Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JORGE DIAS | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA MATERIAL MANDATO FORENSE SOCIEDADE DE ADVOGADOS CONTRATO ADMINISTRATIVO PESSOA COLETIVA DE DIREITO PÚBLICO AÇÃO DE HONORÁRIOS TRIBUNAL ADMINISTRATIVO | ||
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Data do Acordão: | 10/13/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGAR A REVISTA | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I - Um contrato de mandato forense celebrado por uma sociedade de advogados e sendo a contraparte um ente público, reveste a natureza de contrato administrativo, nos termos conjugados dos arts. 1.º, n.º 6, als. a) e d), e art. 450.º do CPP, estando sujeito ao regime dos procedimentos da contratação pública nos termos dos arts. 6.º, n.º 1, al. e) e art. 16.º, n.os 1 e 2, al. e), do mesmo CPP. II - O conhecimento do litígio emergente de contrato de mandato forense, destinado à cobrança de honorários devidos pelo patrocínio de contraente público, é da competência material da jurisdição administrativa, ao abrigo da al. e) do n.º 1 do art. 4.º do ETAF, na redação que lhe foi dada pelo DL n.º 214-G/2015 de 02-10. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 48776/18.0YIPRT-A.P1.S1 *** Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível. A autora Zacarias de Carvalho e Associados, Sociedade de Advogados, R.I. interpôs em 26/abr./2018 uma ação de injunção contra a R. com base num contrato de mandato judicial, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 4.810,40 €, acrescidos de juros vencidos desde 14/fev./2018, à taxa legal comercial e até efetivo pagamento. A ré Águas do Norte, S.A. deduziu oposição em 06/jun./2018, suscitando a prescrição das dívidas peticionadas e impugnou a versão da A. Na sequência de um convite ao aperfeiçoamento foi apresentada em 11/jul./2018 nova petição, que em 12/set./2018 foi contestada, mantendo, no essencial, a sua versão anterior quanto à exceção invocada e impugnação. Mais veio a R. em distinto requerimento suscitar a incompetência absoluta dos tribunais judiciais, sustentando que os serviços prestados no âmbito de um mandato forense, tiveram por base um contrato de natureza administrativa, tendo a A. respondido em sentido contrário, pugnando pela competência dos tribunais judiciais. Foi proferida decisão em 15/out./2019, que julgou improcedente a suscitada exceção dilatória de incompetência em razão da matéria. Inconformada veio a R. interpor recurso de apelação, sendo deliberado e a final proferido acórdão do seguinte teor: “Nos termos e fundamentos expostos, delibera-se conceder provimento ao recurso interposto pela R. Águas do Norte, S.A. e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, julgando-se os tribunais judiciais incompetentes em razão da matéria para apreciar e resolver a ação proposta pela A. Zacarias de Carvalho e Associados, Sociedade de Advogados, R.I. contra aquela R.”. Inconformada com o decidido pela Relação, interpõe recurso de Revista para este STJ a A. e formula as seguintes conclusões: “1.ª - “OS ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PODEM CELEBRAR CONTRATOS ADMINISTRATIVOS SUJEITOS A UM REGIME SUBSTANTIVO DE DIREITO ADMINISTRATIVO OU CONTRATOS SUBMETIDOS A UM REGIME DE DIREITO PRIVADO.” (ART.º 200.º, 1, DO CPA) 2.ª – SOB A EPÍGRAFE “PROCEDIMENTOS PRÉ-CONTRATUAIS”, DISPÕE O ARTIGO 201.º, 1, DO CPA, QUE “A FORMAÇÃO DOS CONTRATOS CUJO OBJETO ABRANJA PRESTAÇÕES QUE ESTEJAM OU SEJAM SUSCETÍVEIS DE ESTAR SUBMETIDOS À CONCORRÊNCIA DE MERCADO ENCONTRA-SE SUJEITA AO REGIME ESTABELECIDO NO CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS OU EM LEI ESPECIAL.” 3.ª – SOB A EPÍGRAFE “REGIME SUBSTANTIVO”, DISPÕE O ARTIGO 202.º, 2, DAQUELE MESMO CÓDIGO: ”NO ÂMBITO DOS CONTRATOS SUJEITOS A UM REGIME DE DIREITO PRIVADO SÃO APLICÁVEIS AOS ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA AS DISPOSIÇÕES DESTE CÓDIGO (Código do Procedimento Administrativo) QUE CONCRETIZAM PRECEITOS CONSTITUCIONAIS E OS PRINCÍPIOS GERAIS DA ATIVIDADE ADMINISTRATIVA.” ORA, 4.ª – A DOUTA DECISÃO RECORRIDA ASSENTA, ESSENCIALMENTE, NO PRESSUPOSTO DE QUE “… O CONTRATO DE MANDATO JUDICIAL CELEBRADO ENTRE ADVOGADO E UMA «ENTIDADE PÚBLICA ADJUDICANTE» (…) ASSUME A NATUREZA DE CONTRATO PÚBLICO (…).” 5.ª – MAS, SALVO SEMPRE O DEVIDO RESPEITO, O CONTRATO DE MANDATO FORENSE TEM A NATUREZA DE CONTRATO DE DIREITO PRIVADO, SUJEITO AO REGIME SUBSTANTIVO DE DIREITO PRIVADO; 6.ª – CONSEQUENTEMENTE, COMPETENTE PARA DIRIMIR LITÍGIOS EMERGENTES DE CONTRATOS SUJEITOS A REGIME DE DIREITO PRIVADO, COMO É O CASO DO CONTRATO DE MANDATO FORENSE, É A JURISDIÇÃO COMUM; 7.ª – O DISPOSTO NO ARTIGO 280.º, 1, DO CCP, IDENTIFICA OS CONTRATOS A QUE SE APLICA O REGIME SUBSTANTIVO PREVISTO NA SUA PARTE III, DA QUAL ESTÁ EXCLUÍDO, POR NÃO ENCAIXAR NELA, O CONTRATO DE MANDATO FORENSE; 8.ª – O QUE SE CONCLUI NAS CONCLUSÕES ANTERIORES SÓ SOFRE A EXCEÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 280.º, 3, DO CCP. AÍ SE ESTABELECE, REPORTANDO-SE A CONTRATOS QUE, EMBORA SUBMETIDOS NA SUA FORMAÇÃO AO REGIME ESTABELECIDO NESTE CÓDIGO, NÃO SÃO CONTRATOS ADMINISTRATIVOS; 9.ª – ASSIM, NOS TERMOS DESTA NORMA, A ESSES CONTRATOS, NÃO OBSTANTE NÃO SE INTEGRAREM NO ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA PARTE III DO CCP, SÓ LHES É APLICÁVEL O REGIME AÍ ESTABELECIDO QUANTO À INVALIDADE (ARTIGOS 283.º A 285.º), LIMITES À MODIFICAÇÃO DO CONTRATO (ARTIGO 313.º COM REMISSÃO PARA O ARTIGO 312.ª (Trata-se de limites à intervenção da própria entidade adjudicante.)) À CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL E À SUBCONTRATAÇÃO (ARTIGOS 316.º A 324.º); 10.ª – COMO SE VÊ, O ESTABELECIDO NA REFERIDA PARTE III DO CCP – DISCIPLINA DO REGIME SUBSTANTIVO DOS CONTRATOS – NUNCA SE APLICA À EXECUÇÃO DOS CONTRATOS DE DIREITO PRIVADO, SALVO NO QUE TANGE À VALIDADE DA CONTRATAÇÃO E ÀS MODIFICAÇÕES OBJETIVAS E SUBJETIVAS DO MESMO; 11.ª – O CASO DOS AUTOS NÃO CONTEMPLA QUALQUER DAQUELAS QUESTÕES, ANTES O LITÍGIO SE ENQUADRA NA FALTA DE PAGAMENTO, PELA RECORRIDA, DOS HONORÁRIOS PETICIONADOS PELA RECORRENTE; 12.ª – ATENTO O COMANDO CONSTITUCIONAL, VERTIDO NO ARTIGO 212.º, 3, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, “COMPETE AOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS O JULGAMENTO DAS AÇÕES E RECURSOS CONTENCIOSOS QUE TENHAM POR OBJETO DIRIMIR OS LITÍGIOS EMERGENTES DAS RELAÇÕES JURÍDICAS ADMINISTRATIVAS”;(DESTACADO NOSSO) 13.ª – O QUE SIGNIFICA QUE A COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DA JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA SE AFERE PELA NATUREZA ADMINISTRATIVA DAS RELAÇÕES JURÍDICAS EM LITÍGIO; 14.ª – E A NATUREZA ADMINISTRATIVA DAS RELAÇÕES JURÍDICAS, QUANDO RESULTANTES DE CONTRATO, NÃO DEPENDE NEM RESULTA DO FORMALISMO OU DO PROCEDIMENTO PRÉ-CONTRATUAL QUE O PRECEDEU, MAS DOS SEUS INTRÍNSECOS FATORES DE ADMINISTRATIVIDADE; 15.ª – SÓ QUESTÕES RELACIONADAS COM A FORMAÇÃO DO CONTRATO, NEGOCIAÇÕES OU FORMALISMOS, PODEM SER SINDICADAS PELA JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA NO CASO DE CONTRATOS DE DIREITO PRIVADO; 16.ª – AS QUESTÕES QUE SE SUSCITEM QUANTO AO REGIME SUBSTANTIVO DOS CONTRATOS PRIVADOS ESTÃO EXCLUÍDOS DA SINDICÂNCIA DA JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA VERTIDA NA PARTE III DO CCP; 17.ª – O CONTRATO DE MANDATO FORENSE É UM ESPECÍFICO CONTRATO DE DIREITO PRIVADO, QUER PELAS SUAS CARACTERÍSTICAS (IMPOSSIBILIDADE DE SE FIXAR O PRAZO, O PREÇO E MESMO O OBJETO) QUER PELA NATUREZA DA RELAÇÃO ENTRE CLIENTE E ADVOGADO QUE RADICA NA CONFIANÇA PESSOAL MÚTUA; 18.ª – OUTROSSIM, E POR ISSO MESMO, NÃO É POSSÍVEL, POR EXEMPLO, A ELABORAÇÃO DE ESPECIFICAÇÕES CONTRATUAIS SUFICIENTEMENTE PRECISAS QUE PERMITAM DEFINIR QUALITATIVAMENTE ATRIBUTOS DE PROPOSTAS NECESSÁRIOS À FIXAÇÃO DE UM CRITÉRIO DE ADJUDICAÇÃO; 19.ª – ATÉ O DIREITO EUROPEU QUE ENDEUSA A “CONCORRÊNCIA”, ASSIM O ENTENDE. O ARTIGO 10.º, D), I), DA DIRETIVA 2014/24/EU, DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, DE 26 DE FEVEREIRO DE 2014, EXCLUI, EXPRESSAMENTE, DAS NORMAS DA CONTRATAÇÃO PÚBLICA, OS CONTRATOS DE MANDATO FORENSE E DE ASSESSORIA JURÍDICA; 20.ª – ASSIM É QUE, ENTENDENDO-SE COMO NECESSÁRIO UM PROCEDIMENTO PRÉ-CONTRATUAL ELE SÓ PODERIA CONSISTIR NO AJUSTE DIRETO, POR CRITÉRIOS MATERIAIS, INDEPENDENTEMENTE DO VALOR; 21.ª – ALIÁS, SÓ ASSIM SERIA EXEQUÍVEL A ESCOLHA E CONTRATAÇÃO DE UM ADVOGADO, POIS NÃO HAVERIA TEMPO PARA TRATAR DE PROCEDIMENTO MAIS COMPLEXO, DADA A EXIGUIDADE DOS PRAZOS PROCESSUAIS; 22.ª – FINALMENTE, DA LEI ORDINÁRIA, SALIENTA-SE A PREVISÃO DO ARTIGO 67.º, 2, DO ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS, APROVADO PELA LEI N.º 145/2015, DE 9 DE SETEMBRO, ONDE SE PROCLAMA CATEGORICAMENTE: “O mandato forense não pode ser objeto, por qualquer forma, de medida ou acordo que impeça ou limite a escolha pessoal e livre do mandatário pelo mandante.” 23.ª – O QUE SIGNIFICA QUE, NO MANDATO FORENSE, NÃO HÁ MEDIDA OU ACORDO – OU CONCURSO – QUE OBRIGUE O MANDANTE A ESCOLHER COMO SEU MANDATÁRIO PESSOA DIFERENTE DA QUE ELE, EM SEU EXCLUSIVO CRITÉRIO, ESCOLHERIA. 24.ª – POR ISSO É QUE O DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO, É PASSÍVEL DE CENSURA, 25.ª – JÁ QUE TERÁ VIOLADO O DISPOSTO NOS ARTIGOS 212.º, 3, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, 67.º, DO ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS, APROVADO PELA LEI N.º 145/2015, DE 9 DE SETEMBRO, 200.º E 202.º, DO CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO, 280.º, DO CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS, E 4.º, 1, E), DO ESTATUTO DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS. NESTES TERMOS, E NOS DO DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, REVOGADA A DOUTA DECISÃO RECORRIDA, JULGANDO-SE, COMO NA PRIMEIRA INSTÂNCIA, COMPETENTE A JURISDIÇÃO COMUM PARA DIRIMIR A PRESENTE CAUSA”. Foram apresentadas contra-alegações pela R. nas quais conclui: “1. O douto Tribunal da Relação do Porto decidiu acertadamente quanto à questão de incompetência suscitada pela Recorrida, quando concluiu que: “I. Os tribunais administrativos são jurisdicionalmente competentes para as questões de interpretação, validade e execução dos contratos celebrados pelas “entidades adjudicantes públicas”, abrangendo estas os “organismos de direito público”, como sejam as entidades concessionárias para exploração e gestão do abastecimento de água e de saneamento, desde que tais contratos estejam sujeitos ao regime de contratação pública. II. Os contratos de aquisição de serviços celebrados por tais “organismos de direito público”, como sucede com as sociedades concessionárias de um serviço público, integradas por capitais públicos, que sejam submetidos à regulamentação de contratação pública, são sempre considerados como contratos públicos, independentemente da impressão genética administrativa ou privada de tais contratos. III. No contrato de mandato judicial celebrado entre advogado e uma “entidade pública adjudicante” e ainda que se trate de um contrato público, está sempre assegurada a autonomia funcional e técnica no exercício da advocacia. IV. Os tribunais administrativos são competentes em razão da matéria para conhecer da execução de um contrato público de prestação de serviços de advocacia, incluindo a liquidação e cobrança dos correspondentes honorários.” (negrito, sublinhado e itálico nosso). 2. Salvo o devido respeito, considera a Recorrida que a Recorrente carece de qualquer fundamento e razão no seu recurso, não tendo tomado em consideração na sua argumentação, quer a natureza jurídica da aqui Recorrida, quer o vínculo contratual que se estabeleceu entre as partes, pelo que acaba por realizar uma errada leitura daquele que é o direito aplicável, assim como parece ignorar toda a jurisprudência que se sedimentou quanto a esta matéria (principalmente o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 27/06/2019, proferido no processo nº 46229/18.6YIPRT; Acórdão do Tribunal de Contas, no Acórdão n.º 1/2015-3ª, Proc. 03JFR/2014; Acórdão do Tribunal de Conflitos n.º 020/16) e, mais recentemente, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 45639/18.3YIPRT.G1.S1, datado de 02/06/2020 (e que, por facilidade de leitura, e por ainda não se encontrar disponível nas plataformas digitais, se juntou ao presente) . 3. Repare-se que, a Recorrente vem, através de requerimento de injunção apresentado, peticionar o pagamento de honorários alegadamente devidos pelos serviços prestados no âmbito do mandato forense, relativo ao processo n.º 1950/12.7BEPRT, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto. 4. Sucede, contudo, que tais serviços prestados derivam de uma relação contratual estabelecida entre Recorrida e Recorrente, estando em causa a discussão de honorários devidos no âmbito de um mandato forense, que se insere dentro de um contrato de prestação de serviços - contrato esse de natureza administrativa! 5. Tendo em consideração que a Recorrida é uma entidade de natureza eminentemente pública, nomeadamente uma concessionária de um serviço público – facto que decorre do próprio Decreto-Lei que a constitui, tal como já havia sido enunciado em requerimento de oposição à injunção -, está em causa a resolução de litígio referente a uma relação jurídica administrativa. 6. Pelo que, tal litígio sempre estaria sujeito ao âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos, nos termos dos artigos 64.º do CPC, 1.º e 4.º do ETAF e 37.º, n.º1, al. l) do CPTA, pela conjugação destes duas realidades jurídicas que, diga-se, fazem parte dos factos e das matérias jurídicas discutidos nos presentes autos, não podendo o Exmo. Tribunal a quo desconhecer. Pois vejamos que, 7. A Recorrida, enquanto concessionária de um serviço público e pessoa coletiva de capitais exclusivamente públicos, é considerada enquanto entidade adjudicante, segundo o disposto no artigo 2°, n°1, al. a) do CCP. 8. Nesse sentido, a matéria controvertida nos presentes autos, relativa aos honorários devidos pelos mandatos conferidos, está dependente de decisão que vier a ser proferida quanto à interpretação e cumprimento de um contrato de prestação de serviços, sendo que umas das partes é uma concessionária que, pela sua natureza, se submete ao direito público. 9. Ora, tendo em consideração aquele normativo legal, são considerados contratos públicos todos os que forem celebrados pela Recorrida e que não se mostrem expressamente excluídos nos artigos 4º e 5° do referido Código – sendo certo que, tal como confirmado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 27.06.2019, Proc. Nº 46229/18.6YIPRT.G1 (disponível em: http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/db518361abda75ed80258446002fc11b?OpenDocument), o contrato de aquisição de serviços em causa não se integra na contratação excluída, quer tendo em consideração os normativos nacionais, quer tendo em consideração o teor das diretivas europeias, concluindo aquele douto Tribunal que: “O que é relevante (...) para determinar o âmbito “contratual” da jurisdição administrativa, continua a ser a natureza jurídica do procedimento que antecedeu - ou que devia ou podia ter antecedido - a sua celebração, e não a própria natureza do contrato.” (…) Assim, o contrato em análise é um contrato administrativo legalmente tipificado e nominado nos termos do art. 1º, nº 6, al. a) e 450º e está o mesmo submetido à disciplina da contratação pública dos procedimentos para a formação de contratos previstos nos art. 16º, nº 1 e ss do C.C.P.. Atento o art. 4º este contrato não está excluído da aplicação deste diploma e nos termos do art. 5º não está excluído da contratação pública porquanto não nos encontramos perante uma prestação que, em razão da sua natureza ou das suas características, bem como da posição relativa das partes no contrato ou do contexto da sua própria formação, não esteja, nem seja susceptível de estar submetidas à concorrência de mercado. Com efeito, o facto de nos encontrarmos perante um contrato em que o factor confiança é determinante, de modo algum, inviabiliza que a contratação deva ser efectuada segundo as regras da concorrência ainda que por ajuste directo. A Directiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2014 relativa aos contratos públicos não exclui do seu âmbito de aplicação todos os contratos de mandato forenses, mas, a nosso ver, apenas os contratos destinados a serviços jurídicos em processos judiciais perante os tribunais de um outro Estado-Membro.”. – Em boa verdade, tal entendimento já resulta de vasta jurisprudência dos Tribunais Administrativos, do Tribunal de Conflitos e, principalmente, do Tribunal de Contas (vide, Acórdão n.º 1/2015-3ª, Proc. 03JFR/2014). 10. Sendo que, também nesse sentido veio a decidir este douto Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão proferido em 02/06/2020 (e junto ao presente): “Assim, nos termos do artigo 1.º, n.º 6, al. a) do CCP, e atento o disposto no art. 4.º do mesmo diploma (que não exclui expressamente tal contrato do âmbito do diploma) deve o referido contrato de mandato de 2008 ser qualificado como contrato administrativo. Mas também o deve ser nos termos do art. 1.º, n.º6, al. d) do CCP (já atrás transcrito), a tal não obstando o art. 5 do mesmo diploma que dispõe: “A parte ii do presente Código não é aplicável à formação de contratos a celebrar por entidades adjudicantes cujo objeto abranja prestações que não sejam susceptíveis de estar submetidas à concorrência de mercado, designadamente em razão da sua natureza ou das suas características, bem como da posição relativa das partes no contrato ou do contexto da sua própria formação.”. É que os advogados cobram um preço pelos seus serviços, que é, obviamente, levado em conta na altura da contratação. Aliás, a sociedade de advogados autoria disso dá conta no seu requerimento de injunção: “Em outubro de 2011 foi aprovada por requerente e requerida (por deliberação do seu Conselho de Administração) uma fórmula de cálculo de honorários que aqui a requerente seguiu à risca. Por outro lado, nos termos de um contrato, paralelo, de assessoria jurídica que vigorava entre as Partes, os honorários a debitar correspondiam a 50% dos honorários que fossem devidos nos termos de tal fórmula de cálculo, condição que também foi cumprida na nota de honorários em dívida.”. Não pode, assim, afirmar que o contrato de mandato forense não está, de todo, sujeito à concorrência de mercado.” 11. Assim, da conjugação destas normas resulta que um contrato celebrado pela concessionária Recorrida e que tem por objeto a aquisição de um serviço prestado pelos agentes particulares em regime concorrencial, concretamente o serviço de patrocínio judiciário, está sujeito ao regime da contratação pública. 12. Motivo pelo qual, aquele tem de estar submetido às regras do direito dos Contratos Públicos, pelo que a decisão quanto à sua existência/ validade/ interpretação/ execução sempre será de natureza administrativa - Tanto que a presente ação está incluída no âmbito da previsão da al. e) do n°1 do artigo 4° do ETAF, sendo, portanto, da competência dos tribunais administrativos! 13. Ora, tendo em consideração que o regime da contratação pública estabelecido na parte ii é aplicável à formação dos contratos públicos que, independentemente da sua designação e natureza, sejam celebrados pelas entidades adjudicantes referidas no presente Código e não sejam excluídos do seu âmbito de aplicação – artigo 1, n.º 2 do CCP. 14. E sendo certo que nos termos do artigo 278º do mesmo diploma, “na prossecução das suas atribuições ou dos seus fins, os contraentes públicos podem celebrar quaisquer contratos administrativos, salvo se outra coisa resultar da lei ou da natureza das relações a estabelecer”, 15. E, sendo ainda de relevar que, nos contratos administrativos especialmente previstos no CPC encontra-se o contrato de aquisição de serviços, definido no artigo 450º, que se caracteriza por ser aquele “pelo qual um contraente público adquire a prestação de um ou vários tipos de serviços mediante o pagamento de um preço”. 16. Posto isto, apenas se poderá concluir que um contrato celebrado por uma concessionária (entidade adjudicante nos termos da al. a), do n.º 2, do artigo 2.º do CCP), tendo por objeto a aquisição de serviços mediante um preço, é um contrato administrativo especialmente previsto no referido Código e, como tal, um contrato que possui aspetos específicos do respetivo regime substantivo regulado por normas de direito público – Neste preciso sentido, Cfr. Acórdão do Tribunal de Conflitos, datado de 31-01-2017, Proc. n.º 023/16. 17. Ou seja, perante qualquer contrato de mandato forense outorgado entre Recorrida e Recorrente, sempre se estaria perante uma relação jurídica administrativa, quer devido à natureza publicista da Recorrida, quer devido à natureza iminentemente administrativa do contrato de prestação de serviços (mandato forense) quando outorgado por uma entidade sujeita ao regime jurídico do CCP. 18. Nesse sentido, veja-se, também, o decido pelo Acórdão do Tribunal de Conflitos, proferido em 11.01.2017, Proc. n.º 020/16, concretamente: “Consequentemente, para julgar o presente processo é competente a jurisdição administrativa, sendo irrelevante para a determinação da competência a natureza privada ou administrativa do contrato. Na verdade, como decorre do art. 4º, 1, al. e) do ETAF, o elemento determinante da competência não é a natureza jurídica da relação jurídica de onde emerge o litígio, mas sim a sujeição do mesmo ou a possibilidade da sua sujeição a um regime pré-contratual de direito público, o que quer dizer que a jurisdição administrativa é competente quer a relação jurídica subjacente seja, ou não, uma relação jurídico-administrativa.” 19. Por outro lado, e quanto à fundamentação da Recorrente, relativa à caracterização estatuída pela Ordem dos Advogados no que concerne às características essenciais e imprescindíveis do mandato forense, sempre se diga que o mesmo também se encontra em contradição jurisprudencial com a decisão proferida pelo douto Tribunal de Contas, no Acórdão n.º 1/2015-3ª, Proc. 03JFR/2014. 20. Nesse sentido, vem o Tribunal de Contas (já em 2015!) esclarecer, precisamente, que o carácter concorrencial em que se deve firmar o procedimento pré-contratual de contratação de advogado não contraria a relação de confiança e a independência, características de um mandato forense, nem impede ou limita a escolha pessoal e livre do mandatário, uma vez que “a relação de confiança que se estabelece com os prestadores de serviços jurídicos tem de ser aferida por critérios objetivos, designadamente por parâmetros curriculares, referenciados a matérias trabalhadas, respetiva extensão e resultados, pelo que não deve eleger-se a relação de confiança subjetiva entre o prestador e o beneficiário dos serviços como fundamento material de adoção do procedimento de ajuste direto”. 21. Pelo que apenas se poderá concluir que o recurso a um procedimento de contratação pública para formação de um contrato de mandato forense não melindra, em nada, a independência do mandatário naquela que é a sua praxis jurídica, uma vez que aquele contrato não deixa de ser um contrato típico de prestação de serviços, com as especificidades que a sua natureza forense determina. 22. De facto, todas as disposições administrativas de “gestão contratual”, que, alegadamente, se opõe à natureza de um contrato de mandato forense, encontram disposições semelhantes no direito civil (que, alegadamente, é o direito aplicável aos presentes autos, pelo simples facto de ser aquele que melhor se coaduna com as características daquele mandato), concretamente: 22.1. O artigo 437.º e ss. do Código Civil também dispõe sobre “resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias” – à semelhança do que acontece no direito público, artigos 311.º e ss. do CCP; 22.2. No Direito Civil o mandante poderá responsabilizar contratualmente o mandatário (responsabilidade civil contratual), por incumprimento contratual de um contrato de prestação de serviços (inclusive, um contrato de mandato forense!), dentro daquela que é a natureza iminentemente finalística de um contrato de mandato forense (ou seja, tendo apenas em consideração aquela que é uma obrigação de resultado previsível) – e mesmo que considerássemos o mandato forense um contrato administrativo, a entidade adjudicante apenas poderia responsabilizar contratualmente o mandatário, quando provasse, tal como numa ação de responsabilidade civil contratual, que o aquele incumpriu gravemente a sua obrigação de resultado, bem como que tal resultado era mais que espectável (fora do âmbito da artis legis); 22.3. E também nesse sentido, quanto à possibilidade de aplicação de multas contratuais por parte da entidade administrativa, sempre se diga que as mesmas nunca são de aplicação automática, por pura e simplesmente estar em causa um contrato administrativo, uma vez que tais multas/sanções têm de estar previstas no Caderno de Encargos, cujo cocontratante expressamente aceita aquando a submissão da sua proposta – não obstante também ser verdade que, regra geral, estas multas/sanções contratuais nunca são previstas para contratos de mandato forense, pelo facto de a entidade adjudicante ter precisamente em consideração as suas especiais características. 23. Motivo pelo qual, e salvo devido respeito, não parece aceitável dizer-se que um contrato de Direito Administrativo é incompatível com a excelsa prestação de serviços de um mandatário judicial, uma vez que não há qualquer disposição sancionatória ou restritiva da independência ou liberdade do mandatário, que não tenha igual ou semelhante disposição no âmbito do direito civil – sendo que, a única diferença inultrapassável é a sujeição daqueles contratos, durante a sua fase pré-contratual, às regras da concorrência e à tipicidade e transparência características dos procedimentos de contratação pública. 24. Tanto que, é precisamente nesse sentido que veio a decidir este douto Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão datado de 02/06/2020, veja-se: “Argumenta-se, em contrário, com a preservação da independência e da autonomia funcional e técnica do advogado (previstas no seu Estatuto). Todavia, não se descortinam bem as razões pelas quais a natureza pública do contrato pode impedir a independência e autonomia funcional e técnica do advogado ou a relação de confiança entre as partes, aqui se sufragando o que a propósito se refere no acórdão da Relação de Guimarães de 30.1.2020, proc. 43621/19.2YIPRT.G1, em www.dgsi.pt: “o recurso a um procedimento de contratação pública para formação de um contrato de mandato forense não melindra, em nada, a independência do mandatário naquela que é a sua praxis jurídica, uma vez que aquele contrato não deixa de ser um contrato típico de prestação de serviços, com as especificidades que a sua natureza forense determina”. Esse entendimento está, aliás, em linha com o manifestado pelo Ac. Do Tribunal de Conflitos de 11.1.2017, Proc. 20/16, em www.dgsi.pt (ainda que tirado no Âmbito do Dec. Lei 197/99, de 8 de junho). (…) Também não se nos afigura que a liberdade com que o mandato é exercido, a confiança pessoal entre as partes ou a independência e autonomia funcional e técnica do advogado (previstas no seu Estatuto), possam impedir que a sua celebração esteja dependente do procedimento de formação atinente ao contrato administrativo.” 25. Em suma, apenas cumpre à Recorrida concluir que a Recorrente faz tábua rasa de toda a jurisprudência existente e atinente à presente questão jurídica, inclusive à jurisprudência fixada por este douto Tribunal Superior. 26. E não pode a Recorrente vir dizer que a diretiva 2014/24/EU exclui expressamente o mandato judicial do seu âmbito de aplicação, pois que, e salvo devido respeito, padece de absoluto erro a interpretação jurídica – tal consubstancia numa interpretação abusiva da própria lei! 27. Pois que, ao contrário do que a Recorrente parece fazer crer, não se encontram excluídos do âmbito de aplicação da respetiva diretiva todos os contratos de mandato forense, mas antes aqueles que se inserem no âmbito de uma outra diretiva, a diretiva 77/249/CEE – que tem como finalidade facilitar o exercício efetivo da livre prestação de serviços pelos advogados, ou seja, tem como objetivo regular a prestação de serviços de advogados noutros Estados-Membros que não o Estado-Membro de origem (vide considerandos da diretiva suprarreferida). 28. Tanto que, o próprio artigo 10.º, alínea b), ponto i) estabelece que a representação por advogado se exclui do âmbito de aplicação da diretiva 2014/24/EU APENAS quando este represente um cliente “numa arbitragem ou conciliação realizada num Estado-Membro ou num país terceiro ou perante uma instância internacional de arbitragem ou conciliação” ou “em processos judiciais perante os tribunais ou autoridades públicas de um Estado-Membro ou de um país terceiro ou perante tribunais ou instituições internacionais”. 29. Ou seja, a diretiva exclui do seu âmbito de aplicação mandatos forenses exercidos por advogados noutro Estado que não o Estado de Origem, de acordo com o âmbito de aplicação da diretiva 77/249/CEE – o que faz todo o sentido, dado que maioria das vezes são contratados advogados que exerçam no país do foro competente, pelo que seria materialmente impossível a realização de um contrato público, para esse efeito. 30. Motivo pelo qual sempre deverá ser julgado totalmente improcedente o recurso interposto pela Recorrente, por se encontrar em clara colisão com as normas legais referidas e as correntes jurisprudenciais supra melhor identificadas, devendo a relação jurídica controvertida ser classificada como uma relação jurídica administrativa e, portanto, sujeita à jurisdição administrativa e competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais – mantendo-se a decisão do douto Tribunal a quo. 31. Pelo que, sempre será de concluir que a resolução do presente litígio não compete ao Tribunal Judicial da Comarca do Porto – com efeito, é aos Tribunais Administrativos que cabe apreciar os processos que tenham por objeto dirimir litígios emergentes das relações jurídicas administrativas – cfr. artigo 212.º da CRP e artigo 1.º conjugado com a al. a), do n.º 1 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF). 32. Nesse sentido, é pacífico o entendimento de que o pressuposto processual da competência se determina em função da ação proposta, tanto na vertente objetiva, atinente ao pedido e à causa de pedir, como na subjetiva, respeitante às partes (entre muitos outros, Acórdãos do Tribunal de conflitos de 28.09.2010, 20.09.2011, 10.07.2012 e 08.11.2012, disponíveis em www.dgsi.pt). 33. Também assim, veja-se que a competência dos Tribunais Administrativos é fundamentalmente delimitada pelo que se dispõe nos artigos 1.º e 4.º do ETAF, cumprindo realçar para o caso a al. e) do n.º 1 deste último, nos termos da qual é atribuída competência aos tribunais administrativos para apreciar, nomeadamente, “Validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes”. 34. In casu, e tendo em consideração tudo quanto supra foi mencionado, não restam dúvidas de que a relação estabelecida tem a natureza de relação jurídica administrativa, porquanto estamos perante a realização de uma competência de direito público, ao abrigo de concretas normas de direito público. 35. Assim, e porque forçoso será concluir que, pretendendo a Recorrente discutir a execução de um contrato de prestação de serviços (em concreto no que concerne a faturação e pagamentos), face ao disposto no artigo 4.º, n.º 1, al. e) do ETAF, é à jurisdição administrativa que cabe conhecer de tal questão. 36. Sendo certo que, tendo a Recorrente deduzido o presente incidente em tribunal da jurisdição judicial cível, sempre se estará perante um caso de incompetência absoluta, nos termos do artigo 96.º, al. a) do CPC. 37. A qual, nos termos do artigo 99.º, n.º 1, artigo 576.º, n.º 2 e artigo 577.º, al. a), todos do CPC, constitui exceção dilatória que implica a absolvição da Recorrida da instância - tal como fora decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, supra melhor identificado, bem como pelo douto Tribunal a quo. 38. Pelo que, e salvo devido respeito, apenas podemos considerar que a Recorrente formula uma incorreta leitura e interpretação do direito, que viola o disposto nos artigos n.ºs 64.º, 99.º/1, 576.º/2 e 577.º/a) do CPC; os artigos 1.º e 4.º do ETAF; o artigo 37.º/1/e) do CPTA e, consequentemente, o disposto nos artigos 2.º/2/a), 4.º, 5.º, 280.º e 450.º do CCP. 39. Motivo pelo qual, a Recorrida considera que o douto Tribunal da Relação do Porto decidiu justamente e sabiamente a questão sub judice, tendo realizado uma correta leitura e interpretação do direito. Termos em que, e nos melhores de direito, com o sempre mui douto suprimento de V.Exas., deverá ser julgado totalmente improcedente o recurso interposto, por absoluta falta de fundamento, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida. * O recurso foi admitido, nos termos do art. 629, nº 2 al. a) do CPC (violação das regras de competência em razão da matéria). Dispensados os vistos cumpre apreciar e decidir. * Conhecendo: Em causa está uma ação de honorários intentada por uma sociedade de advogados, na qual foi arguida a exceção de incompetência absoluta por a ré “Águas do Norte, S.A.” entender que a competência para a tramitação do processo pertence aos tribunais administrativos. O objeto deste recurso incide, pois, na competência dos tribunais judiciais para apreciar uma ação de honorários no âmbito de um contrato de prestação de serviços forense realizado entre sociedade de advogados e uma concessionária de serviço público. A 1.ª instância julgou improcedente a exceção, declarou e manteve o Juízo Local Cível de Braga como Tribunal competente e, julgando incompetentes os tribunais administrativos e fiscais. A Relação, ao invés, julgou procedente a exceção e considerou a jurisdição comum incompetente em razão da matéria para conhecer do litígio emergente de um contrato de mandato forense, designadamente para a cobrança de honorários. Cumpre, por isso, apreciar a competência material. O Tribunal da Relação fundamenta o acórdão proferido salientando: ”No que concerne à R. Sociedade Águas Norte, S. A. e de acordo com o Decreto-Lei n.º 93/2015, de 29/mai. (DR. I, n.º 104), a mesma integra o sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento do Norte de Portugal (artigo 1.º, n.º 1), tendo-lhe sido atribuída a concessão da exploração e gestão desse sistema (artigo 1.º, n.º 2). Tal sociedade, como a sua designação indica, tem carácter anónimo, sendo constituída por capitais exclusivamente públicos (artigo 4.º, n.º 1). Nesta conformidade e atenta a classificação de entidade adjudicante estabelecida pelo CCP, a R. Águas do Norte, S.A. está abrangida por essa categorização. Deste modo, podemos assentar que a celebração pela Sociedade R. de contratos de aquisição de serviços, está sujeita ao regime de contratação pública, passando os mesmos a ser considerados, numa nítida imposição legal, como contratos públicos, independentemente da impressão genética de tais contratos, como administrativos ou como privados. Ficam então duas perguntas: i) nesses contratos de aquisição de serviços está abrangido o mandato judicial, seja para um específico procedimento, seja no âmbito dos designados contratos de avença para prestação de serviços jurídicos? ii) Nesse caso, quais são então os tribunais competentes para dirimir os litígios de cobrança de honorários? O exercício da profissão forense no âmbito de um mandado judicial específico ou do designado contrato de avença, está sujeito ao Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei n.º 15/2005, de 26/jan., DR I, 18/2005 – EOA), mormente aos seus princípios gerais e às suas regras deontológicas. A propósito preceitua-se no seu artigo 76.º, n.º 1 que “O advogado exercita a defesa dos direitos e interesses que lhe sejam confiados sempre com plena autonomia técnica e de forma isenta, independente e responsável”. Mais adiante no n.º 3 acrescenta-se que “Qualquer forma de provimento ou contrato, seja de natureza pública ou privada, designadamente o contrato individual de trabalho, ao abrigo do qual o advogado venha a exercer a sua atividade, deve respeitar os princípios definidos no n.º 1 e todas as demais regras deontológicas que constam deste Estatuto” – sendo nosso o negrito. E para reforçar estes comandos legais o n.º 4 comina de um modo claro que “São nulas as estipulações contratuais bem como quaisquer orientações ou instruções da entidade contratadora que restrinjam a isenção e a independência do advogado ou que, de algum modo, violem os princípios deontológicos da profissão.”. E essa “entidade contratadora” pode ser qualquer uma das mencionadas “entidades adjudicantes” sujeita ao regime da contratação pública. A partir destes designados princípios gerais e regras deontológicas, podemos concluir que o exercício da advocacia, seja qual for o seu provimento ou contrato, dever ser sempre realizado com plena autonomia funcional e técnica, estando, neste âmbito, apenas deontologicamente subordinado ao estatuto legal dos advogados. (…) Mas como decorre do próprio Estatuto da Ordem dos Advogados, o seu artigo 76.º configura uma blindagem legal a essas interferências na autonomia funcional e técnica no exercício da advocacia, independentemente da natureza do provimento ou do contrato que está em causa. Por outro lado, as exigências dos regimes de contratação pública incidem fundamentalmente na transparência que devem ocorrer nessas contratações e no controlo da despesa pública que estão associadas aos contratos públicos em geral. Deste modo, o que se pretende obstar é a práticas contratuais menos claras e despesistas, do que propriamente interferir nas práticas funcionais implementadas, ainda que estas tenham os seus parâmetros contratuais e legais, mormente quando estão revestidas de carácter imperativo. Assim, o argumento da natureza privada do mandato forense não tem qualquer sustentabilidade para determinar a competência jurisdicional entre os tribunais administrativos e judiciais, como acaba por não ter qualquer utilidade para solucionar a controvérsia aqui em apreço. Nesta conformidade e na sequência do anteriormente referenciado, diremos que a resposta está essencialmente no enunciado normativo (texto norma), como na extensão (âmbito da norma) e na finalidade (programa da norma) expressos na alínea e) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF, conjugado com a alínea a) do n.º 2 do artigo 2.º do CCP. E estes vão no sentido (norma decisão) de que os tribunais administrativos são jurisdicionalmente competentes para as questões de interpretação, validade e execução dos designados “contratos públicos” celebrados pelas “entidades adjudicantes públicas”. Nestas integram-se os “organismos de direito público”, como sejam as entidades concessionárias para exploração e gestão do abastecimento de água e de saneamento, desde que tais contratos estejam sujeitos ao regime de contratação pública. Deste modo, os contratos de aquisição de serviços celebrados por tais “organismos de direito público” desde que sejam submetidos à regulamentação de contratação pública, são sempre considerados como contratos públicos, independentemente da impressão genética de tais contratos. Daí que, o contrato de mandato judicial celebrado entre advogado e uma “entidade pública adjudicante”, designadamente uma sociedade concessionária de um serviço público, integrada por capitais públicos, assume a natureza de contrato público, estando igualmente nestas situações sempre assegurada a autonomia funcional e técnica no exercício da advocacia. Deste modo, a execução de um contrato público de prestação de serviços de advocacia abrange a liquidação e cobrança dos correspondentes honorários, sendo os tribunais administrativos os competentes em razão da matéria para conhecer das questões relacionadas com tais remunerações. Destarte, impõe-se a revogação do despacho recorrido”. Concordamos com a decisão do tribunal recorrido e, por isso, transcrevemos parcialmente a sua fundamentação. Na decisão a tomar, seguimos de perto o teor da fundamentação do Acórdão de 02-06-2020, proferido por este STJ, no Proc. nº 45639/18.3YIPRT.G1.S1, o qual subscrevemos como adjunto. A determinação da competência deve ser feita à luz da lei em vigor à data da propositura da ação, ou seja, primacialmente, à luz do ETAF na redação do DL nº 214-G/2015 de 2.10 (considerada a competência residual dos tribunais comuns - a LOSJ estipula no seu artigo 40, n.º 1 que “Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”). Na redação anterior ao DL nº 214-G/2015, as alíneas e) e f) do nº 1 do art. 4 do ETAF eram do seguinte teor: “1- - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objeto: (…) e) Questões relativas à validade de atos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público; f) Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objeto passível de ato administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspetos específicos do respetivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que atue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público”. Com a redação do DL nº 214-G/2015, a al. e) do nº 1 art. 4º passou a dispor:”1- Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a: (…) e) Validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes”. Ou seja, com esta redação (que passou a fazer expressa referência aos contratos administrativos,) substituiu as anteriores alíneas e) e f) (Mário Aroso de Almeida Manual de Processo Administrativo, 2016, 2ª edição pág. 161). Ora, nos termos do art. 1º, nº 6, do Código dos Contratos Públicos (CCP), na versão do DL n.º 18/2008, “…reveste a natureza de contrato administrativo o acordo de vontades, independentemente da sua forma ou designação, celebrado entre contraentes públicos e cocontratantes ou somente entre contraentes públicos, que se integre em qualquer uma das seguintes categorias: (…) a) Contratos que, por força do presente Código, da lei ou da vontade das partes, sejam qualificados como contratos administrativos ou submetidos a um regime substantivo de direito público; (…) d) Contratos que a lei submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento de formação regulado por normas de direito público e em que a prestação do cocontratante possa condicionar ou substituir, de forma relevante, a realização das atribuições do contraente público”. Dúvidas não existem (tal não vem controvertido) de que a ré é um contraente público, nos termos conjugados dos art. 2º, nº 2, al a) e 3º, nº 1, al. b) do CPP, na versão considerada. Por outro lado, o art. 450º do CCP (integrado no Título II, respeitante aos Contratos Administrativo em Especial) define “A aquisição de Serviços” como “o contrato pelo qual um contraente público adquire a prestação de um ou vários tipos de serviços mediante o pagamento de um preço.” Por outro lado, ainda, o contrato de mandato é, à face da lei civil, um contrato de prestação de serviço (arts. 1155º e 1154º do Código Civil). De tais disposições resulta, assim, que o contrato de mandato de 2008 é um contrato administrativo de aquisição de serviços. Argumenta-se, em contrário, com a preservação da independência e da autonomia funcional e técnica do advogado (previstas no seu Estatuto). Todavia, não se descortinam bem as razões pelas quais a natureza pública do contrato pode impedir a independência e a autonomia funcional e técnica do advogado ou a relação de confiança entre as partes, aqui se sufragando o que a propósito se refere no acórdão da Relação de Guimarães de 30.1.2020, proc. 43621/19.2YIPRT.G1, em www.dgsi.pt: “o recurso a um procedimento de contratação pública para formação de um contrato de mandato forense não melindra, em nada, a independência do mandatário naquela que é a sua praxis jurídica, uma vez que aquele contrato não deixa de ser um contrato típico de prestação de serviços, com as especificidades que a sua natureza forense determina”. Esse entendimento está, aliás, em linha com o manifestado pelo Ac. do Tribunal de Conflitos de 11.1.2017, Proc. 20/16, em www.dgsi.pt (ainda que tirado no âmbito do Dec. Lei 197/99, de 8 de Junho). Assim, nos termos do art. 1º, nº 6, al. a) do CPP, e atento o disposto no art. 4 do mesmo diploma (que não exclui expressamente tal contrato do âmbito do diploma) deve o referido contrato de mandato ser qualificado como contrato administrativo. Mas também o deve ser nos termos do art. 1º, nº 6, al. d) do CCP (já atrás transcrito), a tal não obstando o art. 5 do mesmo diploma que dispõe: “A parte ii do presente Código não é aplicável à formação de contratos a celebrar por entidades adjudicantes cujo objeto abranja prestações que não estão nem sejam suscetíveis de estar submetidas à concorrência de mercado, designadamente em razão da sua natureza ou das suas características, bem como da posição relativa das partes no contrato ou do contexto da sua própria formação.” É que os advogados cobram um preço pelos seus serviços, que é, obviamente, levado em conta na altura da contratação. Também não se nos afigura que a liberdade com que o mandato é exercido, a confiança pessoal entre as partes ou a independência e autonomia funcional e técnica do advogado (previstas no seu Estatuto), possam impedir que a sua celebração esteja dependente do procedimento de formação atinente ao contrato administrativo. Não o impede o art. 6º, nº 1, al. a) do CCP quando dispõe: ”1- À formação de contratos a celebrar entre quaisquer entidades adjudicantes referidas no n.º 1 do artigo 2.º, a parte II do presente Código só é aplicável quando o objeto de tais contratos abranja prestações típicas dos seguintes contratos: (…) e) Aquisição de serviços”. Nem o impede o art. 16º do CCP que estatui no nº 1: “Para a formação de contratos cujo objeto abranja prestações que estão ou sejam suscetíveis de estar submetidas à concorrência de mercado, as entidades adjudicantes devem adotar um dos seguintes tipos de procedimentos: a) Ajuste direto; (…) ”; e no nº 2: “Para os efeitos do disposto no número anterior, consideram-se submetidas à concorrência de mercado, designadamente, as prestações típicas abrangidas pelo objeto dos seguintes contratos, independentemente da sua designação ou natureza: (…) e) Aquisição de serviços (…)”. O que determina a competência não é a discussão da existência ou a inexistência de vícios na formação do contrato mas o facto de, para afirmar a administratividade do contrato, a lei submetê-lo, ou admitir que seja submetido, a um procedimento de formação regulado por normas de direito público e em que a prestação do cocontratante possa condicionar ou substituir, de forma relevante, a realização das atribuições do contraente público. Basta que tal suceda para que o contrato revista a natureza de contrato administrativo e seja possível discutir, na jurisdição administrativa, a execução do contrato de mandato e a realização coativa das respetivas prestações (cfr. Ac. STJ de 13.10.2016). Em suma: os tribunais administrativos são os competentes para apreciar o litígio dos autos, ao abrigo do art. 4º, nº 1, al. e) do ETAF; e, por isso, se impunha a absolvição da instância da ré, nos termos conjugados dos arts. 96º, al. a) 99º, nº 1, 576º, nº 2, 577º, al. a) e 578º, todos do CPC, por isso, bem andou o Tribunal da Relação ao julgar procedente a apelação e revogar o despacho recorrido. Assim, se julga improcedente o recurso e se nega a revista. * Sumário elaborado nos termos do art. 663 nº 7 do CPC: I- Um contrato de mandato forense celebrado por uma sociedade de advogados e sendo a contraparte um ente público, reveste a natureza de contrato administrativo, nos termos conjugados dos art. 1º, nº 6, al a) e d) e art. 450º do CPP, estando sujeito ao regime dos procedimentos da contratação pública nos termos dos art. 6º, nº 1, a. e) e art. 16º, nºs 1 e 2, al. e) do mesmo CPP. II- O conhecimento do litígio emergente de contrato de mandato forense, destinado à cobrança de honorários devidos pelo patrocínio de contraente público, é da competência material da jurisdição administrativa, ao abrigo da al. e) do nº 1 do art. 4º do ETAF, na redação que lhe foi dada pelo DL nº 214-G/2015 de 2.10. * Decisão: Pelos fundamentos expostos, julga-se improcedente a revista e, consequentemente, mantem-se o acórdão recorrido. Custas pela recorrente. 13-10-2020 Fernando Jorge Dias – Juiz Conselheiro relator Nos termos do art. 15-A, do Dl. nº 10-A/2020 de 13-03, aditado pelo art. 3 do Dl. nº 20/2020 atesto o voto de conformidade dos srs. Juízes Conselheiros adjuntos. Maria Clara Sottomayor – Juíza Conselheira 1ª adjunta António Alexandre Reis – Juiz Conselheiro 2º adjunto |