decisão, até de indeferimento (nem mesmo do junto aos autos em 02.12.2020), pelo que, não lhe era exigível que reagisse, quer para impugnar o alegado indeferimento (de que nunca foi notificada) quer para contestar a habilitação.

5. Foi proferida Sentença que julgou as recorrentes habilitadas, tal como uma irmã do falecido (EE), que a primeira instância julgou igualmente habilitada, por ter pensado que se tratava de uma filha ….

6. Inconformadas com a Sentença que Julgou a Habilitação procedente por provada e as julgou habilitadas (para com elas prosseguirem os ulteriores termos como herdeiras sucessoras do falecido R BB) as recorrentes interpuseram apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, que se absteve de conhecer o recurso, com um voto de vencido.

7. Por decisão singular, confirmada pela Conferência, a Relação de Lisboa decidiu-se que “O Recurso não pode ser apreciado”. Com um voto de vencido.

8. O Acordão recorrido padece de NULIDADE por omissão de pronúncia relativamente às questões (descritas nas alegações e resumidas nas conclusões) deveria ter apreciado e não apreciou.

9. Ao ter-se abstido de conhecer um recurso tempestivamente interposto de uma Sentença Final, nas condições em que o fez, o Acórdão Recorrido violou o Princípio da Proibição do non liquet e o disposto nos art. 8º do Código civil e, bem assim o disposto nos artigos 1º a 9º-A, 68º, 83º, 613, 614, 615 nº 4, 616, 617627, 631, 637, 852 e 853, todos do CPC, preceitos que foram interpretados em violação grave do disposto nos artigos 1º, 2º, 10º e 20º da Constituição da Republica Portuguesa e, bem assim, dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da confiança, da igualdade e do acesso ao direito e aos Tribunais.

10. Ao ter julgado as ora recorrentes habilitadas, por via de uma suposta não contestação de uma habilitação de herdeiros, sem antes verificar (com a certeza e a segurança jurídicas que ao caso se impõem) a efectiva formação do deferimento tácito do apoio judiciário requerido por uma das requeridas citada numa habilitação, a Sentença recorrida violou o disposto no art. 25 nº 4 da Lei do Apoio Judiciário, preceito que foi interpretado em violação dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da confiança, da igualdade e do acesso do direito e aos Tribunais e, bem assim, do disposto nos artigos 1º, 2º, 13º e 20º da Constituição da republica Portuguesa.

11. A Sentença recorrida deveria ter interpretado o disposto no art. 25º nº 4 da Lei do Apoio Judiciário, em conformidade com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da confiança, da igualdade e do acesso do direito e aos Tribunais e com o disposto nos artigos 1º, 2º, 13º e 20º da Constituição da republica Portuguesa, julgando válida a formação de deferimento tácito, ordenando a notificação da Ordem dos advogados, para que nomeasse patrono à recorrente GG, determinado que o prazo para ela contestar a habilitação, apenas se iniciaria, com a efectiva nomeação de patrono.

12. Tal como estabelece a alínea a) do n.º 1 do artigo 187.º do Código do Notariado, no mês seguinte ao da outorgada da escritura de Repúdio, o Carteiro Notarial comunica a realização de tal acto Conservatória dos Registos Centrais, que mantém, nos termos da lei, um índice geral das escrituras de repúdio.

13. Tendo ambas as recorrentes repudiado à herança do pai, por escritura de 30.07.2020, sendo este acto (escritura publica e repudio) porque realizado perante oficial publico, válido e reconhecido, por si só, perante a ordem jurídica portugueses, sem necessidade de ser invocado em parte alguma, nunca o Tribunal recorrido poder ter julgado as ora recorrentes habilitadas, sem antes, se ter certificado, da existência desse mesmo repúdio, mediante simples consulta à Conservatória dos Registo Centrais.

14. Sendo o repudio provado apenas por documento, a falta de contestação nunca gera a confissão dos factos, nos termos do disposto no art 568º als c) e d) do CPC.

15. Para além de se tratar de uma decisão surpresa, proferida sem prévio convite ao aperfeiçoamento, o Acórdão recorrido confunde nulidades processuais, com nulidades da Sentença final recorrida, exigindo às recorrentes, um ónus de arguição (desses vícios) apenas arguível em sede de recurso, levando em conta que o poder jurisdicional da primeira instância já se encontrava esgotado.

16. Como muito bem refere RUI PINTO, Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º CPC), 2019, https://www.linkedin.com. (…) o princípio é o da subsidiariedade da competência reclamatória perante a competência recursória: "As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades" lê-se no n.º 4 do artigo 615.º e "[n]ão cabendo recurso da decisão, é lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença", segundo o corpo do n.º 2 do artigo 616.º.

17. No caso dos autos, para além de ser admitido recurso ordinário (da Sentença de Primeira Instância, como efectivamente foi) nem sequer estamos perante nenhuma das nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 do art. 615º do CPC, razão pela qual as recorrentes não estavam obrigadas a suscitar, previamente, perante o Tribunal recorrido, as nulidades arguidas nas alegações e conclusões do recurso em apreciação.

18. Tratando-se de um recurso tempestivamente interposto por quem, sendo parte, ficou vencida, destinado a reagir do sentido de uma sentença final, proferida pela 1ª Instância (e não recurso de uma qualquer decisão interlocutora proferida nos autos, antigamente designado de agravo), nunca uma Relação poderá deixar de o apreciar.

19. Ao ter julgado as ora recorrentes habilitadas por sentença de 27.04.2021, sem antes verificar (com a certeza e a segurança jurídicas que ao caso se impõem) da existência de um repudio tempestivamente outorgado em 30.07.2020, pela forma legalmente exigível (a escritura publica outorgada) perante oficial publico notário), o Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 187º nº 1 al. a) do Código do Notariado e nos artigos 2062º a 2066º do Código Civil, preceitos que foram interpretados em violação dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da confiança, da igualdade e do acesso do direito e aos Tribunais e, bem assim, do disposto nos artigos 1º, 2º, 13º e 20º da Constituição da republica Portuguesa.

20. O Tribunal recorrido deveria ter interpretado o disposto nos artigos 187º nº 1 al a) do Código no Notariado e nos 2062 a 2066 do Código Civil, em conformidade com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da confiança, da igualdade e do acesso do direito e aos Tribunais e, bem assim, com o disposto nos artigos 1º, 2º, 13º e 20º da Constituição da republica Portuguesa, mandando oficial ao Instituto dos Registos e do Notariado, para que informasse da existência de testamentos e repúdios.

21. Ao ter julgado as recorrentes habilitadas, por mera falta de oposição, sem cuidar de saber da existência de documentos autênticos, tal como são os testamentos ou repúdios, a sentença recorrida violou o disposto art. 568º al.s c) e d) do CPC, preceito que foi interpretado em violação dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da confiança, da igualdade e do acesso do direito e aos Tribunais e, bem assim, do disposto nos artigos 1º, 2º, 13º e 20º da Constituição da Republica Portuguêsa.

22. O Tribunal recorrido deveria ter interpretado o disposto art. 568º al.s c) e d) do CPC, em conformidade com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da confiança, da igualdade, do acesso do direito e aos Tribunais e, bem assim, com disposto nos artigos 1º, 2º, 13º e 20º da Constituição da Republica Portuguêsa, ordenando, antes da prolacção de sentença, a verificação da existência de testamento e repudio.

23. Tal como resulta do Voto de vencido “(…) as nulidades apontadas à douta sentença recorrida estão cobertas pelo recurso dela interposto, pelo que delas conheceria. Consideraria os alegados repúdios das recorrentes e ainda se à recorrente GG foi concedido o benefício do apoio judiciário e quando, retirando daí as devidas consequências."

PEDIDOS

Termos em que, fazendo-se a correcta interpretação dos elementos dos autos e a melhor aplicação das normas legais invocadas, deve o Acordão da Relação ser revogado e substituído por outro que, apreciando as questões suscitadas pelas recorrentes:

Confirme que à recorrente GG foi tacitamente concedido apoio judiciário, ordene a notificação da Ordem dos Advogados para que lhe nomeie patrono, contando-se, apenas a partir dessa nomeação, o prazo previsto na lei, para contestação da habilitação, por ambas as recorrentes;

Quando os autos contenham elementos seguros para julgar do mérito da habilitação, deve o Acordão da Relação ser revogado e substituído por outro que, apreciando as questões suscitadas pelas recorrentes julgue válidos os repúdios e determine a exclusão das ora recorrentes, dos sucessores do falecido BB e as absolva da habilitação, com as legais consequências.

Não foram produzidas contra-alegações.

I. DA ADMISSIBILIDADE DA REVISTA:

As recorrentes vêm apresentar o presente recurso de revista nos termos do artigo 671.º, n.º 1 do CPC.

  Tendo em conta o valor da causa, a legitimidade das recorrentes e o teor do acórdão recorrido, que conheceu do mérito da causa (incidente de habilitação de herdeiros), confirmando a decisão da 1º instância com voto de vencido (não se verificando, como tal, dupla conforme que exigiria uma das vias excecionais do art. 672º do CPC para que o recurso pudesse ser admitido), conclui-se pela admissibilidade do presente recurso de revista nos termos do disposto nos artigos 629º nº 1, 631º nº1, 671º nº 1 e 674º nº 1 al. a) e c) do CPC.


Cumpre, pois, decidir, tendo presente que são as conclusões das alegações recursivas que delimitam o objeto do recurso, estando vedado ao tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, com excepção daquelas que são de conhecimento oficioso (cfr. art. 635º nº 4, 639º nº 1, 608º nº 2, ex vi art. 679º, todos do CPC).


II. THEMA DECIDENDUM:

A sentença proferida no incidente de habilitação de herdeiros foi de procedência, tendo sido considerada a falta de oposição e o teor dos documentos juntos aos autos principais.

As recorrentes, vendo-se habilitadas como herdeiras do falecido de BB, apelaram para a Relação invocando que, na sequência do pedido de apoio judiciário nas modalidades de nomeação de patrono, dispensa de taxa de justiça e pagamento a agente de execução, que, após terem sido citadas em 14.07.2020, a habilitada GG formulara perante a Segurança Social (SS) em 28.07.2020, sendo que, sustentam as recorrentes, nunca lhe fora dada qualquer resposta por parte dos serviços da SS, depois de estes mesmos serviços entidade a terem informado que tal pedido lhe seria concedido automaticamente, ao fim de 30 dias, após o que o Tribunal lhe nomearia um advogado, o que não veio a suceder, motivo por que a recorrente nada fez, não tendo contestado o incidente de habilitação de herdeiros, o qual sempre viria a ser improcedente em relação às recorrentes, umas vez que as mesmas renunciaram à herança.

Consideraram as apelantes que o Tribunal da 1ª instância omitiu o dever de verificação do deferimento tácito do apoio judiciário (art 25º n° 2 da Lei do Apoio Judiciário) requerido por uma das requeridas citada numa habilitação, violando a Sentença recorrida o disposto no art 25º n° 4 da Lei do Apoio Judiciário, assim como normas constitucionais que invoca, sendo que não era exigível à recorrente GG que reagisse perante qualquer indeferimento de apoio judiciário (de que nunca foi notificada, nem mesmo do junto aos autos em 02.12.2020), ou que contestasse o incidente de habilitação.

Sendo que, sustentam também, antes de proferir sentença, deveria o tribunal de 1ª instância ter julgado válida a formação de deferimento tácito, ordenando a notificação da Ordem dos advogados, para que nomeasse patrono à recorrente GG, determinado que o prazo para ela contestar a habilitação, apenas se iniciaria, com a efectiva nomeação de patrono.

Mais sustentam as recorrentes que, tendo ambas repudiado a herança do pai, por escritura pública de repúdio de 30.07.2020, sendo este acto válido e reconhecido por oficial público, pelo que deveria o Tribunal recorrido ter-se certificado, da existência desse mesmo repúdio, mediante simples consulta à Conservatória dos Registo Centrais (cfr. art 187 n° 1 ai a do Código do Notariado), o que não o tribunal fez, assim “violando o disposto nos artigos 187 n° 1 alínea a) do Código do Notariado e nos artigos 2062 a 2066 do Código Civil, preceitos que foram interpretados em violação dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da confiança, da igualdade e do acesso do direito e aos Tribunais e, bem assim, do disposto nos artigos 1°, 2o, 13° e 20° da Constituição da Republica Portuguesa, com tal omissão concorrendo para a prolação da sentença recorrida”.

Ou seja, as recorrentes invocam que o tribunal recorrido não ponderou e não tomou conhecimento de questões essenciais, de cujo conhecimento e ponderação não resultaria a prolação da sentença nos termos de procedência em que resultou, enfermando esta, por isso, de nulidades, por omissão de pronúncia.

Nulidades, entendem as apelantes, a Relação deve conhecer, de onde decorrerá, em seu entender, a anulação da sentença proferida e sua substituição por outra que, confirmado que à recorrente GG foi tacitamente concedido apoio judiciário, ordene a notificação da Ordem dos Advogados para que lhe nomeie patrono, contando-se, apenas a partir dessa nomeação, o prazo previsto na lei, para contestação da habilitação, por ambas as recorrentes.

A Relação entendeu que não deveria conhecer das nulidades invocadas, considerando estas integráveis no âmbito das nulidades a que se reporta o art. 195º do CPC, pois que delas deveriam as recorrentes ter reclamado atempadamente para o tribunal a quo, ao abrigo e no prazo do art. 149º do CPC, não podendo o argumentário das apelantes constituir fundamento do recurso de apelação, concluindo que não poderia apreciar o recurso.

E a sentença ficou confirmada.

Na revista, as recorrentes voltam a clamar pelo decretamento das nulidades que apontam e pela reversão da sentença nos termos postulados.

Ora, o que importa na presente revista apreciar, num primeiro momento, é de que tipo de nulidades estamos a falar nos presentes autos, e subsequentemente decidir se as recorrentes poderiam invocar no recurso de apelação, como invocaram, as omissões cometidas pelo tribunal da 1ª instância, ou se a arguição de tais nulidades, que expressamente apontam à sentença, teria de ter sido previamente formulada perante o juiz que proferiu a sentença e não como fundamento da apelação.

E depois concluir se a Relação deveria ou não apreciar as invocadas nulidades, ou se poderia proceder de outro modo.

Vejamos:

Desde já referir que, independentemente de as nulidades se verificarem ou não (o que não nos cumpre aqui apreciar), as nulidades apontadas – o tribunal não ter verificado o dito deferimento tácito do pedido de apoio judiciário e não ter procedido em conformidade com esse deferimento, concedendo prazo para a requerente daquele apoio contestar a acção, - assim como a alegada omissão de o tribunal não ter procedido à consulta, na Conservatória dos Registo Centrais (cfr. art 187º n° 1 al. a do Código do Notariado), da renúncia à herança por parte das habilitadas recorrentes, não se tratam de actos ou formalidades cuja omissão a lei prescreve como nulidades principais (art. 186º e segs do CPC) ou nulidades secundárias (art. 195º do CPC), que possam afectar a tramitação do processo, ou que possam constituir vício processual a se.  

Estas nulidades processuais encontram-se previstas nos art. 186º e seguintes do CPC, versando sobre vícios processuais determinantes da nulidade do processo (v.g. a ineptidão da petição inicial (art. 186º), a falta de citação do Réu ou do Ministério Público (art. 187º a 192º), o erro na forma do processo ou do meio processual (art. 193º), assim como, fora dos casos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de uma formalidade que a lei não prescreva, quando possa influir no exame ou na decisão da causa (art. 195º nº 1), obedecendo, no que toca ao conhecimento oficioso, à legitimidade para a respectiva arguição, ao prazo para o efeito, às regras do respectivo julgamento, às normas adjectivas constantes dos art. 196º a 202º do CPC.


Trata-se de nulidades processuais que têm a ver com o cumprimento de formalidades cuja observância a lei adjectiva postula como principal/essencial ou de natureza secundária para a correcta tramitação do processo e para que se possa lograr o fim último do mesmo, a mais conscienciosa e justa decisão.

Trata-se de formalidades do processo a se, de actos formais inerentes à própria tramitação do processo, actos ou formalidades cometidos que a lei proíbe ou de actos formais cuja observância a lei exige e foram omitidos, de natureza e índole intimamente adjectiva, que a lei comina com a nulidade.

Digamos ainda, actos que deveriam ter ocorrido em momento antecedente ao da decisão final, e que, ao não correrem, inquinaram essa mesma decisão, feriram-na de nulidade.

Actos de tramitação processual strictu sensu, que não se confundem com actos ou omissões praticadas pelo tribunal já, a jusante, no âmbito do processo decisório e com este concomitantes, como integrando este, actos que à decisão em si tangem, diremos nulidades de conhecimento, de índole material decisória, que a lei do processo civil também considera e classifica como nulidades do julgamento ou da sentença, estas previstas no art. 615º do CPC.

Estas nulidades concernentes com vícios da sentença, integráveis no dinamismo já substantivo e material do processo decisório, são distintas daquele tipo de nulidades processuais que o legislador trata nos art. 186º e segs. do CPC, inerentes, já o dissemos, à tramitação processual a se, verificáveis a montante ou em momento prévio do decisório, com estas não se confundindo.

As nulidades ínsitas no art. 615º do CPC incidem sobre causas relevantes de nulidade da sentença – além da falta da assinatura do juiz e da condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, a falta de especificação dos fundamentos, de facto e de direito, que justificam a decisão, a contradição ou oposição entre os fundamentos e a decisão ou a ocorrência de alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível e, por fim, a omissão ou excesso de pronúncia.

Sendo que a omissão ou excesso de pronúncia se verifica sempre que o julgador deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. [é o caso dos autos]

A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respetivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia. É em face do objeto da ação, do conteúdo da decisão impugnada e das conclusões da alegação do recorrente que se determinam as questões concretas controversas que importa resolver. Não padece de nulidade por omissão de pronúncia o acórdão reclamado que conheceu de todas as questões que devia conhecer, resolvendo-as, ainda que a descontento da recorrente.

Reportados ao teor do ‘thema decidendum’ balizado pelas respetivas proposições de síntese acima descritas, logo se constata que é exactamente disso que se trata, foi neste espaço que as recorrentes colocaram as nulidades que invocam, porquanto as omissões apontadas e as suas consequências (a verificarem-se, o que aqui não nos compete ajuizar, já o dissemos) não se situam a montante da decisão, no iter processual anterior à decisão, como se compaginam todas as nulidades a que se reportam os art. 186º e segs. do CPC, mas exactamente neste mesmo momento decisório, como que constituindo um vício substantivo ou material, intrínseco da decisão impugnada, em sentido próprio.

Como se vê, as recorrentes, na Apelação e também na presente Revista, reagem contra a circunstância de ter sido ignorado pelo Juiz da 1ª instância o alegado deferimento tácito do pedido de apoio judiciário, assim como a não verificação judicial oficiosa da renúncia à herança por parte das recorrentes nos registos da Conservatória dos Registo Centrais, tal implicando inconsiderações ou a omissão de passos materiais de conhecimento e índole decisória que as recorrentes reputam absolutamente necessários e indispensáveis para que, após a sua correcta apreciação judicial, as recorrentes pudessem vir a deduzir oposição ao incidente de habilitação de herdeiros, e de forma a que o julgamento deste incidente viesse a ser de improcedência em relação a si recorrentes, e não, como foi, de procedência, por falta de contestação.

Assim, contrariamente ao que, após muito interessantes e pouco adequados considerandos doutrinários, fora entendido pela Relação no acórdão recorrido, as nulidades invocadas não se inscrevem no segmento de desvio do formalismo processual prescrito na lei, não têm natureza procedimental ou processual, configurando-se sim como omissões ou vícios de natureza material ou substantiva, cometidos no próprio momento da decisão, corrompendo esta.

Ora, nada impedia as recorrentes de integrar no argumentário impugnatório da sentença recorrida as invocadas causas de nulidade da decisão, nos termos do art. 615º nº 4 do CPC, sendo que como lucidamente é afirmado no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 2020 (revista 6854/18.7T8PRT-F.P1.S1) “Em termos de apreciação objetiva do regime jurídico ordinário, resulta claro que não é admissível a cisão entre o requerimento de arguição de nulidades e a interposição de recurso, uma vez que, segundo o nº 4 do art. 615º do CPC, nos casos em que seja admissível recurso ordinário, as nulidades da sentença devem ser arguidas no âmbito do recurso. Por seu lado, o prazo para a interposição de recurso conta-se a partir da notificação da decisão recorrida (art. 638º, nº 1).”

E explica-se neste Acórdão que “A solução legal, que foi introduzida ainda no âmbito de aplicação do CPC de 1961, não contende com o direito de acesso aos tribunais nem afeta o princípio geral do processo equitativo, na medida em que obriga o recorrente a concentre numa única peça todos os motivos que sustenta quer para a anulação da decisão, quer para a sua revogação ou modificação.

Importa também que na interconexão entre os preceitos ou princípios constitucionais e a margem de discricionariedade que é atribuída ao legislador ordinário não olvidemos os motivos que terão estado subjacentes à modificação do regime legal, ou seja, à inviabilidade de introduzir entre a notificação da sentença ou acórdão e a interposição de recurso ordinário de apelação ou de revista um incidente de arguição de nulidades ou de reforma”.

 Opção legislativa que “tem subjacente a constatação dos abusos a que conduzia o regime anterior”.

No mesmo inequívoco sentido se pronunciou o Ac. deste STJ de 13 de Abril de 2021 (in revista 5637/17.6T8PRT.P1.S1), quando refere que “a Revista pode ter como objecto as nulidades aludidas nos artigos 615º e 666º do CPCivil, por força do disposto no artigo 674º, nº 1, alínea c) do mesmo diploma, sendo contudo imperativo que esses vícios sejam arguidos de imediato no recurso que se interpuser do Acórdão onde os mesmos alegadamente foram cometidos, asserção esta que se retira do nº 4 do artigo 615º o qual prescreve “As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades”.”

Resulta do exposto que as recorrentes procederam correctamente, quando verteram na apelação os argumentos inerentes à nulidade ou nulidades que apontam à decisão recorrida, no caso subsumíveis à al. d) do art. 615º do CPC, por omissão de pronúncia, devendo a apelação, interposta em tempo (art. 638º nº 1 do CPC) ser admitida também nesse segmento, podendo a Relação, se assim entender adequado, proceder nos termos do art. 617º nº 5 do CPC.

Termos em que a presente revista deverá proceder.

Decisão

Por todo o exposto, Acordam os Juízes que integram a 7ª Secção Cível deste Supremo Tribunal de justiça em anular a decisão recorrida e determinar a baixa dos autos ao tribunal recorrido a fim de apreciar as nulidades invocadas pelas apelantes, ou, se assim o entender, proceder nos termos do art. 617º nº 5 do CPC.

Não há lugar a custas, uma vez que a revista procede e os recorridos não deduziram oposição à mesma.

Registe e notifique.

Lisboa, 13 outubro de 2022


Relator: Nuno Ataíde das Neves

1ª Juíza Adjunta: Senhora Conselheira Maria dos Prazeres Beleza

2ª Juíza Adjunta: Senhora Conselheira Fátima Gomes