Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ANTÓNIO BARATEIRO MARTINS | ||
Descritores: | VENDA DE COISA SUJEITA A CONTAGEM PESAGEM OU MEDIÇÃO PRÉDIO RÚSTICO PRÉDIO URBANO REDUÇÃO DO PREÇO PRESSUPOSTOS ERRO SOBRE O OBJETO DO NEGÓCIO INTERPRETAÇÃO DA LEI OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS REVISTA EXCECIONAL OBJETO DO RECURSO | ||
Data do Acordão: | 05/28/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Sumário : | I – Na venda de um prédio misto (com 5.840 m2 de área total e no qual está implantada uma construção numa área de 1.933,97 m2), a indicação dos m2 de área total não significa que o preço foi estabelecido à razão de tanto por m2 da área total. II – Numa tal venda, a coisa vendida não se reduz a m2 de área, não se podendo assim dizer que o seu preço foi estabelecido à “unidade” de m2 de área (dividindo, para calcular o preço de tal “unidade”, a área total pelo preço global declarado); e, por conseguinte, não tem aplicação o art. 888.º do C. Civil. III – O “vigésimo” aludido no art. 888.º/2 do C. Civil deve ser entendido como o risco que a lei aloca aos contraentes que optam por fixar, na venda de coisas determinadas, um preço global, pelo que o aumento ou redução proporcional do preço apenas atingirá a diferença que exceda o “vigésimo”. | ||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I - Relatório 1. Domínio Blue - Vendas Judiciais, Lda., intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra Austral Place – Investimentos Imobiliários, S.A., ambas com os sinais dos autos, pedindo a condenação desta no pagamento de uma indemnização no montante de € 99.140,92, acrescida de juros de mora até efetivo e integral pagamento, alegando, em síntese, que negociou com a R. a aquisição de um prédio misto com determinada área e construções ali existentes, mas que o prédio não possui as características e composição informadas, o que, a seu ver, implica a redução proporcional (correspondente à área em falta) do preço (redução no montante de € 29.140,92) e o pagamento de uma indemnização no montante de € 70.000,00 pela desvalorização comercial do prédio adquirido. A R. contestou, impugnando os factos alegados, aduzindo que as características de composição e área não foram essenciais ao negócio e que não omitiu qualquer informação sobre o mesmo, dando-se o caso da A. conhecer o prédio adquirido por o seu legal representante o utilizar, não tendo sido efetuada qualquer medição do mesmo. E concluiu pela improcedência da ação. Foi dispensada a realização da audiência prévia, proferido despacho saneador – em que se declarou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova. Realizou-se a audiência final, no decurso da qual a A. apresentou requerimento que qualificou como de ampliação do pedido, o que foi admitida, passando a ser peticionado: a) A condenação da ré no reconhecimento de que a área transmitida, no negócio objeto da escritura pública junta como documento n.º 7 da petição inicial, foi menor em 549m2 do que o aí mencionado; b) A condenação da ré, a título de redução do preço nos termos do art.º 888.º, n.º 2 do Código Civil, no pagamento à autora do valor de € 29.140,92 pela transmissão de menos 549m2 da área do imóvel, objeto da escritura pública junta como documento n.º 7 da petição inicial; c) A condenação da ré no pagamento à autora do valor de € 70.000 como compensação pelo prejuízo causado na esfera da autora, resultante da desvalorização comercial, provocada pela não transmissão das construções na área em causa e impossibilidade de rentabilizar o terreno futuramente com essa parte, nos termos do art.º 798.º do Código Civil. Concluída a audiência final, veio a ser proferida sentença, na qual se decidiu “(…) julgar a ação improcedente, por não provada e, consequentemente, absolver a ré dos pedidos (…)” Inconformada, interpôs a A. recurso de apelação, tendo a Relação de Évora, por Acórdão de 28 de Junho de 2023 julgado improcedente tal apelação. Ainda inconformada, interpõe agora a A. o presente recurso de revista, a título de revista excecional, tendo a Formação, por Acórdão de 03/04/2024, admitido a revista circunscrita à questão decorrente e consequente à interpretação/aplicação do disposto no art.º 888.º do C. Civil. Terminou a A. a sua alegação a pedir a revogação do Acórdão recorrido e a sua substituição por decisão que julgue a ação procedente; tendo apresentado as seguintes conclusões: “(…) w) O acórdão agora recorrido entendeu manter a decisão do Tribunal de Primeira Instância, considerando a ação improcedente, decisão com a qual os autores não se conformam. x) A decisão do TRL é ilegal, atentando, entre outras, contra as seguintes normas jurídicas: (i) art.º 20.º, n.º 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa (direito de acesso à justiça, mediante processo equitativo e tutela jurisdicional efetiva); (ii) art.º º 227.º, 236.º, 238.º, 239.º, 351.º, 371.º, 377.º, 798.º, 799.º e 888.º, n.º 2, todos do Código Civil; (iii) art.º 413.º e 607.º, n.º 4 e 5 do CPC relativos às provas atendíveis e à sua valoração. y) A sindicância doacórdãodoTREcentra-se nas duas questões centrais que importa dirimir: (i) Direito à redução do preço, com base no regime do art.º 888.º, n.º 2 do CC; (ii) Direito à obtenção de compensação pela não transmissão de parte do terreno onde estavam edificadas construções e que representam uma desvalorização comercial do prédio misto no valor de € 70.000,00 (setenta mil euros). z) Quanto à redução do preço, sendo a área transmitida menor do que a que consta declarada – por via da identificação da descrição predial e inscrição matricial – deve o preço sofrer redução proporcional, por força do art.º 888.º, n.º 2 do CC. aa) Esta é a solução legal que premeia a justiça material e a tutela jurisdicional efetiva, princípios com consagração constitucional no art.º 20.º da CRP, devendo adotar-se o sentido decisório do acórdão do STJ de 06.04.2021, Proc. n.º 1116/18.2T8PRT.P1.S1. bb) As já citadas decisões de tribunais superiores consideram que a referência à descrição predial e à inscrição matricial na escritura equivale à referência expressa à área dos imóveis e que apenas por razões práticas as escrituras não reproduzem todo o teor desses documentos. cc) O que deve determinar a redução proporcional do preço e, bem assim, a procedência do petitório da autora quanto às alíneas a) e b). dd) Quanto ao pedido de condenação da ré no pagamento de compensação no valor de € 70.000 (setenta mil euros), a autora sustentou este pedido no prejuízo causado na sua esfera, resultante da desvalorização comercial da não transmissão das construções na área em causa e impossibilidade de rentabilizar o terreno com essa parte, nos termos do art.º 798.º do CC. ee) Valor peticionado de acordo com o valor fixado às construções em causa, no facto provado n.º 20 e com as conclusões do relatório pericial junto aos autos, em 25.11.2021. ff) É pressuposto desta compensação entender-se provado o seguinte: – o conhecimento pela ré, em momento prévio à celebração do contrato definitivo de compra e venda, de que o prédio misto em causa tinha área menor do que a constante na descrição predial e inscrição matricial; – a ré sabia que a porção de terreno identificado no facto provado n.º 17 não podia ser transmitida à autora por já ter sido desanexada e pertencer a terceiros; gg) Factualidade que este STJ deve dar como provada, porque se está perante um erro ostensivo na apreciação crítica da prova e utilização de presunções judiciais de forma manifestamente ilógica, pelo TRE. hh) Ao contrário do que foi propugnado pela autora, no seu recurso de apelação, o TRE, dando como provado que não foi a ré quem ordenou e recebeu o levantamento topográfico, concluiu que a ré desconhecia a real dimensão do terreno, com recurso a presunções judiciais, mais afastado que a ré, sabendo do levantamento topográfico, da menor dimensão do terreno a transmitir e não inclusão das construções, tenha mantido a autora na convicção de que essa parte do imóvel fazia parte do negócio. ii) O acórdão refere que não “…há prova bastante para se concluir que o dito pedido de levantamento topográfico, que implicou a medição das áreas das parcelas, com vista à pretendida desanexação, tenha sido pedido pela R. e a esta entregue. Acresce que, o legal representante da R., AA, disse que antes da venda não foi feita qualquer medição, porque, entretanto, fecharam negócio.”. jj) Sucede que decorre dos elementos constantes dos autos o seguinte: (i) Autora e ré assinaram o contrato-promessa em 01.02.2019 (facto provado n.º 8); (ii) A ré adquiriu o imóvel em 25.02.2019 (certidão da descrição predial obtida pelo tribunal e junta aos autos, sob a ref.ª Citius n.º .......14; (iii) Em junho de 2019 é solicitado e elaborado o levantamento topográfico, entregue, segundo o acórdão, à G..., Lda (facto provado n.º 27 e fundamentação da decisão); (iv) Sucede que, nesta data, junho de 2019, a proprietária do imóvel era já a ré, pelo que só esta teria legitimidade para ordenar a realização de um levantamento topográfico ao seu imóvel (doc. n.º 7 da PI); (v) O gerente da G..., Lda AA é também ... da ré, tendo sido este a representar a ré na escritura de compra e venda do imóvel, efetuada em 04.10.2019; (vi) O imóvel em causa é o ativo mais valioso da G..., Lda de acordo com o auto de apreensão do respetivo processo de insolvência (documento junto aos autos sob a ref.ª Citius .....78); (vii) Não é conforme às regras da lógica e experiência de vida que, mesmo admitindo que foi a G..., Lda a solicitar o levantamento topográfico, o gerente dessa sociedade desconhecesse o respetivo teor e, bem assim, que logo aí não tivesse perfeita noção que a parte com as construções não poderia ser transmitida à autora. (viii) E, conhecedor desta realidade, o Senhor AA (não importando se na veste de gerente da G..., Lda ou ... da ré Austral) não tenha esclarecido esta questão, corrigindo em conformidade o anexo I do contrato-promessa, donde decorre que essa parte com as construções seria transmitida à autora. kk) É por isso ilógica a conclusão do acórdão em crise ao entender que a ré não sabia do levantamento topográfico, já que não há um único elemento factual objetivo nesse sentido – exceto o depoimento da ré, na pessoa do seu ..., Senhor AA. ll) Todos os factos acima enumerados demonstram, aplicando as regras de experiência comum, que a ré sabia, em momento prévio à celebração do contrato definitivo de compra e venda, que o prédio misto em causa tinha área menor do que a constante na descrição predial e inscrição matricial. mm) A ré sabia que essa parte do terreno e respetivas construções não poderiam ser transmitidas por terem sido desanexadas e pertencerem a terceiros, mas, ainda assim, manteve a autora na convicção de que também estaria a comprar essa parte (uma vez mais vide o anexo I do contrato-promessa). nn) Daí que se deva dar como provado a seguinte factualidade: – a ré sabia, em momento prévio à celebração do contrato definitivo de compra e venda, que o prédio misto em causa tinha área menor do que a constante na descrição predial e inscrição matricial; e – a ré, ciente desta realidade, manteve a autora na convicção de que também estaria a comprar essa parte, com as construções objeto de avaliação pericial, como assinalado no anexo I do contrato-promessa. oo) A não inclusão das mesmas acarreta uma desvalorização “automática” no valor comercial do prédio misto, precisamente na redução pelo valor de mercado dessas edificações, como a autora alegou, entre outros, no item n.º 64 da sua petição inicial (sem considerar o terreno porque, quanto a esta parte, se peticiona a redução do preço de compra). pp) Devendo, nesta conformidade, ser a ré condenada, por ter exclusivamente dado causa a este prejuízo, no pagamento do valor de mercado dessas construções que acabaram por não estar incluídas no negócio e não ser transmitidas para a autora. qq) Em consequência, decidindo-se ser integralmente procedente o petitório da autora. rr) E, a final, decidirão Vossas Excelências ainda o que mais reputem necessário, sempre em Doutíssimo Suprimento.(…)” Não foi apresentada qualquer resposta. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. * II – Fundamentação de Facto II – A – Factos Provados 1. A autora é uma sociedade que tem como objecto social a actividade de compra, venda, arrendamento e gestão de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, reparações em imóveis, vendas judiciais, leilões de bens móveis e imóveis, remoção de viaturas e outros bens móveis, armazenamento e guarda de bens, compra e venda de viaturas e outras actividades de consultores para os negócios (cf. doc. de fls.11/14, cujo teor se dá por reproduzido). 2. A ré é uma sociedade que tem como objecto social a actividade de compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, promoção imobiliária, gestão, administração e arrendamento de imóveis, comércio, importação, exportação e representação de materiais e equipamentos para a construção, e que tem como ... AA (cf. doc. de fls.15/16vº, cujo teor se dá por reproduzido). 3. A G..., Lda tem por objecto o fabrico e distribuição de pastelaria e confeitaria, importação e exportação e como sócios e ... AA, BB e CC (cf. doc. de fls.28/30, cujo teor se dá por reproduzido). 4. Esta sociedade foi declarada insolvente, em 26.05.2013, no âmbito do processo a correr termos no Juiz ..., da Secção de ... do Tribunal da Comarca de Lisboa, sob o n.º 858/13.3... (cf. docs. de fls.28/30 e 115/118vº, cujo teor se dá por reproduzido). 5. Na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º .52, encontra-se descrito o prédio misto, composto por parte rústica horta com 5.840m2 e por parte urbana conjunto de edifícios destinados a exploração industrial, de armazém com compartimentos, casa de caldeira, escritório e casa do pó, edifício social e administrativo, oficina e armazém, arrumos, silo de açúcar, gabinete de expedição, depósito de águas, sanitários e logradouro, sito em Fazendas... ou ..., freguesia do ..., concelho de ... (cf. doc. de fls. 17vº/18, cujo teor se dá por integralmente por reproduzido). 6. O qual se encontra inscrito na matriz predial urbana sob o art.º 1198 e na matriz predial rústica sob o art.º 7 da seção D (cf. docs. de fls. 19/20vº, cujo teor se dá por integralmente por reproduzido). 7. Cujo direito de propriedade se encontrava inscrito a favor da ré através da ap. ..10 de 2019/02/25 e se encontra inscrito a favor da autora através da ap. ...59 de 2019/10/04 (cf. docs. de fls.17vº/18 e 106/107vº, cujo teor se dá por integralmente por reproduzido). 8. Mediante escrito particular autenticado, datado de 01.02.2019 a ré declarou prometer vender à autora, que declarou prometer comprar, pelo preço de €220.000,00, o prédio misto composto de parte rústica - horta 5.840m2, e de parte urbana - conjunto de edifícios destinados a exploração industrial, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º.52, da freguesia do ..., inscrito na matriz predial urbana sob o art.º 1198 e na matriz predial rústica sob o art.º 7.º, secção D (cf. doc. de fls.125/131, cujo teor se dá por reproduzido). 9. O qual se encontrava apreendido a favor da massa insolvente da sociedade G..., Lda e a ré/promitente vendedora havia apresentado proposta de compra, aceite pelo ... da insolvência (cf. doc. de fls. 125/131, cujo teor se dá por reproduzido). 10. Ficou consignado no escrito referido em 8. que o artigo matricial rústico 7, secção D do prédio é composto por duas parcelas, uma parcela de cultura hortícola com 1.520m2 (parcela 1) e uma parcela urbana com 4.320m2 (parcela 2), conforme planta cadastral anexa (cf. doc. de fls. 125/131, cujo teor se dá por reproduzido). 11. E que a promessa de compra e venda incidia única e exclusivamente sob o prédio inscrito sob o art.º matricial urbano 1198 e a parcela 2 do art.º matricial rústico 7 da secção D (cf. doc. de fls. 125/131, cujo teor se dá por reproduzido). 12. E que a promitente vendedora se obrigava, após aquisição e registo do prédio e até outorga da escritura definitiva, a proceder ao fraccionamento do prédio desanexando do art.º rústico 7 a parte correspondente à parcela 1, rectificando o art.º matricial urbano 1198 que passaria a integrar a parcela 2 (cf. doc. de fls. 125/131, cujo teor se dá por reproduzido). 13. A parcela 1, a poente, tem uma área aproximada de 1.925m2, não existia nela qualquer construção e encontrava-se vedada. 14. A parcela 2, a nascente, tem uma área aproximada de 3.282m2, possuía implantadas várias construções, entre elas um armazém, encontrando-se vedada. 15. Foi o anterior sócio e gerente da autora, DD, que em representação desta negociou com a ré a aquisição do prédio misto. 16. Entre 2014 e a data da aquisição, aquele havia utilizado o armazém existente no prédio misto para depósito de bens apreendidos/penhorados, no âmbito de processos em que exercia funções de agente de execução. 17. Entre a parcela 1 e a parcela 2 existia e existe um caminho e um prédio urbano que se encontra murado de todos os lados, desde data anterior a Junho de 2019, no qual se encontra implantadas construções com destino a habitação. 18. O qual se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º ...60, como prédio urbano, composto por rés-do-chão, com 5 compartimentos e casa de banho, uma dependência que se destina a cocheira e palheiro, com a área coberta de 110,4m2, e quintal com a área descoberta de 175m2, sito no ..., freguesia de ..., destacado do prédio descrito sob o n.º ...30, a fls.58 do Livro B-40 e inscrito na matriz no art.º1577, anterior art.º 1715 (cf. doc. de fls.25vº/26, cujo teor se dá por integralmente por reproduzido). 19. E que possui uma área de 285m2 e foi desanexado do prédio identificado em 5. em 1961, encontrando-se inscrito na matriz predial urbana sob o art.º 1577, tendo como titulares EE e FF e um valor patrimonial de €47.982,92 (cf. doc. de fls.26, cujo teor se dá por reproduzido). 20. As construções identificadas em 17. possuíam um valor de mercado de €70.311,14. 21. A ré comunicou à autora a impossibilidade de realizar o procedimento administrativo de fraccionamento do prédio misto. 22. Após o que renegociaram os termos do acordo e acordaram que a compra e venda passaria a abranger a parcela 1 e a parcela 2 e o preço seria de €310.000,00. 23. Antes da aquisição não foi pela ré realizada a medição da área do prédio misto. 24. Mediante escritura pública de compra e venda, outorgada no dia 04.10.20191, na 2ª Conservatória do Registo Predial de ..., a ré declarou vender à autora, pelo preço de €310.000,00, que declarou ter recebido, o prédio misto, composto por horta e conjunto de edifícios destinados a exploração industrial e de armazém com logradouro, sito em Fazendas ... ou ..., freguesia do ..., concelho de ..., inscrito na matriz predial urbana sob o art.º 1198 e na matriz predial rústica sob o art.º 7 da seção D, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º .52 (cf. doc. de fls. 22vº/24vº, cujo teor se dá por integralmente por reproduzido). 25. O prédio misto foi adquirido com destino a revenda e a valorização dos edifícios nele implantados, tendo em conta a futura construção do aeroporto do ... nas proximidades. 26. O topógrafo GG procedeu ao levantamento topográfico do prédio misto, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1198 e na matriz predial rústica sob o artigo 7 da secção D, ambos da freguesia do ..., concelho de .... 27. O levantamento topográfico foi realizado em Junho de 2019 e entregue acompanhado de todos os elementos reunidos nesse âmbito. 28. A diferença entre os 5840m2 constantes da descrição predial e da inscrição matricial e os 5207m2 apurados no levantamento topográfico resulta da desanexação do lote identificado em 17. e 18. e da área cedida para o caminho que divide o prédio misto e para a estrada municipal. * II – B – Factos não Provados Não se provou que: a) a ré informou a autora que o prédio misto possuía uma área total de 5.840m2 e que abrangia as construções referidas em 17.; b) a ré sabia que a dimensão e a existência das construções referidas em 17. eram essenciais para a decisão da autora adquirir o prédio misto; c) a ré sabia que se a autora conhecesse a área real e ausência da inclusão das construções referidas em 17. não teria adquirido o prédio misto; d) foi acordado que o preço do metro quadrado era de € 53,08; e) a autora deslocou-se à Câmara Municipal de ... e constatou que a área do terreno era de 5.291 m2; g) a autora queria e estava convencida de ter adquirido uma área de 5.840m2 e que as construções referidas em 17. lhe tinham sido transmitidas; h) o preço pago pela autora foi determinado pelo valor económico das construções e do m2 do terreno; i) sem as construções e a área de 549m2 diminui a possibilidade de revenda do prédio misto. * III – O Direito O acórdão recorrido, como resulta do relato inicial, confirmou integralmente a improcedência da ação decidida pela sentença, razão pela qual a A., colocada perante o obstáculo da “Dupla Conforme” (do art. 671.º/3 do CPC), lançou mão da revista excecional, invocando os 3 fundamentos constantes do art. 672.º/2 do CPC – relevância jurídica, relevância social e contradição jurisprudencial – tendo a “Formação”, no Acórdão proferido, admitido a revista excecional, porém, apenas com fundamento na contradição jurisprudencial respeitante à interpretação/aplicação do art. 888.º do C. Civil. Efetivamente, no acórdão recorrido (seguindo de perto o Ac. da Rel de Lisboa de 29/03/2011), a dado passo do raciocínio, observou-se “que resultou provado que a compra e venda não foi efetuada em função da área do prédio, a qual não consta referenciada na escritura, motivo pelo qual se entende (…) não ter a A. direito à redução do preço, nos termos do n.º 2 do artigo 888º do Código Civil”; enquanto no acórdão fundamento se entendeu que “não é por na escritura pública não ser feita expressa menção da área do logradouro” que o n.º 2 do art. 888.º do C. Civil não pode ser aplicado. Não se trata, porém, como a seguir explicaremos, de uma oposição que se apresente como essencial para o resultado (oposto) que foi alcançado no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, porque, admitida a revista excecional é toda a interpretação/aplicação do art. 888.º do C. Civil que está em causa (e não apenas a questão de saber se a área deve ou não constar do documento que formalizou o negócio). Seja como for, admitida a revista excecional, debrucemo-nos sobre ela (apenas sobre o objeto admitido, o que significa, naturalmente, que são várias as questões constantes das conclusões supra transcritas que aqui não poderão ser apreciadas/conhecidas). E importa começar por olhar com rigor para o que a A. alegou na PI. Como resulta do ponto 24 dos factos provados, a A., no dia 04.10.2019, comprou à R., pelo preço de € 310.000,00, o prédio misto, composto por horta e conjunto de edifícios destinados a exploração industrial e de armazém com logradouro, inscrito na matriz predial urbana sob o art.º 1198 e na matriz predial rústica sob o art.º 7 da seção D, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º .52; sendo que tal prédio, segundo os documentos, tem a área total de 5.840 m2 e, segundo a A., “quando tomou posse do prédio, (…) constatou que a área do terreno adquirida não era de 5.840 m2, mas sim 5.291 m2 (…), verificando a A. existir uma divergência de 549 m2 entre o prédio que a A. queria e pensava ter comprado e o prédio real, que, em termos percentuais, corresponde a 9,4%”2. Sucedendo que a divergência apontada/invocada – é o aspeto para que se pretende chamar a atenção – resulta, como decorre de tudo o mais que se diz e raciocina na PI, de a A. estar convencida que fazia parte do prédio misto que adquiriu o que constitui, hoje e desde 1961, um prédio autónomo descrito sob o n.º 14.960. É a própria A. que acrescenta, continuando a seguir a alegação da PI, que “procurou saber junto da Câmara Municipal a origem da divergência de área (dos referidos 549 m2), apurando que a diferença de áreas resultou da operação de desanexação dentro da área de 5.840 m2, desanexação – ocorrida já em 1961 – correspondente a um novo prédio: o prédio descrito sob o n.º ....60 da CRP de ...”3. Pelo que, em linha com tal alegação, foi dado como provado nos pontos 17, 18 e 28: 17. Entre a parcela 1 e a parcela 2 existia e existe um caminho e um prédio urbano que se encontra murado de todos os lados, desde data anterior a Junho de 2019, no qual se encontra implantadas construções com destino a habitação. 18. O qual se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º ...60, como prédio urbano, composto por rés-do-chão, com 5 compartimentos e casa de banho, uma dependência que se destina a cocheira e palheiro, com a área coberta de 110,4m2, e quintal com a área descoberta de 175m2, sito no ..., freguesia de ..., destacado do prédio descrito sob o n.º ...30, a fls.58 do Livro B-40 e inscrito na matriz no art.º1577, anterior art.º 1715 (cf. doc. de fls.25vº/26, cujo teor se dá por integralmente por reproduzido). 28. A diferença entre os 5840m2 constantes da descrição predial e da inscrição matricial e os 5207m2 apurados no levantamento topográfico resulta da desanexação do lote identificado em 17. e 18. e da área cedida para o caminho que divide o prédio misto e para a estrada municipal. Enfim, não há (nunca houve) qualquer dúvida sobre a razão da divergência entre os 5.840 m2 constantes dos documentos e os menos 549 m2 invocados pela A.4 De tal maneira que, configurando tal alegação – e tudo o mais que a A. alegou a respeito da essencialidade para ela duma parte/área que, afinal, por constituir um outro prédio autónomo, não foi por si adquirida – um possível erro sobre o objeto, as Instâncias procederam à análise de tal configuração jurídica, pese embora a A., na PI, se haja limitado a invocar, em termos jurídicos, o art. 888.º do C. Civil e a correspondente redução proporcional do preço (€ 29.140,92), alicerçando a parte restante do pedido (€ 70.000,00) na desvalorização comercial do prédio que adquiriram, mas exatamente, no facto de, segundo a A., caso soubesse que o referido prédio autónomo não estava a ser adquirido “teria negociado o preço de forma diferente (…) diminuindo-o em pelo menos € 99.140,52 (correspondente a € 29.140,92 relativos à perda de diminuição do terreno e € 70.000,00 relativos à perda do edifício)”5. São conhecidas as dificuldades que a interpretação/aplicação do art. 5.º/3 do CPC coloca: a liberdade de apreciação da matéria de direito por parte do juiz –pese embora o modo amplo como, no art. 5.º/3 do CPC, se diz que “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” – tem limites, como sejam as que decorrem do princípio do dispositivo (art. 3.º/1 do CPC), do princípio do contraditório (art 3.º do CPC), do princípio da estabilidade da instância (arts. 264.º e 265.º do CPC), das regras da preclusão (art. 573.º do CPC) ou do princípio do pedido (art. 609.º do CPC), porém, no caso, nenhuma concreta questão a tal propósito se suscita, importando, aqui e agora, tão só registar e sublinhar que as Instâncias consideraram/decidiram que o que se provou não preenche a totalidade dos pressupostos do erro sobre o objeto, decisão essa que se encontra consolidada nos autos (e não faz parte do objeto admitido pelo Acórdão da Formação). Sendo após tal “veredito” que as Instâncias se debruçaram sobre a interpretação/aplicação do art. 888.º do C. Civil. Tudo isto para dizer que a situação descrita/invocada pela A. – estar erradamente convencida que o objeto do negócio incluía o que é, hoje e desde 1961, o prédio autónomo descrito no art. ....60 – convocava em 1.ª linha, pondo de parte a questão de saber se tal foi ou não invocado pela A., o tema do erro sobre o objeto e que, este afastado, por não se haverem provado todos os seus pressupostos, é que se perspetivou/apreciou a situação à luz do art 888.º do CC, porém – é a primeira nota a efetuar – a situação dos autos é algo diferente da situação do acórdão fundamento. Neste, no acórdão fundamento, não há/houve (não foi invocado) um qualquer equívoco/erro sobre o bem adquirido: temos “apenas” alguém que comprou um prédio urbano composto por casa de rés-do-chão, andar, dependência e logradouro, prédio esse que, segundo as certidões predial e matricial, teria a área de 471 m2, sendo 325 m2 de logradouro, sucedendo que, quando entrou na posse do prédio, constatou que o logradouro tem real e efetivamente apenas 162 m2 (ou seja, menos 164 m2 que o que constava das certidões). Aqui, no nosso caso, tudo decorre do invocado equívoco/erro, ou seja, a menor área do prédio adquirido pela A. resulta de o prédio adquirido não incluir o prédio autónomo descrito no art. ....60, sendo a seguir a isto, afastada/perdida a relevância dum possível erro sobre o objeto, que se pode vir brandir que, então, se não há erro sobre o objeto, há que considerar que o prédio adquirido tem menos área que a declarada nas certidões predial e matricial. Pode ser, pode, afastado o erro sobre o objeto, perspetivar-se/apreciar-se a situação à luz do art 888.º do CC, porém, de imediato se intuiu que, na situação sub-judice, não faz grande sentido jurídico fazê-lo. Vejamos: A propósito da venda de coisas sujeitas a contagem, pesagem ou medição, estabelecem os artigos 887.º a 891.º do C. Civil regras quanto à determinação do preço, regras essas que têm em vista a resolução de problemas decorrentes de eventuais divergências entre o valor declarado na compra e venda e aquele que resultaria da multiplicação pelo número, peso ou medida. Normalmente, as coisas sujeitas a contagem, pesagem ou medição, são tratadas, no dia a dia das concretas compras e vendas, como coisas genéricas, sendo que o estabelecido nos referidos preceitos se destina a ser aplicado – como claramente resulta do início da previsão dos arts. 887.º e 888.º do C. Civil – tão só às compras e vendas de coisas específicas, determinadas e não genéricas (são conhecidas as “nuances” dos exemplos de escola para encaixar a aplicação de tais preceitos: o caso da venda de todo o trigo que se encontra dentro de um determinado armazém – assim considerado como coisa específica – a tanto por quilograma; a venda de um terreno – apenas o terreno – a x o m2). Assim, o art. 887.º do CC regula as chamadas vendas ad mensuram, isto é, as vendas de coisas determinadas, móveis ou imóveis, sujeitas a uma posterior operação de medição, contagem ou pesagem; segundo tal preceito, é devido, em relação à venda de coisas determinadas com o preço fixado à razão de tanto por unidade, “o preço proporcional ao número, peso ou medida real das coisas vendidas, sem embargo de no contrato se declarar quantidade diferente”. E, por sua vez, o art. 888.º do CC regula as chamadas vendas ad corpus, em que o preço da coisa ou coisas vendidas é fixado de forma global ou conjunta, independentemente do seu número, peso ou medida; estabelecendo-se, no seu n.º 1, como regra, que o preço é devido independentemente da existência de uma discrepância entre a quantidade declarada e a real e, no seu n.º 2, um desvio a tal regra – à regra da irrelevância da quantidade efetivamente vendida – desvio que tem como pressupostos, para além, obviamente, da fixação do referido preço global, que as partes tenham, no contrato, declarado uma quantidade, um número, peso ou medida das coisas vendidas. É comumente repetido – citando-se Antunes Varela, C. Civil Anotado, Vol. II, pág. 164 – sobre a regra constante do art. 888.º/1 do C. Civil que “do facto de as partes não terem indicado o preço unitário extrai-se a conclusão de que elas formaram essencialmente a sua vontade sobre o preço global, sendo meramente incidental a referência à quantidade, peso ou medida das coisas vendidas”, acrescentando-se que o art. 888.º/2 do C. Civil “atenua, porém, as consequências da aplicação deste critério, atribuindo, quer ao vendedor, quer ao comprador, se a quantidade efetiva diferir da declarada em mais de um vigésimo desta, o direito a um ou aumento ou redução proporcional do preço”. Enfim, no caso do art. 888.º do C. Civil, prepondera a determinação do preço global (independentemente da indicação do número, peso ou medida da coisa vendida), admitindo-se que, caso as partes tenham, no contrato, declarado o número, peso ou medida das coisas vendidas, possa haver uma redução ou um aumento proporcional do preço, porém, como é evidente, para isto (para a redução ou para o aumento) poder acontecer, tem que ser possível a partir do declarado no contrato determinar a existência de uma diferença em mais de um vigésimo entre a quantidade efetivamente vendida e a quantidade declarada e, consequentemente, calcular o valor da diferença. E, desde logo, é isto – a existência de uma diferença em mais de um vigésimo – que não é possível estabelecer quando (como sucede no caso dos autos e do acórdão fundamento) se vende um prédio composto por uma parte urbana e uma parte rústica e se pretende chegar à redução do preço apenas a partir da existência duma diferença na área total do prédio. Repare-se no seguinte: por € 310.000,00, a A. não comprou apenas, como raciocina, 5.840 m2 de porção de terreno, comprou, isso sim, tal área de terreno com um prédio nele implantado, mais exatamente, com o prédio urbano inscrito na matriz sob o art. 1198.º, prédio este que a caderneta predial urbana junta com a PI descreve como tendo um edifício com a área de implantação de 1.933,97 m2 (e a que fixou o valor tributário, em 04/01/2021, de € 396.110,00). Ou seja, mesmo admitindo, como se entendeu no Acórdão fundamento, que não é necessário que na escritura de compra e venda do imóvel se faça referência (se indique, como diz o art. 888.º/1 do C. Civil) à área do imóvel, bastando as remissões para as certidões do registo predial e da matriz, onde estará indicada a área do imóvel, para, se for o caso, fazer intervir o art. 888.º/2 do C. Civil, o certo é que a coisa vendida não se reduz a m2 e a diferença entre a quantidade efetivamente vendida e a quantidade declarada não se vê apenas a partir da diferença entre as “unidades” de m2 constantes das certidões e as “unidades” de m2 efetivamente existentes no prédio (sejam os 5.290 m2 referidos pela A. ou os 5.207 m2 apurados no levantamento topográfico). Assim, sendo-se exato e em linha com o que se referiu (sobre não fazer grande sentido jurídico convocar, no caso, o art. 888.º do C. Civil), o que deve ser dito é que o preço, na venda da R. à A., não foi estabelecido à razão de tanto por unidade, mais exatamente, à razão do preço unitário do m2 de área. Uma coisa é alguém comprar um terreno (apenas um terreno) que se indica ter 1.000 m2 pelo preço global de € 5.000 e depois apurar-se que o terreno tem apenas 900 m2, hipótese que claramente convoca a aplicação do art. 888.º/1 e do “desvio” constante do art. 888.º/2 do C. Civil: nesta hipótese, não será arriscado afirmar que a unidade é o m2 de terreno e que o preço foi estabelecido à razão de € 5,00 por m2 de terreno e depois, claro, aplicar o art. 888.º/2 do C. Civil. Outra coisa, diversa, é o que temos nos autos, em que a A. (tendo comprado um prédio com a área de 5.840 m2 e tendo um edifício com a área de implantação de 1.933,97 m2) raciocina como se tivesse comprado tão só uma área de terreno e divide os 5.840 m2 pelo preço global de € 310.000,00 para dizer/concluir que a venda foi estabelecida à razão de € 53,08 por “unidade” (para efeitos do art. 888.º do C. Civil). A riqueza e variedade das situações da vida aconselham que não se façam afirmações demasiado categóricas e definitivas, porém, ressalvando alguma situação excecional, não estamos a ver que o art. 888.º do C. Civil possa ser correntemente aplicado à venda de um prédio misto (à venda de uma moradia com um logradouro), a partir e com base apenas na divergência entre os m2 de terreno/logradouro (entre os m2 dos documentos e os m2 realmente existentes)6: seja ou não uma tal venda “à razão de tanto por unidade”, seguramente que a “unidade” não é o m2 de terreno, isto é, não é a “unidade”/m2 de terreno que serve de base/razão ao preço global que foi estabelecido. Enfim, não é por causa do que consta, em termos de áreas, das certidões prediais e matriciais, que se deve concluir, em relação à compra e venda celebrada entre A. e R., que o preço de tal compra e venda foi estabelecido ao preço unitário do m2 de terreno (sendo o seu preço/valor o quociente entre o preço global e os m2 constantes dos documentos); e, por conseguinte, começa por não ter sequer aplicação o art. 888.º/1 do C. Civil. Não é exato, ao contrário do referido no Acórdão recorrido, que haja ficado “provado que a compra e venda não foi efetuada em função da área do prédio”. Isto não resulta dos factos provados, porém – é o que conta – também não ficou provado ou resulta dos factos provados o contrário7: a indicação (a que, no caso, só se chegaria pela remissão para as certidões) dos m2 de área não significa, na venda de um prédio misto (com uma construção com a área de implantação de 1.933,97 m2), que o preço foi estabelecido à razão de tanto por m2 de terreno. Mas mais: Ainda que se “avançasse” para o art. 888.º/2 do C. Civil, não haveria base factual para afirmar que a quantidade efetiva difere da declarada em mais de um vigésimo. Se se vende/compra um prédio composto por uma parte urbana e uma parte rústica, não se poderá chegar à redução do preço apenas a partir da existência duma diferença na área: o “vigésimo” de diferença (requisito de funcionamento do art. 888.º/2 do C. Civil) diz respeito à quantidade global/total e, por conseguinte, tal diferença tem de emergir da totalidade do bem que foi adquirido e não apenas de parte do bem adquirido. Ainda que se pudesse afirmar o “vigésimo” de diferença (na lógica da A. a diferença seriam 9,4%, ou seja, a diferença correspondente aos 549 m2 no todo de 5.840 m2), a redução do preço não seria nos correspondentes € 29.140,92 (€ 310.000,00 X 9,4%). Efetivamente, sustentava Antunes Varela (C. Civil Anotado, Vol. II, pág. 180), com o que se concorda, que o “vigésimo” deve ser entendido como o risco que a lei aloca aos contraentes que optam por fixar, na venda de coisas determinadas, um preço global, ou seja, deve ser entendido como um desvio normal na compra e venda ad corpus, pelo que o aumento ou redução proporcional do preço apenas atingirá a diferença que exceda o “vigésimo”, o mesmo é dizer, um vigésimo de discrepância não tem qualquer efeito sobre o preço nem confere direito à diferença, sendo apenas no que for superior ao “vigésimo” que pode haver a redução ou o aumento proporcional (ou, de outro modo, sendo outro o entendimento, estar-se-ia, quando a diferença é superior a um “vigésimo”, a libertar, numa desigualdade inexplicável, as partes de tal risco). Finalmente, quanto aos € 70.000,00, por desvalorização comercial do prédio (segundo a A., como acima se referiu, caso soubesse que o citado prédio autónomo não estava a ser adquirido “teria negociado o preço de forma diferente (…) diminuindo-o em pelo menos € 99.140,52, o que, descontados os € 29.140,92, relativos à perda de diminuição do terreno, dá os € 70.000,00 relativos à perda do edifício), também eles nunca seriam devidos na sequência lógica da convocação/aplicação do art. 888.º do C. Civil (e só nesta lógica, claro, tal questão estará compreendida no objeto admitido pela Acórdão da “Formação”). Voltamos ao que dissemos atrás: afastada/perdida a relevância dum possível erro sobre o objeto, resta a invocação de que, então, o prédio adquirido tem menos área que a declarada nas certidões predial e matricial e, se tem menos área – se se aceita, para raciocinar em termos de art. 888.º do C. Civil, que tem menos de área – não há como voltar atrás, ao que se discutiu/decidiu no erro sobre o objeto, e pretender considerar/repor a situação que existiria se o prédio tivesse a configuração/área que a A. erradamente pensava que tinha: dito doutro modo, se tem menos área, poderá (ou não) o preço ser reduzido proporcionalmente (nos termos já referidos), não podendo haver lugar a compensações correspondentes ao valor duma “área” (o tal prédio autónomo descrito sob o n.º ....60) que não faz parte do prédio misto adquirido pela A.. A partir do momento em que se entra na convocação/aplicação do art. 888.º do C. Civil, não interessa o que a A. queria e estava convencida e é justamente por isto não interessar – por se passar a ignorar o alegado equívoco/erro sobre o bem adquirido – que se olha para os factos e se pode passar a considerar/perspetivar que, então, o prédio adquirido tem menos área que a declarada nas certidões predial e matricial; e estabelecida tal consideração não há lugar a raciocínios que se alicerçam num equívoco/erro que se encontra afastado. É quanto basta para, embora por razões algo diferentes, julgar improcedente o presente recurso; não se vislumbrando – e a recorrente também não o refere – em que é que o decidido viola o direito de acesso à justiça, mediante processo equitativo e tutela jurisdicional efetiva (e em que é que viola o art.º 20.º, n.º 1 e 4 da CRP). * III - Decisão Nos termos expostos, nega-se a revista. Custas pela A./recorrente. * Lisboa, 28/05/2024 António Barateiro Martins (relator) Nuno Pinto de Oliveira Nuno Ataíde ______
1. Corrige-se, em face do que consta do documento junto como doc. 7 com a PI, o lapso de escrita; sendo que da anterioridade da data (estava 04/01/2020) não emerge qualquer questão jurídica (a R. não suscitou a “caducidade do direito à diferença de preço” do art. 890.º do C. Civil). 4. Aliás, face ao levantamento topográfico, até serão um pouco mais: 633 m2 e não apenas 549 m2. 6. Estamos pois de acordo com o sustentado, para uma hipótese idêntica, no Ac. deste STJ de 10/09/2019, segundo o qual o art. 888.º do C. Civil não se aplica às discrepâncias entre as áreas constantes das descrições prediais e matriciais e as áreas efetivas dos imóveis. 7. Sem prejuízo - não é irrelevante – de se ter dado como não provado o que consta da alínea d), ou seja, não se provou que “foi acordado que o preço do m2 era de € 53,08”. |