Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | SEBASTIÃO PÓVOAS | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE DO ESTADO ACTOS JURISDICIONAIS ERRO GROSSEIRO ATRASO NA DECISÃO | ||
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Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 09/08/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA REVISTA | ||
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Sumário : | 1. Ainda na vigência do Decreto-Lei n.º 48051 de 21 de Novembro de 1967,a generalidade da doutrina passou a propender para que o artigo 22.º da Constituição da República abrangesse não só a responsabilidade do Estado por danos resultantes do exercício da função administrativa, mas igualmente das funções legislativa e jurisdicional, por não conter quaisquer restrições. Considera-se que a norma constitucional revogou os preceitos daquele Decreto-Lei que, eventualmente, impedissem essa interpretação. 2. O artigo 22.º da Constituição da República é uma norma directamente aplicável cumprindo aos tribunais a sua implementação tendente a assegurar a reparação dos danos resultantes de actos lesivos de direitos, liberdades e garantias ou dos interesses juridicamente protegidos dos cidadãos. 3. Para que não se corra o perigo de entorpecer o funcionamento da justiça e perturbar a independência dos juízes, impõe-se um regime particularmente cauteloso, afastando, desde logo, qualquer responsabilidade por actos de interpretação das normas de direito e pela valoração dos factos e da prova. Certo, ainda, que nesta perspectiva, o sistema de recursos, e a hierarquia dos instâncias, contribuem, desde logo, para o sucessivo aperfeiçoamento da decisão, reduzindo substancialmente a possibilidade de uma sentença injusta. 4. Ponderando a data de entrada em vigor da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro e a data da decisão que a Autora entende ter-lhe causado danos é de aplicar o regime anterior por força do artigo 2º daquele diploma e do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil. 5. A lei aplicável é – face à entendida parcial revogação do Decreto-Lei n.º 48051 – directamente, o artigo 22.º da Constituição da República. 6. Porém, o novo Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado na parte referente aos actos praticados no exercício da função jurisdicional, autoriza a criação de uma norma de decisão para a densificação do artigo 22.º da Constituição da República, como garantia o direito que este diploma consagra. 7. Trata-se de valorar, por forma mais clara e delineada, o conceito de “erro judiciário” para assim lograr um dos pressupostos da responsabilidade civil do Estado nesta área. Socorremo-nos, então, dos novos conceitos para aquilatar da aplicação do artigo 22.º da lei fundamental, norma que, como se disse, é directamente aplicável consagrando um princípio geral e uma garantia constitucional. 8. A falta de celeridade (ou decisão não proferida “em prazo razoável”) deve ser aferida casuisticamente, na ponderação da dificuldade da causa, dos incidentes suscitados, da logística acessível ao magistrado, da necessidade de cumprimento estrito do formalismo da lei, da cooperação entre os julgadores que integram o conclave, na busca de soluções que evitem jurisprudência contraditória, na racionalidade da distribuição e, finalmente, nas características idiossincráticas do julgador. Tudo isto sem aludir à necessidade de contingentação, aos apoios de assessoria e secretariado que a gestão e o legislador tantas vezes olvidam. 9. A decisão não é inconstitucional, salvo se tomada por um órgão não competente segundo a lei fundamental. Poderá é aplicar uma norma, seu segmento ou interpretação, em violação do normativo constitucional. 10) Porém, o que o legislador pretendeu foi sancionar a decisão assim viciada se na sua origem está um “erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto.”. 11) O erro grosseiro é o que se revela indesculpável, intolerável, constituindo, enfim, uma “aberratio legis” por desconhecimento ou má compreensão flagrante do regime legal. 12) Não se trata de erro ou lapso que afecta a decisão mas não põe em causa a sua substância (“error in judicio”). 13 )Não será, outrossim, um lapso manifesto. Terá de se traduzir num óbvio erro de julgamento, por divergência entre a verdade factica ou jurídica e a afirmada na decisão, a interferir no seu mérito, resultante de lapso grosseiro e patente. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: “G. M... e M... – Sociedade de M... I... Limitada” intentou acção, com processo ordinário, contra o Estado Português, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 68.298,78 euros (sendo 32.646,32 a título de capital e 25.652,42 de juros de mora, contados desde 27 de Maio de 1996 até 12 de Outubro de 2004, data de entrada desta lide) acrescida de juros de mora vencidos desde 13 de Outubro de 2004. Alegou, nuclearmente, ter intentado uma acção, com processo ordinário, no 1.º Juízo Cível de Vila Nova de Gaia (à qual foi atribuido o n.º 2/96) contra AA e sua mulher BB, pedindo a sua condenação a pagarem-lhe a comissão devida por um negócio imobiliário. Então, a 1.ª Instância, a Relação do Porto, e, finalmente, este Supremo Tribunal de Justiça, em recurso de revista, condenaram o Réu e absolveram a Ré; apenas divergiram no montante da condenação já que a 1.ª instância o relegou para execução de sentença (com o limite de 13.090.000$00), a Relação do Porto liquidou-o em 1.485.000$00, com juros desde a citação, fixando em 29.700.000$00 o valor do negócio; e este Supremo Tribunal manteve o julgado pela Relação do Porto e considerou insindicável o valor do negócio. Mas a Autora imputa este aresto de “clamoroso erro judicial, grosseiro e manifesto”, já que no negócio por si mediado o Réu teria recebido não só as fracções incluídas na permuta (no valor de 29.700.000$00) mas mais outras dez fracções (cada uma comercializada, no mínimo, por 13.090.000$00) pelo que a sua comissão teria de incidir sobre 160.600.000$00, devendo o Estado ser condenado a pagar-lhe o remanescente (6.545.000$00, ou 32.646,32 euros). O Tribunal Cível da Comarca de Lisboa absolveu o Réu-Estado do pedido. A Autora apelou para a Relação de Lisboa que confirmou o julgado. Pede, agora, revista. E conclui deste modo as suas alegações: Contra alegou o Réu recorrido, concluindo, pela pena do Digno Magistrado do Ministério Público: As instâncias deram por assente a seguinte matéria de facto: Foram colhidos os vistos. Conhecendo, O âmbito do recurso limita-se à efectivação da responsabilidade civil do Estado pela função judicial. Como pressupostos – regra dessa responsabilidade há que partir das pertinentes normas constitucionais e estatutárias (Estatuto dos Magistrados Judiciais) para, depois, fazer alguma exegese sobre o actual Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro. Da Constituição da República há que reter os artigos 22.º, 27.º, n.º 5 e 29.º, n.º 6. Dispõe o primeiro que “o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrém.” O n.º 5 do artigo 27.º – o qual não nos iremos exaurir, por transcender a economia deste aresto – estabelece que “a privação da liberdade contra o disposto no Constituição e na lei constitui o Estado no dever de indemnizar o lesado nos termos que a lei estabelecer.” Trata-se, aqui, de consagrar para efeitos de responsabilidade o princípio afirmado nos artigos 9.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de Dezembro de 1948 (DR, I, n.º 57, de 9 de 1978, Aviso do MNE) e 5.º, n.º 5 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (aprovada para ratificação pela Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro). Finalmente, o n.º 6 do artigo 29.º dispõe que “os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos, norma que, não iremos detalhar pelas razões referidas quanto ao n.º 5 do artigo 27.º. Quanto a actos praticados no exercício da função jurisdicional, topam-se, ainda, os artigos 216.º, n.º 2 da Constituição da República (“Os juízes não podem ser responsabilizados pelas suas decisões salvo as excepções consignadas na lei.”), 203.º (“Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei.”) e, densificando o primeiro preceito, o artigo 5.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, com a alteração da Lei n.º 143/99, de 31 de Agosto – (“Os magistrados judiciais não podem ser responsabilizados pelas suas decisões.” [n.º1]; “só nos casos excepcionalmente previstos na lei os magistrados judiciais podem ser sujeitos, em razão do exercício das suas funções, a responsabilidade civil, criminal ou disciplinar.” [n.º 2]; “fora dos casos em que a falta constitua crime, a responsabilidade civil apenas pode ser efectivado mediante acção de regresso do Estado contra o respectivo magistrado, com fundamento em dolo ou culpa grave.” [n.º 3]. Para os funcionários ou agentes (que não magistrados) releva o artigo 271º CRP, que , e no essencial, pôs termo à garantia administrativa. Adiante, proceder-se-á a uma abordagem dos artigos 12.º a 14.º do já citado Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas – doravante a designar como R.C.E.E. Antes, porém, afiguram-se curiais algumas considerações sobre a laboração doutrinária e jurisprudencial anterior a este diploma de 2007. Só com o Decreto n.º 19126, de 16 de Dezembro de 1930, que alterou aquele artigo 2399.º, o Estado passou a responder solidáriamente com os seus agentes mas, ainda assim, apenas pelos chamados actos de gestão pública. O Código Administrativo de 1936 regulou a responsabilidade das autarquias nos casos de actuação ilícita dos seus funcionários ou agentes. Mas seguiu-se a irresponsabilização do Estado e dos Juízes (cf., os artigos 120.º da Constituição de 1933, a alínea h) do artigo 241.º do Estatuto Judiciário, com as excepções da lei processual civil e, no caso de erro judiciário, se verificado em recurso extraordinário de revisão (artigo 8.º da Constituição de 1933 e Código de Processo Penal de 1929). A primeira grande alteração –na sequência do já insinuado no Código Civil de 1966- deu-se com o Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967, cuja laboração doutrinaria e jurisprudencial lograda à sua sombra só foi, verdadeiramente, posta em crise com a Constituição da República, “maxime” o seu artigo 22.º. ( cf. ,com interesse o Acórdão do Tribunal Constitucional nº236-2004 Pº 92/2003,que julgou supervenientemente inconstitucionais as normas dos artigos 2º e 3ºnºs 1 e 2 daquele diploma . ). Então, a generalidade da doutrina e jurisprudencia passou a propender para que esse artigo 22.º da Constituição da República abrangesse não só a responsabilidade do Estado por danos resultantes do exercício da função administrativa, mas igualmente das funções legislativa e jurisdicional, por não conter quaisquer restrições. (cf. Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira – “Constituição da República Portuguesa – Anotada”, 3.ª ed., 168; Prof. Fausto Quadros, “Omissões Legislativas sobre direitos fundamentais”, in “Nos dez anos da Constituição”, 60 ss; Cons. Dimas de Lacerda, in “Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado [alguns aspectos], apud “Revista do Ministério Público”, 6.ª, 21, 44 e 74; e Dr. Rui Medeiros, in “Ensaio sobre a responsabilidade civil do Estado por actos legislativos”, 86 ; acórdão do STJ de 1 de Junho de 2004, CJ/STJ 2004-II80 e 213). É que, não se olvidou que o citado artigo 22.º da CRP é uma norma directamente aplicável cumprindo aos tribunais a sua implementação “tendente a assegurar a reparação dos danos resultantes de actos lesivos de direitos, liberdades e garantias ou dos interesses juridicamente protegidos dos cidadãos.” (Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., 170). Mas, de outra banda – e recordando, a propósito, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de Março de 1989, in “Acórdãos Doutrinais do STA, XXIX, 344-345, p. 1035, (embora reportado apenas à não prolação da decisão em prazo razoável) – o Prof. Gomes Canotilho (agora, in “Direito Constitucional”, 5.ª ed., 674) alertava para que “sob pena de se paralisar o funcionamento da justiça e perturbar a independência dos juízes, impõe-se aqui um regime particularmente cauteloso, afastando, desde logo, qualquer acto de responsabilidade por actos de interpretação das normas de direito e pela valoração dos factos e da prova.” Certo, ainda, que nesta perspectiva, o sistema de recursos, e a hierarquia dos instâncias, contribuem, desde logo, para o sucessivo aperfeiçoamento das decisões, reduzindo substancialmente a possibilidade de uma sentença injusta. (Calamandrei, “La Casacion Civil”, II, Buenos Aires, 1945, 393, ss). Isto, embora os actos jurisdicionais serem, em princípio, actos lícitos, incluem uma “álea” traduzida no “error in judicando”, já ínsito no artigo 22.º da Constituição da República. Nota o Prof. Jorge Miranda que “com a referência à ‘violação’ está-se a prever a responsabilidade por factos ilícitos e com referência a ‘prejuízo’ a responsabilidade por factos lícitos. São ambas as modalidades que a Constituição pretende abranger.” (in “Manual de Direito Constitucional”, IV, 269; idêntica é a interpretação do Prof. Fausto Quadros ao comentar o preceito dizendo que “ele estabelece a responsabilidade patrimonial directa do Estado e doutras pessoas públicas mesmo que o facto gerador do dano não seja um facto ilícito.” – ob. cit. 61). Tratava-se de um passo importantíssimo em relação ao entendido na vigência do Decreto-Lei n.º 48051 de 21 de Novembro de 1967, considerado aplicável apenas aos actos administrativos e não aos jurisdicionais (cf., v.g., o Acórdão do STA de 9 de Outubro de 1990 – RLJ – 124, 3804, p. 77, anotado pelo Prof. Gomes Canotilho; cf., ainda o mesmo Autor, in “O Problema da Responsabilidade do Estado por Actos Lícitos”, 1974, 223/224) e o Acórdão do STJ de 6 de Maio de 1986 – BMJ 357-392 – a considerar a revogação, nesta parte, do Decreto-Lei n.º 48051). Aqui chegados, seria tempo de abordar o novo regime RCEE, mas tendo sempre em mente os princípios constitucionais e pondo a tónica na irresponsabilidade do julgador. Mas não é de considerar a aplicação daquele diploma de 2007 – que não também o Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967 – como atrás se acenou, pelas razões que se passam a seriar. A Lei n.º 62/2007, de 31 de Dezembro só entrou em vigor 30 dias após a publicação (artigo 6.º) e esta acção deu entrada em 12 de Outubro de 2004, sendo verdade que o acto ilícito é imputado ao Acórdão do STJ de 28 de Junho de 2001; aquele diploma só dispõe no artigo 2.º a “salvaguarda dos regimes especiais de responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função administrativa” (n.º 1) que “prevalece sobre qualquer remissão legal para o regime da responsabilidade civil extracontratual de direito privado aplicável a pessoas colectivas de direito público” (n.º 2); a lei nova que, em regra, vale para o futuro, dispõe sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem” e só “abrange as próprias relações jurídicas já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”, de acordo com o n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil; só seria de aplicar se a responsabilidade civil assacada se reportada a uma conduta do julgador que a lei anterior valorasse nos mesmos termos.(cf. v. g. o Acórdãos do STJ de 19 de Março de 2009 -09A0065-tirado,embora em situação ocorrida em processo penal, tal como o de 11 de Setembro de 2008 -08B1747). 3- Regime vigente após 2007. 3.1. Ora, a lei aplicável é, apenas e directamente, o artigo 22.º da Constituição da República, já que, e como antes acenàmos, este preceito veio revogar o Decreto-Lei n.º 48051 na parte em que se entendia não abranger os actos jurisdicionais. Porém, o novo Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado no referente aos actos praticados no exercício da função jurisdicional, permite desde já a densificação do artigo 22.º da Constituição da República (criando-se, assim, uma “norma de decisão”, tendente a garantir o direito que a Constituição consagra) garantindo a indemnização pelo julgamento não concluído em prazo razoável ou por interpretações “manifestamente inconstitucionais, ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto” (artigos 12.º e 13.º daquele diploma; cf., ainda, o artigo 14.º para a responsabilidade de magistrados). Melhor assim se concilia a responsabilidade do Estado, a independência dos julgadores e as garantias constitucionais. Trata-se de valorar, por forma mais clara e delineada o conceito de “erro judiciário” para assim lograr um dos pressupostos da responsabilidade civil do Estado nesta área. Socorremo-nos, por isso, dos novos conceitos para aquilatar da aplicação do artigo 22.º da lei fundamental, norma que, como se disse, é directamente aplicável, “ex vi “ do artigo 18ª, consagrando um princípio geral e uma garantia constitucional. (cf. Doutor Barbosa de Melo – “Responsabilidade Civil Extra Contratual do Estado – Não cobrança de derrama pelo Estado” C.J., XI, 1986, 36; Cons. Maria Lúcia Amaral Pinto Correia – “Responsabilidade do Estado e dever de indemnizar do legislador”, 1998, 439; e Dr.ª Margarida Cortez – “Responsabilidade Civil da Administração por Actos Administrativos Ilegais e Concurso de Omissão Culposa do Lesado”, 23 e ,ainda. o Acórdão do STJ de 8 de Julho de 1997 –BMJ469-395). 3.2. Não estando em causa uma situação de atraso, só a ela brevemente nos referiremos. Esta é caracterizada por uma demora intolerável e injustificada na prolação da decisão, mas sem que tal se traduza, apenas, no mero incumprimento de prazos ordenadores ou no não acatamento de instruções de órgãos de gestão das magistraturas, estas, as mais das vezes, fundados em elementos estatísticos colhidos sem rigor, por cotejarem lides de dificuldade e complexidade diversas, deixando a porta aberta para situações em que a busca da celeridade (tantas vezes emulativa) se sobrepõe à busca de acerto e de qualidade cientifica. A falta de celeridade (ou decisão não proferida “em prazo razoável”) deve ser aferida casuisticamente, na ponderação da dificuldade da causa, dos incidentes suscitados, da logística acessível ao magistrado, da necessidade de cumprimento estrito do formalismo da lei, da cooperação entre os julgadores que integram o conclave, na busca de soluções que evitem jurisprudência contraditória, na racionalidade da distribuição e, finalmente, nas características idiossincráticas do julgador. Na óptica do Prof. Gomes Canotilho o atraso da justiça poderia ser atenuado “drasticamente, quando também os Tribunais, o Ministério Público e os Juízes tiverem, como têm as partes no processo, prazos obrigatórios e peremptórios e não só prazos meramente ordenadores ou reguladores” (in “Colóquio: A Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado”, 2002; cf , ainda e v.g. o, já citado. Acórdão do STA de 7 de Março de 1989,agora in RLJ 123º.293 ss ,anotado por aquele Mestre). Com o merecido respeito, discorda-se, pois as situações só seriam comparáveis se os magistrados pudessem “contigentar” (ou escolher) os seus processos e não estivessem sujeitos, como tantas vezes infelizmente acontece, a serem confrontados com incidentes dilatórios, sucessivos pedidos de reforma, aclaração, arguição de nulidade infundados que, inevitavelmente, atrasam o termo da lide e perturbam o planeamento do serviço a cargo de cada um. Mas nunca é de esquecer que ,e como notou o Prof. Castro Mendes, “a sobrecarga de trabalho e a pressa” são “ dois elementos especialmente nocivos” que dificultam uma boa decisão (apud “Estudos sobre a Constituição,1979, 3º , p 657). Finalmente, deve ter-se presente que o processo contém actos jurisdicionais – onde é exercida a função soberana de julgar –, não jurisdicionais, praticados pelo juiz- que se limitam a disciplinar ou dar cumprimento à ritologia processual -e para-jurisdicionais, praticados pelos oficiais de justiça. Desse conjunto de actos, alguns fora do controlo pessoal do magistrado, irá resultar a maior ou menor celeridade mas o certo é que alguns estão fora (ou na “border line”) da função jurisdicional. Tudo isto sem aludir à necessidade de contingentação, aos apoios de assessoria e secretariado que o legislador e a gestão da magistratura tantas vezes olvidam. Nos casos de atraso da justiça, e na sequência da jurisprudência da anterior Comissão e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem – cf., o artigo 6.º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; os Acórdãos daquele Tribunal de 21 de Janeiro de 1975 (Golder – Reino Unido, in Série A – n.º 18, § 36) e Relatório da Comissão de 21 de Fevereiro de 1995, § 80) vem sendo entendido que tal viola o direito a uma justiça célere e equitativa (direito adjectivo) como o direito substantivo a não ver coarctado o exercício do direito que se pretende fazer valer em tribunal. 3.3. Tratemos agora, das decisões que a lei apoda de “manifestamente inconstitucionais”, o que nos parece expressão pouco rigorosa. A decisão não é inconstitucional, salvo se tomada por um órgão não competente segundo a lei fundamental. Poderá é aplicar uma norma, seu segmento ou interpretação, em violação do normativo constitucional. O mesmo se dirá da decisão ilegal ou injustificada. Porém, o que o legislador pretendeu foi sancionar a decisão assim viciada se na sua origem está um “erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto.” Errar não é passível de sanção, tanto mais que o Direito não é uma ciência exacta e, tantas vezes, a doutrina e a jurisprudência se confrontam propondo soluções opostas para a mesma questão jurídica. Por isso, também, é que a irresponsabilidade dos magistrados é um princípio intocável. (cf., por todos, Dr. João Aveiro Pereira, apud “A Responsabilidade Civil por Actos Jurisdicionais”, 2001, 203; Dr.ª Nélia Daniel Dias, in “A Responsabilidade Civil do Juiz”, 2.ª ed., 38; Dr. Rui Medeiros, in “Ensaio sobre a responsabilidade civil por actos legislativos”, 1992). Aliás, e como reflectiu Jimenez Lechuga (in “La responsabilidad de los poderes públicos en el derecho español. Una vision de conjunto”, 1999, 121) o juiz quando julga é considerado a “vox juris” sendo um órgão do Direito e não um órgão do Estado, argumento que é utilizada para, nestes casos, desresponsabilizar o Estado. Mas já é de sancionar civilmente se o erro é “grosseiro” na apreciação dos “pressupostos de facto”. Não há, pois, reacção possível, nesta sede, quando estamos perante um mero erro de julgamento, salvo tratando-se de erro grosseiro que incida sobre a apreciação e subsunção dos factos. Tal erro terá de ser indesculpável, intolerável ou, na dura expressão do Prof. Manuel de Andrade, “escandaloso, crasso, supino, que procede de culpa grave do errante.” (in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, 1974, 2.ª, 239), terá, enfim, de constituir uma “aberratio legis”.(cf ainda Cons. Guilherme da Fonseca in”A responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional (em especial o erro judiciário)” in Julgar nº5, Maio- Agosto 2008 51ss; Acordãos do STJ de 12 de Outubro de 2000- Pº 2321/00 2ª Secção- e o já citado de 11 de Setembro de 2008 -08B1747). Não se trata de mero erro ou lapso que afecta a decisão mas não põe em causa a sua substância (“error in judicio”). Não será, outrossim, um lapso manifesto. Terá de se traduzir num óbvio erro de julgamento, por divergência entre a verdade factica ou jurídica e a afirmada na decisão, a interferir no seu mérito, resultante de lapso grosseiro e patente, por desconhecimento ou flagrante má compreensão do regime legal ( neste sentido, também os Acórdãos do STJ de 31 de Março de 2004 –CJ/STJ 20044-I 157 E que por isso, conduziu a uma decisão definitiva – por insusceptível de recurso correctivo – violadora de direitos, liberdades e garantias ou causadora de prejuízo a outrem. Não resistimos em aderir ao sugerido pelo Mestre Luís Catarino (“Responsabilidade por facto jurisdicional – contributo para uma reforma do sistema geral da responsabilidade civil extracontratual do Estado”, comunicação nos Seminários de 8 e 9 de Março de 2000, na Torre do Tombo, em Lisboa) para que a responsabilidade se contenha: Fica, assim, delineado o regime de responsabilidade civil do Estado por actos jurisdicionais praticados na jurisdição cível. Cumpre agora verificar se tais pressupostos se verificaram no caso concreto. 4- “In casu” Perante o acervo de factos provados e da detalhada consulta ao processo apenso cuja decisão final seria, na óptica da Autora, geradora da obrigação de indemnizar, terá de concluir-se pela sua ausência de razão. Sempre na ponderação da matéria de facto atrás elencada, deve ainda de considerar-se o que foi alegado – e provado, ou não – pela Autora, na acção n.º 2/96. Alegou a sua intermediação imobiliária e ter acordado com o Réu, duas formas alternativas de remuneração, consistindo a primeira numa percentagem sobre o valor da venda do terreno e a última na entrega de uma fracção autónoma (T1) ou do seu valor. Só logrou, contudo, provar que foi “acordado que o pagamento dos serviços a prestar pela demandante seria uma percentagem sobre o valor da venda do terreno” e que esta foi realizada pelo preço de 29.700.000$00, nos termos da escritura pública de permuta outorgada em 11 de Janeiro de 1994. E concluiu pedindo a condenação dos Réus a pagarem-lhe 13.090.000$00 – o que correspondia a uma única fracção autónoma da tipologia T1, edificada no terreno. Em apelação para a Relação do Porto solicitou a alteração das respostas aos quesitos 2.º, 4.º e 5.º defendendo a procedência da acção, nos termos do inicialmente pedido. Nessa instância foram mantidas as respostas em crise. E só no recurso para o STJ – e pela primeira vez, olvidando, até, que os recursos se destinam a reponderar o julgado, que não a decidir questões novas – veio explicar que pela venda do terreno e como pagamento do mesmo os réus receberam 14 apartamentos, dizendo que, ao considerar apenas as primeiras quatro fracções, o Acórdão não atendeu ao valor da totalidade do negócio. E então – e ainda, insiste-se, pela primeira vez – pediu a aplicação do primeiro critério de retribuição que, segundo essa versão, acordara com os Réus. O STJ considerou que tal alegação era extemporânea já que a “determinação do valor da venda, mais concretamente do valor porque foi cedido o terreno à Intermega, insere-se no domínio da matéria de facto, da exclusiva competência da Relação, insindicável por este Supremo Tribunal – artigo 722.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.”. É que, a Relação ao reapreciar a matéria de facto, indeferira o pedido de alteração e concluíra: “Assim, considerando o valor do negócio em causa, entende-se como equitativo o preço a pagar pelo R à A, a quantia correspondente a 5% do valor da permuta ou seja, de 1.485.000$00 (5% de 29.700.000$00).” O Supremo não curou de interpretar a matéria de facto, mas de a manter intocada por inverificada qualquer das excepções do citado n.º 2 do artigo 722.º do CPC, sendo, outrossim, certo que as instâncias alcançaram as conclusões fácticas ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova. Do exposto resulta que o Supremo Tribunal de Justiça não cometeu qualquer erro grosseiro, indesculpável, escandaloso ou intolerável, no qual não teria caído o julgador médio com os cuidados exigíveis e dotado de conhecimentos técnico-juridicos normais. Não reapreciou (por não o poder fazer) a matéria de facto dada por assente na Relação e nem sequer, também, fundou tal recusa (como podia ter feito) no tratar-se de questão pela primeira vez suscitada. Disse, avisadamente, que a Relação “considerou que o valor do negócio foi de 29.700.000$00, ou seja, o valor pelo qual os RR cederam à Intermega conforme consta da escritura pública de 11.01.1994. Ora a determinação do valor da venda, mais correctamente do valor por que foi cedido o terreno à Intermega não estava subordinado à observância de qualquer critério legal.” De tudo resulta a improcedência da argumentação da recorrente. 5- Conclusões Pode, assim, concluir-se que: c) Para que não se corra o perigo de entorpecer o funcionamento da justiça e perturbar a independência dos juízes, impõe-se aqui um regime particularmente cauteloso, afastando, desde logo, qualquer responsabilidade por actos de interpretação das normas de direito e pela valoração dos factos e da prova. Certo, ainda, que nesta perspectiva, o sistema de recursos, e a hierarquia dos instâncias, contribuem, desde logo, para o sucessivo aperfeiçoamento da decisão, reduzindo substancialmente a possibilidade de uma sentença injusta. d) Ponderando a data de entrada em vigor da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro e a data da decisão que a Autora entende ter-lhe causado danos é de aplicar o regime anterior de acordo com artigo 2º daquele diploma e n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil. e) A lei aplicável é – face à referida revogação do Decreto-Lei n.º 48051 – directamente, o artigo 22.º da Constituição da República. f) Porém, o novo Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado na parte referente aos actos praticados no exercício da função jurisdicional, autoriza a criação de uma norma de decisão para densificação do artigo 22.º da Constituição da República, como garantia o direito que se este diploma consagra. g) Trata-se de valorar, por forma mais clara e delineada, o conceito de “erro judiciário” para assim lograr um dos pressupostos da responsabilidade civil do Estado nesta área. Socorremo-nos dos novos conceitos para aquilatar da aplicação do artigo 22.º da lei fundamental, norma que, como se disse, é directamente aplicável consagrando um princípio geral e uma garantia constitucional. h) A falta de celeridade (ou decisão não proferida “em prazo razoável”) deve ser aferida casuisticamente, na ponderação da dificuldade da causa, dos incidentes suscitados, da logística acessível ao magistrado, da necessidade de cumprimento estrito do formalismo da lei, da cooperação entre os julgadores que integram o conclave, na busca de soluções que evitem jurisprudência contraditória, na racionalidade da distribuição e, finalmente, nas características idiossincráticas do julgador. Tudo isto sem aludir à necessidade de contingentação, aos apoios de assessoria e secretariado que a gestão e o legislador tantas vezes olvidam. i) A decisão não é inconstitucional, salvo se tomada por um órgão não competente segundo a lei fundamental. Poderá é aplicar uma norma, seu segmento ou interpretação, em violação do normativo constitucional. j) Porém, o que o legislador pretendeu foi sancionar a decisão assim viciada se na sua origem está um “erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto.”. k) O erro grosseiro é o que se revela indesculpável, intolerável, constituindo, enfim, uma “aberratio legis” por desconhecimento ou má compreensão flagrante do regime legal. l) Não se trata de erro ou lapso que afecta a decisão mas não põe em causa a sua substância (“error in judicio”). m) Não será, outrossim, um lapso manifesto. Terá de traduzir-se num óbvio erro de julgamento, por divergência entre a verdade factica ou jurídica e a afirmada na decisão, a interferir no seu mérito, resultante de lapso grosseiro e patente. Nos termos expostos, acordam negar a revista. Custas pela recorrente. Lisboa, 8 de Setembro de 2009 Sebastião Póvoas (Relator) Moreira Alves Alves Velho |