Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||
Relator: | LEONOR CRUZ RODRIGUES | ||
Descritores: | VALOR DA CAUSA ACÇÃO EMERGENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO JUNTA MÉDICA NULIDADE PROCESSUAL OMISSÃO DE PRONÚNCIA ARGUIÇÃO DE NULIDADE TEMPESTIVIDADE | ||
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Data do Acordão: | 03/24/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA COM REMESSA DOS AUTOS AO TRIBUNAL DA RELAÇÃO. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO. | ||
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Sumário : | I. O artigo 120.º do Código de Processo do Trabalho não contém um regime global e completo do valor da causa nas acções emergentes de acidente de trabalho, pelo que nos casos omissos, mesmo os que se prendam com a aplicação das suas normas, vale, na parte aplicável, o regime geral previsto no Código de Processo Civil (artigo 296.º e seguintes), por força da remissão feita no artigo 1.º, n.º 2, al. a) do CPT. II. As nulidades a que se reporta o artigo 77.º, n.º 1 do C.P.T. são as nulidades da sentença/decisão referidas no artigo 615.º, n.º 1, do C.P.C. III. A nulidade da junta médica, v.g por preterição de formalidades essenciais ou omissão de diligência havida como essencial para a boa decisão da causa, configura uma nulidade processual secundária, a arguir perante o tribunal onde foi praticada, sujeita à disciplina do artigo 195.º do Código Processo Civil, considerando-se a mesma sanada se não tiver sido tempestivamente arguida. IV. É definitivo o juízo formulado pelo Tribunal da Relação, no âmbito do disposto no art.º 662.º, nº 1, do C.P.C., sobre a prova sujeita à livre apreciação, como é o caso da prova testemunhal e pericial, não podendo o mesmo ser modificado ou censurado pelo STJ, cuja intervenção está limitada aos casos da parte final do art.º 674.º, n.º 3, do mesmo Código. V. Incorre em nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. d, 1.ª parte, do C.P.C., o acórdão que não se pronuncia sobre questão que lhe foi submetida pela parte, e cuja apreciação se não mostrava prejudicada pela solução dada a outras. | ||
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Decisão Texto Integral: | Proc.º nº 1146/18.4T8FAR.E1.S1 4ª Secção LCR/JG/CM
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I 1 - Relatório 1. AA intentou acção especial emergente de acidente de trabalho contra “SANTA CASA DA MISERICÓRDIA .......” e “C.A. SEGUROS, S.A.”, pedindo a condenação das Rés no pagamento da quantia de € 750 000,00, a título de danos não patrimoniais, de € 1 147,00 correspondentes a despesas com consultas, tratamentos e exames médicos, e da pensão a que tiver direito, em virtude das sequelas com que ficou em decorrência do acidente de trabalho, calculada com base no salário referente à data do acidente e a incapacidade que lhe vier a atribuída por Junta Médica. Alegou para tanto que, exercendo funções de ajudante por conta e ordens da 1ª R., no dia 29 de fevereiro de 2016, quando as exercia abriu um recipiente de detergente tendo sido, nesse momento, atingida pelo produto na face e olhos o que lhe causou perda de visão, passando a depender de terceira pessoa para se deslocar e realizar as tarefas do dia a dia e a sofrer de muitas dores, desconforto e grande tristeza. Mais invocou que o o acidente se ficou a dever a culpa da entidade patronal que, tendo conhecimento da perigosidade das substâncias, não lhe facultou qualquer equipamento de protecção (óculos, máscaras ou luvas).
2. O Instituto de Segurança Social, I.P. deduziu pedido de reembolso contra a 2ª Ré, pedindo a sua condenação no pagamento de correspondente ao valor pago à A. a título de subsídio de doença pago à autora, vindo no decurso da acção a formular idêntico pedido contra ambas as Ré, para reembolso de quantias despendidas com a pensão de invalidez atribuída à autora.
3. A Ré SANTA CASA DA MISERICÓRDIA .......” apresentou contestação, defendendo-se por excepção, invocando a sua ilegitimidade passiva, e por impugnação, sustentando que a perda de visão da autora nada teve que ver com o acidente porquanto a sinistrada já anteriormente apresentava graves lesões nos olhos, e que , no seu local de trabalho a. não teve contacto com ácidos, e que tinha implementadas boas práticas quanto ao modo de utilização dos produtos químicos usados na lavandaria, planos de higienização através de fichas técnicas e de segurança onde constavam as características e cuidados a ter no manuseamento dos produtos, indicadas por empresa especializada no aconselhamento e venda de soluções de limpeza, concluindo que o acidente, a ter existido, foi devido a negligência grosseira e violação das regras de segurança por parte da autora. 5. Conhecendo do incidente do valor da causa foi proferido despacho no qual, considerando, em síntese, que na impossibilidade de fixação do valor por aplicação do disposto dos nºs 1 e 2 do artigo 120º do CPT, por não ter a autora liquidado o montante da pensão reclamada formulando pedido de acordo com o que vier a ser liquidado em junta medica, foi fixado à acção o valor de € 751 147,00, correspondente aos valores a título de danos morais e patrimoniais pedidos, de acordo com o disposto no artº 297º do CPC, sem prejuízo de, em decorrência do estatuído no artigo 120º, nº 3, do CPT, o tribunal, a seu tempo corrigir o valor da acção. 6. Seguidamente foi proferido despacho saneador, julgando improcedente a excepção de ilegitimidade passiva da 1ª Ré, fixados os factos assentes e os temas da prova, e determinada a abertura de apenso para a fixação de incapacidade tendo em vista a realização de junta médica. A sinistrado interpôs recurso desse despacho, arguindo a nulidade da junta médica, em 9 de Março de 2020, não tendo o recurso sido admitido. 8. Prosseguindo os autos, realizou-se a audiência de discussão e julgamento após o que foi proferida sentença que finalizou com o seguinte dispositivo: “Em face do supra exposto julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência: 9. Inconformada com a decisão dela apelou a Autora, impugnando a decisão sobre a matéria de facto, concretamente impugnando essa decisão na parte em que julgou não provado que em decorrência do acidente a. perdeu a visão, e alegando erro de julgamento na aplicação do direito aos factos, arguindo, em síntese, a nulidade da sentença e da junta médica, questionando a IIP atribuída, o não reconhecimento da responsabilidade agravada da Ré empregadora, e questionando o valor da acção. 10. Conhecendo do recurso o Tribunal da Relação, por acórdão de 24 .9.2020, julgou improcedente o recurso da decisão em matéria de facto, tendo, oficiosamente, aditado um facto, respeitante à data de nascimento da sinistrada, e, em matéria de direito, julgou-o parcialmente procedente, reconhecendo a responsabilidade agravada da empregadora, nos termos do artigo 18º da LAT, condenando-a no pagamento à Autora do capital de remição da pensão anual e vitalícia de € 269,60, desde 25.8.2016, e fixando à causa o valor de € 3 465,35, finalizando o acórdão com o seguinte dispositivo: Notifique”. 11. Deste acórdão interpõe agora a Autora revista, formulando as seguintes conclusões: Termos em que o presente recurso deve ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida nos termos supra expostos”. 12. Cumprido o disposto no artº 87º, nº 3, do C.P.T., o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido da procedência da revista quanto à nulidade por omissão de pronúncia, parecer que, tendo sido notificado às partes, não suscitou resposta. Admitido o recurso com o adequado efeito e regime de subida, cumpre proferir decisão quanto ao seu mérito. II 2 - Enquadramento normativo e Delimitação objectiva do recurso Enquadramento normativo: Os presentes autos respeitam a ação emergente de acidente de trabalho. O sinistro ocorreu em 29.2.1016 e o recebimento em juízo da respetiva participação ocorreu em 28.3.2018. O acórdão recorrido foi proferido em 24.9.2020. Assim sendo, são aplicáveis: - O Código de Processo Civil (CPC) na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho; - O Código de Processo do Trabalho (CPT), aprovado pelo Decreto-‑Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de Dezembro, 38/2003, de 8 de Março, 295/2009, de 13 de Outubro, que o republicou, e pelas Leis nºs 63/2013, de 27 de Agosto, 55/2017, de 17 de Julho e 107/2019, de 9 de Setembro. - A Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de Trabalho e de doenças profissionais (LAT). Delimitação objectiva do recurso: III 2. Fundamentação de facto O acórdão recorrido considerou provada a seguinte factualidade: 1. No dia 29 de fevereiro de 2016, AA exercia funções sob as ordens, direção e fiscalização da Santa Casa da MISERICÓRDIA ......., com sede em ........ 2. Auferia a retribuição anual de € 8 986,54. 3. À data a Santa Casa da MISERICÓRDIA....... tinha a sua responsabilidade infortunistica relativa a acidentes de trabalho da A. transferida para a Crédito Agrícola Seguros – Companhia de Seguros Reais, S.A. através da apólice 01628081, na modalidade de prémio variável, declarando o valor referido em 2. 4. O Centro Distrital da segurança social pagou a AA a quantia de € 5 373,55 relativa a subsídio de doença respeitante ao período compreendido entre 24 de agosto de 2016 e 21 de setembro de 2017. 5. O Centro Nacional de Pensões pagou à A. a quantia de € 10 298,18 a título de pensão de invalidez relativa ao período de setembro de 2017 a setembro de 2019. 6. No dia 29 de fevereiro de 2016, quando a. exercia funções de ajudante de lar e abria um recipiente de detergente que era corrosivo para lhe inserir lança que o permitiria ligar à máquina de lavar foi atingida na face e nos olhos pelo produto. 7. Em decorrência do referido em 6. a. sofreu queimaduras das pálpebras e córneas bilateralmente. 8. Após a alta, ocorrida em 24 de agosto de 2016, em decorrência do referido em 6., a. ficou com entropion da pálpebra inferior esquerda – as pestanas renasceram com a extremidade virada para o interior do olho -, determinante de incapacidade permanente parcial de 3%. 9. O referido em 8. causa à A., pelo menos, grande desconforto. 10. A. despendeu a importância de 32,80€ a título de deslocações obrigatórias ao Tribunal e para realização do exame médico. 11. Desde o acidente a. foi observada por profissionais de saúde. 12. Em data anterior a 29.02.2016 a. já sofria de amaurose do olho direito por trombose da artéria central da retina com atrofia ótica e no olho esquerdo, glaucoma com trombose da artéria temporal inferior com atrofia ótica com escotoma arciforme superior. 13. Desde 2011 que a. era seguida Centro Hospitalar…. para tratamento de glaucoma de ângulo aberto avançado. 14. A. foi admitida ao serviço da R., Santa Casa da MISERICÓRDIA......., por contrato de trabalho, escrito, celebrado em 11.01.2003, para desempenhar inerentes à categoria de ajudante de lar e centro de dia, tendo, cerca da um ano antes dos factos, ficado afeta aos serviços de lavandaria. 15. A R. entidade patronal sabia as características dos produtos usados na lavandaria. 16. Para manuseamento dos produtos de limpeza, a R. entidade patronal facultou à A. luvas. 17. Para o mesmo efeito a R. não facultou à A. óculos de proteção. 18. A. conhecia as máquinas e utensílios, bem assim, a natureza dos produtos que eram por si utilizados no exercício das funções e a forma de manuseamento dos mesmos. 19. A. sabia que a empregadora tinha implementados os “planos de higienização” juntos a fls.301 vº a 303 e 342 dos autos, onde constavam as características dos produtos, dosagens e meios de segurança ou equipamento de proteção individual a adotar. 20. Tal documentação tinha sido elaborada pela sociedade comercial certificada, denominada “ASC - Comércio de Produtos de Higiene, Lda.”, especializada no fornecimento e aconselhamento e venda de soluções integradas de limpeza e higienização profissional eficientes, tendo em conta as características e exigências individuais dos produtos, assim como os requisitos de segurança na sua utilização. 21. O plano referido em 19. no que à lavandaria respeita, indicava os produtos a usar, o modo de utilização, a quantidade de roupa a lavar em cada lavagem, aconselhando como equipamento de proteção individual adequado o uso de luvas. 22. A. conhecia aquela ficha técnica e de segurança por ter recebido formação pela mencionada empresa, incluindo quanto à substituição de embalagens, mas também por se encontrarem expostas na lavandaria. 23. Os produtos existentes na lavandaria estão devidamente acondicionados, individualizados e rotulados com referência às suas características e perigosidade, através de imagens e símbolos. 24. Na lavandaria os produtos eram utilizados através de um sistema automático de doseamento, sendo que o único contacto com o produto ocorria quando a embalagem de produto era substituída na máquina altura em que, após quebra do lacre da embalagem a colocar, a trabalhadora inseria tubo/lança retirado da embalagem vazia e a colocava no bocal da nova embalagem. 25. Tal sistema automático visava o mínimo de contacto das trabalhadoras com os produtos. - E julgou não provados os seguintes factos: 1. Em decorrência do referido em 6. dos factos provados a. tenha perdido a visão. 2. Em decorrência do referido em 6. dos factos provados a capacidade de visão da A. oscile entre as sombras nos ambientes com mais luz e a escuridão nos dias de tempo nebuloso ou nos ambientes de pouca luz, nada conseguindo distinguir. 3. Em decorrência do referido em 6. dos factos provados a. tenha passado a depender de terceira pessoa para se deslocar e para a realização de grande parte das tarefas da rotina diária. 4. Em decorrência do referido em 6. dos factos provados a. tenha passado a sentir uma grande tristeza. 5. Em decorrência do referido em 6. dos factos provados a. tenha que se submeter a uma cirurgia (transplante) por forma de eventualmente recuperar alguma capacidade de visão. 6. Em decorrência do acidente referido em 6 dos factos provados a., em consultas, tratamentos e exames médicos, tenha despendido 1.147,30€ (mil cento e quarenta e sete euros e trinta cêntimos). 7. Por força do entrópion a. tenha grandes dores. 8. Os detergentes usados pela R. causassem danos nas roupas. 9. A R. Santa Casa da Misericórdia desconhece que a. tivesse problemas de saúde nos olhos. 10. A R. Santa Casa da Misericórdia tenha instruído a. a usar óculos e máscara de proteção quando manuseasse produtos químicos. 11. O referido em 6. dos factos provados tenha ocorrido porque a., por distração, não cumpriu as regras de segurança determinadas pela R. no manuseamento e substituição de produtos de limpeza. 12. A. sempre tenha estado afeta à lavandaria. 13. A R. não tenha entregue à A. máscara. Ao abrigo do artigo 662.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo laboral, adita-se aos factos assentes, o seguinte facto, que resulta dos elementos dos autos, que não é controvertido, e que é relevante: 26- A. nasceu em ...-01-1963. 3. Fundamentação de direito Vejamos então as questões que constituem o objecto da revista: A sentença de 1ª instância, tendo entendido que o acidente não se ficou a dever a um comportamento culposo da entidade patronal ou à omissão da observância de normas ou regras de segurança, não havendo lugar à responsabilidade agravada nos termos do artigo 18º, nº 1, da LAT, fixou à acção o valor de €18 108,20, nos seguintes termos: “Face ao que estatui o art. 120º nº 1 e 3 do CPT, a Portaria nº 11/2000, 12/01 e art. 299º nº 2 do CPC ex vi art. 1º n~2 al. a) do CPT, em face das quantias arbitradas à A., bem assim dos pedidos formulados pelo Instituto de Segurança Social, I.P., o valor da causa fixar-se-à em € 18 108,10”. No recurso de apelação a recorrente questionou a fixação do valor da causa invocando que deduziu um pedido no valor de € 751 147,30, pelo que, de acordo com a regra geral do artigo 297º, nº 1, do CPC, deveria ser esse o valor da acção. O acórdão recorrido, que reconheceu a existência de responsabilidade agravada da empregadora e fixou em conformidade, nos termos das disposições dos artigos 18º e 75º da LAT, a pensão devida à Autora, alterou o valor da causa em função da pensão a pagar pela empregadora, fixando à acção, por aplicação do artigo 120º do Código de Processo do Trabalho, o valor de € 3 465,35, considerando, por isso, prejudicada a atinente questão suscitada no recurso. A recorrente insurge-se contra o assim decidido sustentando novamente que o valor da acção deve ser fixado de acordo com a regra geral do artigo 297º do Código de Processo Civil, devendo esse valor ser o que foi peticionado. Posto isto, há que apurar qual o valor da causa, se o valor de € 3 465,35, se o valor defendido pela recorrente, em que àquele valor acrescerá o da indemnização por danos não patrimoniais pedida. A resposta a esta questão é determinante para a admissibilidade, e subsequente conhecimento, quanto ao mais do recurso, uma vez que o valor fixado à causa pelo Tribunal a quo é inferior à alçada da Relação e - contrariamente ao que sucede com a questão ora em apreço, relativamente à qual, por expressa determinação legal, é sempre admissível recurso independentemente do valor da causa (artigo 629º, nº 2, al. b), do CPC) – tal obsta, a manter-se inalterado, à admissibilidade do recurso de revista, posto que as acções emergentes de acidente de trabalho não estão contempladas em nenhuma das excepções à regra da alçada no que concerne ao recurso para o Supremo Tribunal de Justiça ( artº 79º do C.P.T.). Dispõe o artigo 120º do Código de Processo do Trabalho, sob a epígrafe “valor da causa”: Segundo Carlos Alegre, Código de Processo do Trabalho Anotado, Almedina, 2001, reportando-se à redacção original do preceito, o artigo 120º distingue as várias situações em que o valor da causa se calcula, conforme a natureza do pedido: Se se tratar de uma multiplicidade de pedidos, em que se combinem os vários tipos acima referidos, depois de calculado cada um de per si, o valor da causa é o resultado do somatório dos valores encontrados. Esse artigo limita-se a regular aspectos pontuais, particulares do regime do valor da causa nas acções de acidentes de trabalho. Não se alude aí, como factor a considerar na fixação do valor da causa ao valor de indemnização por danos de natureza não patrimonial que, e porque, por regra e princípio, não encontram tutela na LAT, salvo na situação particular, expressamente contemplada no artigo 18º, nº 1, de o acidente ter sido provocado pelo empregador ou resultar de falta de observação das regras sobre segurança e saúde no trabalho Que o mesmo é dizer, como se disse no acórdão deste Supremo Tribunal de 6.12.2006, Procº nº 1071/06-4, que o artigo 120º do Código de Processo do Trabalho não contém um regime global e completo do valor da causa nessas acções, pelo que, nos casos omissos, mesmo os que se prendam com a aplicação das suas normas, vale, na parte aplicável, o regime geral previsto no Código de Processo Civil (nos artigos 296º e segts.), por força da remissão feita no artigo 1º, nº 2, al. a), do Código de Processo do Trabalho. Assim, nestes casos, o valor da causa será o que resultar do valor apurado em conformidade com o critério estabelecido no artigo 120º do CPT, e, relativamente a pedidos nele não contemplados, do respectivo valor, no caso de € 750 000,00, de conformidade com o artigo 297º, nºs 1 e 2 do CPC. Pelo exposto, procedendo o recurso nesta parte, fixa-se à causa o valor de € 753 465,35. Como já foi referido, a sinistrada, ora recorrente, foi submetida a exame por Junta Médica no dia 4 de Fevereiro de 2020, tendo sido nessa mesma data notificada do resultado daquele. Em 27 de Fevereiro de 2020 foi proferido, no apenso para fixação da incapacidade, despacho a fixar a IPP atribuída à sinistrada. Contra esse esse despacho reagiu a sinistrada através de recurso interposto em 9 de Março de 2020, em que arguiu a nulidade da junta médica, recurso esse que não foi admitido, vindo a recorrente a arguir a nulidade da junta médica no recurso de apelação interposto da sentença de 1ª instância. O Tribunal da Relação foi de entendimento que a nulidade arguida configura uma nulidade processual que, como tal, deveria ter sido arguida perante o tribunal em que a mesma ocorreu, no prazo legal, o que não sucedeu, concluindo que, não tendo sido arguida tempestivamente, a nulidade se considera sanada, sendo extemporânea a sua arguição. Discordando de tal decisão alega a recorrente que a nulidade foi arguida no requerimento de interposição de recurso conforme prescreve o artigo 77º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho. Vejamos se a recorrente tem razão. O artigo 77º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, na redacção já ao tempo em vigor, introduzida pela Lei nº 107/2019, de 9 de Setembro, aplicável aos processos pendentes por força do regime transitório consagrado no seu artigo 5º, nº 1, dispõe que “a arguição de nulidades da sentença é aplicável o regime previsto nos artigos 615.º e 617.º do Código de Processo Civil”. Reporta-se esse preceito, na sua redacção originária como na actual, às nulidades da sentença, que são necessariamente as elencadas no artigo 615º do Código de Processo Civil: a falta de assinatura do juiz, a falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito, que justificam a decisão, a contradição ou oposição entre os fundamentos e a decisão ou a ocorrência de alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, e a omissão ou excesso de pronúncia. A nulidade da junta médica arguida pela recorrente não configura nem se integra em qualquer uma das nulidades da sentença aí contempladas. Tal nulidade situa-se em momento anterior à decisão, a montante desta, não constituindo um vício (intrínseco) da sentença impugnada, mas uma nulidade secundária, sujeita à disciplina do artigo 195º do Código de Processo Civil, com as respectivas consequências. Deveria, assim, a recorrente ter observado o prescrito no artigo 199º, nº 1, do Código de Processo Civil, que prescreve que as (restantes) nulidades “se a parte estiver presente, por si ou mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição, conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dele pudesse ter conhecimento agindo com a devida diligência”, neste caso no prazo de 10 dias previsto no artigo 149º, nº 1, do mesmo Código. No caso vertente a recorrente esteve presente no exame por junta médica e foi notificada do resultado do exame no mesmo dia da sua realização, em 4.2.2020, pelo que, na melhor das hipóteses, deveria ter arguido a nulidade nos dez dias subsequentes. Porém, só veio a arguir a nulidade do exame por junta médica no recurso que interpôs da decisão que fixou a incapacidade, em 9.3.2020, data em que o referido prazo já havia decorrido, e, consequentemente, não tendo sido tempestivamente arguida, se encontrava sanada a nulidade respectiva, como se decidiu no acórdão recorrido. É, assim, de concluir pela improcedência do recurso quanto a este fundamento. No recurso de apelação a Autora, ora recorrente, impugnou a decisão em matéria facto na parte em que não julgou provado que em consequência do acidente a. perdeu a visão, pugnando para que esse facto fosse dado como provado. O Tribunal da Relação, apreciando a impugnação da decisão em matéria de facto, e tendo neste âmbito procedido à audição e apreciação dos meios de prova invocados pela recorrente, julgou-a improcedente. A recorrente insurge-se contra o assim decidido dizendo que o tribunal não estava vinculado ao relatório pericial nem era obrigado a dar-lhe primazia e devia ter valorado de forma justa o depoimento das testemunhas, e não se conformar com o entendimento de que não existe nexo causal entre os seus problemas de visão e o acidente de trabalho. Não vem invocado pela recorrente qualquer erro na aplicação do direito adjectivo ou substantivo, estando apenas em causa a sua discordância relativamente ao decidido pelo Tribunal da Relação em matéria de facto, ou seja, a discordância da recorrente dirige-se à apreciação e valoração da prova efectuada pelo Tribunal da Relação, sendo que este concluiu fundamentadamente que os depoimentos identificados pela recorrente não constituem suporte probatório bastante para pôr em causa a prova pericial e os relatórios médicos e considerar provado o ponto 1 dos factos julgados não provados. A decisão questionada, na sequência da impugnação da decisão em matéria de facto pela recorrente, foi proferida pelo Tribunal da Relação no exercício dos poderes de reapreciação da matéria de facto conferidos pelo artigo 662º do NCPC, após reapreciação da prova testemunhal invocada pela recorrente e do confronto da mesma com a prova pericial e relatórios médicos existentes nos autos, todos estes de força probatória fixada livremente pelo tribunal, de acordo com a convicção que sobre eles formou ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 607º, nº 5, do NCPC, que, in casu, não sofre qualquer limitação. Tal decisão, por expressa determinação legal, constante do artigo 662º, nº 4, do Código de Processo Civil, preceito nos termos do qual das decisões da Relação previstas nos nºs 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, não é passível de recurso de revista, estando vedado a este Tribunal o conhecimento do alegado erro na apreciação da decisão de facto. A dissensão da recorrente escapa igualmente aos poderes de sindicância deste Supremo Tribunal que, na matéria, se circunscrevem aos casos excepcionais contemplados no nº 3 do artigo 674º do CPC, consistentes na “ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova” (prova vinculada). Significa isto, como tem sido reiteradamente afirmado na jurisprudência deste Tribunal[1], e citando o acórdão de 2.1.2017, Procº nº 3071/13.6TJVNF.G1.S1, que: “1 Como princípio – regra, a fixação dos factos materiais da causa, baseados na prova livremente apreciada pelo julgador nas instâncias não cabe no âmbito do recurso de revista. 2- O S.T.J. limita-se a aplicar aos factos definitivamente fixados pelo Tribunal recorrido o regime jurídico adequado. 3- São excepções a esta regra a existência de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. 4- Em suma, o S.T.J. só pode conhecer do juízo de prova fixado pela Relação quando tenha sido dado por provado um facto sem que tivesse sido produzida a prova que a lei declare indispensável para a demonstração da sua existência ou tiverem sido violadas as normas reguladoras da força de alguns meios de prova”. Em conclusão, como se afirmou no acórdão deste Supremo Tribunal de 25.9.2019, Procº nº 246/16.4TTGMR.G1.S1, estando o julgamento da matéria de facto fundamentado e tendo em conta o princípio da livre convicção, a circunstância de o Tribunal da Relação não ter tomado decisão diversa em matéria de facto não é, em si mesma, sindicável por este Tribunal, à luz do disposto no n.º 4 do artigo 662.º do CPC. A recorrente, invocando o disposto no artigo 18º, nºs 1, da LAT, formulou na petição inicial pedido de indemnização por danos não patrimoniais contra as responsáveis, sustentando que o acidente se ficou a dever a culpa da entidade patronal que que, tendo conhecimento da perigosidade das substâncias, não lhe facultou qualquer equipamento de protecção (óculos, máscaras ou luvas). Enquanto a sentença de 1ª instância, tendo concluído pela inexistência de responsabilidade agravada da empregadora, entendeu que tal inviabilizava a peticionada indemnização por danos morais, o acórdão recorrido, julgando nessa parte o recurso parcialmente procedente, considerou que foi o incumprimento das regras de segurança pela empregadora que levou à ocorrência do acidente, julgando, assim preenchidos os pressupostos da responsabilidade agravada, vindo a final a condenar a empregadora Santa Casa da MISERICÓRDIA......., ao abrigo do artigo 18º da LAT, a pagar à Autora o valor do capital de remissão correspondente à pensão anual e vitalícia que lhe foi fixada. A sentença de 1ª instância, tendo concluído pela inexistência de responsabilidade agravada da empregadora, entendeu que tal inviabilizava a peticionada indemnização por danos morais, absolvendo, em consequência, as Rés do pedido nessa parte. No recurso de apelação interposto, no artº 45º das conclusões das alegações, a recorrente pugnou pelo reconhecimento de existência de culpa da entidade patronal na produção do acidente e pela condenação da mesma no ressarcimento dos danos sofridos. O acórdão recorrido, julgando nessa parte o recurso parcialmente procedente, considerou que foi o incumprimento das regras de segurança pela empregadora que levou à ocorrência do acidente, julgando, assim preenchidos os pressupostos da responsabilidade agravada, vindo a final a condenar a empregadora Santa Casa da MISERICÓRDIA......., ao abrigo do artigo 18º da LAT, a pagar à Autora o valor do capital de remissão correspondente à pensão anual e vitalícia que lhe foi fixada. A recorrente insurge-se também contra essa parte da decisão sustentando, em substância, que tendo sido considerados preenchidos os pressupostos da responsabilidade agravada da empregadora previstos no artº 18º da LAT, a decisão proferida apenas incidiu sobre o pagamento da pensão quando o nº 1 de tal preceito prevê o ressarcimento dos danos causados a título patrimonial e não patrimonial, concluindo que deve ser julgado procedente o peticionado pedido de indemnização por si deduzido. O que a recorrente invoca, na realidade e em substância, é que o tribunal a quo não se pronunciou sobre o pedido de indemnização por danos não patrimoniais por si formulado, o que, pese embora como tal não formalmente invocado nem legalmente enquadrado, se reconduz ao vício e nulidade de omissão de pronúncia contemplado no artigo 615º, nº 1, al. d), primeira parte, do Código de Processo Civil. É pacificamente aceite que o vício a que se refere a primeira parte da alínea d) do artigo 615º, nº 1, alínea d), do CPC, nulidade por omissão de pronúncia, traduzindo-se no incumprimento por parte do julgador, do dever consignado no artigo 608º, nº 2, 1ª parte, do CPC, se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes ou de que deve conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas. Pressupõe tal nulidade que o tribunal deixe de apreciar alguma questão submetida pelas partes à sua apreciação e que não tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. Ora, tendo a Autora formulado pedido de indemnização por danos não patrimoniais, com fundamento e ao abrigo da responsabilidade agravada da empregadora, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 18º, nº 1, da LAT, certo é que o acórdão recorrido, tendo considerados verificados os pressupostos da responsabilidade agravada ali previstos, não se pronunciou sobre a reparação dos danos não patrimoniais e o correspondente pedido de indemnização formulado pela recorrente, questão que não se encontrava prejudicada pelo conhecimento das demais. O acórdão recorrido incorreu, por isso, na nulidade de omissão de pronúncia, procedendo o recurso nesta parte. Atento o disposto no artigo 684º, nº 2, do CPC, em conjugação com o artigo 615º, nº 1, al. d), 1ª parte, quando seja detetada alguma nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, o processo deve ser devolvido à Relação, o que ora se impõe. IV - Decisão _______________________________________________________
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