Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||||||||||||||||||||||||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||||||||||||||||||||||||
| Relator: | ANTÓNIO BARATEIRO MARTINS | ||||||||||||||||||||||||
| Descritores: | FACTOS ESSENCIAIS FACTOS COMPLEMENTARES FACTOS INSTRUMENTAIS FACTOS SUPERVENIENTES PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA PODERES DA RELAÇÃO RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE | ||||||||||||||||||||||||
| Data do Acordão: | 11/30/2022 | ||||||||||||||||||||||||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||||||||||||||||||||||||
| Texto Integral: | S | ||||||||||||||||||||||||
| Privacidade: | 1 | ||||||||||||||||||||||||
| Meio Processual: | REVISTA (COMÉRCIO) | ||||||||||||||||||||||||
| Decisão: | REVISTA IMPROCEDENTE. | ||||||||||||||||||||||||
| Sumário : |
I – Sendo a revista apenas admissível (face ao obstáculo colocado pela dupla conforme) por a questão que o recorrente diz suscitar dizer respeito ao controlo/escrutínio pelo STJ do uso dos poderes da Relação na fixação da matéria de facto, só esta questão constitui objeto válido da revista assim tornada admissível, não se podendo aproveitar a revista que em tais termos se diz intentar para incluir no objeto da mesma outras e diversas questões. II – No controlo/escrutínio que o STJ faz do uso de tais poderes da Relação não cabe ou entra a reapreciação da matéria de facto por parte do STJ, ou seja, não cabem ou podem ser invocadas, ao abrigo do controlo sobre “o uso (ou não uso) que a Relação fez dos poderes que lhe são concedidos", divergências relativamente ao julgamento da matéria de facto feito pela Relação, agindo esta ao abrigo do princípio da livre apreciação de meios de prova, seja esta a prova testemunhal, documental ou pericial, atuação essa da Relação que, nos termos do art. 674.º/3/1.ªparte do CPC, é insindicável através do recurso de revista. III – São factos essenciais, do ponto de vista da posição do A., os factos que concretizam e densificam a previsão normativa em que se funda a pretensão deduzida; além destes factos – designados como “factos essenciais nucleares” – são ainda essenciais os factos que sejam deles complemento ou concretização (nos termos do art. 5.º/2/b) do CPC), embora não façam parte do núcleo essencial da situação jurídica alegada pelo A.. IV – São factos instrumentais aqueles cuja ocorrência conduz à demonstração, por dedução, dos factos essenciais: a sua função é probatória, porquanto servem fundamentalmente para formar a convicção do julgador sobre a ocorrência ou não dos factos essenciais. V – “Factos essenciais nucleares” que têm que ser alegados pelas partes, devendo, do ponto de vista do A., ser articulados na PI ou, ocorrendo posteriormente, nos prazos para apresentação dos articulados supervenientes (art. 588.º do CPC); podendo o juiz conhecer oficiosamente dos “factos complementares ou concretizadores” dos factos essenciais, caso resultem da instrução da causa e anuncie às partes, antes do encerramento da audiência, que está a equacionar tal “mecanismo” de ampliação da matéria de facto; e não carecendo os factos instrumentais de alegação (podendo, desde que resultem provados, ser considerados na fundamentação da decisão da matéria de facto). VI – Pelo que, para a questão de saber se o Tribunal da Relação deve conhecer (ou não) de factos essenciais supervenientes, relevam apenas aqueles factos que ocorreram ou foram desculpavelmente conhecidos depois dos momentos até aos quais deviam ter sido alegados em 1.ª instância, ou seja, são apenas estes factos (e não todos os factos que ocorreram após a propositura da PI) que para efeitos de tal questão são considerados como factos supervenientes (uma vez que só em relação a estes não cabe falar de preclusão, na medida em que em relação aos outros/anteriores, não tendo sido oportunamente alegados, precludiu o direito de o serem). VII – Tais factos essenciais supervenientes (objetiva ou subjetivamente), desde que não resulte perturbação inconveniente para o julgamento do recurso, podem ser alegados e conhecidos em recurso para a Relação, ou seja, concretizando, a alegação e o conhecimento de factos supervenientes (essenciais) não trará perturbação inconveniente para o julgamento na hipótese de haver confissão quanto às novas alegações e/ou na hipótese de estarem provadas por documento (mas, ao invés, já trará perturbação inconveniente e não deve ser atendida a alegação de factos supervenientes essenciais que requeiram a produção de prova testemunhal). VIII – Numa ação de resolução em benefício da massa insolvente, factos ocorridos 3 e 6 anos (e consistentes na “revenda” dos bens por valores superiores) após os atos a resolver não são factos essenciais, podendo apenas ser factos instrumentais dos factos essenciais, coevos dos atos a resolver, respeitantes ao preenchimento dos requisitos da prejudicialidade e da má fé dos terceiros; pelo que podiam/deviam ter sido valorados/ponderados na decisão de facto das Instâncias. IX – Mas, constituindo o objeto da revista – excecional e circunscrita à existência duma contradição jurisprudencial sobre a admissibilidade e conhecimento (ou não) de factos supervenientes essenciais – serem tais factos incluídos e tomados em conta como factos essenciais, fica fora do objeto da revista determinar que as Instâncias ponderem tais factos a título de factos instrumentais. | ||||||||||||||||||||||||
| Decisão Texto Integral: | Proc. 23994/16.0T8LSB-F.L1.S1
I – Relatório. Massa Insolvente da “Privado Holding, S.G.P.S., S. A., intentou o presente ação com processo comum contra “Kendall Devolops, S.A.”, sociedade comercial de direito espanhol, com o número de contribuinte A...82, com sede no ..., ..., em ..., contra “Expertisability, S.A.”, NIPC ..., com sede no Largo ..., ..., ... ..., e contra “Núcleo 2054 – Consultores e Investimentos Imo – Financeiros, S. A.”, NIPC ..., com sede no Campo ..., ..., letra ..., ... ..., pedindo que se declarem “resolvidos a favor da Massa Insolvente, aqui A., os negócios por via dos quais a agora insolvente transmitiu a favor das 2.ª e 3.ª RR. as participações sociais de que era titular na 1.ª Ré.” Alegou que no processo principal (a que estes autos correm por apenso) foi declarada a insolvência da Sociedade Privado Holding – S.G.P.S., S.A. (sociedade anónima que tinha como objeto social a gestão de participações sociais noutras sociedades), a qual era titular de uma participação social no capital social da 1.ª Ré, participação que, no final de 2014, correspondia a 9.240.845 ações, as quais representavam 24,78% do capital social total e que, “tomando como critério de avaliação o do valor da situação líquida da 1.ª Ré que, no final de2014, era de 16.584.000,00€, o montante correspondente à participação da insolvente na 1.ª Ré era, pelo menos, de 4.065.971,80€, assumindo cada ação um valor unitário de 0,44€”[1]. Sucedendo que “os administradores da agora insolvente, em conluio com os administradores da 2.ª Ré e da 3.ª Ré, venderam a sua participação na 1.ª Ré às 2.ª e 3.ª RR.”[2]: a “aqui 2.ª Ré foi constituída por deliberação de 27.03.2015 e logo dois meses volvidos, em 25.05.2015, adquiriu uma participação na 1.ª Ré pelo reduzido valor de 725.000,00€”[3]; e “também no decurso de 2015 a 3.ª Ré adquiriu a uma participação no capital da 1.ª Ré pelo irrisório valor de 775.000,00€[4]”. “Sendo certo que, cada uma das 2.ª Ré e 3.ª Ré, no âmbito das referidas aquisições, pelos referidos preços, adquiriu ainda outros lotes mais pequenos de ações a outros acionistas e não apenas as ações detidas pela 1.ª Ré.[5], pelo que, segundo o “relatório final apresentado pelos próprios administradores da insolvente, o valor total de venda [das ações da 1.ª R.], foi a quantia de 1.350.000,00€”[6]. Assim, segundo a A., “a venda pela insolvente das 9.240.845 ações que detinha na 1.ª Ré pelo valor de 1.350.000,00€, quando devia ter sido efetuada pelo valor aproximado de 4.065.971,80€, traduziu-se numa venda por um valor muito abaixo do real e justo das ações que a insolvente detinha na 1.ª Ré, consubstanciando, mesmo, por um lado, um verdadeiro negócio ruinoso para a insolvente, com um prejuízo de 2.714.971,80€, para os credores da massa insolvente, a quem sabia ser devedora de avultada quantia no valor de 28.473.701,10 € e, por outro lado, um verdadeiro benefício, de igual montante, para as 2.ª e 3.ª RR.”[7] Pelo que, ainda segundo a A., “deve o negócio de venda pela insolvente das ações que detinha na 1.ª Ré ser resolvido a favor da A.”[8].
As RR. contestaram separadamente. Articulados em que impugnaram identicamente os factos constitutivos do direito resolutivo invocado e exercido pela A.; e em que, além disso, a 1.ª R. invocou a incompetência internacional dos Tribunais Portugueses e a sua própria ilegitimidade.
Foi realizada, sem sucesso, tentativa de conciliação; e dispensada a realização de audiência prévia. Foi proferido despacho saneador, em que se julgaram improcedentes o incidente de valor que havia sido suscitado e a exceção de incompetência internacional dos Tribunais Portugueses; e em que se julgou procedente a exceção de ilegitimidade passiva da 1.ª R.-Kendall Develops SA e, consequentemente, se absolveu a mesma da instância; após o que se procedeu à identificação do objeto do litígio e dos temas da prova.
Instruído o processo e realizada a audiência de julgamento, a Exma. Juíza proferiu sentença, em que julgou a ação totalmente improcedente (não declarando resolvidos a favor da massa insolvente os negócios por via dos quais a insolvente “Privado Holding, SGPS, S.A.” transmitiu a favor das RR. “Expertisability, S.A” e “Núcleo 2054 – Consultores e Investimentos Imo – financeiros, S.A.” as participações sociais de que era titular na “Kendall Develops, S.A.”).
Inconformada com tal decisão, interpôs a A. recurso de apelação, o qual, por acórdão da Relação de Lisboa de 05/04/2022, foi julgado totalmente improcedente.
Ainda inconformada, interpõe agora a A. o presente recurso de revista, parte a título de revista excecional, visando a revogação do acórdão da Relação e a sua substituição “por outro que, fazendo uma correta apreciação da prova constante dos autos, considere verificados os requisitos de que depende a resolução em benefício da massa, nos termos do disposto no artigo 120.°, n.° 1, do CIRE, ou, subsidiariamente, deverá ser determinada a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos do disposto no artigo 682.°, n.° 3, do CPC, para que este, ao abrigo do disposto nos arts. 5.°, n.° 2, al. b) e 662.°, n.° 2 ai. c) do CPC, determine o aditamento dos factos a aditar 1) a 8) e 19) a 30) à matéria de facto dada como provada, e consequentemente, julgar verificados todos os requisitos legais dos quais depende a procedência da ação, com todas as legais consequências.” Terminou a A. sua alegação com as seguintes conclusões: “(…) III – É entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência que o Supremo Tribunal de Justiça, embora não possa controlar a decisão do Tribunal da Relação sobre a matéria de facto, "pode controlar o uso (ou não uso) que a Relação fez dos poderes que lhe são concedidos"", IV – A presente Revista ordinária tem por fundamento a incorreção do Tribunal a quo na efetivação da apreciação da prova: (i) por um lado, o Tribunal a quo ignorou que constava do processo meio de prova plena que impunha necessariamente decisão diversa da proferida, tendo errado na efetivação da apreciação da prova; (ii) por outro lado, ao decidir não anular a decisão proferida na 1.a instância, por considerar não ser indispensável a ampliação da matéria de facto, o Tribunal a quo violou os limites legais ao exercício dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 662.°, n.° 2, alínea c), do CPC, fazendo uma incorreta aplicação do artigo 5.°, n.° 2, do CPC V. Uma vez que estão em causa questões que se prendem com aspetos adjetivos atinentes ao exercício dos poderes do Tribunal a quo, inexiste manifestamente dupla conforme, devendo o recurso ser admitido como revista normal. Assim: VI. O Tribunal a quo ter ignorado que, da prova constante dos autos, resultava necessariamente decisão diversa da proferida, no que respeita ao preenchimento dos requisitos de que depende a resolução dos negócios em benefício da massa, mormente, o caráter prejudicial do negócio a resolver e a má-fé das sociedades adquirentes. VIL Conforme resulta do ponto 16 da matéria de facto dada como provada, as Rés confessaram, nos seus articulados, que sabiam que sobre as ações da Kendall que declararam adquirir incidia um penhor financeiro a favor do Estado Português. VIII. A confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente, sendo que conforme estatui o artigo 347.°, do Código Civil, "a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objeto, sem prejuízo de outras restrições especialmente determinadas na lei". IX. Não foi produzido nos autos qualquer meio de prova que contrariasse o facto de as Rés. aquando da celebração das escrituras de aquisição das ações representativas do capital social da Kendall, saberem que sobre as mesmas incidia um penhor financeiro a favor do Estado português. X A existência, nos autos, deste meio de prova plena impunha decisão diversa no que respeita à prejudicialidade do negócio de alienação das referidas ações, bem como à má-fé das sociedades adquirente. XI No que respeita à prejudicialidade, a conhecida existência de um penhor financeiro sobre as ações alienadas, demonstra à saciedade que a celebração dos negócios em causa - e a sua consequente manutenção na ordem jurídica por meio da decisão recorrida - sempre terá como maior lesado o Estado Português (que é como dizer, todos nós), que se vê impedido de ver o seu crédito satisfeito pelo produto da venda do bem garantido, uma vez que esse bem, deixando de ser propriedade da Recorrente, não integrará a massa insolvente, passando o crédito do Estado Português a ser qualificado como comum ao invés de garantido. X No que respeita à má-fé das adquirentes, a mesma revela-se pela circunstância de, não obstante terem conhecimento da existência e validade do penhor financeiro a favor do Estado Português, os intervenientes terem deliberadamente omitido (mentindo perante uma autoridade pública), nas Escrituras Públicas de compra e venda de ações outorgadas pela PH, juntas aos autos, a existência do mesmo. (…) XIII - Acresce que o aludido penhor tornava o negócio de aquisição das ações em causa desinteressante para qualquer terceiro, uma vez que todo o produto que adviesse das aludidas ações deveria necessariamente ser entregue ao Estado, designadamente as decorrentes de reduções do capital social, a não ser (como aconteceu) que se conseguisse obnubilar a existência daquela garantia real. Em suma, a efetiva apreciação da prova constante dos autos - reitera-se, in casu, a apreciação da confissão das Recorridas, que tem força probatória plena - impunha necessariamente decisão diversa, devendo o Tribunal a quo ter concluído pela verificação dos pressupostos de que depende a resolução em benefício da XV. Nestes termos, requer-se a V. Exas., no âmbito dos poderes de controlo conferidos, revoguem o acórdão recorrido, substituindo-o por outro que, fazendo uma correta apreciação da prova constante dos autos, considere verificados os requisitos de que depende a resolução em benefício da massa, nos termos do disposto no artigo 120.°, n.° 1, do CIRE. Subsidiariamente: XVI. No nosso modesto entendimento, o Tribunal recorrido fez errada interpretação e aplicação do Direito, mormente do disposto nos arts. 5.°, n.° 2, al. b) e 662.°, n.° 2 al. c) do CP.Civil. Pois, os factos vertidos nos pontos 1) a 8) da Conclusão L, com o seguinte teor: (…) XVII cujo aditamento à factualidade dada como provada a A./recorrente requereu, são a reprodução do teor dos instrumentos públicos de alienação das ações juntos aos autos pela A./recorrente em cumprimento do doutamente ordenado a fls. 9 do despacho saneador, e cujo teor foi notificado às RR. para, querendo, exercerem o contraditório. XVIII. Escrituras essas cujo teor, por falta de pronuncia das RR. quanto ao mesmo, se tornou certo, seguro e pacífico nos autos e, que serviram, além do mais, para dar como provada factualidade vertida nos pontos 10) e 11) da matéria de facto dada como provada, a saber: "10) Em 26-05-2015, a ré EXPERTISABILITY, S.A. adquiriu à PRIVADO HOLDING, SGPS, S.A. uma participação na KENDALL DEVELOPS, S.A., correspondente a 4.620.423 (quatro milhões, seiscentas e vinte mil e quatrocentas e vinte e três) ações, pelo valor de € 675.000,00 (seiscentos e setenta e cinco mil euros) - cf. tradução dos contratos de alienação de ações juntos pela autora por requerimento junto aos autos a 24-01-2020, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 11) Em 26-05-2015, a Ré NÚCLEO 2054 - CONSULTORES E INVESTIMENTOS IMO - FINANCEIROS, S.A. adquiriu à PRIVADO HOLDING, SGPS, S.A. uma participação na KENDALL DEVELOPS, S.A., correspondente a 4.620.422 (quatro milhões, seiscentas e vinte mil e quatrocentas e vinte e duas) ações, pelo valor de €675.000,00 (seiscentos e setenta e cinco mil euros) - cf. tradução dos contratos de alienação de ações juntos pela autora por requerimento junto aos autos a 24-01-2020, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido." Pelo que, XIX. Tratando-se de factos instrumentais, que resultaram claramente da instrução da causa, dos quais foi dada a possibilidade às RR. de quanto a eles se pronunciarem, e que, conjugados com o teor dos factos dados como provados nos pontos 10) e 11) atrás referidos e no ponto 16) ("16) Aquando da outorga dos escritos aludidos nos factos provados 10) e 11), as rés EXPERTISABI-LITY e NÚCLEO 2054 sabiam que tinha sido constituído o penhor aludido no facto provado 23) sobre as ações que declaravam adquirir - cfr. facto 27 constante da contestação da ré Expertisability e factos 17, 18, 19 e 20 da ré Núcleo 2054, não impugnados pela autora. ") da matéria de facto dada como provada se revelam indispensáveis para decisão da causa - mormente quanto à factualidade e prova da prejudicialidade das transmissões cuja resolução se requer e da má-fé conluio entre as respetivas partes outorgantes - impunha-se, como se impõe, a sua inclusão no rol da factualidade dada como provada, e consequentemente, impunha-se julgar verificados todos os requisitos legais dos quais depende a procedência da ação, com todas as legais consequências. Da Revista Excecional O presente recurso é também admissível ao abrigo da alínea c), do n.° 1 do artigo 672.° do CPC, na medida em que o Acórdão recorrido está em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, não existindo sobre a mesma jurisprudência uniformizada. De facto, o Acórdão recorrido, ao decidir que os factos essenciais mas supervenientes (estão em causa os factos a aditar n.D 19 a 30) ao encerramento da discussão em primeira instância não podem ser alegados em sede de recurso, nem, por isso, conhecidos pela Relação, contradiz frontalmente o entendimento sufragado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 30/05/2018 (Processo n.° 6676/17.2T8PRT.P1; Relatora: Rita Romeira), no qual se decidiu que a melhor interpretação dos artigos 611.° e 663.°, n.° 2, ambos do CPC, é a que admite a invocação de factos supervenientes perante a Relação e o seu conhecimento na respetiva decisão, sob pena, de o contrário, violar o princípio da utilidade processual. Os requisitos de admissibilidade do presente recurso encontram-se todos verificados: a) Quadro fático semelhante em ambos os acórdãos: a situação de facto relevante no âmbito da questão jurídica colocada nos presentes autos é, tão-só, que a Recorrente, em sede de recurso de apelação, alegou factos essenciais supervenientes. No acórdão fundamento, estava em causa precisamente a mesma factualidade relevante: a Recorrente alegou factos supervenientes em sede de recurso de apelação. Incidência de ambos os acórdãos sobre a mesma questão fundamental de direito e no domínio da mesma legislação: os dois Acórdãos em oposição foram proferidos ao abrigo da mesma legislação/regime legal - o Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.° 41/2013, de 26 de junho -, e no âmbito da aplicação das mesmas normas legais, designadamente, o artigo 611.° do CPC. Contradição entre a resposta dada pelo Douto Acórdão recorrido e por outro acórdão das Relações ou do Supremo Tribunal da Justiça, já transitado em julgado: no acórdão recorrido foi adotada a interpretação segundo a qual não é admissível a alegação de factos supervenientes em sede de recurso; já no acórdão fundamento, entendeu o Tribunal da Relação do Porto que a melhor interpretação dos artigos 611.° e 663.°, n.° 2, ambos do CPC, é a que admite a invocação de factos supervenientes perante a Relação e o seu conhecimento na respetiva decisão, sob pena, de o contrário, violar o princípio da utilidade processual; A questão de direito sobre a qual se verifica a controvérsia foi essencial para determinar o resultado em ambas as decisões. A contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento deve ser resolvida no sentido de ser seguida a interpretação jurisprudencial anteriormente adotada em decisão transitada em julgado, i.e., no acórdão fundamento, na medida em que é a única interpretação que respeita os princípios da economia e utilidade processual, respeitando aquele que deverá ser o fim último do processo: a descoberta da verdade material. Acresce que a interpretação normativa sufragada no Acórdão recorrido encerra uma evidente e inadmissível inconstitucionalidade: a interpretação do artigo 611.°, n.° 1, e do artigo 663.°, n.° 2, ambos do CPC, no sentido de factos essenciais, mas supervenientes ao encerramento da discussão na primeira instância, não poderem ser alegados em sede de recurso e conhecidos pela Relação, é inconstitucional por violação dos princípios constitucionais de Acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional Efetiva, tutelados no artigo 20." da Constituição. XXV. Assim, inexistem dúvidas de que deve prevalecer o entendimento sufragado no Acórdão-fundamento. considerando-se ser admissível a alegação de factos supervenientes em sede de recurso. O aditamento dos referidos factos 19 a 30 - que o próprio Tribunal a guo considerou essenciais —, determinará que se julguem verificados todos os requisitos legais dos quais depende a procedência da ação. Com efeito, da factualidade a aditar resulta que, até ao momento, o valor que cada uma das Recorridas recebeu ou virá a receber como consequência da aquisição da participação social da PH no capital da Kendall corresponde a mais do dobro do valor pelo qual adquiriram tais ações (!):
XXVIII. O que confirma a evidência de o (ruinoso) negócio resolvendo se consubstanciar como gravemente prejudicial aos interesses da massa insolvente e dos seus credores e manifestamente benéfico para as ora Recorridas. XXIX. Assim, em face do exposto, deve este Tribunal ad quem determinar a remessa dos autos âo Tribunal a quo, nos termos do disposto no artigo 682.°, n.° 3, do CPC, para que este, ao abrigo do disposto nos arts.° 5.°, n.° 2, aL b) s 662,°, n.° 2 ai. <c) do CPC, determine o aditamento dos factos 19) a 30) à matéria de facto dada como provada e, em consequência, considere demonstrados os requisitos de que depende a procedência da presente ação, determinando a resolução dos negócios de alienação de ações da Kendall às Recorridas. (…)”
A 2.ª R. “Expertisability, S.A.” respondeu, sustentando, em síntese, que o Acórdão recorrido não violou qualquer norma processual ou substantiva, designadamente, as referidas pela A./recorrente, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos. Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões: “ (…) I. Nas conclusões III a XV que formula, fundamenta a Recorrente a presente revista no que designa um “erro na efectivação da apreciação da prova”, por alegada desconsideração de meio de prova que, segundo o seu entendimento imporia decisão diversa da proferida, o que faz sem contudo identificar a violação ou errada interpretação de qualquer norma jurídica pelo tribunal a quo. II. Da leitura das alegações e conclusões da Recorrente, em especial do alegado em 20º a 40º e nas conclusões X a XV, resulta claro que na verdade, o que a Recorrente pretende ver apreciado pelo Supremo Tribunal de Justiça não é a putativa violação ou errada interpretação/aplicação de qualquer norma de direito material ou III. Não imputandovício algumà decisão da matéria defactoproferida sobre o ponto que a alude na sua alegação, (o facto 16 da matéria de facto provada na sentença de primeira instância e que, não obstante a recorrente continuar a referir-se-lhe nesses termos, corresponde na verdade ao facto 15 dos factos provados no Acórdão) pretende tão só e outrossim a Recorrente, que, partindo da prova desse facto, julgado já como provado nas suas instâncias precedentes, extraia o Supremo Tribunal de Justiça diferente conclusão de Direito das extraídas nas duas decisões precedentes. IV. Do preceituado no nº3 do art. 671º do CPC resulta ser manifestamente inadmissível o recurso de revista do acórdão recorrido para esta finalidade que pretende a Recorrente, e por bem o saber a Recorrente formula a sua pretensão sob as vestes de “incorrecção do tribunal a quo na efectivação da apreciação da prova”, o que faz sem sequer cuidar de cumprir o ónus de alegação e impugnação preceituado no nº2 do art.639º do CPC, o que sempre determinaria a improcedência da sua pretensão, mesmo que admissível fosse, e sem prescindir, o recurso de revista. V. Em primeira instância o tribunal julgou provado, por acordo das partes, que as Rés “sabiam que tinha sido constituído penhor”, decisão da matéria de facto que se manteve inalterada no acórdão recorrido. VI. O tribunal a quo, como a primeira instância, subsumindo o Direito ao acervo dos factos provados e não provados, entre os quais o facto identificado pela Recorrente como facto 16 dos factos provados (que corresponde ao facto 15 da matéria de facto provada fixada pela Relação), julgou não verificados os pressupostos legais de que dependia a procedência da ação, concretamente os previstos no art. 120º do CIRE. VII. É a subsunção dos factos provados ao Direito que Recorrente efetivamente pretende ver apreciada uma terceira vez, desta feita pelo Supremo Tribunal de Justiça, e por assim ser utiliza as alegações de recurso e respetivas conclusões para dissertar sobre o que entende que deveriam as instâncias ter decidido de Direito, o que é manifestamente inadmissível. VIII. A instância recursiva não se destina a repetir e menos ainda a tentar aperfeiçoar as alegações vertidas nos articulados e que não obtiveram procedência em duas instâncias. IX. A primeira como a segunda instância julgaram provado por acordo o facto 15 dos factos provados elencados no Acórdão recorrido (facto 16 dos factos provados na sentença de primeira instância), decisão da matéria de facto esta a que a Recorrente não imputa qualquer vício à luz das regras de direito material e processual. X.n Subsumindo este facto e a demais matéria de facto ao Direito aplicável, julgaram a primeira como a segunda instância não verificados os pressupostos de que dependia a procedência da ação, sem voto de vencido e sem fundamentação diferente. XI. A subsunção do facto provado 15 (do acervo da matéria de facto provada do acórdão recorrido) ao Direito, nos termos em que foi julgado pelas duas instâncias, em duas decisões plenamente conformes determina, nos termos no nº3 do art. 671º do CPC, a manifesta inadmissibilidade da Revista com a finalidade pretendida pela Recorrente de reapreciação do julgamento de Direito efetuado pelas instâncias precedentes, devendo, em consequência, nos termos do nº2 do art. 641º do CPC ser indeferido, porquanto legalmente inadmissível o recurso de revista. XII. Nas conclusões XVI a XIX a Recorrente pugna pela procedência da revista comfundamentonaalegadamenteerradainterpretação e aplicação pelo tribunal a quo do disposto nos art. 5º nº2 alínea b) e art.º 662, nº2 alínea c) do CPC, no segmento do acórdão recorrido em que decidiu o Tribunal da Relação não admitir o aditamento dos factos 1 a 8 da conclusão L da Apelação, com correspondência nos factos 1 a 8 da conclusão XVI da presente revista. XIII. Do teor dos factos provados 9 e 10 do acórdão recorrido (com correspondência nos factos 10 e 11 da sentença de primeira instância), nos quais se dá por integralmente reproduzido o teor de tais documentos, resulta que o julgador extraiu dos mesmos a prova dos factos que julgou provados e enunciou no texto da decisão porquanto relevantes para a decisão da causa, em face do pedido e causa de pedir da Autora e defesa das Rés. XIV. A alegação da Recorrente cinge-se a uma mera impugnação, não motivada sequer, daqueles que foram os pressupostos de Direito que determinaram o Tribunal da Relação a julgar improcedente o requerido aditamento à matéria de facto, incumprindo assim manifestamente a Recorrente o ónus de alegação e impugnação que, nos termos do nº2 do art.º 639º do CPC sobre si impendia, donde não podem as mesmas deixar de improceder. XV. Não cumpre tal ónus, não cabe em absoluto na instância recursiva da revista, e é inequivocamente esclarecedor do que efetivamente pretende a Requerente com este recurso, o teor do vertido de 55º a 68º das alegações que mais não consubstancia do que uma dissertação do que entende a Recorrente que deveriam as instâncias ter decidido de Direito, o que é nesta sede manifestamente inadmissível em face da plena dupla conformidade das decisões de primeira e segunda instância. XVI. A Recorrente pretende ver aditada à matéria de facto provada, como alegadamente resultante do teor dos documentos, “matéria” sobre a qual as duas instâncias precedentes, considerando o teor integral dos documentos devidamente conjugado com a demais prova e factualidade julgada provada e não provada, e em dupla conforme, julgaram já, de facto e de Direito em sentido diverso. Com efeito, XVII. As decisões da primeira e segunda instância são inequivocamente conformes quanto à irrelevância do valor nominal das ações em causa para a hipotética procedência do peticionado pela A. aqui Recorrente à luz do preceituado no art. 120º do CIRE. XVIII. As decisões de primeira e segunda instância são inequivocamente conformes na conclusão de que “ a autora não conseguiu provar que a venda das ações em casa comportou para a insolvente um prejuízo de €2.714,971,80, desde logo porque não ficou provado o valor unitário das ações vendidas e que serviu de base de cálculo daquele alegado prejuízo”, (sublinhado nosso). XIX. E não obstante, pretende a Recorrente, com este recurso de Revista, que o Supremo Tribunal de Justiça, desconsiderando as decisões de facto e de Direito precedentes, adite à matéria de facto provada, sob as vestes de facto instrumental, “matéria” que o tribunal, valorou em sentido oposto no julgamento dos factos essenciais e no julgamento de Direito que resultou da primeira instância e que o Tribunal da Relação confirmou. XX. Consciente da impossibilidade legal de pôr em crise nesta instância a decisão do tribunal a quo, plenamente conforme com a de primeira instância, no sentido de que “ a autora não conseguiu provar que a venda das acções em casa comportou para a insolvente um prejuízo de €2.714,971,80, desde logo porque não ficou provado o valor unitário das acções vendidas e que serviu de base de cálculo daquele alegado prejuízo”, XXI. A Recorrente, ao abrigo de uma alegadamente errada aplicação pelo tribunal a quo do preceituado nos art. 5º e 662º do CPC, cujos fundamentos sequer explicita, tenta, por meio que a lei processual manifestamente não permite, que este Supremo Tribunal isoladamente extraia dedois documentoseaditeà matéria defactoprovada factos que qualifica de instrumentais, XXII. e de que pretende a Recorrente poder extrair conclusões de Direito opostas ao julgamento dos factos essenciais e de Direito que resultou da apreciação e valoração pelas duas instâncias precedentes (não só mas também) desses mesmos documentos necessariamente em conjunto com a demais prova produzida, julgamentos esses que, em face do disposto no nº3 do art. 671º do CPC, não pode nesta instância ver reapreciados. XXIII. Na impossibilidade legal de reverter o julgamento da matéria de facto, confirmado pelo Tribunal da Relação, sobre a não prova dos factos 1 e 2 e 5 dos factos não provados (factos esses essenciais para procedência da acção à luz do art. 120º do CIRE) no que concerne ao valor das ações transacionadas, o alegado “conluio” e ao alegado prejuízo, a Recorrente faz uso desta instância recursiva para tentar ressuscitar, contra o que sabe resultar do preceituado no nº3 do art.º 671º CPC, a discussão sobre o julgamento da matéria de facto essencial e de Direito, apelando à suposta necessidade de aditar factos instrumentais que não teriam nunca a aptidão de contrariar o caso julgado que quanto aos factos essenciais se formou já nos autos. XXIV. Sem prejuízo da manifesta improcedência das alegações da Recorrente desde logo por incumprimento do ónus de alegação preceituado no nº2 do art. 639º CPC, é notório que na decisão do tribunal a quo no sentido de não admitir o aditamento dos factos 1 a 8 e manter a matéria de facto fixada na primeira instância não se mostra violado ou erradamente interpretado ou aplicado nem o disposto do art. 5º nem o disposto no art.662º do CPC. XXV. Em consequência, desde logo por inadmissibilidade legal em face do nº3 do art. 671º do CPC, como ainda por incumprimento do ónus de alegação previsto no nº2 art. 639º do CPC, e, sem prescindir, por falta de fundamento, devem ser julgadas totalmente improcedentes as alegações conclusões da Recorrente, e ser negada a revista, confirmando-se o Acórdão Recorrido. XXVI. Vem, por fim, a Recorrente, deduzir revista excecional, por aventada subsunção ao disposto na al. c) do n.º 1 do artigo 672º do CPC, na medida em que o acórdão recorrido estará em contradição com decisão tomada pelo Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do processo n.º 6676/17.2T8PRT.P1, de 30.05.2018, invocando ter-se neste efetuado aquela que considera a melhor interpretação do disposto nos artigos 611º e 663º, n.º 2 doCPC,no sentido de se admitir a invocaçãode factos supervenientes perante a Relação e o seu conhecimento na respetiva decisão, sob pena, de o contrário, violar o princípio da utilidade processual, peticionando assim pelo aditamento dos pontos de facto 19 a 30 constantes da suas alegações recursivas perante o tribunal a quo. XXVII. A admissibilidade da revista excecional está dependente, por força do estatuído na al. c) do n.º 1 do artigo 672º do CPC da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: quadro fáctico idêntico entre os acórdãos; incidência sobre a mesma questão fundamental de direito e no domínio da mesma legislação; contradição entre a resposta dada pelo acórdão recorrido e o acórdão-fundamento; a questão de direito sobre a qual repousa a controvérsia ser essencial para determinar o resultado em ambas as decisões; XXVIII.Ora, no caso do recurso de revista excecional que ora se contradita, não se está perante a verificação de qualquer um dos quatro requisitos de que a sua apreciação depende. XXIX. Desde já, importando destrinçar que parte dos pontos de facto - 19 a 26 - cujo aditamento a Recorrente pretende por via da revista excecional, embora supervenientes à propositura da ação, tiveram lugar em momento anterior ao encerramento da discussão em primeira instância, ao invés da factualidade a que alude o acórdão-fundamento, na medida em que aqui os mesmos ocorreram inclusivamente após as alegações de recurso para o Tribunal da Relação. XXX. De onde, se impunha à Recorrente o dever de, por força do conjugadamente disposto nos artigos 611º e al. c) do n.º 3 do artigo 588º, ambos do do CPC, através de articulado superveniente, suscitar e demonstrar essa mesma factualidade até ao encerramento da discussão, o que a Recorrente manifestamente não cumpriu. XXXI. Conforme vem sendo jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, in casu, trecho do sumário extraído do processo n.º 1129/09.5TBVRL-H.G1.S2, de06.12.2016. “A concentraçãodosmeios dedefesa e a obrigatoriedade de os alegar, sob pena de perda do direito de invocação, preclusão, estão ligados à estabilidade das decisões, o que tem a ver com o instituto do caso julgado, e como o dever de lealdade e de litigar de boa fé (processual).”, sendo que perante a clareza do enquadramento jurídico, forçoso é concluir pelo facto de, relativamente aos pontos 19 a 26 não se verificar qualquer um dos quatro requisitos de que depende a apreciação da oposição de julgados. XXXII. Assim, no tocante aos pontos 19 a 26, caso a Recorrente tivesse efetuado a demonstração de que eram factos essenciais à causa de pedir (o que não sucedeu) enquanto factos objetivamente supervenientes à data da propositura da ação,masanteriores à datadoencerramentoda discussão, sempre se lhe impunha proceder à sua invocação e comprovação até tal momento processual. XXXIII. Não se colocando sequera hipótese de taispontos consubstanciarem superveniência subjetiva, na medida em que nada foi invocado quanto ao eventual hiato temporal entre a sua ocorrência e a data em que dos mesmos tomou conhecimento desconhecimento. XXXIV.Inexiste assim, identidade ou similitude da base factual entre as decisões em confronto, as mesmas não se reportam à mesma questão essencial de direito, porque, desde logo, nos pontos 19 a 26, o que esteve na base da decisão recorrida foi o facto destes não terem sido invocados e demonstrados até ao encerramento da discussão em primeira instância, quando o podiam ter sido, XXXV. Inexistindo assim, consequentemente, qualquer contradição, visto no caso doacórdãorecorrido estar em causaa violação dos artigos 588º e 611º do CPC e dos princípios da preclusão e da concentração e não a inadmissibilidade da invocação de factos supervenientes à data do encerramento da discussão em primeira instância, o que faz igualmente precludir a verificação do último requisito quanto à essencialidade da questão no âmbito do acórdão recorrido. XXXVI.Não se subsumindo a pretendida apreciação por oposição de julgados na previsão normativa da al. c) do nº 1 do artigo 672º do CPC, prejudicando insanavelmente o desiderato recursivo. XXXVII. Já no que concerne aos pontos 27 a 30, estes sim, tiveram o seu advento em momento posterior ao encerramento da discussão em primeira instância, o que constitui o único “ponto de contacto” com o acórdão-fundamento. XXXVIII. No caso do acórdão-fundamento está-se perante uma situação fáctica em que a apelante (ex-trabalhadora), tendo tomado conhecimento da contratação de duas funcionárias para a área administrativa pela apelada, suscitou a questão junto do tribunal, tendo requerido a este diligências de averiguação, até porque a prova do alegado teria de estar em posse do apelado (suposta entidade contratante). XXXIX. Pelo que, notificada que foi a apelada para efeitos do exercício do contraditório, veio a refutar tais alegações, tendo junto documentação que corroboraria tal refutação dos factos agora invocados. XL. Ora, do acórdão-fundamento extrai-se claramente o seguinte: Assim verificados os circunstancialismos referidos e cumprido que seja o contraditório, entendemos que a melhor interpretação da lei é no sentido de que, também, na Relação se deve admitir a alegação e conhecimento dos factos supervenientes, especialmente, nos casos, em que haja acordo das partes nesse sentido. Transpondo o exposto para o caso, verifica-se que (…) a R. não se opôs e exerceu o contraditório, pelo que pareceria nada obstar a que fosse considerado no acórdão o decorrente do seu requerimento.” XLI. Do exposto, decorre que foi pressuposto para a asserção do acórdão-fundamento supra, a circunstância de as partes estarem de acordo relativamente à admissibilidade da nova factualidade invocada e sobre o qual foi exercido o contraditório e juntos documentos a suportá-lo. XLII. Ao invés, no caso do acórdão recorrido, não se verifica o pressuposto que levou a que no acórdão-fundamento se entendesse, por princípio, admissível tal nova factualidade: o referente à existência de acordo entre as partes para o efeito, isto porque, in casu, a Recorrida, ao tomar conhecimento das alegações de recurso da MI tomou posição contrária a tal admissibilidade. XLIII. Por outro lado, se na situação do acórdão-fundamento, para além do acordo, existiu um verdadeiro contraditório em que ambas as partes requereram a produção de prova que entenderam por pertinente, no caso do acórdão recorrido, não houve sequer lugar a contraditório porquanto a Recorrente se limitou a pretender aditar determinados pontos, ancorada em documentação que não se encontra nestes autos e que aquela não juntou, o que prejudica que sobre a substância do invocado se pudesse, evidentemente, pronunciar. XLIV. Documentos esses cujo teor o tribunala quo e a Recorrida desconhece quais pudessem ser, uma vez nunca terem sido levados ao seu conhecimento, tornando ainda a pretensão recursiva ainda mais insólita, quando é a própria Recorrente a confessar – artigos 289º “Esta factualidade resulta provada dos Documentos n.º ...3 a ...8 juntos pela Recorrente ao requerimento inicial de arresto, que integra o apenso L dos presentes autos.” e 290º “Bem como do Documento n.º ... junto ao requerimento apresentado nesse apenso em 11.05.2021.”das alegações de recurso de apelação que tinha acesso e em seu poder tal documentação, pelo que só à sua consciente conduta sepode ficar a dever tal omissão de junção, uma vez mais violadora do princípio da preclusão e da concentração em matéria de prova. XLV. Em suma, é forçoso concluir pela não verificação de qualquer base fáctica subjacente idêntica ou semelhante,até porque os elementos quese colhem espelham justamente o inverso, o antagonismo reinante entre ambos os acervos factuais. XLVI. Identicamente, não se verifica a incidência sobre a mesma questão de direito, porquanto a não admissibilidade dos pontos 27 a 30, cuja substanciação nunca foi sequer tentada junto dos autos, resulta, antes sim, da constatação de uma manifesta violação dos princípios da concentração e da preclusão, a qual, de resto, é referida no acórdão recorrido quando identifica estes mesmos pontos de facto como não probatoriamente consubstanciados nestes autos. XLVII. No mesmo sentido e considerando o vindo de expor, não se verifica o requisito quanto à essencialidade da questão de direito objeto de controvérsia (por oposição de julgados) para a determinação do resultado em ambos os arestos, porquanto no caso do Tribunal a quo, este fundamentou o não aditamento dos referidos pontos, pelo menos, também no fundamento de a prova desses pontos não ter sido junta a estes autos, XLVIII.pelo que, a existência deste fundamento, por si só, esvazia a eventual essencialidade que qualquer entendimento em matéria de inadmissibilidade por superveniência à data do encerramento da discussão que o tribunala quo possa ter, cumulativamente, efetuado; o queprejudica, irremediavelmente, a verificação de mais este imprescindível requisito. XLIX. Idêntico vazio de essencialidade tem lugar no acórdão-fundamento porquanto aí se deixa claro que a matéria trazida superveniente e os moldes em que ofoi erespetiva documentação junta em contraditório nada aportariam aos autos, pelo que o Tribunal não ordenou qualquer diligência, nem tomou em consideração qualquer alteração a tal factualidade. L. Ora, se o acórdão-fundamento não fez uso da admissibilidade de tal factualidade superveniente para a fundamentação da decisão, está precludida a possibilidade desde logo de se verificar um outro requisito necessário para a apreciação do recurso de revista excecional: a existência de contradição entre as decisões em suposto confronto. LI. Ausência de contradição essa que decorre, igualmente, da circunstância de no caso do acórdão recorrido e do acórdão-fundamento se partir de premissa jurídicas absolutamente distintos, como seja a existência de acordo entre as partes para trazer para os autos aquela nova factualidade para o acórdão-fundamento, circunstância essa que se encima o referido aresto para efeitos de considerar, por princípio, admissível tal nova factualidade, acordo esse que, manifestamente não ocorreu, nem poderia, nem que fosse por ausência probatória desses factos, como sucedeu no caso do acórdão recorrido. LII. De todo o exposto, inexorável se torna concluir pela não verificação, também relativamente aos pontos 27 a 30, de nenhum dos quatro cumulativos requisitos imprescindíveis para a apreciação da propalada oposição de julgados exigidos pela al. c) do n.º 1 do artigo672º doCPC, não podendo deixar de ser negado provimento ao pedido de revista excecional formulado pela Recorrente. LIII. À cautela e sempre sem transigir quanto à não verificação dos necessários requisitos com vista à apreciação da pretendida oposição de julgados, entende a Recorrida que, em qualquer caso, a ter a decisão recorrida adotado entendimento oposto (na aceção da al. c) do n.º 1 do artigo 672º do CPC) àquele que decorre do acórdão-fundamento suscetível de oposição de julgados, LIV. ainda assim a decisão do tribunal a quo é aquela que corresponde à melhor solução jurídica em matéria de admissibilidade ou não de factos supervenientes ao momento do encerramento da discussão em primeira instância, não podendo deixar de aqui se secundar, remetendo para a superiormente fundamentada sustentação de tal entendimento, conforme expresso no acórdão recorrido. LV. Importa, por último, atentar em mais uma falaciosa argumentação da Recorrente, no sentido de que as alegações sobre os factos pretendidos aditar, mormente os constantes de pontos 27 a 30, a coberto de uma suposta oposição de julgados, mormente, a de que tais invocados factos constituiriam factos essenciais e que o seu aditamento à matéria de facto provada, determinariaa verificaçãodetodosos requisitos dos quais depende a procedência da ação. LVI. Ora, a este propósito, importa deixar claro que não se vislumbra como possa pretender a Recorrente que uma redução de capital da sociedade Kendall Develops, cerca de 6 após a compra e venda de ações em causa possa consubstanciar um facto essencial à pretensão resolutória estribada no artigo 120º do CIRE. LVII. Sendo certo e seguro, conforme se decidiu em primeira e segunda instância, com absoluta dupla conforme, que a Recorrente não logrou comprovar qualquer um dos factos constitutivos do direito de resolução (à exceção do temporal, isto é, a transmissão ter ocorrido nos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência), a saber: a prejudicialidade do negócio, a má-fé dos contraentes, nem a situação de insolvência ou eminente da sociedade PRIVADO HOLDING. LVIII. Sendo por demais manifesto que nenhum dos factos que a Recorrente tenta, por via deste expediente recursivo, tem a virtualidade de permitir afastar a prova de facto produzida e a respetiva consequência jurídica ao nível dos supra referidos factos constitutivos do direito de resolução. LIX. Sendo que, no que à apreciação em particular da prejudicialidade diz respeito, são os factos em análise absolutamente neutros e até exógenos face ao que se impunha à Recorrente comprovar e que passava, inelutavelmente, por demonstrar qual o valor dos títulos à data da transmissão em causa consideradas as condicionantes depreciativas que afeta(va)m estes títulos em particular, em conformidade com o decidido em primeira instância e corroborado pelo tribunal a quo. LX. O que, de todo em todo, qualquer um dos pontos que a Recorrente pretende ver aditados à matéria de facto é apto a demonstrar. LXI. Destarte, é inexorável concluir que nenhum destes supostos factos supervenientes em apreço se consubstancia num facto essencial ou sequer se enquadra na causa de pedir (nem nos temas da prova), logo também por esta via, insuscetíveis de serem supervenientemente aditados à matéria de facto. (…)”
Proferida decisão pela “Formação” a admitir a revista excecional e obtidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir. *
II – Fundamentação de facto II – A – Factos Provados 1) A insolvente era uma sociedade anónima que tinha como objeto social a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta do exercício de atividades económicas. 2) No quadriénio 2013-2016, e portanto, à data da declaração de insolvência, e antes, o Conselho de Administração da insolvente era constituído pelos seguintes elementos: a. AA, na qualidade de Presidente e b. BB, melhor identificados na sentença que declarou a insolvência. 3) A 1.ª Ré, por sua vez, é uma sociedade comercial de direito espanhol, constituída por escritura pública de 25.04.2005, cujo objeto social é a gestão e administração de valores representativos de fundos próprios de entidades não residentes em território espanhol, conforme resulta da «Información General Mercantil», junta como doc. ... ao incidente de qualificação de insolvência, que corre por apenso aos autos de insolvência, e cujo teor aqui se dá por reproduzido. 4) A insolvente era titular de uma participação social no capital social da 1.ª Ré, a que, no final de 2014, correspondia 24,78% do capital social da A., conforme resulta da pág. 25 da «Memoria Abreviada correspondiente al ajercicio anual terminado el 31 de Diciembre de 2014» que integra o doc. ... junto ao incidente de qualificação de insolvência cujo teor aqui se dá por reproduzido. 5) Em 31 de Dezembro de 2014, (e conforme resulta do aludido documento) a insolvente era titular de 9.240.845 ações representativas do capital social da 1.ª Ré. 6) No final de 2014, a situação líquida da KENDALL DEVELOPS, S.A. resultante dos seus balanços abreviados era de € 16.583.948,77 (dezasseis milhões e quinhentos e oitenta e três mil novecentos e quarenta e oito euros e setenta e sete cêntimos). 7) O capital social da KENDALL DEVELOPS, S.A. encontrava-se representado à data por um total de 37.298.276 ações. 8) A constituição da sociedade EXPERTISABILITY, S.A. foi registada na Conservatória do Registo Comercial pela Ap. ... de 27-03-2015, por deliberação da mesma data, com sede no Largo ..., ..., ... ..., tendo por objeto a prestação de serviços de consultoria estratégica para os negócios e realização de investimentos, e um capital social de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) – cf. certidão permanente junta aos autos a 13 de novembro de 2020, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 9) Em 26-05-2015, a ré EXPERTISABILITY, S.A. adquiriu à PRIVADO HOLDING, SGPS, S.A. uma participação na KENDALL DEVELOPS, S.A., correspondente a 4.620.423 (quatro milhões, seiscentas e vinte mil e quatrocentas e vinte e três) ações, pelo valor de € 675.000,00 (seiscentos e setenta e cinco mil euros) – cf. tradução dos contratos de alienação de ações juntos pela autora por requerimento junto aos autos a 24-01-2020, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 10)Em 26-05-2015, a Ré NÚCLEO 2054 – CONSULTORES E INVESTIMENTOS IMO – FINANCEIROS, S.A. adquiriu à PRIVADO HOLDING, SGPS, S.A. uma participação na KENDALL DEVELOPS, S.A., correspondente a 4.620.422 (quatro milhões, seiscentas e vinte mil e quatrocentas e vinte e duas) ações, pelo valor de € 675.000,00 (seiscentos e setenta e cinco mil euros) – cf. tradução dos contratos de alienação de ações juntos pela autora por requerimento junto aos autos a 24-01-2020, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 11)A PRIVADO HOLDING, SGPS, S.A. apresentou-se à insolvência a 30-09-2016 e a sentença que declarou a mesma data de 18-10-2016. 12)Por escrito denominado Contrato de Penhor, datado de 5 de dezembro de 2008, em que figuram como outorgantes o ESTADO PORTUGUÊS (designado por GARANTE), o BANCO PRIVADO PORTUGUÊS, S.A. (designado por CONTRAGARANTE) e o BANCO DE PORTUGAL (designado por DEPOSITÁRIO), declararam os mesmos: “CONSIDERANDO QUE: A) Sujeito aos termos e condições de um contrato de empréstimo (“Contrato de Empréstimo”) celebrado na presente data, os Banco Comercial Português, S.A., Caixa Geral de Depósitos, S.A., Banco Espírito Santo, S.A., Banco BPI, S.A., Banco Santander Totta, S.A., e Caixa Central – Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo CRL (“Bancos”) concederam ao BPP um crédito no montante máximo de EUR 450.000.000,00 (quatrocentos e cinquenta milhões de euros), e se destina a assegurar a manutenção da exploração enquanto se procede, por intermédio do Banco de Portugal e/ou outra entidade designada para o efeito, ao estudo e concretização de um plano de saneamento e/ou de outras ações de viabilização da Requerente beneficiária; B) As obrigações do BPP perante os Bancos ao abrigo do Contrato de Abertura de Crédito foram garantidas por uma garantia (“Garantia do Estado”) prestada pelo GARANTE a favor dos Bancos nos termos da Lei n.º 112/97, de 18 de setembro; C) Nos termos do artigo 592.º do Código Civil, caso o GARANTE venha a cumprir perante os Bancos as obrigações e responsabilidades do BPP ao abrigo do Contrato de Abertura de Crédito, o mesmo ficará sub-rogado nos créditos dos Bancos ao abrigo do Contrato de Abertura de Crédito que tenha sido objeto desse cumprimento, passando o GARANTE a ser credor do BPP pelo montante desses créditos, nos termos e condições estabelecidos para esses créditos no Contrato de Abertura de Crédito (“Obrigações garantidas”); D) Para garantia do cumprimento das Obrigações Garantidas, o GARANTE exigiu ao CONTRAGARANTE a constituição de penhor de primeiro grau sobre os Ativos Empenhados e o CONTRAGARANTE aceitou prestar a referida garantia, ou assumir os compromissos necessários à sua constituição; É celebrado o presente contrato de penhor (“Contrato de Penhor”), o qual se regerá pelo disposto nas cláusulas seguintes: CLÁUSULA PRIMEIRA DEFINIÇÕES (…) CLÁUSULA SEGUNDA OBJECTO 2.1. Constituição de Penhor Em garantia do cumprimento pontual, tempestivo e integral de todas as Obrigações garantidas, o BPP constitui os penhores previstos no presente Contrato de Penhor nos termos e condições aqui estabelecidos. 2.2. Unicidade e Indivisibilidade O penhor ora constituído é uno e indivisível. CLÁUSULA TERCEIRA CONSTITUIÇÃO DE PENHOR PELO BPP 3.1. Penhor Financeiro dos Valores Mobiliários (a) Em garantia do cumprimento pontual, tempestivo e integral das Obrigações Garantidas, o BPP constitui a favor do GARANTE, que aceita, um penhor financeiro de primeiro grau sobre os Valores Mobiliários BPP. (…) CLÁUSULA SEXTA EXECUÇÃO DAS GARANTIAS 6.1. Penhor de Valores Mobiliários (a) Em caso de verificação de Situação de Incumprimento, o GARANTE pode executar o Penhor dos Valores Mobiliários, total ou parcialmente e por uma ou mais vezes, e pela forma (judicial ou extraprocessualmente) que o GARANTE considerar razoavelmente apropriada. (b) No âmbito da execução do Penhor dos valores Mobiliários, o GARANTE poderá, conforme permitido ao abrigo do artigo 675.º do Código Civil: (i) proceder à venda dos valores Mobiliários extraprocessualmente, através de um contrato de compra e venda privado ou de uma ou mais vendas efetuadas num qualquer mercado regulamentado, nas melhores condições disponíveis no mercado no momento da venda; e/ou (ii) proceder à venda judicial dos Valores Mobiliários (ou de qualquer parte das mesmas) através dos tribunais portugueses, em qualquer caso, sem prejuízo do direito do GARANTE proceder à compensação do preço que assim for devido com as Obrigações Garantidas. (c) O CONTRAGARANTE acorda ainda que no âmbito da execução do Penhor dos Valores Mobiliários, o GARANTE poderá fazer seus os Valores Mobiliários empenhados, no todo ou em parte. (…) CLÁUSULA OITAVA REGRAS DE VALORIZAÇÃO DOS ACTIVOS EMPENHADOS 8.1. Consoante os ativos objeto de penhor forem sendo entregues ou disponibilizados ao GARANTE ou a DEPOSITÁRIO, estes poderão efetuar a reavaliação dos ativos dados em contragarantia, devendo o CONTRAGARANTE prestar todos os esclarecimentos e fornecer todos os elementos para o efeito. 8.2. Para cada ativo é especificado um único mercado de referência para ser usado como fonte de preços, assim, para os ativos listados, cotados ou transacionados em mais do que um mercado, apenas um desses mercados é especificado como fonte de preços para o ativo em questão. (a) Para cada mercado de referência será definido o preço representativo a ser utilizado no cálculo dos valores de mercado. Se mais do que um preço for cotado nesse mercado, será utilizado o bid price. (b) O valor de cada ativo é calculado com base no seu preço representativo no dia útil imediatamente anterior à data da valorização. (i) Na ausência de preço representativo para um ativo determinado no dia útil imediatamente anterior, será utilizado o preço que o GARANTE ou o DEPOSITÁRIO definir, tendo em conta o último preço identificado para o ativo no mercado de referência. 8.3. O valor de mercado de um instrumento de dívida é calculado incluindo os juros corridos. 8.4. Para as operações baseadas em Direitos de Crédito, o pagamento dos fluxos financeiros é feito diretamente ao CONTRAGARANTE, sendo este, no caso do valor global da contragarantia ser inferior ao valor da garantia, obrigado a compensar a redução do valor dos ativos que constituem o penhor, por força do recebimentos desses fluxos, através da entrega de ativos de valor equivalente a efetuar até à data do pagamento. 8.5. Para os restantes ativos ou para os ativos para os quais não seja possível especificar um mercado de referência para ser usado como fonte de preços, o GARANTE ou o DEPOSITÁRIO define, caso a caso, a valorização dos ativos em causa. 8.6. Os ativos não denominados em euros devem ser convertidos em euros à Taxa Spot aplicável do dia útil anterior. 8.7. O valor das Obras de Arte é o valor estabelecido para efeitos do respetivo contrato de seguro. CLÁUSULA NONA ÓNUS OU LIMITAÇÕES O CONTRAGARANTE assume e garante que, á data da transferência ou da constituição do penhor, os ativos existem e são válidos, são sua propriedade plena e ou do seu representado que sobre eles e sobre os direitos patrimoniais que lhes sejam inerentes não incide qualquer ónus, encargo, limitação ou vinculação, para além do registo obrigatório do penhor a favor do GARANTE, conforme o caso, bem como, no caso de participações de sociedades do averbamento no livro de registo de ações da sociedade da constituição de penhor sobre as mesmas. (…) CLÁUSULA DÉCIMA TERCEIRA NOMEAÇÃO DE DEPOSITÁRIO 13.1 O GARANTE nomeia o BANCO DE PORTUGAL como depositário e gestor das contragarantias prestadas no âmbito do presente Contrato. 13.2 O BANCO DE PORTUGAL aceita ser Depositário e gestor do Estado. (…). – cf. contrato de penhor junto aos autos como documento n.º ... da contestação junta aos autos pela Kendall Develops, S.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 13)Por comunicação datada de 03-09-2010, enviada pelo BANCO DE PORTUGAL ao BANCO PRIVADO PORTUGUES, S.A., EM LIQUIDAÇÃO, sob o assunto “Execução das Contragarantias concedidas ao Estado Português no âmbito do Contrato de Penhor de 5 de dezembro de 2008”, refere aquela entidade: “Em cumprimento do estabelecido na Cláusula 6.ª , n.º 6.1, alínea c) do Contrato de Penhor celebrado em 05-12-2008, entre o Estado Português, o Banco Privado Português, S.A. e o Banco de Portugal enquanto depositário e gestor das contragarantias, vimos por este meio informar V.Exas. que o Estado Português exerceu o direito de apropriação, fazendo seus os seguintes Valores Mobiliários: (…) v. 9.240.845 ações representativas de capital da sociedade de direito espanhol Kendall Develops, S.A. (…).” - cf. documento junto aos presentes autos a 13-11-2020, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 14)Da Ata da Reunião do Conselho de Administração da Sociedade PRIVADO HOLDING, SGPS, S.A., datada de 1 de março de 2013, consta, designadamente o seguinte: “(…) encontrando-se presentes os seus membros, os Senhores Dr. AA e Professor Doutor BB. Estava, assim, presente a totalidade dos membros do Conselho de Administração, encontrando-se reunidas as condições para que este possa validamente reunir e deliberar sobre a seguinte ordem de trabalhos: Ponto Um: Análise e discussão sobre a situação da participada Kendall Develops; (…) Aberta a sessão, e entrando-se no Ponto Um da Ordem de Trabalhos, tomou a palavra o Senhor Presidente do Conselho de Administração, começando por referir a importância da regularização da situação da participada Kendall Develops, na medida em que a mesma constitui um dos activos mais importantes para o Grupo Privado Holding. Contudo, continuou, tanto quanto é conhecimento deste Conselho de Administração, os títulos representativos das ações de que esta sociedade é titular na Kendall Develops encontrar-se-ão depositados junto do “Banco Privado Português, S.A. – Em Liquidação”, na medida em que as mesmas se encontram empenhadas a favor do estado Português desde a data da celebração do contrato de penhor em 5 de dezembro de 2009. Referiu também que, não obstante a existência desse ónus, torna-se essencial recuperar os referidos títulos, permitindo-se o normal andamento do processo judicial intentado contra o Estado Português, Banco de Portugal e Banco Privado Português, S.A., que corre termos junto da ... Vara Cível, ... Secção, do Tribunal Judicial ..., sob o n.º 814/10..... Nesse sentido, foi deliberado, por unanimidade, enviar uma comunicação ao “Banco Privado Português, S.A. – Em Liquidação”, solicitando a entrega daqueles títulos a esta Sociedade. Transmitiu, por fim, o Senhor Presidente do Conselho de Administração, que tal comunicação deveria referir a fusão operada entre a Privado Holding e a “P..., SGPS, S.A.”, no final de 2011, por forma a comprovar a titularidade daquela participação, anteriormente pertencente àquela sociedade. Foi, ainda, decidido contactar os membros do Conselho de Administração da Kendall Develops para assegurar a indicação por esta sociedade, enquanto acionista de referência, de um membro para aquele órgão. (…).” - cf. documento junto aos presentes autos a 18-11-2020 e admitido por despacho lavrado em ata de 08-01-2021, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 15)Aquando da outorga dos escritos aludidos nos factos provados 10) e 11), as rés EXPERTISABILITY e NÚCLEO 2054 sabiam que tinha sido constituído o penhor aludido no facto provado 23) sobre as ações que declaravam adquirir – cf. facto 27 constante da contestação da ré Expertisability e factos 17, 18, 19 e 20 da ré Núcleo 2054, não impugnados pela autora. 16)A PRIVADO HOLDING, SGPS, S.A. quis alienar a totalidade da sua participação social na Kendall por necessidade de tesouraria. 17)Por força da entrada em Liquidação do BANCO PRIVADO PORTUGUÊS, S.A., a PRIVADO HOLDING, SGPS, S.A., enquanto sociedade que detinha o controlo acionista daquele Banco, ficou com a sua reputação nos mercados financeiros afetada negativamente, por força da conotação pública entre ambos. 18)Os danos de reputação aludidos no facto provado 32) também se estendiam à KENDALL DEVELOPS, S.A., enquanto sociedade criada e gerida no “universo BPP”, não cotada em bolsa, sendo vista nos mercados com muita desconfiança e reserva quanto ao real valor das suas operações. 19)Em 2012, a KENDALL lançou uma oferta de compra das ações do universo de todos os seus acionistas ao preço de € 0,495 por ação na condição de as ações estarem livres de ónus, sendo que aproximadamente cento e oitenta acionistas venderam as suas ações e saíram do capital da empresa. 20)Entre 2013 e 2015, em vários momentos, a PRIVADO HOLDING tentou vender as ações da KENDALL mas nunca conseguiu encontrar interessados na aquisição das mesmas.
II – B - Factos não Provados Não se provou que: 1) As ações alienadas às rés EXPERTISABILITY e NÚCLEO 2054 tinham, à data da alienação, o valor unitário de mercado de 0,44€ (quarenta e quatro cêntimos). 2) No início do ano de 2015, os administradores da agora insolvente em conluio com os administradores da 2.ª Ré e da 3.ª Ré, venderam a sua participação na 1.ª Ré, às 2.ª e 3.ª RR. 3) A aquisição das ações aludida no facto provado 10) tenha sido efetuada pelo preço de € 725.000,00 (setecentos e vinte e cinco mil euros). 4) A aquisição das ações aludida no facto provado 11) tenha sido efetuada pelo preço de € 775.000,00 (setecentos e setenta e cinco mil euros). 5) Os negócios aludidos nos factos provados 10) e 11) comportaram um prejuízo de € 2.714.971,80 (dois milhões, setecentos e catorze mil, novecentos e setenta e um euros e oitenta cêntimos) para os credores da massa insolvente, e um benefício de igual montante para as adquirentes. 6) À data dos negócios aludidos nos factos provados 10) e 11) a PRIVADO HOLDING sabia que as suas dívidas ascendiam a € 28.473.701,10 (vinte e oito milhões, quatrocentos e setenta e três mil, setecentos e um euros e dez cêntimos). *
III – Fundamentação de Direito Com os presentes autos, como resulta de relato inicial, pretende a A. (uma Massa Insolvente) que seja operada a resolução a seu favor dos negócios em que, em 26/05/2025, a Insolvente transmitiu a favor das 2.ª e 3.ª RR. as participações sociais que a Insolvente então detinha na 1.ª R.. Resolução (em benefício da massa) que, como é permitido pelo art. 123.º/1 do CIRE, é normalmente efetuada de forma extrajudicial pelo próprio AI (com o envio de carta registada com A/R a declarar tal resolução), seguindo-se depois a ação de impugnação da resolução prevista no art. 125.º do CIRE intentada (como AA.) pelos “terceiros” contra quem o AI operou a resolução, ou seja, tendo como tema sob discissão a resolução em benefício da massa, o que normalmente temos, em termos processuais, é uma ação/impugnação judicial da resolução operada extrajudicialmente pelo AI, a qual, é pacífico, assume a natureza duma ação declarativa de simples apreciação negativa, competindo assim à Massa Insolvente (R. em tais ações/impugnações normalmente intentadas) a alegação e prova dos factos constitutivos dos fundamentos invocados para efeitos de resolução (em benefício dela, Massa Insolvente). Aqui, as posições processuais estão invertidas – aqui é A. a Massa Insolvente (que “prescindiu” do meio extrajudicial permitido pelo art. 123.º do CIRE) e são RR. os “terceiros” em relação aos quais se quer fazer operar a resolução – mas, em substância, as questões colocam-se exatamente do mesmo modo que na habitual ação/impugnação da resolução do art. 125.º do CIRE. Compete pois à Massa Insolvente (aqui A.) a prova dos fundamentos da resolução declarada (cfr. 342.º/1 do C. Civil), sendo que os fundamentos (factos constitutivos da resolução) que tem que provar são, naturalmente, os que a Massa fez constar da PI da ação que intentou. E referimos tão elementar evidência por também a PI desta ação – assim como normalmente acontece com a carta registada da declaração resolutiva extrajudicial, a que se reporta o art. 123.º do CIRE – ser muito breve e sucinta[9], pretendendo-se depois (nas instâncias recursivas), assim como nas ações/impugnações do art. 125.º do CIRE, introduzir um conjunto de factos (sejam eles juridicamente relevantes ou não) que não foram/estão alegados. Vejamos: A revista coloca-nos perante questões estritamente processuais, porém, para a sua boa e total compreensão/solução, há que ter presente (como não raras vezes acontece) o que em substância está em causa, pois só assim se pode perceber e decidir da relevância ou irrelevâncias das questões processais suscitadas. Comecemos por enunciar as linhas gerais do direito substantivo convocável: Institui o CIRE, por meio do instituto da “resolução em benefício da massa insolvente”, um mecanismo de reconstituição do património do devedor (a massa insolvente), instituto que permite, de forma expedita e eficaz, a destruição de atos prejudiciais a esse património, com vista a apreender para a massa insolvente aqueles bens que nela se manteriam caso não houvessem sido pelo devedor/insolvente praticados ou omitidos atos que se mostram prejudiciais à massa. “Destruição”, de atos prejudiciais a esse património, que pode ocorrer, de acordo e nos termos dos art. 120.º e 121.º do CIRE, por via quer da “resolução condicional” quer da “resolução incondicional”. Assim: - pela resolução condicional podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente, nos termos do art. 120.º do CIRE, (1) os atos prejudiciais à massa (2) que tenham sido praticados dentro dos 2 anos anteriores à data do início do processo de insolvência, (3) com terceiro de má-fé; atos prejudiciais à massa que são aqueles que diminuem, frustram, dificultam ou colocam em perigo ou retardam a satisfação dos credores da insolvência (art. 120.º/2), presumindo, porém, a lei, inilidivelmente, terem caracter prejudicial para a massa todos os atos elencados no art. 121.º (ex vi art. 120.º/3 do CIRE); atos que têm que ser praticados dentro dos 2 anos anteriores à data do início do processo de insolvência; e que têm que ser praticados com um terceiro de má-fé, presumindo, porém, a lei a má-fé quanto aos atos praticados ou omitidos em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, sendo havidos como especialmente relacionados com o devedor pessoa singular aqueles que preencham algum dos factos elencados no art. 49.º/1 do CIRE (e como especialmente relacionados com o devedor pessoa coletiva os que preenchem algum das alíneas do art. 49.º/2 do CIRE). - pela resolução incondicional apenas se exige, para os atos serem resolvidos, que os mesmos integrem algum das concretas hipóteses normativas previstas na várias alíneas do art. 121.º/1 do CIRE, ou seja, não se exige a alegação e prova da prejudicialidade e da má-fé do terceiro interveniente. Tendo isso presente, podemos afirmar, uma vez que quando o processo de insolvência da Privado Holding SGPS se iniciou (em 30/09/2016) já havia decorrido mais de 1 ano sobre a data (26/05/2015) dos atos sob resolução (sendo tais atos onerosos), que está “automaticamente” afastada, em razão do prazo, a resolução incondicional; restando, justamente por tais atos haverem sido praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, a “via” da resolução condicional. Foi este o raciocínio jurídico efetuado pelas Instâncias, após o que ambas concluíram – em total e perfeita identidade, repete-se – não terem ficado provados os requisitos da prejudicialidade dos atos em causa e da má fé dos terceiros (as aqui 2.ª e 3.º RR.) e, em consequência, com fundamentação exatamente idêntica, as Instâncias julgaram a ação totalmente improcedente. Pelo que, colocada perante o obstáculo da “dupla conforme”, imposto pelo art. 671.º/3 do CPC à admissibilidade da revista, veio a A. invocar: 1 – Que a Relação fez “mau uso dos poderes que lhe são concedidos", sendo que em tal “mau uso” não ocorre a “dupla conforme” que obsta à revista; e 2 – Que a Relação considerou que factos essenciais supervenientes não podem ser alegados em sede de recurso e conhecidos pela Relação, o que está em contradição com o decidido no Ac. da Relação do Porto de 30/05/2018, contradição jurisprudencial esta de que, por via da revista excecional, cabe revista. Razão pela qual, no despacho de admissibilidade da revista, se mencionou: “Verifica-se uma situação de dupla conformidade, pelo que a revista só é admissível a título de revista excecional (cfr. art. 671.º/3 e 672.º do CPC), salvo na parte em que tenha efetivamente como objeto o controlo, pelo Supremo, do uso (ou não uso) pela Relação dos seus poderes de reapreciação da matéria de facto (na verdade, o STJ vem entendendo que o controlo sobre o uso de tais poderes pela Relação é questão que emerge “ex novo” no acórdão da Relação e, por isso, vem entendendo que, nesta parte, não se verificará a conformidade decisória que obsta ao recurso de revista). Assim, quanto a tal estrito objeto da revista, admite-se, como “revista normal”, a revista interposta (sendo na sua apreciação que se irá analisar em que medida o invocado corresponde, ou não, a tal estrito objeto) (…). E, quanto ao restante objeto da revista, foram os autos remetidos à “Formação”, que proferiu Acórdão admitindo a revista excecional. Temos pois que o objeto da presente revista se circunscreve a duas questões, ambas de índole processual, ambas para contornar o obstáculo da “dupla conforme”, sendo que em ambas, desde já se antecipa, se fazem invocações que não se enquadram na configuração processual que se lhes deu (para ultrapassar a “dupla conforme”), o que, naturalmente, desde já se antecipa, conduzirá à improcedência do alegado/invocado e à negação da revista. Começando pela primeira questão (pela chamada “revista normal”). Importa começar por delimitar o que aqui, quando se invoca que a Relação fez “mau uso dos poderes que lhe são concedidos", está e/ou pode estar validamente sob revista. Como já se referiu, o Acórdão da Relação confirmou, com idêntica fundamentação, a total improcedência, sentenciada em 1.ª Instância, da presente ação. Verificando-se uma situação de dupla conformidade (cfr. 671.º/3 do CPC), fica impedida a “revista normal”, regra esta que é “contornável” com a interposição, nos termos do art. 672.º do CPC, da “revista excecional” e ainda pela “brecha” aberta por este Supremo ao obstáculo colocado pela dupla conforme. Efetivamente, fixou este Supremo o entendimento de que o controlo do uso dos poderes de reapreciação da matéria de facto pela Relação é questão que emerge “ex novo” no acórdão da Relação e, por isso, em tal hipótese, quando se recorre de revista do uso (ou não uso) que a Relação fez de tais poderes, não se verificará uma conformidade decisória com o decidido na 1.ª Instância que obste ao recurso de revista. Mas, claro, sendo a revista admissível por a questão que se diz suscitar dizer respeito ao controlo pelo STJ do uso dos poderes de reapreciação da matéria de facto em 2.ª instância, só esta questão constitui objeto válido duma revista assim (com base em tal “brecha”) tornada admissível, não se podendo aproveitar a revista que em tais termos se diz intentar (por forma a que o acórdão da Relação comporte revista) para incluir no objeto da mesma outras e diversas questões (ou, porventura mais exatamente, apenas outras e diversas questões). Ora – é onde se pretende chegar – o objeto válido da presente revista, admitida “nos termos normais”, está circunscrito ao e rrado uso (ou não uso) dos poderes concedidos à Relação, mas – é o ponto – sobre este estrito e exato objeto a A./recorrente nada verdadeiramente diz ou invoca. Efetivamente, chama-se a atenção, o que o Supremo controla/escrutina – o que é passível de comportar tal revista, por não ocorrer uma conformidade decisória que obste ao recurso de revista – é o errado uso dos poderes de reapreciação da matéria de facto e não a errada reapreciação da matéria de facto (por parte da Relação): o que em tal estrito objeto está em causa (e que o Supremo controla/escrutina, nos termos da “revista normal”) é a possível violação de normas de direito adjetivo relacionadas com a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto, ou seja, o que se diz nos arts. 640.º e 662.º do CPC. O que aqui (numa “revista normal” assim admitida) estará em causa – sendo-se prático e claro – são aquelas hipóteses em “que a Relação rejeite pura e simplesmente a impugnação da decisão da matéria de facto por motivos ligados à falta de identificação dos pontos de facto impugnados, à omissão de indicação dos meios de prova ou à falta de enunciação da resposta alternativa. Por exemplo, a Relação não admitiu o recurso de apelação, na parte em que foi impugnada a decisão da matéria de facto, com fundamento no incumprimento de alguns dos ónus previstos no art. 640.º; ou, noutro plano, que demanda a aplicação do art. 662.º, recusou a apreciação dos meios de prova, a pretexto de alegadas dificuldades ou impedimentos decorrentes dos princípios da imediação ou da livre apreciação da prova.”[10]. Dito doutro modo, no escrutínio que o Supremo faz do uso dos poderes da Relação não cabe ou entra a reapreciação da matéria de facto por parte do Supremo, ou seja, o Supremo não vai escrutinar se o que foi dado como provado pela Relação foi ou não bem dado como provado, ou seja, se corresponde à exata e correta apreciação da prova produzida. Ainda de doutro modo, não cabem ou podem ser invocadas, ao abrigo do controlo sobre “o uso (ou não uso) que a Relação fez dos poderes que lhe são concedidos", divergências relativamente ao julgamento de facto feito pela Relação, agindo esta ao abrigo do princípio da livre apreciação de meios de prova, seja esta a prova testemunhal, documental ou pericial, atuação essa da Relação que, nos termos do art. 674.º/3/1.ª parte do CPC, é insindicável através do recurso de revista. Efetivamente, a competência do Supremo, como é sabido, é dirigida à aplicação do direito aos factos fixados pelas instâncias, razão pela qual o recurso de revista tem como fundamento a violação da lei, substantiva ou processual (cfr. art. 674.º/1/a) e b) CPC), sendo o julgamento da matéria de facto pela Relação, em princípio, definitivo; o que significa, repete-se, que foge ao controlo do e pelo Supremo uma 2.ª reapreciação[11] das provas sujeitas à livre apreciação do julgador, Em síntese e repetindo, quando se convoca o “e rrado uso dos poderes concedidos à Relação” (para o acórdão da Relação comportar revista), o que, em consonância, tem que ser invocado é que o acórdão da Relação está eivado de erro de aplicação da lei processual – v. g., que rejeitou indevidamente o recurso sobre a matéria de facto e que não procedeu sequer a qualquer reapreciação da matéria de facto – e não que o acórdão da Relação errou na reapreciação da prova produzida. Porém, é apenas isto – ter errado na apreciação da prova produzida – que a A/recorrente faz, como resulta do que, em termos de revista normal, é suscitado. Diz a A/recorrente: 12. Ora, a presente Revista ordinária tem precisamente por fundamento a incorreção do Tribunal a quo na efetivação da apreciação da prova. 13. Com efeito, por um lado, o Tribunal a quo ignorou que constava do processo meio de prova plena que impunha necessariamente decisão diversa da proferida, tendo errado na efetivação da apreciação da prova, conforme infra se detalhará. 14. Por outro lado, ao decidir não anular a decisão proferida na 1.a instância, por considerar não ser indispensável a ampliação da matéria de facto, o Tribunal a quo violou os limites legais ao exercício dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 662.°, n.° 2, alínea c), do CPC, fazendo uma incorrera aplicação do artigo 5.°, n.° 2, do CPC. 15. Questões que se prendem com aspetos adjetivos atinentes ao exercício dos poderes do Tribunal a quo e que, por essa razão, conforme vimos, são sindicáveis perante este Tribunal ad quem. (…) 18. Sucede que, salvo o devido respeito, não podia o Tribunal a quo ter ignorado que, da prova constante dos autos, resultava necessariamente decisão diversa da proferida, no que respeita ao preenchimento desses requisitos. 19. Com efeito, no ponto 16 da matéria de facto dada como provada, lê-se o seguinte: "Aquando da outorga dos escritos aludidos nos factos provados 10) e 11), as rés EXPERTISABILITY e NÚCLEO 2054 sabiam que tinha sido constituído o penhor aludido no facto provado 23) sobre as ações que declaravam adquirir - cfr. facto 27 constante da contestação da ré Expertisability e factos 17, 18, 19 e 20 da ré Núcleo 2054, não impugnados pela autora". 20. Ou seja, as Rés confessaram, nos seus articulados, que sabiam que sobre as ações da Kendall que declararam adquirir incidia um penhor financeiro a favor do Estado Português. 24. A existência, nos autos, deste meio de prova plena impunha decisão diversa no que respeita à prejudicialidade do negócio de alienação das referidas ações, bem como à má-fé das sociedades adquirentes. 34. Assim, a existência de penhor financeiro detido pelo Estado Português sobre as ações adquiridas impunha, necessariamente, que o Tribunal a quo tivesse concluído pela prejudicialidade dos negócios a resolver, tendo, consequentemente, incorrido em erro na efetivação da apreciação da prova. 35. E o mesmo se diga quanto à má-fé das adquirentes das ações. 36. A má-fé das partes envolvidas nos negócios resolvendos revela-se pela circunstância de, não obstante terem conhecimento da existência e validade do penhor financeiro a favor do Estado Português, os intervenientes terem deliberadamente omitido (mentindo perante uma autoridade pública), nas Escrituras Públicas de compra e venda de ações outorgadas pela PH, juntas aos autos, a existência do mesmo. 37. Sabendo da existência do aludido penhor, as Recorridas não podiam, desde logo, desconhecer o prejuízo que os aludidos negócios causariam na esfera do Estado Português, que deixaria de poder ver, em sede de insolvência, o seu crédito satisfeito através do produto da venda das ações. 40. Mais uma vez, a efetiva apreciação da prova constante dos autos - reitera-se, in casu, a apreciação da confissão das Recorridas, que tem força probatória plena - impunha necessariamente decisão diversa, devendo o Tribunal a quo ter concluído pela verificação dos pressupostos de que depende a resolução em benefício da massa. 41. Nestes termos, requer-se a V. Exas., no âmbito dos poderes de controlo conferidos, revoguem o acórdão recorrido, substituindo-o por outro que, fazendo uma correta apreciação da prova constante dos autos, considere verificados os requisitos de que depende a resolução em benefício da massa, nos termos do disposto no artigo 120.°, n.° 1, do CIRE. (…) 52. os factos vertidos nos pontos 1) a 8) da Conclusão L, cujo aditamento à factualidade dada como provada a A./recorrente requereu, são a reprodução do teor das referidas escrituras de alienação juntas aos autos pela A/recorrente, em cumprimento do doutamente ordenado no despacho saneador, cujo teor foi notificado às RR. para, querendo, exercerem o contraditório, quanto ao respetivo teor. Pelo que, 53. ao invés do entendimento do douto Tribunal recorrido, e como se deixa demonstrado os factos vertidos nos pontos 1) a 8) da Conclusão L, são factos instrumentais que resultam da instrução da causa, dos quais foi dada a possibilidade às RR. de quanto a eles se pronunciarem, sendo que, 54. tais factos, conjugados com o teor dos factos dados como provados nos pontos 10), 11) e 16) da matéria de facto dada como provada, revelam-se indispensáveis para decisão da causa - mormente quanto à factualidade e prova da prejudicialidade das transmissões cuja resolução se requer e do conluio entre as respectivas partes outorgantes - pelo que se impunha a sua inclusão no rol da factualidade dada como provada. De facto, quanto à questão da prejudicialidade dos negócios de dissipação de património cuja resolução se pede pelos presentes autos, resulta: do teor da escritura outorgada entre a A. e a Ré Núcelo 2045, que a agora insolvente declarou que era "titular e proprietária de 4.620.422 de ações nominativas, numeradas de 28.241.072 a 32.861.493, ambas inclusive, de trinta e cinco cêntimos de euro (0,35€) de valor nominal cada uma delas da sociedade comercial espanhola Kendall Develops, S.A." e do teor da escritura outorgada entre a A. e a Ré Expertisability, S.A. que a agora insolvente declarou que era que era "titular e proprietária de 4.620.423 de ações nominativas, numeradas de 23.620.649 a 28.241.071, ambas inclusive, de trinta e cinco cêntimos de euro (0,35€) de valor nominal cada uma delas da sociedade comercial espanhola Kendall Develops, S.A.", 56. o que corresponde aos factos 2) e 6) cujo aditamento se requereu à matéria de facto dada como provada. E, 57. mais resulta do teor da cláusula terceira de cada uma das referidas escrituras de alienação que "o preço de aquisição da totalidade das ações objeto de venda é o valor global fechado de seiscentos e setenta e cinco mil euros (675.000,00), ou seja, o montante aproximado de 0,1460905 euros por acção ", 58. o que corresponde aos factos 4) e 8) cujo aditamento se requereu à matéria de facto dada como provada. Ou seja, 59. resulta do teor de cada uma das referidas escrituras de alienação que as acções, cujo valor nominal de cada uma era de 0,356 (trinta e cinco cêntimos), foram vendidas pelo valor nominal aproximado de 0,146 (catorze cêntimos) cada uma. O que significa que, 60. a venda da totalidade das ações entre a A/recorrente e a Ré Núcleo 2045 que deveria ter sido efectuada por 1.617.147,706, foi efetuada por 675.000,006, o que se traduz num prejuízo de 942.147,706, e 61. a venda da totalidade das acções entre a AVrecorrente e a Ré Expertisability que deveria ter sido efectuada por 1.617.148,006, foi efetuada por 675.000,006, o que se traduz num prejuízo de 942.148,006. Ou seja, 62. do teor dos contratos de alienação das acções juntos aos autos resultam provados factos instrumentais que servem para demonstrar e provar a prejudicialidade das transmissões neles tituladas, quer para a ora insolvente quer para os respectivos credores, uma vez que as acções foram vendidas abaixo do seu valor real, em benefício do adquirente e prejuízo da Massa Insolvente. Sendo certo que, 63. ainda que, quanto à prejudicialidade do negócio, o Tribunal tenha dado como não provado que cada acção valesse 0,44€ e, consequentemente, que não se tenha um prejuízo de 2.715.971,80€. o certo é que, da factualidade cujo aditamento se requer resulta demonstrado o prejuízo efectivamente sofrido pela ora insolvente com os negócios cuja resolução pede por via dos presentes autos. 64. Quanto à questão da má-fé e do conluio entre as partes outorgantes nos instrumentos públicos cuja resolução se pede pelos presentes autos, resulta provado do teor do facto 16) dado como provado que: "16) Aquando da outorga dos escritos aludidos nos factos provados 10) e 11), as rés EXPER-TISABILÍTY e NÚCLEO 2054 sabiam que tinha sido constituído o penhor aludido no facto provado 23) sobre as ações que declaravam adquirir - cfr. facto 27 constante da contestação da ré Expertisability e factos 17, 18, 19 e 20 da ré Núcleo 2054, não impugnados pela autora. " Sendo que, 65. em sede de recurso interposto para o Tribunal da Relação, requereu a recorrente o aditamento à matéria de facto dada como provada da seguinte factualidade: a) "3) Na cláusula primeira da Escritura, a aqui agora insolvente s a R. Núcleo 2054 acordaram a compra e venda das 4.620.422 ações «...livres de quaisquer ónus ou encargos, totalmente pagas e não afeias ao cumprimento de qualquer obrigação...»." b) "7) Na cláusula primeira, declarou a aqui, agora, insolvente que as 4.620.523 ações objeto de venda se encontravam «...livres de quaisquer ónus ou encargos, totalmente pagas e afeias ao cumprimento de qualquer obrigação». " Ora, 66. o teor dos factos 3) e 7) cujo aditamento à matéria de facto dada como provada se requereu são instrumentais da factualidade alegada na p.i., e conjugados com o teor da matéria de facto dada como provado no ponto 16), são conducentes à demonstração e prova da má-fé e conluio das partes envolvidas nos negócios cuja resolução se pretende pelos presentes autos, pela circunstância de as partes outorgantes das Escrituras Públicas de compra e venda das acções terem, deliberadamente, faltado à verdade perante a autoridade pública, quanto à existência do penhor Financeiro a favor do Estado Português. Pelo que, 68. sendo os factos vertidos nos pontos 1) a 8) da Conclusão L das conclusões do recurso interposto pela recorrente para o Tribunal da Relação, factos instrumentais, que resultaram da instrução da causa e relativamente aos quais foi dada a possibilidade às RR. de quanto a eles, querendo, se pronunciarem, e sendo indispensáveis à boa decisão da causa, deve este Tribunal ad quem determinar a remessa dos autos ao Tribunal a quo, nos termos do disposto no artigo 682.D, n.° 3, do CPC, para que este, ao abrigo do disposto nos arts.° 5.°, n.D 2, ai. b) e 662.°, n.° 2 ai. c) do C.P.Civil, determine o aditamento dos factos a aditar 1) a 8) à matéria de facto dada como provada, e consequentemente, julgar verificados todos os requisitos legais dos quais depende a procedência da ação, com todas as legais consequências. (…)” E, sendo estas as alegações da apelação, cumpre referir (em linha com o que se começou por expender): Que, como já se mencionou, o modo como a Relação aprecia a prova produzida não cabe na referida “brecha” aberta pelo Supremo (para “ultrapassar” o obstáculo colocado pela dupla conforme), ou seja, não pode o Supremo – numa revista normal assim admitida ou sequer em qualquer outra revista normal (cfr. art. 674.º/3/1.ª parte do CPC) – escrutinar se a Relação retirou ou não as devidas ilações, para a fixação dos factos provados e não provados, da circunstância de as RR. terem confessado, nos articulados, saber que sobre as ações da Kendall incidia um penhor financeiro a favor do Estado Português[12]. Por outro lado, concluir, a partir de tal confissão, que ficou provada a prejudicialidade do negócio de alienação das ações e/ou a má-fé das sociedades adquirentes é fundamentalmente uma apreciação/conclusão de direito, o que fica bem distante de ser uma questão que emerge “ex novo” no acórdão da Relação e que, por isso, fuja à verificação da conformidade decisória com o decidido na 1.ª Instância. Que os factos vertidos nos pontos 1) a 8) da conclusão L da apelação da A. são a reprodução, em extensão, do que consta das escrituras públicas de compra e venda das ações, factos esses que se consideram já incluídos nos pontos 9 e 10 dos factos provados do Acórdão da Relação (quando aí se refere que “aqui se dá por integralmente reproduzido” o que consta de tais contratos/escrituras), ou seja, sendo “indispensáveis à boa decisão da causa”, não precisariam, porque já constam, de ser aditados. Que – e, aqui, mais uma vez estamos fora do objeto da presente revista normal – o que a A./recorrente quer é que este Supremo escrutine a apreciação que a Relação fez da prova produzida, uma vez que o que verdadeiramente quer é que a partir do que consta das duas escrituras públicas se considerem como provados os requisitos da prejudicialidade e da má fé, ao arrepio do que se deu como não provados nos pontos 1, 2 e 5 dos factos não provados (pretendendo que se considere provado, como faz nos transcritos pontos 60 e 61, que “a venda da totalidade das ações entre a A/recorrente e a Ré Núcleo 2045 que deveria ter sido efectuada por 1.617.147,706, foi efetuada por 675.000,006, o que se traduz num prejuízo de 942.147,706”; e que “a venda da totalidade das ações entre a A./recorrente e a Ré Expertisability que deveria ter sido efetuada por 1.617.148,006, foi efetuada por 675.000,006, o que se traduz num prejuízo de 942.148,006”; quando, nos referidos pontos 1, 2 e 5 dos factos não provados, se deu como não provado que “as ações alienadas às rés tinham, à data da alienação, o valor unitário de mercado de 0,44€” e que os negócios “comportaram um prejuízo de € 2.714.971,80 para os credores da massa insolvente e um benefício de igual montante para as adquirentes”). Enfim, em síntese, tudo o que a A./recorrente diz extravasa o objeto/âmbito da revista admitida “nos termos normais” e, mais do que isso, a própria competência deste Supremo (estabelecida no citado art. 674.º/3/1.ª parte do CPC): tudo o que a A/recorrente diz, invoca e argumenta – tendo em vista o preenchimento dos requisitos da prejudicialidade e da má fé – está claramente para além do estrito objeto que a sua revista, “nos termos normais”, admite. Como supra se referiu, sendo a revista admissível por a questão que se diz suscitar dizer respeito ao controlo pelo STJ do uso dos poderes de reapreciação da matéria de facto em 2.ª instância, não pode o recorrente aproveitar a revista – que em tais estritos termos diz intentar, por forma a que o acórdão da Relação comporte tal revista – para incluir no objeto da revistas outras e diversas questões ou, porventura mais exatamente (como é o caso), apenas outras diversas questões, pelo que, como se antecipou, em face de tudo o que se vem de expor, é a admitida “revista normal” improcedente. Passando à segunda questão (à “revista excecional”). Na apelação, a A./recorrente, nas suas alegações referentes à impugnação da matéria de facto, pediu o aditamento de 38 novos factos. Entre tais 38 novos factos contavam-se os seguintes 12 factos: 19)No dia 26/06/2018, em assembleia geral dos acionistas da Kendall, foi deliberado reduzir o capital social da sociedade de € 7.086.672,44 (sete milhões oitenta e seis mil seiscentos e setenta e dois euros e quarenta e quatro cêntimos) para € 5.967.724,16 (cinco milhões novecentos e sessenta e sete mil setecentos e vinte e quatro euros e dezasseis cêntimos), com a finalidade de devolução aos acionistas do valor de € 0,16 (dezasseis cêntimos) por ação. 20)A deliberação tomada em sede de assembleia geral dos acionistas da Kendall, no dia 26/06/2018, implicou a diminuição do valor nominal de cada ação, de € 0,35 (trinta e cinco cêntimos) para € 0,19 (dezanove cêntimos). 21)Na sequência da redução de capital deliberada sede de assembleia geral dos acionistas da Kendall, em 26/06/2018, seria devolvido à Expertisability o montante de € 739.267,52 (setecentos e trinta e nove mil duzentos e sessenta e sete euros e cinquenta e dois cêntimos). 22)Na sequência da redução de capital deliberada sede de assembleia geral dos acionistas da Kendall, em 26/06/2018, seria devolvido à Núcleo 2054 o montante de € 739.267,52 (setecentos e trinta e nove mil duzentos e sessenta e sete euros e cinquenta e dois cêntimos). 23)Nas contas da Expertisability referentes ao exercício de 2018, na rúbrica “outros rendimentos e ganhos”, encontra-se um valor de € 739.267,52 (setecentos e trinta e nove mil duzentos e sessenta e sete euros e cinquenta e dois cêntimos), correspondente ao reembolso de capital decorrente da redução do valor nominal das ações adquiridas à PH. 24)Nas contas da NÚCLEO 2054 referentes ao exercício de 2018, na rúbrica “recebimentos provenientes de investimento financeiros” encontra-se registado um valor de € 739.267,52 (setecentos e trinta e nove mil duzentos e sessenta e sete euros e cinquenta e dois cêntimos), correspondente ao reembolso de capital decorrente da redução do valor nominal das ações adquiridas à PH. 25)Na prestação de contas da Kendall referente ao exercício de 2019, refere-se que em 31 de dezembro de 2018 foram realizadas devoluções aos acionistas no valor de € 3.877.000,00 (três milhões oitocentos e setenta e sete mil euros) e que a 31 de dezembro de 2019 existiam ainda devoluções pendentes de realizar no valor de € 2.058.000,00 (dois milhões cinquenta e oito mil euros). 26)Em 18 de setembro de 2020, foi convocada nova assembleia geral da Kendall, para o dia 21 de outubro de 2020, nos termos da qual foi aprovada a venda da participação de 75% no capital social da sociedade da O... Unipessoal, Lda. (“O...”), por um valor mínimo de 12 milhões de euros, a concretizar nos dois meses seguintes. 27)Em 16 de março do corrente ano de 2021, foi convocada assembleia geral de acionistas da Kendall para o dia 16 de abril de 2021, em que foi deliberada uma nova redução do capital social de € 6.713.689,68 (seis milhões setecentos e treze mil seiscentos e oitenta e nove euros e sessenta e oito cêntimos) para apenas € 372.982,76 (trezentos e setenta e dois mil novecentos e oitenta e dois euros e setenta e seis cêntimos). 28)A assembleia geral de acionistas da Kendall realizada no dia 16/04/2021, teve como finalidade proceder a uma nova devolução aos acionistas do valor de € 0,18 (dezoito cêntimos) por ação, fixando-se às ações o valor nominal de € 0,01 (um cêntimo). 29)Na sequência da redução de capital deliberada em sede de assembleia geral dos acionistas da Kendall, realizada no dia 16/04/2021, será devolvido à Expertisability o montante de €831.676,14 (oitocentos e trinta e um mil seiscentos e setenta e seis euros e catorze cêntimos), correspondente ao reembolso de capital decorrente da redução do valor nominal das ações adquiridas à PH. 30)Na sequência da redução de capital deliberada em sede de assembleia geral dos acionistas da Kendall, realizada no dia 16/04/2021, será devolvido à Núcleo 2054 o montante de € 831.675,96 (oitocentos e trinta e um mil seiscentos e setenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos), correspondentes ao reembolso de capital decorrente da redução do valor nominal das ações adquiridas à PH. (…)” Aditamento que o Acórdão recorrido não admitiu, para o que se expendeu o seguinte raciocínio: “ (…) relativamente aos factos essenciais (isto é, todos os factos de que depende o reconhecimento das pretensões deduzidas e que devem ser vertidos nos articulados das partes) e no que respeita à forma do processo comum, se estes não tiverem sido alegados, não é permitido ao tribunal considerá-los na sentença, como decorre do disposto no n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil. Dito de outro modo, se o facto for essencial e não tiver sido alegado, as partes não podem, em recurso, pedir que o tribunal da Relação o declare provado. Só os factos instrumentais ou complementares poderão ser aditados à matéria de facto, tenham ou não sido alegados, neste último caso se resultarem da discussão da causa, mas só no caso de se revelarem indispensáveis para decisão da causa. Compreende-se que assim seja não só por razões de economia processual, como também para evitar uma complexidade desnecessária que multiplicaria as questões e não promoveria a clarificação das questões efetivamente relevantes. Ora, a Recorrente para justificar o pretendido aditamento, limita-se a referir, na conclusão XLIX, que os factos que passa a enunciar “resultaram da instrução da causa, e que não foram incluídos no rol de Factos Provados como se impunha”. No imenso rol de novos factos a aditar indicados pela Recorrente, incluem-se as declarações e cláusulas constantes de escrituras (nºs 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8, mas referidas nos factos provados), conclusões (nºs 10, 16, 17), ilações retiradas dos depoimentos das testemunhas (nºs 9, 10, 14, 15, 16), factos que o tribunal a quo expressamente declarou como não provados (nº 13), factos retirados de documentos que não constam destes autos (nºs 19, 20, 21, 23, 24, 26, 27, 28, 29, 30, 33, 34, 35, 36 e 37), factos ocorridos em data muito posterior à da propositura da presente ação (nºs 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30), etc. Por isso, repetimos, não tem qualquer fundamento a pretensão da Recorrente, uma vez que os factos a aditar nem resultam da instrução da causa, nem tão pouco foi dada a oportunidade às Recorridas de sobre eles se pronunciarem (artigo 5º, nº 2, alínea b) do CPC). Na hipótese de se tratar de factos essenciais, e não sendo, parte deles, supervenientes ao encerramento da discussão em primeira instância, deveriam ter sido alegados até esse momento (artigos 588º, nº 3, alínea c) e 611.º do CPC). Com efeito, se os factos constitutivos do direito do autor não foram alegados nos momentos processuais estabelecidos para o efeito (petição, reconvenção quando admissível e articulado superveniente), precludiu o direito de os alegar. No caso de se tratar de factos essenciais, mas supervenientes ao encerramento da discussão em primeira instância, como são grande parte dos elencados pela Recorrente, não poderão ser alegados em sede de recurso e conhecidos pela Relação. Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, em anotação ao artigo 611º do CPC, “os factos posteriores ao encerramento da discussão que aproveitem ao réu, apenas poderão ser apreciados em sede de oposição à execução (art. 729º, alínea g)). Se aproveitarem ao autor e este quiser prevalecer-se dos mesmos, mais não lhe resta do que instaurar nova ação. (…)”. Que dizer? Como se acaba de transcrever, o Acórdão recorrido considerou que factos essenciais supervenientes ao encerramento da discussão em primeira instância não poderão ser alegados em sede de recurso e conhecidos pela Relação, sendo deste “considerando” que foi interposta e admitida a revista excecional. Efetivamente, a tal “considerando” a A/recorrente contrapôs – pedindo revista excecional, com fundamento em contradição jurisprudencial – que no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 30/05/2018, no âmbito do Processo n. 6676/17.2T8PRT.P1, foi sufragado entendimento oposto, designadamente, que “[a] alegação de factos supervenientes (conhecidos após a apresentação das alegações) é admissível, em sede de recurso ordinário, desde que os factos alegados se não situem fora da causa de pedir tal como a autora a concebeu para sustentar o seu pedido, particularmente, se cumprido o contraditório a parte contrária está de acordo", hipótese em que “tais factos devem ser tidos em conta pela Relação, já que a decisão, quer em primeira, quer em segunda instância, deve refletir sempre a situação de facto existente no momento em que é encerrada a discussão, tal como o prescrevem os art.s 611" e 663°, n°2 do Código de Processo Civil”; revista excecional que foi admitida pela Formação “para que se conheça da questão enunciada”, ou seja, para que se aprecie se e em que termos os factos transcritos (factos 19 a 30 da apelação da A.) podem ser tidos em conta pela Relação e a partir daí se decida. Vejamos, então: A primeira observação a efetuar é a de que não acompanhamos a qualificação dada aos factos 19 a 30 (da apelação da A.), ou seja, a nosso ver, não estamos perante “factos essenciais”; e, caso fossem “factos essenciais”, seriam “apenas” factos essenciais “complementares” e, ainda assim, só os 27 a 30 seriam factos supervenientes (com o sentido que para aqui interessa e releva). A nossa lei (art. 5.º do CPC), como é sabido, distingue “factos essenciais” e “factos instrumentais. São factos essenciais, do ponto de vista da posição do A., os que integram a causa de pedir, isto é, aqueles em que se baseia a pretensão do A. deduzida judicialmente; são os factos que concretizam e densificam a previsão normativa em que se funda a pretensão deduzida. Além destes factos – que podemos designar como “factos essenciais nucleares” – são ainda essenciais os factos que sejam deles complemento ou concretização (nos termos do art. 5.º/2/b) do CPC), embora não façam parte do núcleo essencial da situação jurídica alegada pelo A.. São factos instrumentais aqueles cuja ocorrência conduz à demonstração, por dedução, dos factos essenciais. São factos de cuja prova não depende a procedência da ação (não integram a causa de pedir), sendo antes factos de cuja demonstração pode inferir-se terem-se verificado os factos essenciais: a sua função é probatória, porquanto servem fundamentalmente para formar a convicção do julgador sobre a ocorrência ou não dos factos essenciais. Sucedendo que os “factos essenciais nucleares” devem ser alegados pelas partes (nos termos do art. 5.º/1 do CPC) e só por estas, estando vedado ao tribunal servir-se de factos essenciais que por elas não hajam sido alegados[13]; regra esta que, com a reforma processual de 2013 (Lei 41/2013, de 26 de Junho), deixou de valer totalmente (como até tal reforma processual) para os “factos essenciais complementares ou concretizadores” dos factos essenciais, os quais, caso resultem da instrução da causa, o juiz passou a poder conhecer oficiosamente[14], desde que sobre os mesmos e sobre a sua atendibilidade (na sentença) seja exercido o devido contraditório (atento o disposto nos art. 3.º/3 e 5.º/2/b) do CPC), ou seja, desde que o juiz anuncie às partes, antes do encerramento da audiência, que está a equacionar tal “mecanismo” (previsto no art. 5.º/2/b) do CPC) de ampliação da matéria de facto. Sucedendo, ao invés, que os factos instrumentais não carecem de alegação, como claramente resulta do art. 5.º/2/a) do CPC; e que resultando provados da discussão e julgamento da causa nada impede que sejam considerados na fundamentação da decisão da matéria de facto (é por isto que a discriminação dos factos que o juiz considere provados, imposta pelo art. 607.º/3 do CPC, respeita tão só aos factos essenciais, situando-se o campo privilegiado dos factos instrumentais na motivação da convicção do julgamento de facto, sendo este o sentido do segmento “indicando as ilações tiradas de factos instrumentais” constante do art. 607.º/4 do CPC). E, quanto ao momento de alegação, devem os factos essenciais (respeitantes ao A.), ser articulados na petição inicial (art. 552.º/1/d) do CPC); e caso ocorram depois de terminados os prazos para apresentação dos articulados (superveniência objetiva) ou, embora ocorrendo antes, caso tenham sido conhecidos pela parte que deles se quer aproveitar apenas depois (superveniência subjetiva), podem ser alegados nos termos do art. 588.º do CPC, ou seja, em relação aos factos essenciais supervenientes, admite-se a sua introdução no processo mediante articulado superveniente, havendo prazos estritos para apresentação de articulados supervenientes – segundo o art. 588.º/3, o articulado superveniente é oferecido ”a) na audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos, até ao respetivo encerramento, b) nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final, quando não se tenha realizado a audiência prévia, c) na audiência final, se os factos ocorrerem ou a parte deles teve conhecimento em data posterior às referidas nas alíneas anteriores” – decorridos os quais preclude o direito de o fazer (o direito de introduzir tais factos no processo). Pelo que para a questão de saber se o Tribunal da Relação deve conhecer (ou não) de factos essenciais supervenientes (relativos ao mérito da causa) – questão a que se circunscreve o objeto da revista excecional admitida – relevam apenas aqueles factos que ocorreram ou foram desculpavelmente conhecidos depois dos momentos até aos quais deviam ter sido alegados pela A/recorrente em 1.ª instância, ou seja, são apenas estes factos (e não todos os factos que ocorreram após a propositura da PI) que para efeitos de tal questão são considerados como factos supervenientes (uma vez que só em relação a estes não cabe falar de preclusão, na medida em que em relação aos outros/anteriores, não tendo sido oportunamente alegados, precludiu o direito de o serem). Isto exposto, enfrentando a questão que preenche a revista excecional – saber se os factos essenciais supervenientes ao encerramento da discussão em primeira instância podem ser alegados em sede de recurso e conhecidos pela Relação – importa reconhecer que a mesma vem dividindo a doutrina e a jurisprudência. Favorável ao seu conhecimento pelo tribunal de recurso era já o Prof. Alberto dos Reis[15], para o que sustentava: “o facto superveniente há-de ser alegado até ao encerramento da discussão; o tribunal só pode tomá-lo em conta se for invocado até esse momento. Mas por encerramento da discussão entende-se tanto o que se verifica na 1.ª instância, como o que se verifica na 2.ª. Suponhamos que o facto ocorre depois de encerrada a discussão na 1.ª instância; já não pode ser atendido na sentença. Mas, se houver recurso, pode o facto ser alegado perante a Relação, contanto que o seja até ao encerramento da discussão neste tribunal. Se ocorrer ou for invocado depois de encerrada a discussão na 2.ª instância, já não pode ser considerado, ainda que se interponha recurso para o Supremo, visto este tribunal não conhecer de matéria de facto”[16] Contra a possibilidade de tal alegação e conhecimento, em recurso, pronunciou-se o Prof. Castro Mendes[17], argumentando que apesar de a lei abrir portas à junção de documentos supervenientes, proibia a alegação de factos novos, sendo que o uso de documentos novos e a alegação de factos novos são “coisas evidentemente distintas”: “a invocação de factos novos — dizia o Prof. Castro Mendes — parece só ser possível até ao encerramento da discussão em primeira instância” [18]. Na jurisprudência, identicamente, foram tiradas decisões em ambos os sentidos, sem prejuízo de ser claramente maioritário o entendimento que veda a alegação e apreciação de factos jurídicos supervenientes em recurso. Como é sabido, o processo está organizado por “ciclos rígidos” de atos processuais, assistindo às partes o direito de praticarem os atos neles inscritos e estando-lhes vedada a possibilidade de praticarem os atos inscritos noutros ciclos, pelo que os princípios processuais da estabilidade da instância e da preclusão, com consagração indiscutível no nosso CPC (cfr. arts 260.º, 264.º, 265.º, 573.º do CPC), não serão facilmente conciliáveis com o conhecimento de factos supervenientes pelo tribunal de recurso, ao invés do que é incutido pelo princípio da economia processual (art. 130.º, 610.º e 611.º do CPC), segundo o qual pode dizer-se que o que interessa é resolver, de uma vez, o litígio entre as partes (mesmo que isso implique prescindir da estabilidade e disciplina desejáveis). E procurando articular/conciliar o que decorre de tais princípios processuais, impõe-se reconhecer que os factos supervenientes (essenciais) escapam à ratio da preclusão fundada na violação da disciplina processual: como dizia o Prof. Manuel de Andrade[19], o princípio da preclusão “pode acarretar prejuízo para o triunfo da verdade material, porque as deduções tardias podem trazer ao juiz novos elementos de convicção, aproveitáveis para as finalidades da justiça. A preclusão não deve atingir, portanto, as deduções supervenientes”, ou seja, não é pertinente raciocinar-se que os factos (todos os factos) supervenientes (essenciais) têm de ser alegados, sob pena de preclusão, nos termos do atual art. 588.º do CPC. Por conseguinte, resultando sérias vantagens no plano da economia processual e não havendo graves inconvenientes para os valores subjacentes à estabilidade objetiva da instância, propendemos para considerar que podem ser alegados e conhecidos factos supervenientes (essenciais) em recurso. Mas, claro, tal como não se deve negar, em termos absolutos, a alegação e conhecimento de factos supervenientes (essenciais), também não deve conceder-se às partes completa liberdade para alegar factos supervenientes (essenciais) em recurso: no conflito entre a estabilidade da instância e a economia processual, a lei vigente reconhece prevalência à primeira, como resulta do art. 264.º do CPC, segundo o qual, mesmo com o acordo das partes, a alteração ou ampliação do pedido ou da causa de pedir só serão possíveis “se tal alteração ou ampliação [não] perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento da causa”. E é este o ponto/critério: sempre que da alegação de factos supervenientes (essenciais) e da sua consideração possam resultar perturbação inconveniente para o julgamento do recurso, então tal alegação não deve ser atendida, ou seja, concretizando, a alegação e o conhecimento de factos supervenientes (essenciais) não trará perturbação inconveniente para o julgamento na hipótese de o réu/recorrido confessar as novas alegações do A. e/ou na hipótese do A. provar por documento, não impugnado, as suas novas alegações; mas, ao invés, já trará perturbação inconveniente e não deve ser atendida a alegação de factos supervenientes (essenciais) que requeiram a produção de prova testemunhal. Pelo que, em síntese, diremos que havendo acordo das partes sobre a veracidade dos factos supervenientes (essenciais) alegados – e parece ser esta a hipótese sobre que se debruçou o Acórdão Fundamento – é de afastar a tese da proibição absoluta do conhecimento de tais factos supervenientes (essenciais) pelo Tribunal da Relação (como se fez no Acórdão recorrido), porém, só se deve admitir a alegação e o conhecimento de tais factos supervenientes (essenciais) se, da sua alegação e conhecimento, não resultar perturbação inconveniente para o julgamento do recurso. Interpretação esta do art. 611.º/1 do CPC – quanto aos termos em que factos essenciais supervenientes podem ser alegados e conhecidos pela Relação – que, ao contrário do que a A/recorrente invoca, não padece de qualquer inconstitucionalidade por violação dos princípios constitucionais de Acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional Efetiva consagrados no art. 20.º da CRP. Traçados os termos, restritos, em que os factos supervenientes essenciais podem ser alegados e conhecidos pela Relação – e assim dada, em tese, resposta à “questão enunciada” pela Formação como objeto da revista excecional – há que reconhecer que tudo isto se revela, para o caso, bastante inútil. Como resulta de todo o presente Acórdão, a revista da A. tem em vista lograr o preenchimento dos requisitos da prejudicialidade dos atos e da má fé dos terceiros (as aqui 2.ª e 3.º RR.), requisitos considerados como não provados pelas Instâncias. E como é evidente os factos essenciais (cfr. art. 5.º/1 do CPC) de tal “prejudicialidade” são os que foram alegados na PI, ou seja, que “a venda das 9.240.845 ações foi pelo valor de 1.350.000,00€, quando devia ter sido efetuada pelo valor aproximado de 4.065.971,80€, traduziu-se assim numa venda por um valor muito abaixo do real e justo das ações, consubstanciando mesmo um verdadeiro negócio ruinoso para a insolvente, com um prejuízo de 2.714.971,80€, e um benefício, de igual montante, para as 2.ª e 3.ª RR.”[20] Apresentando-se os transcritos factos 19 a 30 da apelação da A. como factos instrumentais de tais factos essenciais, na medida em que, mercê de reembolsos de capital, as RR. já terão recebido € 3.141.887,14 (tendo pago pelas ações apenas € 1.350.000,00), ou seja, na medida em que estamos perante factos que concorrem/relevam para a possível inferência dos factos essenciais (que temporalmente ocorreram em 26/05/2015 e não nas datas dos factos 19 a 30), mas que não impõem tal automática inferência (entre a aquisição das ações e os reembolsos ocorreram 3 e 6 anos, podendo haver circunstâncias que expliquem ou não a sua valorização, circunstâncias que compete às Instâncias apreciar e valorar no âmbito do princípio da livre apreciação da prova). Significa o que vimos de dizer que os factos 19 a 30, como factos instrumentais que são, deviam ter sido valorados/ponderados na decisão de facto das Instâncias, na medida em que concorriam para que pudesse porventura ser dado um diferente desfecho aos factos não provados 1, 2 e 5 (como supra se referiu, os factos instrumentais não carecem de alegação, como resulta do art. 5.º/2/a) do CPC: resultando provados da discussão e julgamento da causa nada impede que sejam considerados na fundamentação da decisão da matéria de facto e, claro, sendo objetivamente supervenientes, como é o caso dos factos 27 a 30[21], também deviam ter sido considerados na reapreciação da decisão de facto efetuada pela Relação). Mas não é isto, salienta-se, que constitui o objeto da revista excecional, que apenas tem em vista saber/dizer se os factos 19 a 30, como factos essenciais, podem/devem ser incluídos e tomados em conta. Como já explicámos, são factos instrumentais – não são factos essenciais – pelo que deviam ser tomados em conta na motivação da convicção do julgamento de facto. E admitindo, como hipótese de raciocínio, que possam ser considerados como “factos complementares” dos factos essenciais alegado na PI, para serem atendidos na sentença, teria o tribunal que anunciar às partes, antes do encerramento da audiência em 1.ª Instância, que estava a equacionar utilizar, em relação a tais factos, o “mecanismo” previsto no art. 5.º/2/b do CPC[22] ou, então, teria a parte interessada (a aqui A.) de os ter alegado e de ter manifestado a vontade de que os mesmos fossem tomados em conta (na sentença da 1.ª Instância). Nada disto aconteceu em relação aos factos 19 a 26, ocorridos até à data do encerramento da discussão em 1.ª Instância (16/02/2021), pelo que, admitindo como hipótese de raciocínio, que são “factos complementares” dos factos essenciais alegados na PI, já não eram objetivamente supervenientes (nada tendo sido invocado em termos de superveniência subjetiva) quando a A., nas alegações da sua apelação, os alegou e manifestou vontade de que os mesmos fossem tomados em conta. E continuando a admitir, como hipótese de raciocínio, que possam ser considerados como “factos complementares” dos factos essenciais alegados na PI, restam como factos objetivamente supervenientes os factos 27 a 30, que, então, estando provados por documentos, poderiam ser conhecidos e tomados em conta (por da sua alegação e conhecimento não resultar perturbação inconveniente para o julgamento do recurso). Mas, claro, da circunstância de se incluir nos factos provados que, no ano de 2021, as RR. terão recebido, a título de redução do capital social da Kendall, os montantes de € 831.676,14 e de € 831.675,96, respetivamente, nada resultaria de decisivo para o preenchimento dos requisitos da prejudicialidade dos atos e da má fé dos terceiros (requisitos considerados como não provados pelas Instâncias), tanto mais que, repete-se uma última vez, não infirmariam – não conflituariam em termos frontais e diretos – com o que foi dado como não provado nos pontos 1), 2) e 5) dos não provados, ou seja, com o ter-se dado como não provado que “à data das alienações as ações tinham o valor unitário de mercado de 0,44€” e que por isso “os negócios aludidos nos factos provados 10) e 11) – feitos em conluio – comportaram um prejuízo de € 2.714.971,80 para os credores da massa insolvente, e um benefício de igual montante para as adquirentes”. Enfim, concluindo nesta 2.ª questão, a revista excecional decorre e cinge-se à existência duma contradição jurisprudencial sobre a admissibilidade e conhecimento (ou não) de factos supervenientes essenciais, pelo que, não sendo os factos 19 a 30 essenciais nucleares (e colocando-se a questão, caso se entenda que são “complementares”, do modo referido), não se pode, com base em serem os mesmos factos instrumentais e em não haverem sido tomados em conta como tal (como factos instrumentais) pelas Instâncias, mandar as Instâncias ponderar tais factos a tal título: tal fica fora do estrito objeto da revista excecional admitida (restrita, repete-se, a uma contradição jurisprudencial sobre a admissibilidade e conhecimento ou não de factos supervenientes essenciais). É quanto basta para julgar totalmente improcedentes as conclusões da A./recorrente e para negar a revista. *
IV - Decisão Nos termos expostos, nega-se a revista. Custas pela A./recorrente. Lisboa, 30/11/2022
António Barateiro Martins (Relator) Luís Espírito Santo Ana Resende
Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).
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[13] Com as exceções previstas nos artigos 412.º e 612.º do CPC. [15] A mesma posição é atualmente defendida pelo Prof. Teixeira de Sousa. [22] Sem prejuízo de tal “mecanismo” corresponder a um poder/dever a exercitar “mesmo oficiosamente”, não confere qualquer direito de natureza processual às partes e, por conseguinte, do seu não uso não cabe, a nosso ver, recurso, assim como, depois, não cabe revista para o STJ (por uma errada aplicação da lei de processo, suscetível de fundamentar a revista nos termos do art. 674º, 1, b), CPC). |