Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
202/13.0TRPRT.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: RECURSO PENAL
DECISÃO INSTRUTÓRIA
DESPACHO DE NÃO PRONÚNCIA
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
DIFAMAÇÃO
Data do Acordão: 05/18/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL - INSTRUÇÃO.
DIREITO PENAL – FACTO / PRESSUPOSTO DA PUNIÇÃO / CAUSAS QUE EXCLUEM A ILICITUDE – CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A HONRA / CRIMES CONTRA A RESERVA DA VIDA PRIVADA.
Doutrina:
- Costa Andrade, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal – Uma perspectiva jurídico-criminal, Coimbra Editora, 1996, 177 e segs., 274, 292, 293.
-Jorge Figueiredo Dias, O Problema da Consciência da Ilicitude em Direito Penal; Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, 607.
-José Faria da Costa, Direito Penal Especial, Coimbra Editora, 2004, 104-105; Comentário Conimbricense do Código Penal.
-Maia Gonçalves, “Código Penal Português”, anotado e comentado, 18.ª edição, 2007, 667, nota 5.
-Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 487, nota 12.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 286.º, N.º 1, 287.º, N.º 2, 298.º, 308.º, N.º 1.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 13.º, 14.º, 31.º, N.ºS 1 E 2, ALÍNEAS B), C) E D), 34.º, 132.º, N.º 1 E 2, ALÍNEA L), 180.º, N.ºS 1, 2 E 4, 182.º, 183.º, N.ºS 1, ALÍNEA A), 2 E 4, 184.º, 189.º, 192.º, N.º 1, ALÍNEA D), 197.º, ALÍNEA B).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 26.º, N.º 1, 32.º, N.º 1, 37.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 28-06-2006, PROCESSO N.º 06P2315.
-DE 22-01-2015, CJ, ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL, TOMO I, 206.

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ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DO PORTO
-DE 12-06-2002, RECURSO N.º 332/02.

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ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DE LISBOA
-DE 14-04-2015, CJ, TOMO II, 314.
Sumário :
I - Da matéria de facto imputada não resulta que, no contexto em causa, o arguido quisesse agir com propósito de rebaixamento da assistente/recorrente, no seu sentimento de auto-estima ou ferindo-a na sua dignidade pessoal e consideração social, pois quis agir no exercício do seu direito de defesa, na sua explicação dos factos, nos termos das finalidades permitidas pelos arts. 286.º, n.º 1 e 287.º, n.º 2, do CPP, ou seja, no uso do seu direito à liberdade de expressão.
II - O conteúdo da entrevista concedida pelo arguido ao jornal regional não se destinou a um ataque doloso à honra e consideração pessoal e profissional da assistente, mas a apresentar, em discussão objectivam as razões (subjectivas) explicativas da convicção do arguido, na concretização do exercício do seu direito de defesa. Não é a vontade de difamar a assistente que subjaz à dita entrevista, mas apenas o propósito de explicitação dos motivos que na convicção do arguido, integram o seu direito de defesa.
III - Pelo que inexistem indícios suficientes de que o arguido com a sua actuação, ao produzir as afirmações apresentadas através de entrevista jornalística, umas factuais, outras conclusivas (juízos), sub judicio, soubesse que não correspondiam à verdade, e que actuasse de forma livre e esclarecida com o propósito deliberado de atingir a honra e consideração da assistente.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

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Consta do despacho de arquivamento proferido em 14 de Julho de 2014 nos autos de Inquérito nº 202/13.Otrprt, da Procuradoria-Geral Distrital junto do Tribunal da Relação do ...:

 “O presente inquérito teve inicio tendo por base a participação subscrita por AA, advogada, na qual, nessa qualidade, da conta que se sentiu ofendida e ultrajada pelas afirmações feitas por BB, Juiz a exercer no Tribunal de ..., publicadas no dia 18/10/2012 no jornal “...”, com sede e publicado em ....

Tais afirmações diziam respeito a intervenção da participante como advogada constituída pelos ofendidos no processo 16O/10.2gcvfr a correr termos no tribunal da Relação do ... e no qual o Dr. BB também era arguido e diziam respeito, também, à sua vida conjugal.

O conteúdo das afirmações referidas na participação foi o seguinte:

“Existe o processo a decorrer, nunca o neguei e lamento que existam provas manipuladas, tanto no processo disciplinar, como no processo-crime”;

“Tudo terá sido muito bem pensado. AA, advogada, com escritório em ..., rapidamente se ofereceu como voluntaria para patrocinar a CC e o DD e terá deixado bem claro: o juiz ou paga 50 mil euros aos meus clientes, ou senta-se no banco dos réus. Valor esse que a advogada em causa se acha credora do seu ex-companheiro e acha que, pressionando-me com este processo, lhe dava o dinheiro”.

“tudo se trata de um uso despudorado, desavergonhado de um processo de duas pessoas, que são os ofendidos, para interesses pessoais de uma advogada para vingança pessoal, (.. .) que a advogada, mesmo sabendo que nada disto tenha acontecido nos termos que colocou no processo, disse já, a mais de uma pessoa, que esta a usar este assunto para se vingar do ex companheiro e dos seus amigos”.

“advogada viveu durante algum tempo com um nosso particular amigo e essa relação terminou de forma tempestuosa conflituosa, uma situação a que e alheio, mas lamenta que nessa “Guerra de Rosas” não “hesite em envolver os amigos do ex-companheiro”

Conclui a denunciante que o denunciado pretendeu “Fazer querer em todos aqueles que as lessem, que a Denunciante “manipulou provas” designadamente, “depoimentos” no âmbito daquele referida processo.”

“Mais declarando que tais “provas manipuladas” serviram para “uma vingança pessoal” da Denunciante.”

Nada podia ser mais falso, artificial, desleal, dissimulado, enganoso, errado, erróneo, falaz, falsificado, fictício, fingido, hipócrita, incorrecto, pérfido, simulado, traiçoeiro.”

Entende que o descrito comportamento do denunciado integra os crimes de difamação agravado previsto e punidos pelos artigos 180, nº 1 e 184 e 1) do nº 2, do artigo 132, todos do Código Penal e o crime de devassa da vida privada agravada previsto e punido pelos artigos 192, nº 1, ai. d) e 197, ai. b), do mesmo código.

Querendo demonstrar a falsidade dos factos que lhe são referidos a denunciante evidenciou que os ofendidos DD e CC prestaram declarações no processo de inquérito 16O/1O.2gcvfr muito tempo antes de ser sua advogada.

[…]”


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Os autos vieram a ficar arquivados nos termos do artigo 277, n2, do Código de Processo Penal.

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Veio então a Assistente AA, ..., advogada, residente na ..., notificada da decisão de folhas 227 e seguintes, REQUERER A ABERTURA DA INSTRUÇÃO,

contra

BB, ...., juiz de direito, nascido em [...], nos termos e com os fundamentos seguintes:  ..

“A- O despacho de folhas 227 e seguintes passa completamente ao lado da realidade indiciária dos autos. Esquece que a entrevista é dada depois da decisão instrutória. Será que o requerido está dispensado de saber o que é isso? Esquece que a requerente nada teve a ver com a noticia do C.M. Esquece que, ao contrário do requerido, a requerente discutiu o que tinha a discutir nos locais devidos e não nos jornais. Esquece que a requerente não tomou nenhuma iniciativa processual, atinente a prova, até à acusação nem até à pronúncia. Esquece que o requerido já foi condenado ~ decisão transitada - pelos factos que negava. Será que esta realidade objectiva é inócua? Afinal, o que é que é falso? O que é que é mentira? Deixa-se conduzir por uma cortina de fumo que o requerido achou poder criar, nalguns casos usando caminhos perfeitamente inconcebíveis: que dificuldade teria uma advogada em saber o endereço de testemunhas que iriam ser ouvidas em diligências de instrução, já marcadas, se o quisesse saber?

B- Efectivamente, e desde já, indiciam suficientemente os autos que:

1. O requerido foi condenado, por decisão transitada em julgado, por dois crimes de ofensas à integridade física, de que foram vitimas DD e CC, em Março de 2010, sendo que a requerente só assumiu o patrocínio dos mesmos em Outubro de 2011.

2. Depois de ter sido pronunciado pelos factos pelos quais viria a ser condenado, na sequência de o ... ter publicado noticia alusiva à decisão instrutória, o requerido deu uma entrevista ao jornal «...», jornal local de ..., peça constante de folhas 15, noticia que se dá como integralmente reproduzida, publicada em 18 de Outubro de 2012, sob o titulo «PROVAS MANIPULADAS PARA VINGANÇA PESSOAL» e sub-titulo “Juiz fala em vingança pessoal» onde, para além do mais, podemos respigar o seguinte:

(    ) garante que nunca maltratou ou agrediu ninguém, lamentando que uma advogada

envolvida neste processo consiga «manipular depoimentos» e que coloque o seu nome e profissão como «cabeça de cartaz» para uma vingança pessoal ....

(. ... ) diz-se magoado e revoltado com as «inverdades» avançadas pelo ..., que dava conta de uma agressão sua a um casal ... « ..... lamento que existam provas manipuladas, tanto no processo disciplinar como no processo- crime» .....

(. ... .) No entanto, o Magistrado garante à nossa reportagem saber de onde vem a origem de todo este processo. Mostra-se triste que «alguém consiga manipular depoimentos e lograr verter em acusações uma versão falsa» e lamenta que se «coloque o juiz como cabeça de cartaz na acusação»

Juiz fala em vingança pessoal

Tudo terá sido muito bem pensado, garante. AA, advogada, com escritório em ..., rapidamente «se ofereceu como voluntária para patrocinar a CC e DD» e terá deixado bem claro «o juiz ou paga 50 mil euros aos meus clientes ou senta-se no banco dos réus”      0 juiz entende que tudo se trata de um uso «despudorado, desenvergonhado de um processo de duas pessoas, que são os ofendidos, para interesses pessoais de uma advogada para vingança pessoal. O juiz lamenta que a advogada mesmo sabendo que nada disto tenha acontecido nos termos que colocou no processo, «disse já, a mais que uma pessoa, que está a usar este trunfo para se vingar do ex-companheiro e dos seus amigos)).

            (.          )

3. O requerido sabia e sabe que são falsos os factos, imputações e insinuações que fez relativamente à assistente, que, no entanto, fez ostensiva e repetidamente.

4. Quis distorcer completamente a realidade, o ocorrido, sabendo que o fazia - muitos dos factos a que se refere são factos pessoais.

5. O requerido agiu deliberada, livre e conscientemente, pela forma descrita, e ao imputá¬los, visando a requerente no exercício das suas funções e via imprensa, quis ofender a sua honra e consideração, como ocorreu, sabendo que tal lhe estava vedado por lei.

6. Com tal conduta o arguido praticou um crime de difamação agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 180º nº 1, 183 o nºs 1. a) e 2 e 184º todos do CP.

Deve, pois, ser pronunciado nos precisos termos do supra articulado.”

Indicou prova documental e testemunhal,


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Nos autos de instrução n° 202/13.0 TRPRT, do Tribunal da Relação do Porto o Senhor Desembargador juiz de instrução, emitiu despacho em 24 de Setembro de 2015, que decidiu “indeferir o requerimento de abertura de instrução deduzido pela assistente AA e, embora por fundamento diverso, manter a situação de arquivamento dos autos já decretada pelo Exmo PGA junto deste Tribunal da Relação.

Pelo decaimento pagará a assistente 3 Ucs de taxa de justiça.”


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  Porém, o Ministério Público veio reclamar a nulidade e inexistência desse despacho de indeferimento porque, em suma, já tinha sido declarada aberta a instrução em 22 de Junho de 2015, pela Senhora Desembargadora que na altura servia de Juiz de instrução, e designada a realização de debate instrutório para 8 de Setembro do mesmo ano, pelas 14h 30m.

Mas como a mesma Senhora Desembargadora veio a ser movimentada para o TRG, deu sem efeito a diligência para que o novo titular marcasse nova data para a mesma.


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 Oportunamente, nesses mesmos autos, veio a ser proferida decisão instrutória em 7 de Dezembro de 2015, no sentido de “não pronunciar o arguido Dr. BB pela autoria de um crime de difamação, p. e p. pelo art.º 180.º,n.º1, 183.°, ns. 1,al. a) e 2 e 184.°, todos do CP.

Pelo decaimento pagará a assistente 3 Ucs de taxa de justiça. “


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A Assistente AA, não se conformando com essa decisão interpôs recurso para este Supremo Tribunal, apresentando as seguintes conclusões na motivação:

1. O arguido, em entrevista dada, após ser pronunciado por factos pelos quais viria a ser condenado,

2. Negou a prática dos mesmos e responsabilizou a recorrente por tal imputação, sustentando que subjacente à mesma estavam comportamentos desonrosos da recorrente, de vária índole, que especificou, sendo que, não por acaso, a recorrente nem sequer nunca trouxe ao processo qualquer facto ou prova novos.

3. O arguido sabia que todas as imputações e juízos de valor eram falsos e com a sua conduta, natural e logicamente, quis atingir a honorabilidade pessoal e profissional da recorrente.

4. Foram articulados no RAI os factos suficientemente indiciados, praticados pelo arguido e efectuada a sua subsunção legal.

5. Impõe-se, pois, que o arguido seja pronunciado nos termos requeridos.

6. Ao ter entendido de outra forma, a decisão recorrida violou os artigos 308º nº 1 do CPP e 180° n° 1,. 183º nºs 1. a) e 2 e 184º todos do CP,

7. Revogando-se a decisão recorrida nos termos pelos quais pugna, far-se-á JUSTIÇA.


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Respondeu o Ministério Público à motivação de recurso referindo, além do mais, que:

“21º

No caso dos autos, parece-nos que o arguido tinha fundamento sério para, em boa fé, reputar verdadeira a conduta processual da assistente que, segundo ele, agia por vingança em relação ao seu ex-companheiro.

22.º

Por isso, parece-nos que os autos foram corretamente arquivados, não sendo verdade que, à data dos factos, o arguido soubesse e saiba, atualmente, que são falsos os factos, imputações e insinuações que fez, relativamente à assistente.

23.º

O facto da assistente nunca ter trazido ao processo qualquer facto ou prova novos não significa que ela não pudesse ter tido a conduta processual que lhe foi imputada pelo arguido na entrevista, dado que, de facto, deduziu contra ele um pedido de indemnização de 50 mil euros, julgado manifestamente exorbitante e, segundo a versão do arguido, não desenvolveu qualquer iniciativa com vista à obtenção de um acordo e à obtenção da desistência da queixa, por parte dos seus clientes.

Termos em que, julgando improcedentes todas as conclusões do recurso interposto pelo arguido e, consequentemente, negando-lhe provimento e mantendo intocada a douta decisão recorrida, embora, a nosso ver, com fundamentação diversa, farão V. Ex.as a costumada,

JUSTIÇA.”


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Também  o arguido respondeu a motivação do recurso, concluindo:

1- “Deverá ser mantida a douta decisão do Meritíssimo Juiz do tribunal da Relação do Porto.

2- Tal como, o Digno Magistrado do M. P. que considerou que, expressões como as que foram mencionadas no RAI, não têm, dignidade penal.

3- Considerar que as expressões mencionadas no RAI, apenas e tão só podem identificar alguma censura, tida como deselegante, mas nunca afirmar que tais palavras se possam tratar de injúrias gratuitas.

4- Tem sido o entendimento da Jurisprudência, que a protecção legal devida à honra, só encontra justificação nos casos em que objectivamente as expressões que são proferidas não têm outro sentido que não seja o de ofender, que inequívoca e em primeira linha visam gratuitamente ferir, achincalhar, rebaixar a honra e o bom nome de alguém, o que não foi o caso dos presentes autos.

5- Pelo que disse o jornalista EE, aquando da prestação do seu testemunho, as expressões que são atribuídas e que foram transcritas entre aspas, procuram traduzir com fidelidade aquilo que disse o Dr.º BB, pelo que apenas e tão só, a expressão “manipular depoimentos” se encontra entre aspas, na notícia que foi apresentada e que consta do RAI, nada mais do restante parágrafo se encontra entre aspas.

6- Não é correcto, extrapolar ou procurar retirar expressões injuriosas e atribuí-las ao Arguido, do que é trabalho de autoria jornalística.

7- Prescindindo da leitura do 1.º parágrafo, que se encontra desprovido de relevância penal, facilmente se reconhece que, todo o conteúdo subsequente ali expresso, não padece de qualquer censurabilidade penal.

8- Quanto às demais afirmações em causa, que se encontram entre aspas, não se podem qualificar como visando pôr em causa a capacidade e idoneidade profissionais da Assistente, mas apenas como apreciação a um seu pontual comportamento e modo de gerir um concreto caso forense.

9- As afirmações deverão ser consideradas expressões de menor rigor, as quais, nos tempos que correm, não podem ser qualificadas como uma atitude que a comunidade exija que sejam criminalmente punidas.

10- Por diversas vezes assistimos a Juízes de Direito que através da comunicação social, exprimem e opinam sobre diversos assuntos de processos que se encontraram ou encontram em juízo, sem que o Estado de Direito tenha tido qualquer impulso de conter esse fenómeno, pelo que é compreensível que um Juiz, de uma determinada comarca onde exerça funções, possa num jornal local proceder de igual modo.

11- E tanto mais que na presente controvérsia não está em causa o exercício material das funções jurisdicionais, e só lateralmente se dá o caso de os intervenientes desempenharem funções forenses, pelo que poderiam desempenhar outras funções, que não as presentes, e igualmente virem a ser proferidas declarações como as dos autos.

12- As funções encontram-se interligadas, de tal modo que os intervenientes processuais cruzaram-se, razão da existência do presente litígio, que teve origem em: um acidente, em cuja conduta o arguido teve uma conduta já alvo de reacção criminal; relações sentimentais e de amizade; a comunicação social (vide JN, de 21.9.2015) noticiou condenação em 1.ª instância da Assistente, por denúncia caluniosa e difamação, cujos ofendidos foram o ex-companheiro da Assistente FF, uma Procuradora, o agora Arguido e ainda um outro causídico, essencialmente por factos da sua vida privada (com excepção da Procuradora).

13-São situações susceptíveis de gerar sentimentos como paixão, rancor e azedume, que alimentaram negativamente o ambiente entre os intervenientes.

14-Estas situações, cujos diversos desfechos nem sempre tendem a ser bem compreendidos por quem vê frustradas determinadas expectativas criadas à volta dos mesmos, devem a todo o custo ser de evitar, nomeadamente o recurso à Justiça, quando o que se encontra em causa são apenas “arrufos” do foro pessoal, que se devem manter afastados dos Tribunais.

15- Assim sendo, e versando sobre o caso em concreto dos presentes autos, termina-se reforçando o que já anteriormente se havia dito, as expressões em causa são desprovidas de densidade suficiente para serem penalmente qualificadas como crime.

16-Desta forma, decidindo como decidiu, o Meritíssimo Juiz do Tribunal da Relação do Porto fez uma correcta interpretação dos factos bem como uma adequada subsunção dos mesmos às normas jurídicas em apreço, tendo decidido não pronunciar o Arguido, Dr.º BB, pelo crime que lhe era imputado.

17- Uma vez que os factos narrados no RAI, não são susceptíveis de não constituir o tipo de crime invocado, não pode o Arguido ser pronunciado pela autoria do crime de difamação, p. e p. pelos arts 180, n.º1, 183.º,ns 1, al. a) e 2 e 184.º, todos do Código Penal.

18-  Impõe-se, pois, a manutenção da decisão anteriormente proferida.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE DOUTAMENTE SERÃO SUPRIDOS, DEVERA SER MANTIDA A DECISÃO ORA EM CRISE, CONFORME O DISPOSTO NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL,

VOSSAS EXCELÊNCIAS, TODAVIA, MELHOR APRECIARÃO, FAZENDO, COMO SEMPRE, INTEIRA E SÃ


JUSTIÇA!!!!”

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Neste Supremo, o Dig.mo Magistrado do Ministério Público emitiu douto Parecer no sentido de que, “na improcedência do recurso, é de confirmar a decisão impugnada.,”

“Ou seja, tendo em conta a prova constante dos autos, resulta que as declarações do arguido, prestadas ao jornal “...”, onde imputou tais factos e juízos, à assistente, ocorreram na sequência de informações que lhe haviam sido transmitidas, no sentido de que esta teria procurado aproveitar-se pessoalmente da existência daquele processo-crime, onde intervinha na qualidade de mandatária dos ofendidos CC e DD (processo nº 160/10.2 GCVFR), para tentar tirar partido, em seu próprio benefício, numa situação, distinta, que diretamente lhe dizia respeito.

[…]

Foi, pois, neste contexto – [convencido de que eram verdadeiras aquelas afirmações e sentindo-se prejudicado com esse comportamento de uma profissional do foro, comportamento esse que, na sua perspetiva, tinha pelo menos inviabilizado um acordo conducente à desistência da queixa que, a existir, evitaria que fosse submetido a julgamento] – que o arguido deu a entrevista em causa. E, convocando aqui uma das pronúncias do acórdão do STJ de 28-06-2006, proferido no Processo n.º 06P2315[1], convenhamos que a simples sujeição de alguém a julgamento «não é um ato neutro, quer do ponto de vista das suas consequências morais, quer jurídicas. Submeter alguém a julgamento é sempre um incómodo, se não mesmo um vexame».”


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            Cumpriu-se o disposto no artº 417º nº 2 do CPP.

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Após vistos, não sendo caso de audiência, seguiu o processo para conferência.

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È do seguinte teor a DECISÃO INSTRUTÓRIA

“O Tribunal é competente.

O processo é o próprio e não se verificam nulidades. Ocorre, porém, a seguinte questão prévia:

Este Tribunal da Relação tem repetidamente tomado posição no sentido de que expressões como as que são mencionadas no RAI não têm, salvo o devido respeito, dignidade penal.

Assim, para só mencionar alguns casos, nos quais interveio como relator o autor do presente despacho, vejam-se acórdãos proferidos nos Recursos ns. 4356/07-1,5418/06,5831/07 e 2679/07, cuja singela leitura permitirá a singela conclusão de que os factos apontados no RAI não integram o invocado crime de difamação.

É próprio da vida social a ocorrência de algum grau de conflitualidade entre os membros da comunidade. Fazem parte do seu estatuto ontológico as desavenças, diferentes opiniões, choques de interesses incompatíveis que acusam grandes animosidades.

Estas situações, entre outros meios, expressam-se ao nível da linguagem, por vezes exagerada ou descabida. Onde uns reconhecem firmeza, outros qualificam de gritaria, impropérios, má educação ou indelicadeza.

Mas como se escreveu no acórdão desta Relação, de 12.6.02, relatado pelo Des. Dr. Manuel Braz, o Direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere susceptibilidades do visado. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros. Se assim não fosse a vida em sociedade seria impossível. E o Direito seria fonte de conflitos, em vez de garantir a paz social, que é a sua função - Recurso n.º 332/02, 1.ª secção.

Não cabe aos tribunais avaliar se uma afirmação é justa, razoável ou grosseira.

Apenas há um limite: não pode ser atingida a honra do visado um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior - Comentário Conimbricense, tomo I, pág. 607.

Também esta ideia do Prof. Faria Costa a ter em conta: o facto de a honra ser um bem jurídico pessoalíssimo e imaterial, a que não temos a menor dúvida em continuar a assacar a dignidade penal, mas um bem jurídico, apesar de tudo, de menor densidade axiológica do que o grosso daqueles outros que a tutela do ser impõe. Uma prova evidente de tal realidade pode encontrar-se nas molduras penais - de limites extraordinariamente baixos - que o legislador considerou adequadas para a punição das ofensas à honra. E a explicação para tal "estreitamento" da honra enquanto bem jurídico, para uma perda da sua importância relativa, pode justificar-se, segundo cremos, de diferentes modos e por diferentes vias. Por um lado, julgamos poder afirmar-se uma sua verdadeira erosão interna, associada à autonomização de outros bens jurídicos que até há algumas décadas estavam misturadas com essa pretensão a ser tratado com respeito em nome da dignidade humana que é o núcleo daquilo a que chamamos honra. Referimo-nos a valores como a privacidade, a intimidade ou a imagem, que hoje já têm expressão constitucional e específica protecção através do direito penal. Por outro lado, cremos ser também indesmentível a erosão externa, a que a honra tem sido sujeita, quer por força da banalização dos ataques que sobre ela impendem - tão potenciados pela explosão dos meios de comunicação social e pela generalização do uso da internet, quer por força da consequente consciencialização colectiva em torno do carácter inelutável de tais agressões e da eventual imprestabilidade da reacção criminal - págs. 104-105, "Direito Penal Especial", Coimbra Editora, 2004.

Encontramos a mesma constatação na doutrina e jurisprudência comparados:

- na luta política, para a consecução dos fins a que esta aspira, historicamente verificou-se uma alteração na linguagem e uma desensibilização da opinião pública sobre o significado de algumas palavras e sobre certes frases usadas por pessoas que na mesma estão envolvidas, de modo que pode considerar-se como legítimo o uso de frases e expressões que, em comum, no âmbito das relações privadas, seriam ofensivas - cfr. “Diffamazione a mezzo stampa e risarcimento del danno", Francesco Verri e Vincenzo Cardone, Giuffré Editare, 2003, pág. 210.

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem reteve como licitas, no âmbito da luta política, expressões como imbecil (1.7. 1997,DDP, 1997, 10, 1209); lobbista, experiente em urbanizações selvagens, comissário de negócios sujos, são outros exemplos mencionados na obra citada, a pág. 213.

Nas apontadas asserções poderá deparar-se com algum tipo de censura, ao nível de deselegância, de injusto possivelmente - mas no fundamental trata-se de um tom expositivo mais convicto, se bem que pautado pela emotividade, pelo excesso ou pelo desabafo.

Diferente seria o caso de se tratar de expressões gratuitamente injuriosas, não correlacionadas com a ideia que se pretende exprimir ou a formulação de juízos de valor que não exprimissem uma polémica tomada de posição contra um particular modo de abordar um assunto forense, familiar ou comunitário, mas apenas uma vontade de agressão gratuita e de confronto com a pessoa que se arroga ofendida.

E a protecção penal devida à honra só encontra justificação nos casos em que objectivamente as expressões que são proferidas não têm outro sentido que não seja o de ofender, que inequívoca e em primeira linha visam gratuitamente ferir, achincalhar, rebaixar a honra e o bom nome de alguém.

No caso particular de comentários a actuações de Magistrados, casos houve em que este Tribunal considerou não serem de enquadrar penalmente expressões proferidas por um sujeito processual, que comentou não ter sido isenta a actuação, não ter sido imparcial, ter beneficiado a outra parte com a sua intervenção processual, etc. É o próprio Legislador que prevê a possibilidade de o juiz não ser imparcial na condução dos autos ¬cfr. art.º 40.°, ns.º1 e 2 do CPP.

Não se vê que seja grave, a nível de preencher um tipo legal de crime, a imputação de intervenção muito tardia a um juiz, de que não conduziu uma dada audiência com imparcialidade, que beneficiou uma das partes em detrimento da outra, que julgou já com preconceito, ou de cometimento de vários erros - mesmo que errada, exagerada ou injusta. Se fossemos punir estas, a possibilidade de critica seria quase fictiva.

Por muito bem intencionadas e fundamentadas que se encontrem, decisões há que são erráticas e causam escândalo na comunidade. O normal é que esta e as pessoas mais na imediação da esfera dos efeitos materiais das mesmas verbalizem juízos negativos do mais diverso tipo, desde os mais elegantes e educados até aos mais boçais.

E se podemos fazer reparo no facto de as decisões supra indicadas remontarem já a 2002 e alguns anos subsequentes, veja-se, a título meramente exemplificativo, o que ultimamente se pode ler nas últimas publicações de acórdãos dos tribunais Superiores:

Apelidar a ex-cônjuge de «estúpida» e «gorda» não consubstancia um crime de injúrias - Ac. da Relação de Lisboa, 14.4.2015, CJ, Tomo II, pág. 314.

O mesmo concluiu o Venerando Supremo Tribunal de Justiça, relativamente a uma pessoa que publicamente apodou outra de «farsola» - Ac. de 22.1.2015, também relatado pelo Conselheiro Dr. Manuel Braz - CJ, Acórdãos do Supremo Tribunal, Tomo I, pág. 206.

O jornalista EE ouvido como testemunha a fls. 66, referiu que as expressões que são atribuídas e foram transcritas entre aspas, procuram traduzir com fidelidade aquilo que disse o Dr. BB.

Do teor do 1.º parágrafo da notícia citado no RAI só se encontra entre aspas nesta mesma notícia a expressão "manipular depoimentos". Mas já não o restante do dito parágrafo. Tendo este, na apresentação gráfica de fls. 15, uma fisionomia de intróito, perfeitamente destacado, só pode levar-nos à conclusão, de forma segura, tratar-se de autoria jornalística.

Se prescindirmos da leitura deste primeiro parágrafo, que face à conclusão agora enunciada resulta inócuo, e nos ativermos ao conteúdo subsequente ali expresso, depreende-se facilmente não existir qualquer censurabilidade penal nas expressões em apreço, nos parâmetros jurisprudenciais supra enunciados.

As demais afirmações em causa, verdadeiramente entre aspas, não se podem qualificar como visando por em causa a capacidade e idoneidade profissional da Assistente; mas apenas como apreciação a um seu pontual comportamento e modo de gerir um concreto caso forense.

Farão parte de um universo de menor rigor, de desabafo ou desabafo, em virtude de um dado acontecimento processual que afectou o seu autor - mas que não podem, nos tempos que correm, ser qualificada como uma atitude que a comunidade exija que seja punida criminalmente.

Verificamos que, com alguma frequência, juízes de Direito intervêm na comunicação social, opinando sobre os mais variados assuntos, inclusivamente sobre processos que estão em curso _ sem que o estado de Direito ou a sociedade tenha tido qualquer impulso de conter esse fenómeno - sendo certo que é pelo menos controverso.

Então, de alguma forma é compreensível - que não justificável necessariamente - que um juiz proceda ao mesmo tipo de desabafo, num jornal local da comarca onde exerce funções.

E tanto mais que na presente controvérsia não está em causa o exercício material das suas funções jurisdicionais; e só lateralmente se dá o caso de os intervenientes desempenharem funções forenses.

Na verdade, podiam desempenhar outro lugar na sociedade e emitirem declarações do mesmo tipo das que constam nos autos.

Porque com as suas funções se entrecruzaram outros eventos e estados de coisas, que são os causadores reais da presente desavença: um acidente, em cuja conduta o arguido teve uma conduta já alvo de reacção criminal; relações sentimentais e de amizade; a comunicação social (vide JN, de 21.9.2015) noticiou condenação em 1.ª instância da assistente, por denúncia caluniosa e difamação, cujos ofendidos foram o ex-companheiro FF, uma Procuradora, o agora arguido e ainda um outro causídico, essencialmente por factos da sua vida privada (com excepção da Procuradora).

Este tipo de eventos - para a sociedade ou terceiros neles não envolvidos são qualificados como de menor importância, actos irreflectidos ou emotivos; contudo, têm a virtualidade de poder gerar declarações e depoimentos como os dos autos e da notícia em causa - em cujo conjunto se respira uma atmosfera de azedume, paixão e rancor.

É, pois, de elementar bom senso não deixar de reconhecer o seu estatuto real, tanto mais que se trata de pessoas ligadas à administração da Justiça e ao exercício de profissões de responsabilidade elevada, que não se compadecem com este tipo de ambiente negativo para as mesmas.

Não tendo as expressões em causa densidade suficiente para serem penalmente qualificadas como crime, resta aditar uma ou duas notas sobre o uso do verbo "manipular".

Neste tanto se pode incluir a acção de deturpar, como de controlar, de condicionar, de influenciar, mais ou menos indevidamente a produção de um resultado.

Estudando o processo, vemos que aquele sentido supra referido, de irreflexão, grosseria, falta de polidez ou de cuidado com as palavras é aqui aplicável. Dizem-nos as regras da experiência de trabalho como juiz penal, há quase três décadas, que os operadores e colaboradores da justiça não são meros espectadores, que assistam ao produzir espontâneo da prova; antes, pelo contrário, interferem na mesma, por boas razões na maior parte dos casos, por más, noutros - e no caso em apreço, o que se terá tratado terá sido uma polémica relativa ao exercício do direito de queixa dos ofendidos, matéria em que os seus representantes têm obviamente muito a dizer, em termos de conselho e determinação.

Tratando-se, aliás, de uma expressão vaga e polissémica, necessitaria sempre de uma maior integração factual, com vista a poder integrada qualquer hipótese do tipo.

Integra-se numa espécie de jargão profissional, menos polido e afastado da linguagem jurídica conceptual e abstracta, onde caberiam outros termos como "pressionar", "intimidar", "condicionar" "sugerir", "provocar", etc.

Não se afigura relevante para conclusão contrária a circunstância, alegada no RAI, de a entrevista ter sido emitida posteriormente ao despacho de pronúncia. Apenas terá significado que a "manipulação" de prova, segundo o arguido, foi extensiva ao Juiz de Instrução. A própria condenação de um cidadão não implica que este prescinda da sua convicção pessoal sobre a sua justeza, sobre a insuficiente ou irregular produção de prova que a originou; expressá-lo publicamente não o torna num criminoso.

Concluindo: não constituindo os factos narrados no RAI o tipo de difamação invocado, não poderá o arguido ser pronunciado pela autoria do crime de difamação.

 

Decisão:

Pelo exposto, decide-se não pronunciar o arguido Dr. BB pela autoria de um crime de difamação, p. e p. pelo art.º 180.º,n.º1, 183.°, ns. 1,al. a) e 2 e 184.°, todos do CP.

Pelo decaimento pagará a assistente 3 Ucs de taxa de justiça.

Porto, 7 de Dezembro de 2015”.


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Cumpre apreciar e decidir:

O capítulo I (Direitos, liberdades e garantias pessoais) do título II (Direitos, liberdades e garantias), da Constituição Política da República Portuguesa, (CRP) estabelece no artº 26º nº 1, que “A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de descriminação.”

O artº 37º nº 1, da CRP, refere que “Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem, ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações.”

           

O artigo 32º nº 1 estabelece que “O processo criminal assegura todas as garantias de defesa (…)”

Por sua vez, o artigo 180º nº 1 do Código Penal (CP), dispõe:

“1. Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivo da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido (…)”

E dispõe o artº 182º do diploma criminal substantivo, que “À difamação são equiparadas as feitas por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão.”

O crime referido é qualificado, nos termos do artº 183º, se:

“a)  A ofensa for praticada através de meios  ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação; ou

b) Tratando-se da imputação de factos, se verificar que o agente conhecia a falsidade da imputação;”

Há ainda agravação “se a vítima for uma das pessoas referidas na alínea i) do nº 2 do artigo 132º, no exercício das suas funções ou por causa delas, ou se o agente for funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade.”

Porém, nos termos aludidos no nº 2 do artº 180º, do CP, a conduta não é punível quando:

“a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e

B) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.”

Essa não punibilidade “não se aplica quando se tratar da imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar” mas, ainda aqui, “sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do nº 2 do artº 31º”


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A característica funcional do direito penal, que, no dizer de Welzel, (ZStW,1939, p. 514) não pode representar os bens jurídicos como “peças de museu, zelosamente guardadas em vitrinas, fora do alcance  de influências lesivas, e só acessíveis ao olhar dos espectadores“, explicita uma fragmentariedade de tutela típica, que sempre norteada pelos princípios de dignidade e carência de tutela penal, proporcionalidade e subsidiariedade, remete os bens jurídicos pessoais da honra, privacidade e intimidade, palavra e imagem, para a categoria de bens jurídicos socialmente vinculados quer quanto à estrutura axiológico-material, quer quanto ao enquadramento normativo. (v. Costa Andrade, in Liberdade de Imprensa e inviolabilidade pessoal – Uma perspectiva jurídico-criminal, Coimbra Editora, p. 177 e segs., que seguimos de perto,)

Os tipos legais dos crimes contra a honra, “perspectivados pelo efeito recíproco, terão de ser interpretados a partir do âmbito da área de tutela (da liberdade de expressão) e dos limites (…). A liberdade de expressão terá, por isso, de ser considerada já ao nível do tipo e não apenas em sede de justificação” (Braum, KritV, Dez, 1995, pp 391 e segs , referido por Costa Andrade, ibidem)

Como diz Roxin, Strafrecht, p. 165, (citado por Costa Andrade, ibidem), é a ilicitude que “do ponto de vista do proibido ou do permitido (neste caso como exclusão do ilícito) contém uma valoração dos conflitos de interesses que emergem de interacção social.”

A doutrina tende abstractamente a distinguir entre a justificação dos atentados contra a honra e perpetrados, respectivamente, sob a forma de juízo de valor ou de imputação de factos.

“Os juízes de valor ofensivos da honra podem buscar a justificação na derimente geral do Exercício de um direito, concretização dogmático-normativa da ponderação de interesses como princípio comum de justificação. Diferentemente, as imputações de factos terão preferencialmente de encontrar a justificação numa derimente específica e típica – a Prossecução de interesses legítimos – em que, a par da ponderação de interesses, avulta também o princípio do risco permitido.” (idem, ibidem, p. 274)

Sendo certo que, com frequência os juízos de factos aparecem entremeados (associados ou misturados) com juízos de valor.

Releva então a questão de saber de que forma o exercício do direito, ao traduzir a liberdade de expressão, pode ou não derimir a ilicitude penal de um juízo de valor ofensivo da honra.

Surge o binómio de confronto dialéctico da honra e da liberdade de expressão, ambos de dignidade constitucional.

Tudo terá de decidir-se “no contexto de uma ponderação de interesses mediatizada pelo círculo hermenêutico centrado sobre as singularidades do caso concreto.”

Os limites de justificação do exercício de um direito estarão na barreira instransponível da pura crítica caluniosa, que a juridicidade alemã apelida de Scmähkritik.

Como refere Costa Andrade, (ibidem, p. 292 e 293),: “A garantia da liberdade de expressão e de imprensa permite, de acordo com as circunstâncias, também uma crítica contundente, impiedosa, mesmo ‘chocante’, desde que tenha ainda uma referência objectiva (sachs bezogen). Mas já não cobre nenhuma Scmähkritik, isto é, uma crítica que passa a ser um (mero) ataque doloso à honra.”

Por outro lado, na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão, “É de considerar como Shmähung a expressão de uma opinião que, para além da crítica polémica e exagerada, consiste na degradação da pessoa.”(…) O facto de poder ter efeitos degradantes para terceiros não faz da expressão de uma opinião, só por si, uma Scmähung. Uma expressão degradante só assume o carácter de Schmähung quando nela não avulta em primeiro plano a discussão objectiva das questões mas antes o enxovalho das pessoas. Para além da crítica polémica e extremada tem de se visar o rebaixamento da pessoa.”

Resumidamente: segundo a jurisprudência desse Tribunal Constitucional só poderá falar-se de Shmähung quando o juízo de valor ou a crítica perdem todo o contacto com a obra, a prestação ou o problema que os motiva ou com a discussão das questões de interesse comunitário. E, em vez disso, passam a obedecer apenas ao propósito de rebaixamento de uma pessoa, atingindo-a no sentimento de auto-estima ou ferindo-a na sua dignidade pessoal e consideração social.”(idem, ibidem, p. 293 e 294)

Admite-se ainda a justificação nos termos e segundo as exigências do Direito de necessidade, conforme artº 34ºdo CP:

A falta de comprovação cuidadosa dos pressupostos do direito de necessidade integra o erro se, no ensinamento de Figueiredo Dias, - O Problema da Consciência da Ilicitude em Direito Penal - constituir “uma falta do conhecimento indispensável à correcta orientação da consciência ética do agente para o desvalor jurídico da conduta e é, portanto, um erro que exclui o dolo.”


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No requerimento de abertura de instrução a requerente imputa ao arguido um crime de difamação agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 180º nç 1, 183 o nºs 1. a) e 2 e 1840 todos do CP. decorrente de uma entrevista concedida ao jornal «O REGIONAL», jornal local de S. João da Madeira, peça constante de folhas 15, noticia  publicada em 18 de Outubro de 2012, sob o titulo «PROVAS MANIPULADAS PARA VINGANÇA PESSOAL» e sub-titulo “Juiz fala em vingança pessoal» onde vêm explicitadas considerações e expressões que, segundo alega a recorrente,. o arguido “ sabia e sabe que são falsos os factos, imputações e insinuações que fez relativamente à assistente, que, no entanto, fez ostensiva e repetidamente. Quis distorcer completamente a realidade, o ocorrido, sabendo que o fazia - muitos dos factos a que se refere são factos pessoais. O requerido agiu deliberada, livre e conscientemente, pela forma descrita, e ao imputá-los, visando a requerente no exercício das suas funções e via imprensa, quis ofender a sua honra e consideração, como ocorreu, sabendo que tal lhe estava vedado por lei.”

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No domínio da consciência e da vontade, vem sendo entendido de forma quase unânime, que basta que o agente, com o seu comportamento queira ofender na honra ou consideração, a pessoa destinatária da ofensa, ou previsto que essa ofensa lhe pudesse ser imputada dolosamente, ou seja, o ofensor tem de actuar com dolo, na produção da ofensa, ainda que aja em qualquer das modalidades (directo, necessário ou eventual) constantes do artº 14º do C.Penal.

Como salientava Maia Gonçalves, Código Penal Português anotado e comentado, 18ª edição, 2007, p. 667, nota 5,: “Na vigência do CP de 1886 travou-se uma longa querela, que subsistiu até ao fim desse diploma, consistente em saber se nos crimes de difamação, calúnia e injúria, para além dos requisitos do dolo geral, era exigível um dolo específico, que seria integrado pelo fim de injuriar ou difamar, pelo designado animus injuriandi vel diffamandi.”

Na verdade, só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência. – artº 13º do C.Penal.


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Refere-se no despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, a propósito do crime de difamação:

            “Do crime de difamação

Pratica o crime de difamação previsto pelo artigo 180º do Código Penal quem imputar a outra pessoa um facto ofensivo da sua honra e consideração.

Embora quando o arguido Dr. BB s diz “lamento eu existam provas manipuladas” não atribua expressamente a manipulação das provas a denunciante, Dr.a AA, essa atribuição acaba por resultar do contexto de tudo o que foi afirmado na entrevista e do seu sentido global.

E indiscutível que a imputação da manipulação da prova em processo criminal prejudicando a aquisição da verdade e a realização da justiça que se visa no processo é um acto que pode integrar pratica criminal (designadamente pela co-autoria no crime de falsidade de depoimento), logo desonroso quando atribuído a um advogado que deontologicamente tem o dever de colaborar na realização da justiça. Igualmente, a utilização de um litigio que envolve os clientes de um advogado para resolver problemas pessoais, distintos dos interesses dos clientes porque não favorece a realização da justiça, também e desonroso porque contrario aos deveres profissionais deontologicamente assumidos e ao brio posto no cumprimento desse dever.”

Por sua vez refere-se na decisão instrutória que:

“Nas apontadas asserções poderá deparar-se com algum tipo de censura, ao nível de deselegância, de injusto possivelmente - mas no fundamental trata-se de um tom expositivo mais convicto, se bem que pautado pela emotividade, pelo excesso ou pelo desabafo.

Diferente seria o caso de se tratar de expressões gratuitamente injuriosas, não correlacionadas com a ideia que se pretende exprimir ou a formulação de juízos de valor que não exprimissem uma polémica tomada de posição contra um particular modo de abordar um assunto forense, familiar ou comunitário, mas apenas uma vontade de agressão gratuita e de confronto com a pessoa que se arroga ofendida.

E a protecção penal devida à honra só encontra justificação nos casos em que objectivamente as expressões que são proferidas não têm outro sentido que não seja o de ofender, que inequívoca e em primeira linha visam gratuitamente ferir, achincalhar, rebaixar a honra e o bom nome de alguém.”

            Como bem assinala o Digmo Magistrado do Ministério Público em seu douto Parecer “pelo menos parte das afirmações contidas na entrevista em equação, da autoria do arguido, têm de ter-se por típicas porquanto são, como vimos, suficientemente densas para, de forma objetiva, integrarem o ilícito de difamação que lhe vem imputado.”.

 Como é sabido, a afirmação da tipicidade de uma conduta indicia a sua ilicitude, que só pode ser excluída se, em concreto, se verificar a existência de uma causa de justificação.

Uma vez que, na entrevista em causa, o arguido se não limita à formulação de juízos de valor desonrosos, antes imputa também à assistente a prática de factos concretos, abstratamente ofensivos da sua honra e consideração, segue-se que a hipótese de justificação da conduta poderia efetivamente resultar, pelo menos nesta parte, da aplicação do disposto nos números 2 a 4 do art. 180.º do CP, contanto que, bem entendido, a imputação vise a prossecução de interesses legítimos e o agente prove a verdade da mesma imputação ou, no caso, tenha tido fundamento sério para, em boa-fé, a reputar verdadeira, consabido que é que esta causa de justificação específica tem o seu campo de aplicação limitado às condutas típicas que se consubstanciam na imputação de factos[2].

Com efeito, para compreender o texto pretensamente lesivo, não pode desvincular-se do contexto em que é integrado e que cabalmente dá conhecer o seu sentido.

            Refere o despacho de arquivamento:

“As explicações dadas pelo arguido nas suas declarações impõe-nos, porem, o dever de confrontar as afirmações feitas na entrevista, objectivamente injuriosas, com as causas de exclusão da ilicitude e da pena que resultam, quer do artigo 31, quer da alínea d) do n2 2 do artigo 180, ambos do Código Penal.

Nos termos do n2 1, e n2 2 ai. b) do artigo 31 do Código Penal o facto não e punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade, designadamente quando o facto for praticado no exercício de um direito.

A entrevista publicada pressupõe o direito de expressão e pressupõe o direito de defesa pela reposição do bom nome.

O ... publicou uma noticia acompanhada da fotografia do arguido, Dr. BB, e a afirmação o Juiz do tribunal de ... vai ser julgado por ofensas corporais.

Diz a testemunha EE que pretendeu dar continuidade a noticia publicada pelo jornal “...” e ouvir os intervenientes, a Dr.ª CC que, segundo ele, prestou declarações para o ... e o Dr. BB por ser o visado.

A Dr.a CC nao manifestou interesse em ser entrevistada, o Dr. BB sim.

E de notar que, tendo em conta esta versão, a entrevista e feita seguindo ja o ponto de vista do direito de defesa.

O arguido nas suas declarações afirma, também, que a entrevista teve como pressuposto e justificação a intervenção que a Dra CC tivera na publicação da noticia pelo “...”.

Estando em confronto o direito ao bom nome e o direito de expressão e de defesa do bom nome impõe-se que os direitos de expressão e de defesa do bom nome sejam exercidos num quadro de necessidade, adequação e proporcionalidade relativamente ao direito ao bom nome prejudicado.

Impõe-se aqui, ainda antes de entrarmos na análise da exclusão da pena em virtude da convicção da verdade dos factos afirmados, apreciar as razoes que se apresentavam perante o arguido Dr. BB, então entrevistado, de que a Dr.a AA, na qualidade de advogada dos ofendidos CC e DD usou este patrocínio para conseguir proveito próprio no tocante a indemnização que pretendia do seu ex-marido FF e de que a Dra AA se interessou para alem do devido na condução da prova testemunhal no processo que era movido ao arguido (vejam-se os depoimentos das testemunhas GG e HH).

Repare-se na coincidência de relatos relativos a atitude que, tendo em conta a descrição das testemunhas, se apresenta como persecutória:

- “que ia ate ao fim do mundo e que tinha de arranjar testemunhas para tirar o Dr. BB de juiz e o FF de advogado” — testemunha II;

- “então do Dr. BB vai ter de ena rio rabo no mocho e pagar o que eu quero” —testemunha JJ.

Tendo em conta o relato da advogada que patrocinou o arguido, a Dra LL, os interesses manifestados pelos ofendidos quanto a indemnização, tendo em conta os parâmetros conversados, despesas e perdas de salário, não tinham qualquer relação quantitativa com o pedido apresentado pela Dr.a AA enquanto advogada desses mesmos ofendidos.

Repare-se, também, que os ofendidos não contrariam a versão da advogada Dra LL.

Dizem, como esta disse, apenas, que não foram concretizados valores

Alias no pedido de indemnização a Dra DD pede, como indemnização a quantia de 50.000,00 euros e, todavia, a quantia fixada pelo tribunal foi de 1.890,40 a favor da ofendida CC e de 3. 600,05 a favor do ofendido DD, ou seja, no total 5.490,45 euros.

Esta quantia não tem qualquer relação de proporção com o pedido formulado que, por es5e facto, tem de considerar-se desproporcionado relativamente pretensão de indemnização apresentada pela Dr.ª AA e a quantia conseguida é próxima dos 5,000 euros que o ofendido DD diz terem-lhe sido propostos a mando do arguido Dr. BB para desistir do procedimento criminal.

A reposição da verdade na defesa do direito ao bom nome, entendida tal como se apresentava para o arguido em função das informações que lhe chegavam, justificavam que na entrevista se referisse aos relatados factos.

Noutra óptica, já no plano da convicção da verdade dos factos afirmados que exclui a punição do facto ainda que criminoso, não temos muito a acrescentar ao que foi dito para acreditar que o arguido, Dr. BB tinha razoes para estar convencido de que eram verdadeiros os factos que afirmou relativos a intervenção da Dr.a AA.

Repare-se que com isto não pretendemos afirmar que efectivamente as afirmações feitas tem conteúdo verdadeiro. O que afirmamos e que, tendo em conta os relatos que, nos termos da prova feita neste processo, chegaram ao arguido ele tinha razões para os haver como verdadeiros.

Mesmo a semelhança de pedidos, formulados quanto ao ex-marido e quanto ao arguido, contribuía para essa convicção.

Do que fica dito forçoso e concluir que as afirmações feitas pelo Dr. BB na entrevista concedida ao jornal “...” tinham conteúdo injurioso, mas que foram feitas num quadro de justificada convicção da sua veracidade e de proporcional defesa do direito ao bom nome que excluem a ilicitude do facto e a pena da conduta que, em si, seria integrável na previsão do artigo 180 do Código Penal”

Na verdade, como dá conta o mesmo despacho de arquivamento:

“O conteúdo das afirmações referidas na participação foi o seguinte:

“Existe o processo a decorrer, nunca o neguei e lamento que existam provas manipuladas,tanto no processo disciplinar, como no processo-crime”;

“Tudo terá sido muito bem pensado. AA, advogada, com escritário em ..., rapidamente se ofereceu como voluntária para patrocinar a CC e DD e terá deixado bem claro: o juiz ou paga 50 mil euros aos meus clientes, ou senta-se no banco dos réus. Valor esse que a advogada em causa se acha credora do seu ex-companheiro e acha que,pressionando-me com este processo, lhe dava o dinheiro”.

“tudo se trata de um uso despudorado, desavergonhado de um processo de duas pessoas, que são os ofendidos, para interesses pessoais de uma advogada para vingança pessoal, (.. .) que a advogada, mesmo sabendo que nada disto tenha acontecido nos termos que colocou no processo, disse já, a mais de uma pessoa, que está a usar este assunto para se vingar do ex companheiro e dos seus amigos”.

“advogada viveu durante algum tempo com um nosso particular amigo e essa relação terminou de forma tempestuosa conflituosa, uma situação a que é alheio, mas lamenta que nessa “Guerra de Rosas” não “hesite em envolver os amigos do ex-companheiro”

Conclui a denunciante que o denunciado pretendeu “Fazer querer em todos aqueles que as lessem, que a Denunciante “manipulou provas” designadamente, “depoimentos” no âmbito daquele referida processo.”

“Mais declarando que tais “provas manipuladas’~ serviram para “uma vingança pessoal” da Denunciante.”

Nada podia ser mais falso, artificial, desleal, dissimulado, enganoso, errado, erróneo, falaz,falsificado, fictício, fingido, hipócrita, incorrecto, pérfido, simulado, traiçoeiro.”

Entende que o descrito comportamento do denunciado integra os crimes de difamação agravado previsto e punidos pelos artigos 180, nº 1 e 184 e 1) do nº 2, do artigo 132, todos do Código Penal e o crime de devassa da vida privada agravada previsto e punido pelos artigos 192, n2 1, ai. d) e 197, ai. b), do mesmo código.

Querendo demonstrar a falsidade dos factos que lhe são referidos a denunciante evidenciou que os ofendidos DD e CC prestaram declarações no processo de inquérito16O/1O.2gcvfr muito tempo antes de ser sua advogada.


*

Nas declarações que prestou a fis. 42 e sgs. o denunciado, Dr. BB,

reconheceu a autoria da entrevista concedida ao jornal “...” e das afirmações publicadas, as quais justifica da seguinte forma:

O ... publicou uma notícia, com fotografia do declarante e as parangonas “juiz presidente do tribunal de ... vai ser julgado por ofensas corporais” ou “por andar à pancada”, com base na cópia do despacho de pronúncia proferida no processo 160/10.2GCVFR que a denunciante, Dr.a AA, tinha ido apresentar o que justificava que, defendendo-se, concedesse a referida entrevista.

Quando afirmou ‘lamento que existam provas manipuladas, tanto no processo disciplinar como no processo crime”, tinha presente o conhecimento que lhe foi dado pelo seu compadre de nome MM, de que lhe tinha sido dito pela testemunha GG, que lhe tinham sido dadas indicações pela advogada para prestar declarações que não correspondiam à verdade.

Essa testemunha, de nome GG prestou em julgamento, declarações que efectivamente, não coincidiam com aquelas que tinha prestado em inquérito e o mesmo aconteceu no processo disciplinar de que o declarante foi alvo.

Foi-lhe transmitido pela sua advogada que os ofendidos aceitariam a hipótese de desistirem do procedimento criminal mediante uma indemnização que rondaria entre ao 600 e os 1000 euros.

A sua advogada ficou convencida de que eles estavam mais na disposição de aceitar a desistência mas, surpreendentemente, para si e para a sua advogada, o próximo contacto que a advogada teve sobre a situação, foi por parte da advogada, Dra. AA, que depois de uma conversa preliminar disse à sua advogada “o juiz ou paga 50 mil euros ou senta-se no banco dos réus” em tom exaltado e aos berros.

Tal quantia, 50 mil euros, pareceu-lhe desproporcional relativamente à ofensa que os ofendidos diziam ter sofrido e não tinha correspondência com a atitude e pretensões manifestadas pelos ofendidos nos contactos anteriores e na predisposição que manifestaram de aceitar o acordo e a desistência. Esta falta de correspondência, o declarante atribui-a à intervenção da Dra. AA.

A Dra. AA, em conversa tida com um advogado, Dr. NN, disse-lhe para abordar o declarante, no sentido de este abordar o seu ex-companheiro, Dr. FF, também advogado, sendo que, se este lhe desse a quantia de 50 mil euros, que a mesma entendia lhe ser devida, os ofendidos desistiriam do processo que tinham contra o declarante.

O conhecimento que teve dessa conversa foi anterior à entrevista dada ao “...”, e evidentemente que é o pressuposto, como o conhecimento do que disse a testemunha GG, das afirmações que fez perante o jornalista.

O co-arguido no Proc. 160/10, HH, afirmou perante o declarante que a Dra. AA o tinha chamado ao seu consultório e lhe tinha dito que, se assinasse uma declaração em que vira o ora declarante a agredir os ofendidos, e mantivesse essa afirmação em julgamento, lhe daria a desistência de queixa.

Na véspera da audição das testemunhas indicadas pelo declarante em sua defesa no referido Proc. 160, em diligências de instrução, segundo lhe disse o co-arguido HH, a Dra. AA contactou-o para que lhe dissesse onde moravam aquelas testemunhas que queria ir falar com elas.

O declarante viu na postura da Dra. AA, sem desconhecer o seu dever de patrocínio, uma atitude de exagero que lhe pareceu persecutória, numa atitude demasiado pessoalizada.

Disse ainda que lhe pareceu que a Ora. AA estendeu a animosidade que tinha relativamente ao anterior companheiro, ao declarante por ser também amigo daquele e que foi também por essa razão, que na entrevista afirmou que a separação entre os dois “terminou de forma tempestuosa e conflituosa”,

A conflituosidade da separação entre a Dra. AA e o Dr. FF é pública

Neste inquérito foram ouvidas as testemunhas indicadas pela denunciante e as testemunhas apresentadas pelo denunciado.

Foram indicadas pela denunciante as testemunhas OO, que foi ouvida a fls. 65, EE jornalista do jornal “...” que foi ouvido a fis. 66, CC, que foi ouvida a fls. 68 e DD, que foi ouvido a fls. 70.

Foram indicadas pelo denunciado as testemunhas, GG, ouvida a fls. 72, II, ouvido a fls.75, LL, advogada, ouvida a fls.77 e a fls. 101, FF, advogado, ouvido a fls. 79, NN, advogado, ouvido a fls. 87 e HH, ouvido a fls. 89.

A testemunha OO disse que indicou a Dra. AA à ofendida CC no processo que envolveu o Dr. BB, nada mais acrescentando de interesse.

A testemunha EE , confirmou a entrevista publicada na qual procurou traduzir com fidelidade aquilo que disse o Dr. BB transcritas entre aspas e disse que entendeu ouvir a Dra. AA porque ela tinha prestado declarações para a notícia do ....

A testemunha CC, disse que no intervalo de tempo que mediou entre a conversa que teve com a Dra. AA, a altura em que passou a procuração a seu favor e a altura em que esta consultou o processo, a declarante foi contactada pela advogada do Dr. BB que lhe propâs um acordo, mas que queriam que fosse a declarante e o seu companheiro DD a dizer quanto pretendiam para se considerarem ressarcidos dos prejuízos e ofensas tidos.

A declarante não indicou valor nenhum e nunca mais foi contactada pessoalmente pela referida advogada.

A testemunha DD disse que recebeu uma carta de uma advogada que patrocinava o Dr. BB solicitando que comparecesse no seu escritório e, tendo-se aí deslocado, a advogada propâs-lhe um acordo para desistir do procedimento criminal no processo em que o Dr. BB era arguido, mas não chegaram a falar em quantias de dinheiro.

Uns dias antes do julgamento, um senhor chamado ..., conhecido do Dr. BB, procurou o declarante e tendo-se, ambos, encontrado num café ele apresentou-lhe uma proposta, a mando do Dr. BB, para acordo, oferecendo-lhe a quantia de cinco mil euros.

O declarante disse-lhe que era pouco, tendo em conta os prejuízos sofridos.

A testemunha GG declarou que quando veio ao tribunal da ... para ser ouvida em inquérito disciplinar, há mais de um ano, foi abordada na sala de espera pela Dra. AA que lhe disse para não ter medo de dizer que o Dr. BB estava bêbado quando aconteceram as supostas agressões, que a declarante tinha presenciado e para dizer que o Dr. BB tinha agredido primeiro e não que tinha sido primeiramente agredido.

A declarante disse-lhe que isso não diria.

A testemunha II, declarou que junto à entrada do Tribunal da Feira ouviu a Dr.a AA dizer para um casal com quem conversava, estando o declarante a cerca de um metro deles, que ia nem que fosse até ao fim do mundo e que tinha de arranjar testemunhas para tirar o Dr. BB de juiz e o FF de advogado.

A testemunha LL, nas declarações prestadas a fls.77 disse estar limitada na sua liberdade de falar pelo sigilo profissional.

Tendo sido desvinculada do sigilo profissional pela Ordem dos Advogados esta testemunha prestou novas declarações a fls. 101.

Nestas declarações a Dr.a LL disse que, de facto, pretendendo dar seguimento à pretensão de acordo formulada pelo Dr. BB, chamou ao seu escritório os ofendidos CC e DD a quem expôs a vontade de acordo com vista à obtenção da desistência da queixa por eles apresentada, não tendo conhecimento que tinham advogado constituído.

Ambos expressaram o desejo de serem indemnizados tendo ele por referência o pagamento das despesas hospitalares e de uma semana de salário durante a qual teria estado impedido de trabalhar e tendo ela exigido que lhe fosse pago o vencimento que pagou a uma empregada que lhe fez o seu serviço de cabeleireira enquanto este impossibilitada por virtude dos ferimentos sofridos.

Porque a testemunha disse à CC que os ferimentos eram resultantes do acidente e deveriam ser indemnizados pela companhia seguradora do veículo interveniente, não tendo feito outras exigências de indemnização, a CC disse-lhe que, nesse caso, era melhor falar com a sua advogada que disse ser a Drª PP.

Ficou convencida da vontade de acordo por parte quer da CC, quer por parte do DD, faltaria apenas concretizar os valores das despesas hospitalares e a definição da indemnização pretendia pela CC face ao facto de as despesas que invocava deverem ser imputadas às consequências do acidente e não às ofensas corporais voluntárias imputadas ao Dr. BB.

Estranhando a falta de contacto por parte destes ofendidos a testemunha Dr.a LL contactou-os por telefone.

Só a CC atendeu e, na conversa que com ela manteve, esta esclareceu que a sua advogada era agora a Dr.a AA a quem se deveria dirigir.

Foi mais tarde contactada pela Dr.a AA que lhe disse “não penses que vai ficar por esses valores, o juiz ou paga 50 mil euros ou senta-se no banco dos réus.”

A testemunha FF, disse que num dos primeiros meses do ano de 2012, o Dr.NN, lhe transmitiu que a AA exigia como condição para desistir do procedimento criminal contra o declarante e contra o Dr. BB, que o declarante lhe desse a quantia de 50 mil euros e retirasse o nome dela do contrato de empréstimo assumido para construção da casa do declarante.

Concretamente, foi-lhe transmitido pelo Dr. NN que a Dra. AA afirmou que “se o meu ex me der 50 mil euros e tirar o meu nome do banco eu desisto de tudo o que tenho contra ele e desisto da queixa contra o Juiz”.

Que ficou convencido que, conhecendo a Dra. AA a relação de muita amizade que o declarante tem com o Dr. BB, quis pressionar o declarante a entregar-lhe aquela quantia de 50 mil euros, utilizando a dependência do Dr. BB relativamente à desistência no processo crime que lhe era movido.

A testemunha NN, disse que patrocinou o arguido HH no processo em que também era arguido o Dr. BB e que esse facto proporcionou uma conversa com a Dra. AA sobre a eventualidade de uma solução de consenso no processo crime e que a Dra. AA mostrou disponibilidade para a solução do consenso, todavia, com a condição do Dr. BB, sendo amigo do ex-companheiro, Dr. FF, exercer a sua influencia para que este a desonerasse do contrato de mútuo em que ambos intervinham como devedores.

Quando transmitiu à Dra. AA a posição do ex-companheiro, esta tornou-lhe por resposta “então o Dr. BB vai ter de sentar o rabo no mocho e pagar o que eu peço”.

Disse ainda que foi contactado pelo seu cliente HH, dando-lhe este conhecimento que fora contactado em sua casa pela Dra. AA, que lhe perguntara se conhecia as testemunhas que iam depor no dia seguinte e se sabia o que iam dizer.

O cliente do depoente disse, ainda, que a Dra. AA lhe pediu para ele contactar com as referidas testemunhas para entalar o arguido Dr. BB.

Foram estes factos que motivaram o requerimento que fez para a acta na diligência de inquirição de testemunhas realizada na instrução do processo 160/10.2gcvfr o qual juntou e consta de fls. 85 e 86.

A testemunha HH disse que foi contactado em sua casa pela Dra. AA, questionando-o sobre se conhecia as testemunhas que estavam a favor do juiz e iam ser ouvidas em Tribunal no dia seguinte”

Daí que, como bem salienta o Dig.mo Magistrado do Ministério Público neste Supremo,”tendo em conta a prova constante dos autos, resulta que as declarações do arguido, prestadas ao jornal “...”, onde imputou tais factos e juízos, à assistente, ocorreram na sequência de informações que lhe haviam sido transmitidas, no sentido de que esta teria procurado aproveitar-se pessoalmente da existência daquele processo-crime, onde intervinha na qualidade de mandatária dos ofendidos CC e DD (processo nº 160/10.2 GCVFR), para tentar tirar partido, em seu próprio benefício, numa situação, distinta, que diretamente lhe dizia respeito.” E de cuja veracidade, “com base naquelas informações que lhe foram transmitidas” “o arguido, de boa-fé, terá ficado seriamente convencido”tendo assim “ fundadas razões para estar convencido de que eram verdadeiros os factos que afirmou na entrevista, relativos à aqui assistente”

Atendendo ao “horizonte de contextualização” - na expressão de Faria Costa (v.Comentário Conimbricense do Código Penal, a propósito do artº 189º do CP) - da matéria de facto imputada, tendo em conta o seu contexto, não resulta desse contexto, que o arguido quisesse agir com propósito de rebaixamento da Exma Recorrente, no seu sentimento de auto-estima ou ferindo-a na sua dignidade pessoal e consideração social, pois que, na contextualização explicativa  depreende-se que o arguido agiu, e quis agir, no exercício do seu direito de defesa  na sua explicação dos factos,  nos termos das finalidades permitidas pelo artsº286º nº 1 e 287º nº 2 do CPP, ou seja no uso do seu direito à liberdade de expressão, na explicação das razões e dos motivos que do seu ponto de vista descredibilizam a indiciação constante da acusação.

Quer dizer, o conteúdo da entrevista concedida pelo arguido ao jornal Regional, não se destinou, a um ataque doloso à honra e consideração, pessoal e profissional, da Exma Assistente, mas, a apresentar, em discussão objectiva, as razões (subjectivas) explicativas, da convicção do arguido, na concretização do exercício do seu direito de defesa naqueles autos, com vista à ineficácia jurídico-criminal da materialidade factual constante da imputação feita, sendo que esse exercício do seu direito de defesa se circunscreve no âmbito do objecto do processo.

Não é a vontade de difamar a Exma Assistente que subjaz à dita entrevista mas apenas o propósito de explicitação dos motivos que na convicção do arguido, integram o seu direito de defesa de forma a retirar credibilidade à imputação.

Como salienta Paulo Pinto de Albuquerque no seu Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, p.. 487, nota 12: “O juízo de valor desonroso não é ilícito quando resulta do exercício da liberdade de expressão, da liberdade de imprensa e da liberdade de criação artística numa sociedade democrática e tolerante. A crítica pode ser legitimamente exercida no contexto da luta política (…) no exercício do dever funcional de sindicar ou informar que impende sobre quem exerce a autoridade pública ou afim, ou visa decisões judiciais e promoções do Ministério Público”

A defesa apresentada na entrevista não contende, por outro lado, com a esfera da intimidade da vida privada e familiar da Exma queixosa.

O arguido apresenta a defesa explicitando um contexto inserido na prossecução de interesses legítimos com fundamento na seriedade da convicção de tal contexto defensivo como verdadeiro, que não de forma dolosa para rebaixar, enxovalhar, ou de alguma forma dolosamente denegrir a honra e consideração, quer pessoal, quer profissional, da Assistente.

Inexistem, assim, indícios suficientes de que o arguido com a sua actuação, ao produzir as afirmações, apresentadas através de entrevista jornalística, umas factuais, outras conclusivas (juízos), sub judicio, soubesse que não correspondiam à verdade, e que actuasse de forma livre e esclarecida com o propósito deliberado de atingir a honra e consideração a Exma Advogada requerente.


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A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. – artº 286º nº 1 do CPP.

O debate instrutório visa permitir uma discussão perante o juiz por forma oral e contraditória, sobre se, do decurso do inquérito e da instrução, resultam indícios de facto e elementos de direito suficientes para justificar a submissão do arguido a julgamento.- artº 298º do CPP

De harmonia com o artº 308º nº 1 do CPP, se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança. o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos. Caso contrário, profere despacho de não pronúncia.

Por todo o exposto inexistem indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, e, por isso, é de manter o despacho impugnado de não pronúncia, embora com fundamento diverso do explanado pela decisão instrutória.

O recurso não merece, por isso, provimento.


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Termos em que decidindo:

Acordam os deste Supremo - 3ª Secção – em negar provimento ao recurso e confirmam a decisão instrutória de não pronúncia

Tributam a Recorrente em 4 UCs de taxa de Justiça

Supremo Tribunal de Justiça, 18 de Maio de 2016

Elaborado e revisto pelo relator

Pires da Graça (Relator)

Raul Borges

                                  

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[1] - Disponível em www.dgsi.pt.
[2] - Costa Andrade, In “Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal – Uma perspectiva jurídico-criminal”, Coimbra Editora, 1996, pág. 274.