Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | SANTOS CABRAL | ||
Descritores: | CÚMULO JURÍDICO CONCURSO DE INFRACÇÕES CONHECIMENTO SUPERVENIENTE PENA PARCELAR MEDIDA CONCRETA DA PENA PRINCÍPIO DA CONFIANÇA PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE SEGUNDO CÚMULO JURÍDICO | ||
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Data do Acordão: | 05/02/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROCEDENTE EM PARTE | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL - ESCOLHA E MEDIDA DA PENA - PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES | ||
Doutrina: | - Figueiredo Dias, Consequências Jurídicas … , pág. 292, 295. - J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, pág. 257. - Liszt, WF Tratado, I1I, pp. 353-354. - Lobo Moutinho, Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português, ed. Da Faculdade de Direito da UC, 2005, 1324. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 71.º, 72.º, 77.º, 78.º, N.º1. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 30.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 2.6.2004, CJ, STJ, II, 221. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: -Nº 365/91, DR II SÉRIE, DE 27.09.91. | ||
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Sumário : | I - No art. 78.º, n.º 1, do CP, prevê-se o caso de conhecimento superveniente do concurso, ou seja, quando posteriormente à condenação se detectar que o agente praticou anteriormente àquela condenação outro, ou outros crimes, são aplicáveis as regras do disposto no art. 77.º, do CP, segundo o n.º 1 do art. 78.º do mesmo Código. II - Conforme já referido em decisões anteriores do STJ, é uniforme o entendimento de que, após o estabelecimento da respectiva moldura penal a aplicar, em função das penas parcelares, a pena conjunta deverá ser encontrada em consonância com as exigências gerais de culpa e prevenção. Porém, como afirma Figueiredo Dias, nem por isso se dirá que estamos em face de uma hipótese normal de determinação da medida da pena, uma vez que a lei fornece ao tribunal, para além dos critérios contidos no art. 72.º do CP, um critério especial que se consubstancia na consideração conjunta dos factos e da personalidade. III - Aqui, o todo não equivale à mera soma das partes e, além disso, os mesmos tipos legais de crime são passíveis de relações existenciais diversíssimas, a reclamar uma valoração que não se repete, de caso para caso. A este novo ilícito corresponderá uma nova culpa (que continuará a ser culpa pelo facto) mas, agora, culpa pelos factos em relação. IV - É linear o entendimento, uniforme na doutrina e na jurisprudência, de que o pressuposto básico da efectivação do cúmulo superveniente é a anulação do cúmulo anteriormente realização. No novo cúmulo entram todas as penas, as do primeiro cúmulo e as novas, singularmente consideradas. V - Assim, não se forma caso julgado sobre a primeira pena conjunta, readquirindo plena autonomia as respectivas penas parcelares. Na reelaboração do cúmulo não se atende à medida da pena única anterior, não se procede à «acumulação», ainda que jurídica, das penas novas com o cúmulo anterior. O novo cúmulo não é o cúmulo entre a pena conjunta anterior e as novas penas parcelares; a nova pena única resulta do cúmulo jurídico de todas as penas parcelares, individualmente consideradas. VI - No conhecimento superveniente da necessidade do cúmulo existe uma primeira operação que, basicamente, se reconduz a uma decomposição das penas parcelares que integram o cúmulo jurídico efectuado em primeiro lugar e a uma recomposição que se consubstancia num novo cúmulo em que estão presentes as penas parcelares anteriormente conhecidas e aquelas cuja apreciação é agora sujeita à apreciação do tribunal. Tudo se passa como uma repetição das mesmas operações se tratasse voltando de novo a partir de um conjunto de penas parcelares. A pena conjunta em que o arguido foi previamente condenado perde a sua subsistência, e desaparece, perante a necessidade de uma nova recomposição de penas. Porém, se é certo que deixa de ter significado jurídico o cumprimento da pena conjunta previamente alcançada, a verdade é que a mesma existiu e existiu evidenciando um determinado critério na apreciação da culpa e da personalidade do arguido. VII - O arguido não tem direito a uma pena conjunta, que deixou de ter quaisquer consequências jurídicas, mas não é menos exacto que tem inscrito no seu património de cidadania o direito a uma uniformidade de critérios na apreciação de um dos valores que é mais caro a qualquer cidadão, a sua liberdade. Daí que a realização e efectivação do princípio do Estado de Direito, no quadro constitucional, imponha que seja assegurado um certo grau de calculabilidade e previsibilidade dos cidadãos sobre as suas situações jurídicas, isto é, que se mostre garantida a confiança na actuação dos entes públicos. VIII - A protecção dos direitos fundamentais, pelo menos no que concerne ao seu núcleo e/ou ao seu conteúdo de dignidade, apenas será possível onde estiver assegurado um mínimo de segurança jurídica. Tal segurança, ou estabilidade jurídica, é, por alguma forma afectada, quando a forma de recomposição nas penas no cúmulo jurídico e os critérios que lhe estão inerentes são alterados. IX - A formação da pena conjunta é uma solução para o problema de proporção resultante da integração das penas singulares numa única punição e o «restabelecimento do equilíbrio» entre crime isolado e pena singular, pelo que deve procurar-se que nas sucessivas operações de realização de cúmulo jurídico superveniente exista um critério uniforme de avaliação de tal proporcionalidade. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
AA veio interpor recurso da decisão que, em sede de cúmulo jurídico, o condenou na pena de quinze anos de prisão. As razões de discordância estão expressas nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que: 1- O recorrente foi condenado em cúmulo jurídico a uma pena única de 15 anos de prisão, a qual se entende ser considerada exagerada. 2- A decisão que efectiva o cúmulo jurídico das penas parcelares, tem que necessariamente demonstrar, fundamentando, que além de indicados foram efectivamente avaliados os factos e a interacção destes com a personalidade do recorrente; 3- Poderá eventualmente concluir por uma impossibilidade de percepção do poliformismo do perfil da personalidade na sua interacção com os actos criminosos. 4- A sua idade já avançada, de 53 anos, o largo tempo em que o ora recorrente, está preso e a interiorização que fez dos factos, o apoio familiar que possui são factores inibidores de atitudes propensas à prática de novos crimes. 5- O arguido, se tiver uma esperança de vida até aos 70 anos, e não até aos 75 anos, que é a média de longevidade do homem português, visto ter uma vida dura de clausura e sujeita a vicissitudes prisionais só sairá da prisão com 65 anos, idade da reforma actual, o que se afigura deveras desproporcional. 6- Se não se tivesse desfeito o cúmulo inicial, e se tivéssemos partido da pena de 11 anos para obtermos o actual cúmulo, concluiríamos que a soma aritmética com a pena do outro processo a cumular somaria 13 anos, um valor inferior ao aqui determinado de 15 anos.!! 7- Assim sendo porque com numa pena de cúmulo se terá de abarcar a personalidade do arguido no seu todo, de forma a termos em linha de conta a necessidade ou não de pena para o futuro, estamos em crer que em consequência das circunstâncias inerentes ao arguido existe um forte juízo de prognose favorável 8- Devendo pois ser aplicada uma pena substancialmente inferior à pena aplicada. Respondeu o Ministério Publico advogando a manutenção da decisão recorrida. Nesta instância a Ex.ª Mª Sr.ª Procuradora Geral Adjunta emitiu proficiente parecer advogando a procedência do recurso interposto. Os autos tiveram os vistos legais + Cumpre decidir. Em sede de decisão recorrida encontra-se provada a seguinte factualidade: 1 Proc. nº 218/03.4JSSTB - o dos autos, acórdão a fls. 1935 a 1981. Por acórdão de 25/5/2007, proferido no Proc. n. ° 218/03.4JSSTB da Vara Mista do Tribunal de Setúbal, o arguido foi condenado pela prática de dois crimes de roubo, p. p. pelo artº 210°, nº 1 e 2, com referência ao art. 204°, nº 2, f) do Código Penal, nas penas de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, cada um; pela prática de dois crimes de sequestro, p.p. pelo art.158°, nº 1 do Código Penal nas penas de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, cada um, e pela prática de um crime de violação, p.p. pelo art. 164°, nº 1 do Código Penal na pena de 8 (oito) anos de prisão. Em cúmulo jurídico foi aplicada ao arguido a pena única de 11 (onze) anos de prisão. Os factos reportam-se à madrugada do dia 20 de Abril de 2003, altura em que BB e CC se encontravam no interior do seu veículo, estacionado na Serra da Arrábida. A dado momento foram surpreendidos por um indivíduo que partiu a janela dianteira do lado direito do veículo, causando estragos no valor de 90,00 €. Sem que tivessem tempo de reagir, foram cercados por três indivíduos que os ameaçaram, sendo que o arguido AA empunhava uma arma de fogo, e que lhes gritaram para abrir as portas e não se mexerem. O arguido sentou-se no lugar do pendura e enquanto DD conduzia a viatura, com os ofendidos sentados no lugar traseiro, o arguido ia proferindo ameaças empunhando sempre a arma de fogo. Chegados à zona das antenas juntou-se aos arguidos um outro indivíduo. Nesta sequência os arguidos exigiram aos ofendidos BB e DD a entrega dos cartões de débito e crédito que possuíssem, bem como os respectivos códigos PIN e desse modo obtiveram o cartão de débito de BB e respectivo PIN. Após, EE e AA afastaram-se do local na viatura Honda, amarrado o BB. Dirigiram-se à Av. a Infante D. Henrique, em Setúbal e tendo os outros dois co-arguidos no terminal ATM aí existente levantaram 150 euros, depois mais 40 euros e por fim mais 10 euros. Encaminharam-se de seguida para a Av. das Forças Armadas e do terminal de ATM disponível lograram levantar ainda mais 100 euros. Passado cerca de uma hora regressaram esses dois indivíduos com a quantia de 300 euros que haviam retirado da conta do BB, mas referindo que só haviam conseguido levantar 150 euros. O arguido AA e EE exigiram então à DD que saísse do carro, levando-a contra a sua vontade e apesar dos seus veementes protestos, para um local mais afastado onde permaneceram cerca de 30 minutos. Durante o tempo em que a DD esteve com tais indivíduos, estes forçaram-na a praticar sexo oral com o arguido AA e sexo vaginal com ambos os arguidos. O arguido AA contra a vontade da ofendida, levou a cabo cópula completa sem uso de preservativo, não sem antes a ter forçado a manipular-lhe o pénis e introduzindo-lhe o pénis na sua boca. Quando regressaram ao local onde estavam os outros dois arguidos, exigiram todos os bens das vítimas, telemóveis, dinheiro, CDs musicais, equipamento de mergulho um par de ténis do BB e um par de botas da DD, um relógio e uma pulseira de ouro. Os ofendidos ficaram privados da sua liberdade ambulatória durante todo esse lapso de tempo até á fuga dos arguidos que os abandonaram nesse local. O arguido agiu em todas as circunstâncias deliberada livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei. A DD tinha, à data dos factos, 19 anos de idade. O arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo este, por Acórdão de 20 de Novembro de 2008 confirmado o Acórdão proferido nos autos no que ao arguido AA respeita, Acórdão este transitado em 9/12/2008 (conf. fls. 2183 a 2214 dos autos). 2. Proc. 503/04.SPCOER da 8ª Vara Criminal de Lisboa (anteriormente 9ª Vara) - certidão de fls. 2517 a 2565. Por acórdão de 30/3/2007 proferido no Proc. n. ° 503/04.8PCOER da 8ª Vara Criminal de Lisboa (anteriormente 9ª Vara), o arguido foi condenado pela prática do crime de roubo p.p. pelo art.º 210°, nº 1 do Código Penal na pena de 2 (dois) anos de prisão. Os factos reportam-se ao dia 28 de Abril de 2004, cerca das 0h 20m, quando o ofendido FF conduzia o seu veículo na R. D. Jerónimo Osório, em Lisboa, altura em que o arguido, acompanhado de outros dois arguidos, se introduziu no carro do ofendido, sentando-se no lugar ao lado do condutor. A dada altura os arguidos dizem ao ofendido para imobilizar o veículo, num local descampado e puxam-no para o exterior ao mesmo tempo que lhe exibem um objecto com a configuração de uma pistola e uma réplica de um crachá da PSP, desferindo-lhe murros e bofetadas e exigindo-lhe que entregasse todos os seus bens. Receando pela sua integridade física, o ofendido entrega-lhes uma carteira com documentos, cartões multibanco e 25 euros o telemóvel e as chaves da sua residência e dá-lhes o código de carregamento do cartão. Após, os arguidos colocaram-se em fuga, deixando ali o ofendido, sem as chaves da viatura. O arguido agiu em todas as circunstâncias deliberada livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei. O arguido agiu em todas as circunstâncias deliberada livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei. O arguido interpôs recurso para o Tribunal da relação de Lisboa tendo este, por Acórdão de 10 de Julho de 2008 confirmado o Acórdão proferido nos autos no que ao arguido AA respeita, Acórdão este transitado em 2/12/2008 (conf. fls. 2517 a 2565 dos autos). 3. Para além dos processos referidos, o arguido já foi condenado: a) No processo nº 84/92 dos juízos de Polícia de Lisboa, pela prática do crime de condução ilegal, em 25/1/92, na pena de 120 dias de multa, sendo a decisão de 27/1/92; b) No processo nº 119/95.8TBALM do tribunal de Almada, pela prática em 10/10/95 do crime de injúrias à autoridade, na pena de sessenta dias de prisão, sendo a decisão de 10/10/95; c) No processo nº 182/94.9GDALM do 1° juízo criminal de Almada, pela prática, em Setembro de 1994, do crime de tráfico e armas, na pena de 9 anos e seis meses de prisão sendo a decisão de 8/3/1996; pena que foi declarada extinta e concedida a liberdade definitiva ao arguido em 21/2/2004; d) No processo nº 29/04.PTALM do 2° Juízo Criminal de Almada, pela prática, em 28/1/2004 do crime de condução sem habilitação legal, em 180 dias de multa, sendo a decisão de 3/4/2006 e o trânsito em 27/4/2006. * 4. Condições sociais do arguido. 4.1 AA nasceu em Lisboa no seio de uma família de estrato social desfavorecido já que a mãe não desenvolvia qualquer actividade laboral remunerada e o progenitor desempenhava tarefas de estofador. 4.2 A sua infância foi marcada pelo alcoolismo do pai e pelos maus-tratos que alegadamente este infringia à cônjuge e aos filhos, situação que terá despoletado a separação do casal, quando AA contava 12 anos de idade. 4.3 Após a separação dos progenitores o arguido passou a residir com os avós maternos, repartindo no entanto a sua estadia entre a casa destes familiares, a casa da mãe e a do pai, situação que facilitou a sua autonomia e a falta de supervisão parental. 4.4 Ingressou no sistema de ensino na idade considerada normal tendo abandonado a escola após ter concluído o 4° ano de escolaridade, por não se sentir motivado, iniciando-se então no mercado de trabalho. 4.5 Ao longo da sua vida AA, desempenhou várias actividades laborais destacando-se a actividade piscatória e construção civil, tarefas exercidas de forma pontual e sem carácter vinculativo ou contratual. 4.6 Foi durante a adolescência que os comportamentos rebeldes deram origem a que AA tivesse os seus primeiros contactos com o sistema da justiça. Em 1994 foi condenado a uma pena efectiva de prisão, tendo saído em Liberdade Condicional aos 2/3 da pena em 2000, acompanhamento até 2004. 4.7 Durante o período em que se encontrou detido AA frequentou a escola tendo completado o ano de escolaridade bem como frequentou algumas formações profissionais certificadas, vindo estas aquisições a tornar-se importantes no seu regresso à liberdade. 4.8 Em termos afectivos, AA iniciou uma relação que perdurou cerca de quatorze anos e da qual existem dois filhos actualmente com 33 e 29 anos de idade. Esta relação terá terminado na sequência da sua primeira detenção, sendo a sua companheira co-arguida no mesmo processo. 4.9 Ainda durante a sua anterior reclusão AA conheceu a mãe do seu filho mais novo, actualmente com 10 anos de idade, esta relação foi também pautada pela desarmonia e instabilidade, em parte decorrente da situação em que o arguido agora se encontra bem como do desgaste comportamentos desviantes têm causado junto que da os seus família, (encontrando-se a relação terminada e em processo de divórcio litigioso. 4.10 AA denota competências pessoais, no entanto a sua impulsividade a reduzida capacidade de autocontrole e o sentimento de injustiça por tudo o que lhe acontece, são factores que condicionam a sua conduta e o seu processo de reinserção social. 4.11 AA nunca terá conseguido ocupação laboral remunerada com carácter efectivo e regular, dedicando-se à pesca artesanal e à apanha de bivalves. 4.12 No decorrer da presente condenação, o arguido contou o inicio com o apoio da companheira e dos filhos, contudo com o processo de divórcio a decorrer a relação conjugal encontra-se em litigio e deste modo a mãe do filho mais novo e este nunca mais visitaram o condenado. Assim de momento Carlos Alves é visitado no Estabelecimento Prisional pelo filho mais velho e pontualmente por outros familiares. 4.13 No EP da Carregueira onde se encontra, tem revelado um comportamento de acordo com as normas vigentes, encontrando-se activo laboralmente a desempenhar funções nos componentes eléctricos. 4.14 AA manifesta-se céptico quanto ao seu futuro, denotando alguma revolta pela situação em que se encontra, e que no seu entender se apresenta injusta e lhe veio condicionar o seu percurso de vida. 4.15 No EP da Carregueira onde se encontra, AA, denota grande ansiedade aparentando algum descontrole provocado pelo sentimento de revolta, já que no seu entender a situação de reclusão em que se encontra se apresenta, injusta. 4.16 Esta situação provoca no arguido um comportamento algo impulsivo, não se encontrando em condições psicológicas de interiorizar o sentido da pena. 4.17 AA teve um percurso de vida condicionada pelos reduzidos hábitos de trabalho e pela insuficiente formação escolar, privilegiando a vivência grupal que o impeliram para os comportamentos anti-sociais e criminais. 4.18 Embora ao longo da sua vida o arguido tenha mantido relações afectivas constituindo família, estas relações mostram-se algo abaladas contribuindo para talos comportamentos desviantes que AA vem adoptando ao longo da sua vida, levando os familiares a afastarem-se do seu convívio. 4.19 De momento encontra-se isolado social e familiarmente, o que provoca no condenado um sentimento ambivalente entre a revolta e a perda. 4.20 No regresso à liberdade, '0 arguido não apresenta de momento qualquer projecto pessoal ou profissional, dependendo o seu futuro da forma como resolver os problemas da habitação e dos relacionamentos familiares decorrentes do processo de l divórcio em que se encontra. 4.21 Actualmente AA encontra-se algo ansioso, não sendo capaz de delinear o seu percurso, social, profissional e familiar no futuro, sendo notória a necessidade de acompanhamento em termos psicológicos. * I No artigo 78.º n.º 1, do CP prevê-se o caso de conhecimento superveniente do concurso, ou seja, quando posteriormente à condenação se detectar que o agente praticou anteriormente àquela condenação outro, ou outros, crimes, são aplicáveis as regras do disposto no art.º 77.º, do CP, segundo o n.º 1, do art.º 78.º, do CP, não dispensando o legislador a interacção entre as duas normas. Como refere Ieschek (Tratado de Derecho Penal pag 669) a decisão proferida em cúmulo jurídico superveniente deve ser tratada nos mesmos termos e pressupostos que existiriam se o conhecimento do concurso tivesse sido contemporâneo da decisão que teria necessariamente tomado em conta para formação da pena única os crimes antes praticados; a decisão projecta-se no passado como se fosse tomada a esse tempo, relativamente ao crime que podia ter sido trazido à colação no primeiro processo para determinação da pena única. Assim, no concurso superveniente de infracções tudo se passa como se, por pura ficção, o tribunal apreciasse, contemporaneamente, com a sentença, todos os crimes praticados pelo arguido, formando um juízo censório único, projectando-o retroactivamente [1] Conforme já referido neste Supremo Tribunal de Justiça em decisões anteriores sobre a matéria, é uniforme o entendimento de que, após o estabelecimento da respectiva moldura legal a aplicar em função da penas parcelares, a pena conjunta deverá ser encontrada em consonância com as exigências gerais de culpa e prevenção. Porém, como afirma Figueiredo Dias nem por isso dirá que estamos em face de uma hipótese normal de determinação da medida da pena uma vez que a lei fornece ao tribunal para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no artigo 72 do Código Penal um critério especial que se consubstancia na consideração conjunta dos factos e da personalidade Conforme se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 13/9/2006 o sistema de punição do concurso de crimes consagrado no artº 77º do C.Penal, aplicável ao caso, como o vertente, de “conhecimento superveniente do concurso”, adoptando o sistema da pena conjunta, «rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente». Por isso que, determinadas definitivamente as penas parcelares correspondentes a cada um dos singulares factos, cabe ao tribunal, depois de estabelecida a moldura do concurso, encontrar e justificar a pena conjunta cujos critérios legais de determinação são diferentes dos propostos para a primeira etapa. Nesta segunda fase, «quem julga há-de descer da ficção, da visão compartimentada que [esteve] na base da construção da moldura e atentar na unicidade do sujeito em julgamento. A perspectiva nova, conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova conexão de sentido. Aqui, o todo não equivale à mera soma das partes e, além disso, os mesmos tipos legais de crime são passíveis de relações existenciais diversíssimas, a reclamar uma valoração que não se repete, de caso para caso. A este novo ilícito corresponderá uma nova culpa (que continuará a ser culpa pelo facto) mas, agora, culpa pelos factos em relação”. Afinal, a avaliação conjunta dos factos e da personalidade, de que fala o CP. Ainda de acordo com o Professor Figueiredo Dias tal concepção da pena conjunta obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso… só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um acto intuitivo – da «arte» do juiz… – ou puramente mecânico e portanto arbitrário», embora se aceite que o dever de fundamentação não assume aqui nem o rigor, nem a extensão pressupostos pelo artº 71º. Na verdade, afastada a possibilidade de aplicação de um critério abstracto, que se reconduz a um mero enunciar matemático de premissas, impende sobre o juiz um especial ónus de determinar e justificar quais os factores relevantes de cada operação de formação de pena conjunta quer no que respeita á culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita á prevenção, bem como, em sede de personalidade e factos considerados no seu significado conjunto. Só por essa forma a determinação da medida da pena conjunta se reconduz á sua natureza de acto de julgamento, obnubilando as criticas que derivam da aplicação de um critério matemático quer a imposição constitucional que resulta da proibição de penas de duração indefinida -artigo 30 da Constituição.
II
As considerações supra expostas emergem na presente situação concreta em que somos confrontados com a circunstância de o novo cúmulo realizado corresponder a um total (15 anos) que, manifestamente, excede a soma relativa á pena do cúmulo anterior (11 anos) com a nova pena parcelar a cumular (dois anos). Significa o exposto que assiste razão ao recorrente quando afirma que melhor fora a não realização do novo cúmulo pois que cumpriria sucessivamente uma pena conjunta de 11 anos e uma pena de dois anos o que nunca excederia os treze anos. Numa primeira abordagem é linear o entendimento, uniforme na doutrina e na jurisprudência, de que o pressuposto básico da efectivação do cúmulo superveniente é a anulação do cúmulo anteriormente realizado. No novo cúmulo entram todas as penas, as do primeiro cúmulo e as novas, singularmente consideradas.[2] Assim, não se forma caso julgado sobre a primeira pena conjunta, readquirindo plena autonomia as respectivas penas parcelares. Na reelaboração do cúmulo não se atende à medida da pena única anterior, não se procede à “acumulação”, ainda que jurídica, das penas novas com o cúmulo anterior. O novo cúmulo não é o cúmulo entre a pena conjunta anterior e as novas penas parcelares; a nova pena única resulta do cúmulo jurídico de todas as penas parcelares, individualmente consideradas. Como se refere em Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 11/01/2012 no concurso superveniente de infracções tudo se passa como se, por pura ficção, o tribunal apreciasse, contemporaneamente com a sentença, todos os crimes praticados pelo arguido, formando um juízo censório único, projectando-o retroactivamente (cfr. ainda Ac. deste STJ, de 2.6.2004, CJ, STJ, II, 221) . A formação da pena conjunta é a reposição da situação que existiria se o agente tivesse sido atempadamente condenado e punido pelos crimes à medida em que os foi praticando (cfr. Prof. Lobo Moutinho, in Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português, ed. Da Faculdade de Direito da UC , 2005 , 1324 ) ; o cúmulo retrata, assim, o atraso da jurisdição penal em condenar o arguido e a atitude do próprio agente em termos de condenação pela prática do crime, tendo em vista não prejudicar o arguido por esse desconhecimento ao fixar limites sobre a duração das penas a fixar. Estamos perante penas sujeitas a condição resolutiva, dependente da avaliação, em conjunto, dos factos e da personalidade do agente, consoante o conjunto repercuta, face à gravidade global dos factos, considerados não numa visão simplesmente atomística, mas em novo reexame pondo a descoberto a conexão entre eles, ou falta desta, e, bem assim, se o conjunto dos factos é recondutível a uma simples acidentalidade no percurso vital ou se exprimem uma carreira criminosa, radicando em qualidades desvaliosas na pessoa do agente, numa sua tendência para o crime–cfr. Prof. Figueiredo Dias , Consequências Jurídicas … , pág. 292 . O caso julgado que se forma é provisório, sujeito à cláusula “ rebus sic stantibus.
No conhecimento superveniente da necessidade do cumulo existe uma primeira operação que, basicamente, se reconduz, a uma decomposição das penas parcelares que integraram o cúmulo jurídico efectuado em primeiro lugar e uma recomposição que se consubstancia num novo cúmulo em que estão presentes as penas parcelares anteriormente conhecidas e aquelas cuja apreciação é agora sujeita á apreciação do tribunal. Tudo se passa como uma repetição das mesmas operações se tratasse voltando de novo a partir de um conjunto de penas parcelares individualmente consideradas para a efectivação de novo cúmulo. A pena conjunta em que o arguido foi previamente condenado perde a sua subsistência, e desaparece, perante a necessidade de uma nova recomposição de penas. Porém, se é certo que deixa de ter significado jurídico o cumprimento da pena conjunta previamente alcançada o certo é que a mesma existiu e existiu evidenciando um determinado critério na apreciação da culpa e da personalidade evidenciadas. Na verdade, a formação da pena conjunta é uma solução para o problema de proporção resultante da integração das penas singulares numa única punição. Mediante ela, perante a unidade de punição, procura-se, como afirmou Liszt, o "restabelecimento do equilíbrio" entre crime isolado e pena singular[3]
Estamos, assim, em crer que, se é certo que no caso vertente o arguido não pode reivindicar quaisquer consequências jurídicas de uma pena que, aplicada anteriormente, deixa agora de ter qualquer efeitos, igualmente é exacto que a mesma existiu e existiu evidenciando um critério legal na valoração dos critérios que devem presidir á elaboração da pena conjunta. Face a tal pressuposto importa considerar que, conforme já se referiu, para além das penas parcelares que deram origem a uma pena conjunta de onze anos de prisão há apenas que considerar uma pena parcelar de dois anos de prisão o que equivale á constatação que a pena anteriormente aplicada em sede de cúmulo foi ultrapassada em quatro anos de prisão quando a mesma pena parcelar é muito inferior. Tal decisão apenas foi possível com uma recomposição dos critérios que apreciaram a culpa e a personalidade do arguido.
Se é certo que o mesmo arguido não tem direito a uma pena conjunta, que deixou de ter quaisquer consequências jurídicas, não é menos exacto que o mesmo tem inscrito no seu património de cidadania o direito a uma uniformidade de critérios na apreciação de um dos valores que é mais caro a qualquer cidadão, ou seja, a sua liberdade. Por alguma forma está em causa uma volatilidade de critérios que viola um direito á segurança jurídica. Estamos perante decisões de primeira instância, situadas no mesmo plano, que exprimem formas diferentes de equacionar a mesma realidade factual, com consequências distintas a nível da liberdade. Pode-se afirmar que a vivência jurídica num Estado de Direito Democrático terá de estar ancorada, necessariamente, nos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança. O princípio da segurança jurídica, enquanto implicado no princípio do Estado de Direito Democrático, comporta a ideia da previsibilidade que, no essencial se «reconduz à exigência de certeza e calculabilidade, por parte dos cidadãos, em relação aos efeitos jurídicos dos actos normativos». Daí que a realização e efectivação do princípio do Estado de Direito, no quadro constitucional, imponha que seja assegurado um certo grau de calculabilidade e previsibilidade dos cidadãos sobre as suas situações jurídicas, ou seja, que se mostre garantida a confiança na actuação dos entes públicos. É, assim, que o princípio da protecção da confiança e segurança jurídica pressupõe um mínimo de previsibilidade em relação aos actos do poder, de molde a que a cada pessoa seja garantida e assegurada a continuidade das relações em que intervém e dos efeitos jurídicos dos actos que pratica. A propósito da “segurança jurídica” e da “protecção da confiança” refere o J.J. Gomes Canotilho que “… a segurança jurídica está conexionada com elementos objectivos da ordem jurídica - garantia da estabilidade jurídica, segurança de orientação e de realização do direito - enquanto a protecção da confiança se prende mais com as componentes subjectivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos. A segurança e a protecção da confiança exigem, no fundo: fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos actos do poder; de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios actos. Deduz-se já que os postulados da segurança jurídica e da protecção da confiança são exigíveis perante qualquer acto de qualquer poder - legislativo, executivo e judicial. O princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo, pois, a ideia de protecção da confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo tem do direito poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçados em normas jurídicas vigentes e válidas por esses actos jurídicos deixado pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico …” (in: “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 7.ª edição, pág. 257) Na verdade, os cidadãos têm direito a um mínimo de certeza e de segurança quanto aos direitos e expectativas que, legitimamente, forem criando no desenvolvimento das relações jurídicas. Por isso que «não é consentida uma normação tal que afecte, de forma inadmissível, intolerável, arbitrária ou desproporcionadamente onerosa, aqueles mínimos de segurança que as pessoas, a comunidade e o direito devem respeitar.» (Cf. Ac. TC nº 365/91, DR II Série, de 27.09.91). Partimos do pressuposto de que a dignidade da pessoa é a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer acto que o confrontem. A mesma dignidade não restará suficientemente respeitada e protegida quando os cidadãos sejam atingidos por um tal nível de instabilidade jurídica que não permitam, com um mínimo de segurança e tranquilidade, confiar no Estado e numa certa estabilidade das suas próprias posições jurídicas. O reconhecimento, e a garantia, de direitos fundamentais tem sido consensualmente considerado uma exigência inultrapassável da dignidade da pessoa humana (assim como da própria noção de Estado de Direito), já que os direitos fundamentais constituem uma sua explicitação de tal sorte que, em cada direito fundamental, se faz presente um conteúdo ou, pelo menos, alguma projecção da dignidade da pessoa. Consequentemente, a protecção dos direitos fundamentais, pelo menos no que concerne ao seu núcleo essencial e/ou ao seu conteúdo em dignidade, apenas será possível onde estiver assegurado um mínimo de segurança jurídica. Tal segurança, ou estabilidade jurídica, é, por alguma forma afectada, quando a forma de recomposição das penas no cúmulo jurídico e os critérios que lhe estão inerentes são alterados.
III Retornando, assim, ao caso vertente estamos em crer que assiste razão arguido ao afirmar que não foram observados os mesmos critérios de proporcionalidade nas duas operações de efectivação de cúmulo jurídico uma vez que a determinação no cúmulo jurídico superveniente corresponde a mais do que a mera adição da pena conjunta anteriormente determinada com a nova pena parcelar a considerar. Porém, o facto de existir essa infundamentada discrepância de critérios não significa que o arguido tenha adquirido o direito a uma pena conjunta anteriormente formulada em razão de um cúmulo que, entretanto, foi privado de consequências jurídicas. Quando muito, e considerando como Lizt que a formação da pena conjunta é uma solução para o problema de proporção resultante da integração das penas singulares numa única punição e o "restabelecimento do equilíbrio" entre crime isolado e pena singular, deve procura-se nas sucessivas operações de realização de cúmulo superveniente exista um critério uniforme de avaliação de tal proporcionalidade. Assim, Não oferecendo quaisquer críticas os factores de medida da pena conjunta elencadas na decisão recorrida, bem como o apelo aos critérios de prevenção geral e especial, também é certo que aquele critério imprime a conclusão de que se mostra mais ajustada e proporcional a pena conjunta de doze anos de prisão.
Termos em que se julga parcialmente procedente o recurso interposto por AA e, em consequência, se condena o mesmo na pena conjunta de doze anos de prisão. Sem custas
[3] WF Tratado, I1I, pp. 353-354. |