Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | JORGE RAPOSO | ||
| Descritores: | APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL REFORMA DE ACÓRDÃO INADMISSIBILIDADE CORRECÇÃO DA DECISÃO CONDENAÇÃO EM CUSTAS | ||
| Data do Acordão: | 10/15/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL) | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Sumário : | I. O direito processual penal tem um regime próprio e completo de correcção da sentença (acórdão), constante do art. 380.º do Código de Processo Penal, que dispensa o recurso à disciplina, subsidiária, do processo civil. II. Não há lugar à reforma de sentença em processo penal, ao abrigo do disposto no artigo 616º nº 2 do Código de Processo Civil, por não se verificar lacuna que deva ser suprida com apelo às normas do processo civil. III. Se o Requerente manifesta discordância quanto ao decidido, o deferimento da sua pretensão iria implicar uma modificação essencial da decisão, o que não é admissível nos termos do art. 380.º do Código de Processo Penal. IV. Também a correcção do acórdão quanto a custas e à sanção dos art.s 420º nº 3 e 448º do Código de Processo Penal não é admissível porquanto uma eventual alteração da condenação em taxa de justiça e sanção determinaria uma modificação essencial do acórdão inadmissível nos termos do art. 380.º do Código de Processo Penal. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção Criminal, do Supremo Tribunal de Justiça 1. Relatório Notificado do acórdão proferido nos presentes autos em 17.9.2025 que rejeitou o presente recurso de fixação de jurisprudência, veio o Recorrente AA requerer a reforma do acórdão, ao abrigo do art. 616º nº 2 al. b) do Código de Processo Civil aplicável ex vi do art. 4º do Código de Processo Penal - “constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida - com os seguintes fundamentos: 1 - O processo-crime é um só, esteja este em formato físico, eletrónico ou conste de vários apensos num ou noutro tribunal mas é um processo único e um só processo. 2 - Por ser assim, há decisões proferidas nestes autos que implicam decisão diversa da proferida no que diz respeito ao trânsito em julgado da decisão relacionado com o arguido AA! 3 - Isto é, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu conhecer de uma questão que o ultrapassa – tal como invalidar uma certidão judicial emitida pelo Tribunal da Relação atestando o trânsito em julgado do arguido AA (recorrente) em data diferente daquela que o STJ designou no acórdão agora reclamado de 16.09.2025. 4- Para o Acórdão proferido em 16.09.2025, após ter sido proferido o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 73/2023, este transitado em 31.03.2023 o processo transitou com aquele trânsito. 5 - Com o devido respeito, aquele Transito em julgado do acórdão do TC é isso mesmo. 6 - É que, nestes autos, existem pelo menos duas decisões judiciais dentro do processo 146/11.0JABRG a contrariar expressamente este entendimento quanto ao recorrente AA. 7- Por um lado é o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 05.06.2024, referência 9505412 (consultável e acessível no citius) assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores Florbela Santos Silva, Anabela Varizo Martins e Paulo Almeida Cunha, a folhas 46 desse acórdão lê-se o seguinte “significa isto que, à exceção dos arguidos AA e BB, que interpuseram recurso para o STJ, o acórdão proferido nesta Relação em 11-11-2019 já transitou em julgado para os restantes arguidos(…)” 8 - Este acórdão proferido neste processo 146/11, transitado em julgado, referiu expressamente nessa data de 05.06.2024 que, quanto ao arguido AA não estava transitado em julgado mas já estava transitado quanto aos demais arguidos. 9 - Ou seja, há várias datas de trânsito em julgado no processo, consoante os arguidos!!!! 10 - O Acórdão da Relação proferido nestes autos em 05-06-2024 vai mais longe e refere “quando a lei diz o prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional… interrompe os prazos para a interposição de outros” está claramente, e a nosso ver, a referir-se a prazos para interposição de outros recursos”. 11 - Ora, o recorrente AA recorreu ao STJ conforme prevê a norma do artigo 75º n.º 1 da Lei n.º 28/82, de 15-11, recorreu dentro do prazo ao STJ. 12 - E, o STJ, numa decisão do Presidente do STJ Dr. Nuno Gonçalves, após dois pedidos de retificação e um pedido de reforma, deferidos, reconhecendo assistir razão quanto ao arguido AA na tempestividade do recurso, decisões essas proferidas pelo próprio Supremo Tribunal de Justiça no processo 146/11.0JABRG.G1-C.S1, todas de Setembro e Outubro de 2024, e todas acessíveis a V. Exas no citius ou em formato físico. 13 - Pelo que, face às decisões proferidas nestes autos 146/11.0JABR (o processo é um só) que declararam que quanto ao arguido AA o processo não estava transitado em julgado por reporte ao acórdão n.º 73/2023 do Tribunal Constitucional, estas decisões (da Relação e do Presidente do STJ) implicam decisão diversa da proferida no acórdão de 16.09.2025 – o que se invoca. 14 - O recorrente, como não poderia deixar de ser, em nome do princípio da proteção e da confiança jurídica acreditou piamente que as decisões proferidas pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e de 3 Juízes Desembargadores são idóneas e, ao assim serem, o prazo de contagem para o recurso de fixação de jurisprudência se começou a contar após o último acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional proferido após a subida ( e dentro deste) do Apenso C.S1, tanto mais que, existem despachos do Tribunal da Relação a referir expressamente que o processo aguardava as decisões do Tribunal Constitucional relacionadas com o arguido AA (uma vez que o arguido BB tinha falecido – e sua morte já foi declarada judicialmente). 15 - Nestes termos, nunca podia o STJ – situação que também aqui se reclama, aplicar custas em duplicidade ou em dobro porque o artigo 420º n.º 3 do C.P.P. prevê a aplicação entre 3 unidades e 10 unidades se o recurso for rejeitado. 16 - Sim, o recurso foi rejeitado por razões de intempestividade face à mudança da data de trânsito em julgado entendida pelo STJ neste acórdão de 16.09.2025– e que aqui já se esclareceu e é pedida a sua reforma nos moldes acima referidos em respeito às decisões proferidas neste processo que implicam decisão diversa – não obstante a lei não previu que fosse aplicável uma taxa sancionatória especial ao ter sido descrito no final do acórdão duas sanções de 4 unidades de conta (uma) e mais 6 de outra, perfazendo 10. 17 - O arguido, como se disse, recorreu dentro dos 30 dias contados das datas que os tribunais certificaram, não sendo o arguido culposo em lado algum. Aliás, se o arguido não pode confiar nas datas e nas decisões proferidas, então o que está em causa não é o comportamento do arguido mas sim a credibilidade, a eficácia e a confiança de todo o sistema judicial. 18- O Acórdão do STJ de 16.09.2025 é, neste aspeto, temerário, causando o caos judicial ao desvalorizar-se uma certidão emitida pela Relação bem como ignorar-se decisões proferidas neste processo que impõe decisão diversa sobre o não transito em julgado quanto ao AA nas datas que o STJ refere neste acórdão de 16.09.2025. 19 - Por fim, queremos aqui deixar uma observação sobre um parágrafo usado pelo Acórdão de 16.09.2025, ao citar uma frase escrita pela anterior advogada do arguido AA num tal recurso que interpôs àquela data ao T.C. e nesse requerimento escreveu que apresentava o recurso ao T.C. porque acreditava não ser recorrível o acórdão ao STJ. Ora bem, essa frase escrita pela advogada do arguido faz-nos lembrar os Estados Unidos quando se diz a um arguido: “tudo o que disser poderá e será usado certamente contra si”. 20 - O rigor de um Tribunal, mais a mais de um Supremo Tribunal, não pode entrar neste regabofe do “diz que disse”. Aquela Advogada, que não é a mesma que a atual, escreveu aquilo sabe-se lá porquê, se ficou esquecido de um “copy past” como acontece em alguns acórdãos que lemos, que contêm matéria estranha ao acórdão ou porque aquela advogada achava que depois de discutir no Tc as questões que lá foram discutidas, não poderia reagir mais. 21 - Desde quando é que tem importância o que uma advogada acha ou escreve? Quem manda é a lei e a lei diz, acima de qualquer advogada, entendimento ou interpretação, que o arguido pode apresentar outros recursos depois de acabar a interrupção por via do recurso ao T.C. 22 - E foi isso que o arguido AA fez. Face a todo o exposto, considerando existirem no processo documentos e decisões que impõe decisão diversa da proferida, em obediência ao princípio da proteção e da confiança jurídicas, deve o recurso em causa ser considerado tempestivo, e, além disso, na parte das custas fixadas, que se aplicaram em duplicidade 4+6, não prevê o artigo 420º n.º 3 do C.P.P. essa sanção mas sim de “3 a 10” e não 4 unidades daqui mais 6 dacolá – devendo, em consequência, ser procedente a reforma do acórdão proferido, com as demais consequências legais.. O Digno Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se sobre o requerido, nos seguintes termos: «1 – AA, recorrente nos autos, veio requerer a reforma do acórdão de 17.09.2025, invocando, para tanto, a norma do artigo 616.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil (C.P.C.), que tem por aplicável por força do disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal (C.P.P.).1 Apontando toda uma série de vicissitudes processuais relativas ao trânsito em julgado da decisão recorrida, as quais foram oportunamente apreciadas no acórdão de 17.09.2025, conclui o ora requerente como segue (transcrição): (…) Face a todo o exposto, considerando existirem no processo documentos e decisões que impõe decisão diversa da proferida, em obediência ao princípio da proteção e da confiança jurídicas, deve o recurso em causa ser considerado tempestivo, e, além disso, na parte das custas fixadas, que se aplicaram em duplicidade 4+6, não prevê o artigo 420º n.º 3 do C.P.P. essa sanção mas sim de “3 a 10” e não 4 unidades daqui mais 6 dacolá – devendo, em consequência, ser procedente a reforma do acórdão proferido, com as demais consequências legais. 2 – De acordo com o disposto no artigo 448.º do C.P.P., aos recursos (extraordinários) para fixação de jurisprudência, aplicam-se subsidiariamente as disposições que regulam os recursos ordinários. E estabelece o n.º 4 do artigo 425.º desse mesmo diploma, inserido no Capítulo II (Da tramitação unitária) do Título I (Dos recursos ordinários) do Livro IX (Dos recursos), que é) correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso o disposto nos artigos 379.º e 380.º (…). Por fim, e no que ora importa reter, dispõe o artigo 380.º do C.P.P., com a epígrafe (Correcção da sentença): 1 - O tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença quando: a) Fora dos casos previstos no artigo anterior, não tiver sido observado ou não tiver sido integralmente observado o disposto no artigo 374.º; b) A sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial. 2 - Se já tiver subido recurso da sentença, a correcção é feita, quando possível, pelo tribunal competente para conhecer do recurso. 3 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável aos restantes actos decisórios previstos no artigo 97.º Daqui resulta, no âmbito do direito processual penal, um regime próprio e completo de correcção da sentença (acórdão), que dispensa, naturalmente, o recurso à disciplina, subsidiária, do processo civil2. Assim, e contrariamente ao pretendido pelo requerente, não há lugar à reforma de sentença em processo penal, ao abrigo do disposto no artigo 616.º, n.º 2, do C.P.C., por não se verificar lacuna que deva ser suprida com apelo às normas do processo civil. E porque o requerido não cabe nos casos previstos no artigo 380.º do C.P.P., também não há lugar à correcção do acórdão de 17.09.2025. Não será demais lembrar, por outro lado, que se encontra esgotado o poder jurisdicional deste Alto Tribunal – artigo 613.º, n.º 1, do C.P.C. ex vi artigo 4.º do C.P.P. Por fim, e no que respeita à reclamação das custas processuais, verifica-se que as mesmas foram aplicadas de acordo com o Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro (artigos 1.º, 8.º e tabela III anexa), e com o artigo 420.º, n.º 3, ex vi artigo 448.º do C.P.P., sem que se evidencie prejuízo para o requerente. 3 – Assim, e pelo que antecede, entende-se ser de rejeitar, por inadmissibilidade legal, o requerimento em apreço.» 2. Fundamentação Questão prévia a decidir é a admissibilidade da aplicação da disciplina da reforma de sentença do art. 616º do Código de Processo Civil, in casu do seu nº 2 al. b), ao processo penal. Como bem salienta o Digno Procurador-Geral Adjunto, citando a mais recente jurisprudência constante deste Supremo Tribunal, o direito processual penal tem um regime próprio e completo de correcção da sentença (acórdão), constante do art. 380.º do Código de Processo Penal, que dispensa o recurso à disciplina, subsidiária, do processo civil. Por isso, não há lugar à reforma de sentença em processo penal, ao abrigo do disposto no artigo 616º nº 2 do Código de Processo Civil, por não se verificar lacuna que deva ser suprida com apelo às normas do processo civil. Não pode deixar de se assinalar que o próprio acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 5.6.2024, proferido nos autos e a que o Recorrente se refere, também conclui: «Não sendo os pedidos de “reforma” concretamente formulados pelos 5 arguidos acima identificados enquadráveis no âmbito do artº 380º do Código de Processo Penal, único mecanismo previsto no âmbito do processo penal para correcção da sentença, uma vez esgotado o poder jurisdicional, não sendo aplicável o disposto no artº 616º nº 2 do CPC (…)». Face ao exposto, importa apreciar se o requerido pelo Recorrente se pode integrar em qualquer das situações previstas no art. 380º do Código de Processo Penal, aplicável. A resposta é claramente negativa porquanto o que o Requerente manifesta no seu requerimento é a discordância quanto ao fundamentadamente decidido e o seu deferimento iria implicar uma modificação essencial da decisão, o que claramente não é admissível nos termos da norma processual penal que permite a correcção das sentenças e acórdãos3. Também no que respeita à reforma da decisão quanto a custas e à sanção dos art.s 420º nº 3 e 448º do Código de Processo Penal, a correcção do acórdão não é admissível, porquanto uma eventual alteração também determinaria uma modificação essencial do acórdão4, sem embargo de, como salienta o Digno Procurador-Geral Adjunto a taxa de justiça e a sanção terem sido aplicadas de acordo com o Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei 34/2008, de 26.2 (art.s 1º, 8º e tabela III anexa) e com o artigo 420º nº 3, ex vi artigo 448º do Código de Processo Penal. Consequentemente, não merece provimento a pretensão do Recorrente. 3. Decisão Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal deste Supremo Tribunal de Justiça em indeferir o requerido pelo Recorrente AA, por inadmissibilidade legal. Custas do incidente pelo Recorrente, fixando-se em duas UC a taxa de justiça devida. Lisboa, 15-10-2025 Jorge Raposo (relator) Carlos Campos Lobo Maria Margarida Almeida ____________
1. Cfr. referência Citius 245606, de 2025-09-28.↩︎ 2. Cfr. neste sentido, acórdão de 04.05.2023, processo n.º 1310/17.3T9VIS.C1.S1, 3ª Secção, e acórdão de 12.06.2024, processo n.º 1575/23.1JACBR-A.S1, 5ª Secção, qualquer deles do Supremo Tribunal de Justiça, in https://www.dgsi.pt/jstj↩︎ 3. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.9.2012, no proc. 14127/08.7TDPRT.P1.S1.↩︎ 4. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19.1.2023, no proc. 29/20.2PTVRL-A.G1.S1 e de 12.3.2015, no proc. 593/11.7PBBGC.G1.S1.↩︎ |