Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA CLARA SOTTOMAYOR | ||
Descritores: | EXCEPÇÃO DE CASO JULGADO CASO JULGADO MATERIAL IDENTIDADE DE SUJEITOS | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 02/24/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / EXCEPÇÕES DILATÓRIAS ( EXCEÇÕES DILATÓRIAS ) / CASO JULGADO / SENTENÇA (EFEITOS DA SENTENÇA). | ||
Doutrina: | - Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil” Anotado, 3.ª edição, 1981, p. 101. - Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1985, p. 712 e 714. - Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil” Anotado, vol. I, 2.ª edição, Coimbra Editora, p. 577. - Rosenberg/Schwab/Gottwald, Zivilprozess-recht, 15. Auflage, München, 1983, p. 532. - Schwab, Der Streitgegenstand, p. 148, apud Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, 1968, pp. 161-162. - Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2.ª edição, Lex, Lisboa, 1997, pp. 578-579; “O objecto da sentença e o caso julgado material (O estudo sobre a funcionalidade processual)”, BMJ,1983, Abril, n.º 325, pp. 105, 106. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 576.º, N.º2, 581.º, 619.º. | ||
Jurisprudência Internacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 24-04-1996, PROCESSO N.º 96B120; -DE 10-07-1997, IN CJ/STJ – 2.º/165; -DE 27-04-2004, PROC. N.º 04A1060, EM WWW.DGSI.PT; -DE 20-05-2004, PROC. N.º 04B281, EM WWW.DGSI.PT ; -DE 13-01-2005, PROC. 04B4365, EM WWW.DGSI.PT ; -DE 05-07-2005, PROC. 05A008, EM WWW.DGSI.PT ; -DE 2-11-2006, PROCESSO N.º 06B3027; -DE 08-03-2007, IN CJ/STJ – 1-º/98; -DE 15-01-2013, PROCESSO N.º 816/09.2TBAGD.C1.S1; -DE 17-6-2014, PROCESSO N.º 233/2000.C2.S1. | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I - A excepção de caso julgado constitui uma excepção dilatória, que se traduz num pressuposto processual negativo cuja função consiste em impedir o prosseguimento do processo com o objectivo de evitar que o tribunal se veja na contingência de proferir decisão de mérito que contrarie ou repita uma outra, anterior e definitiva. II - O caso julgado material tem força obrigatória dentro do processo e fora dele e, por isso, não pode ser alterado em qualquer acção nova que porventura se proponha sobre o mesmo objecto, entre as mesmas partes e com fundamento na mesma causa de pedir. III – Para averiguar o preenchimento do requisito da identidade de sujeitos, deve atender-se, não a critérios formais ou nominais, mas a um ponto de vista substancial, ou seja, ao interesse jurídico que a parte concretamente actuou e actua no processo. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I - Relatório AA, pessoa colectiva, com sede na Rua ..., nº …, freguesia de …, Ponta Delgada, instaurou acção declarativa com processo ordinário, contra: 1.º - BB, com sede na estrada de ..., nº ..., …, freguesia e concelho de Fátima; 2.º- CC, com a mesma sede; 3.º - DD, residente em ..., nº …, ..., ..., Sintra; e 4.º - EE, residente na Rua ..., nº …, Horta. Pedidos: Serem os RR condenados a: a) Reconhecer o direito de propriedade do Autor sobre o prédio urbano sito na Rua …, nºs … e …, da freguesia da …, Coimbra, consistente em edifício para habitação de … e …º e …º andares e logradouro, com a área total de 335 m2, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o nº … daquela freguesia, e inscrito na matriz respectiva sob o art.º …; b) Restituir de imediato o dito prédio ao A., livre e devoluto; c) Pagar ao A. a sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na entrega do identificado prédio a contar da respectiva citação e até sua efectiva entrega, nos termos do disposto no art. 829º-A do CPC (sic). Como fundamento, alegou que o prédio em causa está inscrito a seu favor na 1ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra, pela Ap. 19 de 1994/05/20, encontrando-se o mesmo ocupado sem título nem legitimidade pelos RR os quais, apesar de várias vezes para tal instados, recusam-se a proceder à sua entrega ao Autor. Citados, os RR contestaram, por excepção e impugnação, e deduziram pedido reconvencional. Excepcionaram a litispendência, por se encontrar pendente uma outra acção, com o nº 2153/06.5TBCBR, instaurada pela Ré BB contra o ora Autor, em que se discute a propriedade do prédio reivindicado; quanto ao mais, alegaram no essencial que a BB está na posse do prédio em causa desde finais da década de 70 do século XX, ininterruptamente, sem oposição de quem quer que seja, de forma pública, na convicção de que exerce um direito próprio, pelo que adquiriu a respectiva propriedade por usucapião. Em reconvenção, pede a condenação do Autor a reconhecer o direito de propriedade da Ré BB, e abster-se de qualquer acto de turbação da posse, ordenando-se igualmente o cancelamento de todas as inscrições a favor do Autor. Na réplica, o Autor rebateu a matéria da excepção e reconvenção, terminando como na petição inicial. Findos os articulados, foi proferido douto saneador-sentença que julgou verificadas as excepções de caso julgado, “reciprocamente a cada uma das pretensões deduzidas pelas partes – por força do decidido na acção ordinária nº 2153/06.5TBCBR, da 2ª secção da Vara Mista de Coimbra”, tendo em consequência absolvido os RR da instância principal e o Autor da instância reconvencional. Inconformado, apelou o Autor, para o Tribunal da Relação de Coimbra, que proferiu a seguinte decisão: «Em face do exposto, julga-se o recurso procedente e, em consequência, condenam-se os RR a reconhecer o direito de propriedade do A. sobre o prédio urbano composto de edifício para habitação de …, …º e …º andares e logradouro, sito em Coimbra, …, na Rua …, nºs … e … e logradouro, inscrito na matriz sob art. …. e descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o nº …., e a restituírem de imediato o dito prédio ao Autor, livre e devoluto. Custas pelos Recorridos.»
Inconformada, interpõe a Ré CC recurso de revista neste Supremo Tribunal, em que formulou as seguintes conclusões:
a) Os demandados não têm posição jurídica autónoma em relativamente à BB – agindo a Fundação como sub-rogada e o DD e a EE como legais representantes daquelas – pelo que há identidade de partes entre as duas acções, verificando-se, por isso, a excepção de caso julgado e não mera autoridade de caso julgado; b) No Processo 2153/06.5TBCBR já foi condenada a BB a entregar o prédio ao AA, decisão que foi executada; c) Pelo que, seja por força da procedência da excepção de caso julgado, ou por inutilidade superveniente da lide – uma vez obtido naquela acção o resultado pedido nesta – sempre os RR, ora recorrentes, teriam que ser absolvidos da instância; d) A não ser assim, a reivindicação assenta em dois requisitos – a titularidade do direito de propriedade e a ocupação do prédio pelos demandados – fundamentando-se a decisão ora impugnada apenas na verificação do primeiro; e) Sem cuidar de verificar se há ocupação – quer esta assente em mera detenção ou noutro direito – pelos demandados, pelo que, f) Tal decisão é nula, nos termos dos arts 666.º e 615.º, n.º 1 do CPC, devendo, a não se julgar a instância supervenientemente inútil, ser declarado nulo ou anulado o douto acórdão recorrido, Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!»
O recorrido AA apresentou contra-alegações, em que pugna pela manutenção do decidido. Sabido que o objecto dos recursos se delimita pelas conclusões das alegações (art. 635.º n.º 3 do NCPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 608.º NCPC in fine), são as seguintes as questões a decidir: 1) - Absolvição da instância por excepção do caso julgado ou inutilidade superveniente da lide; 2) - Nulidade do acórdão recorrido por violação dos arts. 666.º e 615.º, n.º 1 do CPC.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – Fundamentação de facto O Tribunal da Relação considerou como relevantes para a decisão do recurso os seguintes elementos: 1. Correu termos na 2ª secção das Varas de Competência Mista de Coimbra, a acção ordinária nº2153/06.5TBCBR, intentada por BB, contra o AA, em que com fundamento na usucapião, pedia a condenação do Réu a reconhecer a Autora como “proprietária do prédio urbano, composto de edifício para habitação de …, …º e ..º andares, e logradouro, sito em Coimbra, .., na Rua …, nºs … e … (…), inscrito na matriz sob o art. 2474 e descrita na C.R.P. de Coimbra sob o nº ….”; Por sentença de 15.07.2008 do Sr. Juiz daquele tribunal foi a acção julgada totalmente procedente, sendo “o Réu condenado a reconhecer a Autora – BB – como dona desse prédio”; determinou-se ainda o cancelamento da inscrição do registo de propriedade do imóvel a favor do Réu. A mesma sentença julgou improcedente a reconvenção, na qual o Réu AA pedia a condenação da Autora, BB, a reconhecer ser ele o proprietário do prédio em causa. 2. Depois de proferida a sentença no número anterior, compareceu na Secretaria da Vara Mista de Coimbra, o Dr. FF, o qual, arrogando-se legal representante da Autora BB, declarou: - revogar a mandato judicial constituído no processo pela Autora; - desistir do pedido formulado na acção; confessar o pedido formulado pelo Réu em reconvenção. 3. Por decisão do Sr. Juiz da Vara Cível de Coimbra, foi julgada válida a revogação do mandato e determinado que os autos aguardem por 30 dias a constituição pela autora na acção nº 2153/06 novo mandatário. 4. Por despacho de 24.03.2010, transitado em julgado no dia 15.04.2010, decidiu-se o seguinte: “Tendo transitado em julgado a decisão de fls. 671 a 679, cessam todas as notificações ao Sr. Dr. GG, uma vez que a A. é patrocinada nos autos exclusivamente pelo Sr. Dr. HH. Examinado o termo de fls. 598, atento a natureza disponível do direito e a qualidade de subscritor, julgo válida a desistência do pedido efectuado nos autos pela A. BB e confessado por esta o pedido reconvencional deduzido por AA e, consequentemente: Reconheço o AA como o legítimo proprietário do prédio urbano sito em Coimbra, …, na Rua …, nºs … e …, inscrito na matriz sob o art. …; Condeno a Reconvinda BB a entregá-lo imediatamente ao AA, livre e devoluto de pessoas e bens. Custas da acção e da reconvenção a cargo da Autora.”
III – Fundamentação de direito
1. O tribunal de instância, no despacho saneador-sentença, de 3 de Outubro de 2013, absolveu os réus da instância principal e o autor da instância reconvencional deduzida, julgando verificada a excepção de caso julgado material, entendendo que se verifica entre a presente acção e a acção n.º 2153/06 a tríplice identidade exigida pela lei como requisito do caso julgado: identidade de sujeitos, do pedido e da causa de pedir.
O acórdão recorrido revogou a sentença e condenou os réus a reconhecer o direito de propriedade do AA sobre o prédio urbano em litígio e a proceder à restituição imediata do imóvel ao autor, livre e devoluto, entendendo não verificada a excepção do caso julgado, pois alguns dos réus na presente acção – CC, DD e EE – não foram condenados na acção n.º 2153/06, que apenas condenou a BB.
Vejamos os factos:
- A propriedade do prédio em litígio foi já discutida no processo n.º 2153/06.5TBCBR, em que a BB, agora ré, pedia o reconhecimento da posse e propriedade do referido prédio, invocando a aquisição por usucapião e pedindo o cancelamento da inscrição no registo predial a favor do AA, agora autor. Nesta acção, o AA deduziu pedido reconvencional em que pede o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre esse mesmo prédio e a condenação da ré, BB, na sua restituição.
- Por sentença de 15 de Julho de 2008 (fls. 39 a 48), foi julgada procedente tal acção e improcedente a reconvenção deduzida pelo réu, agora autor, declarando-se a BB, como proprietária do prédio urbano, sito em Coimbra, …., na Rua …, n.ºs … e ….
- Após proferida a aludida sentença, compareceu na secretaria do tribunal FF, que, arrogando-se a qualidade de representante legal da autora BB e apresentando documentos alegadamente comprovativos dessa qualidade, emitiu declarações colhidas em termo no processo, mediante as quais revogou o mandato judicial conferido ao mandatário constituído no processo – Dr. GG - desistiu do pedido formulado pela autora e confessou o pedido reconvencional formulado pelo réu na acção. Determinado o cumprimento do disposto no art. 39.º, n.º 1 do CPC, aquele causídico, continuando a assumir-se como mandatário da autora, veio pronunciar-se no sentido da nulidade ou inexistência do termo de desistência do pedido, da confissão do pedido reconvencional e da revogação do mandato, alegando, em síntese, que os instrumentos de representação são inválidos porque outorgados por quem não tem competência nem legitimidade para o efeito, já que a BB é uma associação privada de fiéis, sendo representada pela sua Superiora, não podendo o Bispo da Diocese substituir-se à vontade da Associação e, menos ainda, adoptar medidas de tutela substitutiva relativamente à administração e disposição dos seus bens. Juntou cópia dos estatutos e nova procuração, datada de 30 de Julho de 2008, emitida pela BB, representada pela Madre Superiora, EE.
- Neste processo n.º 2153/06.5TBCBR, foi proferido despacho de 29 de Outubro de 2008 (fls. 183 a 190), julgando inteiramente válido o decreto do Prelado Diocesano D. II, Bispo de …, mediante o qual conferiu poderes ao Dr. FF para revogar a procuração conferida pela BB ao Sr. Dr. GG (fls. 200-201).
- Inconformada com esta decisão, a BB, representada por aquela Superiora, EE, interpôs agravo, defendendo a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que declare a BB uma associação privada de fiéis, tendo como única representante a sua Superiora, a qual administra e dispõe livremente dos seus bens, sem intervenção da autoridade eclesiástica, sendo, em consequência, ineficazes, por falta de representação, os actos de revogação do mandato e desistência do pedido e confissão da reconvenção praticados nos autos pelo Dr. FF.
- O Tribunal da Relação negou provimento ao agravo e confirmou o despacho recorrido, em acórdão proferido em 29 de Setembro de 2009 (fls. 193 a 199).
- No processo n.º 2153/06.5TBCBR, em 24 de Março de 2010, foi proferida sentença homologatória de desistência do pedido e confissão do pedido reconvencional, transitada em julgado em 15 de Abril de 2010 (fls 370-371).
- Na acção n.º 2153/06.5TBCB, a sentença homologatória referida reconheceu que o AA é o legítimo proprietário do prédio urbano sito em Coimbra, freguesia da …, na Rua …, n.ºs …. e …, inscrito na matriz sob o n.º …, e condenou a BB a entregar esse prédio imediatamente ao AA, livre e devoluto de pessoas e bens (fls. 370-371).
- Por apenso ao referido processo n.º 2153/06.5TBCBR, com data de 22 de Março de 2011, a CC e a BB, demandaram o AA, a Diocese de … e FF, em acção de anulação da desistência da acção e confissão da reconvenção, e respectiva decisão homologatória, nos autos em referência, na forma ordinária, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do art. 301.º do CPC.
2. Para além da presente acção e do processo n.º 2153/06, que têm por objecto litígio em torno do direito de propriedade do mesmo prédio urbano, foram intentadas pelo AA contra a BB outras acções de reivindicação e providências cautelares em relação a outros bens, como decorre dos articulados destas duas acções, o que aumenta o risco de decisões contraditórias entre si quanto à natureza pública ou privada da associação de fiéis BB e quanto à questão da legitimidade para a representação da associação.
No processo n.º 332/09.2TBPDL.L1.S1, em que estava em causa providência cautelar, intentada pelo AA contra DD e EE a propósito de outro imóvel ocupado pela BB, este Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 22 de Fevereiro de 2011 (fls. 445 a 474) pronunciou-se a favor da natureza privada da associação de fiéis BB e da legitimidade de EE para actuar como sua representante, declarando a invalidade do acto de confissão judicial feito à revelia dos órgãos da associação privada BB.
Conforme se relata na sentença de 1.ª Instância, na providência cautelar n.º 590/09.2TBPDL, referenciada na petição inicial dos presentes autos, que deu origem à apelação n.º 1366/09.2TBPDL, o AA demandou a Superiora EE e DD, para que se abstivessem da prática de actos de registo, de administração ou oneração, ou execução de obras, em relação a vários bens, entre os quais o prédio agora em litígio nestes autos. Na apelação, veio a ser declarada extinta por inutilidade superveniente da lide a medida decretada quanto ao prédio urbano sito na Rua …, agora em litígio, e ordenado levantamento da medida decretada quanto ao referido bem. O Tribunal da Relação de Lisboa justifica tal decisão pelo facto de o prédio não ter sido incluído na pretensão da acção principal (a acção ordinária 1366/09.2TBPDL).
Entende a Recorrente que a decisão de homologação da desistência do pedido e da confissão do pedido reconvencional, proferida no processo 2153/06, transitada em julgado, já reconheceu que o AA é o proprietário do imóvel e condenou a BB a proceder à respectiva entrega do bem, pelo que os réus devem na presente acção ser absolvidos da instância, por força da procedência da excepção de caso julgado ou por inutilidade superveniente da lide.
A excepção de caso julgado constitui uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso, que se traduz num pressuposto processual negativo cuja função consiste em impedir o prosseguimento do processo com o objectivo de evitar que o tribunal se veja na contingência de proferir decisão de mérito que contrarie ou repita uma outra, anterior e definitiva.
O trânsito em julgado imprime à decisão carácter definitivo; uma vez transitada em julgado, a decisão não pode ser alterada. Ao caso julgado está, assim, inerente a ideia de imutabilidade ou de estabilidade. O fim do caso julgado é o de evitar a reprodução ou contradição de uma dada decisão transitada em julgado.
A excepção do caso julgado traduz-se em «a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação, todos tendo de acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão e de modo absoluto, com vista não só à realização do direito objectivo ou à actuação dos direitos subjectivos privados correspondentes, mas também à paz social» (cf. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, pp. 305-306).
O caso julgado, a verificar-se, obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e conduz à absolvição da instância (art. 576.º, n.º 2 do CPC).
Diz-se material o caso julgado, nos termos do art. 619.º do CPC, se a decisão recai sobre o mérito da causa, e, portanto, sobre a relação jurídica substancial.
O caso julgado material tem força obrigatória dentro do processo e fora dele e por isso não pode ser alterado em qualquer acção nova que porventura se proponha sobre o mesmo objecto, entre as mesmas partes e com fundamento na mesma causa de pedir. A estabilidade ultrapassa as fronteiras do processo e portanto, além da preclusão operada no processo, produz-se a impossibilidade de a decisão ser alterada mesmo noutro processo, com a excepção da possibilidade da sua revogação ou modificação por meio dos recursos extraordinários de revisão (art. 696.º do CPC) para os casos em que o caso julgado se formou em circunstâncias patológicas ou anormais.
Para que o caso julgado se imponha fora do processo, vinculando o juiz e as partes, é indispensável que concorram os requisitos do art. 581.º do CPC, isto é, que entre a acção em que se formou o caso julgado e a acção em que se pretende fazer projectar a sua eficácia se verifiquem as três identidades previstas no artigo citado: sujeitos, pedido e causa de pedir.
O art. 581.º do CPC define cada um dos requisitos do caso julgado da seguinte forma: «1 - Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. 2 - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. 3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. 4 - Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido».
2.1 - Identidade de sujeitos
A lei coloca este requisito no plano da qualidade jurídica ou da identidade do interesse jurídico, não relevando aqui a identidade física ou nominal, mas o interesse jurídico que a parte actuou no processo. Segundo o n.º 2 do art. 581.º do CPC, «há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica». Tem entendido a jurisprudência que «as partes são as mesmas sob o aspecto jurídico desde que sejam portadoras do mesmo interesse substancial», não sendo exigível uma correspondência física dos sujeitos nas duas acções e sendo indiferente a posição que os sujeitos assumam em ambos os processos. Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, 3.ª edição, 1981, pp. 101) entendia, a propósito do significado da expressão “sob o ponto de vista da qualidade jurídica”, que “As partes são as mesmas sob o aspecto jurídico desde que sejam portadoras do mesmo interesse substancial. O que conta, pois, para o efeito da identidade jurídica, é a posição das partes quanto à relação jurídica substancial (…)”.
Ora, o interesse jurídico feito valer pela autora BB, na primeira acção (n.º 2153/06.5TBCBR), é exactamente o mesmo interesse jurídico feito valer, na presente acção, em reconvenção pela BB e restantes réus, CC, e representantes legais de ambas as pessoas colectivas.
Neste sentido, os agora réus, na presente acção de reivindicação, são titulares de interesses conexos ou dependentes daqueles que o caso julgado definiu, estando sujeitos à eficácia do caso julgado proferido no processo n.º 2153/06, no qual foram homologadas a desistência da acção e a confissão do pedido reconvencional, reconhecendo-se a titularidade do direito de propriedade do AA e condenando-se a Ré BB à restituição do imóvel, por decisão de 24 de Março de 2010, transitada em julgado em 15 de Abril de 2010 (fls. 370-371).
A aparente multiplicidade de partes na presente acção – a BB, a CC e respectivos representantes legais, EE e DD – não se traduz em sujeitos distintos: a ré Fundação encontra-se sub-rogada nos direitos da BB, sua instituidora (escritura de constituição da Fundação, a fls. 299-399; reconhecimento como pessoa colectiva de utilidade pública pela Direcção-Geral da Segurança Social, conforme declaração a fls. 524); a ré EE é a Madre Superiora e legal representante da ré BB (documento da autoria do Bispo da Diocese de …, a fls. 281), não alegando qualquer direito ou posse autónoma da posse daquela; o Réu DD é o representante da Fundação (fls. 331 a 334), não alegando qualquer direito ou posse em seu nome, mas apenas na qualidade de representante da Fundação, esta por sua vez, como sub-rogatária da BB. Em 19 de Outubro de 2005, no Cartório Notarial de Ourém, nas qualidades de que se arrogou de Superiora Geral da BB, EE outorgou procuração notarial a favor de DD, em que lhe conferiu poderes para a constituição de uma Fundação de natureza social, com fins meramente civis, bem como poderes para administrar e alienar bens. No uso dessa procuração, DD, em representação da BB, outorgou em 22 de Junho de 2006, no Cartório Notarial da Notária JJ, uma escritura pública em que instituiu uma fundação de solidariedade social que denominou CC, à qual afectou a quase totalidade do património da BB (fls. 299 a 309). Nos termos de tal escritura, a fls. 301, «(…) a Fundação fica sub-rogada na titularidade de todas as relações jurídicas e patrimoniais daquela, incluindo todos os direitos que, como pessoa moral ou colectiva, ou por inerência, herança ou disposição dos seus membros, lhe pertençam ou venham a pertencer, por qualquer via ou título, designadamente imóveis ainda não registados a favor da congregação instituidora».
No primeiro processo (n.º 2153/06), a BB ocupa a posição de autora e o AA, a posição de réu.
Na presente acção, as posições inverteram-se, mas a questão discutida é a mesma, tal como os pedidos de cada uma das partes: a propriedade do prédio sito na Rua …, n.º … e n.º …, Freguesia da …, Coimbra, fazendo o AA derivar o direito de propriedade de inscrição registal a seu favor, e a BB, fundamentando a aquisição da propriedade do prédio na usucapião.
De um ponto de vista substancial, estas novas partes – a Fundação e os representantes legais da BB e da Fundação (EE e DD) – inserem-se no mesmo interesse que já obteve solução no processo anterior intentado pela BB contra o AA, não representando estes novos réus um interesse autónomo em relação à BB.
Em consequência, seria um formalismo ou artifício inaceitável e contrário à segurança jurídica não considerar preenchido o requisito da identidade das partes e admitir que fosse discutida novamente, nesta acção, a titularidade do direito de propriedade com base nos mesmos factos.
Este Supremo Tribunal tem assumido uma posição de flexibilidade na interpretação dos requisitos legais do caso julgado, pronunciando-se no sentido da verificação da excepção de caso julgado material, mesmo nos casos em que estes requisitos não estejam formalmente verificados.
Veja-se o acórdão de 15-01-2013, processo n.º 816/09.2TBAGD.C1.S1, relatado pelo Conselheiro Fernandes do Vale:
«O alcance e a autoridade do caso julgado não se podem confinar aos rígidos contornos definidos nos arts. 497.º e segs. do CPC para a excepção do caso julgado, antes se devendo tornar extensivos a situações em que, não obstante a ausência formal da identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, o fundamento e razão de ser daquela figura jurídica estejam, notoriamente, presentes»
No mesmo sentido, se orientou o acórdão deste Supremo Tribunal, de 24-04-1996, processo n.º 96B120, relatado pelo Conselheiro Costa Marques:
«I - A identidade jurídica dos sujeitos da relação jurídica, não tem, necessariamente, que coincidir com a identidade física, pois o que interessa é que estes actuem como titulares da mesma relação substancial, isto no que toca à litispendência e caso julgado. II - Ora, nas duas acções em causa, é a mesma relação material controvertida, sendo a mesma causa de pedir e o mesmo pedido, e há identidade de sujeitos, pois o Conselho Directivo da Comunidade dos Compartes dos Baldios …, actuando em nome próprio nessa relação controvertida nesta acção a mesma posição que nessa mesma relação da acção anterior é ocupada pela Junta de Freguesia …, actuando também em nome próprio, não interessando que esta Junta seja ou não parte legítima, pois a identificação dos sujeitos não tem qualquer relação com o problema da legitimidade».
E, ainda, entre outros, o acórdão deste Supremo tribunal de 2 de Novembro de 2006 (processo n.º 06B3027), relatado pelo Conselheiro Pereira da Silva, em cujo sumário se exarou o seguinte:
«I - O que conta para a avaliação da existência, ou não, do requisito relativo à identidade de sujeitos é a posição das partes quanto à relação jurídica substancial, o serem portadoras do mesmo interesse substancial; tal identidade não fica comprometida ou destruída pelo facto de ocuparem as partes posições opostas em cada um dos processos, acontecer diversidade de forma de processo empregada nas duas acções ou serem de natureza díspar - uma declarativa, outra executiva - as acções em causa. II - Para haver identidade de pedido, como pressuposto da litispendência, tem que ser o mesmo o direito subjectivo cujo reconhecimento ou protecção se pede, independentemente da sua expressão quantitativa, não sendo, consequentemente, necessária, à luz do prescrito no art. 498.º, n.ºs 1 e 3, do CPC, rigorosa identidade formal entre os pedidos, antes se mostrando suficiente que seja coincidente o objectivo fundamental de que dependa o êxito de cada uma das acções».
A agora Relatora defendeu a mesma posição no acórdão de 17 de Junho de 2014 (processo n.º 233/2000.C2.S1), no qual se sumariou o seguinte:
«III - O caso julgado material tem força obrigatória dentro do processo e fora dele e, por isso, não pode ser alterado em qualquer acção nova que porventura se proponha sobre o mesmo objecto, entre as mesmas partes e com fundamento na mesma causa de pedir. IV - Para averiguar o preenchimento do requisito da identidade de sujeitos, deve atender-se, não a critérios formais ou nominais, mas a um ponto de vista substancial, ou seja, ao interesse jurídico que a parte concretamente actuou e actua no processo. V - A aplicação da excepção dilatória de caso julgado material não constitui um obstáculo arbitrário ou desproporcionado ao direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva, justificando-se numa necessidade de segurança jurídica para a comunidade e na coerência das decisões judiciais, valores que contribuem para promover a paz jurídica e social e o respeito dos cidadãos pelos tribunais.»
Podemos, portanto, considerar que, entre a acção n.º 2153/06 intentada pela BB contra o AA e a presente acção interposta pelo AA contra a BB, a CC e respectivos representantes, se verifica identidade de sujeitos para o efeito de aplicabilidade da excepção peremptória de caso julgado material, pois todos os réus da presente acção são portadores do mesmo interesse substancial da autora da primeira acção.
2.2. - Identidade do pedido e da causa de pedir
O pedido consiste no efeito jurídico pretendido pelo autor (ou pelo réu através da reconvenção), por exemplo, o reconhecimento do direito de propriedade. A identidade dos pedidos é perspectivada em função da posição das partes quanto à relação material. Existe identidade de pedidos sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objecto do direito reclamado, sem que seja de exigir uma adequação integral das pretensões.
A identidade da causa de pedir verifica-se quando as pretensões formuladas em ambas as acções emergem de facto jurídico genético do direito reclamado comum a ambas.
Nas acções reais, a causa de pedir é o facto jurídico de que emerge o direito real a tutelar, por exemplo, o contrato de compra e venda ou a usucapião. Mas a causa de pedir não consiste na categoria legal invocada ou no facto jurídico abstracto configurado pela lei, mas, antes, nos concretos facto da vida a que se virá a reconhecer, ou não, a força jurídica bastante e adequada para desencadear os efeitos pretendidos pelo autor.
Mas não é somente sobre a pretensão do autor que se forma o caso julgado. A lei também pretende que a solução dada à pretensão do autor, em função da causa de pedir em que tal pretensão se alicerça, seja respeitada pela força do caso julgado.
Na jurisprudência deste Supremo Tribunal, entende-se que não é apenas a conclusão ou dispositivo da sentença que tem força de caso julgado, aceitando-se como mais equilibrado um critério ecléctico, que, sem tornar extensiva a eficácia do caso julgado a todos os motivos objectivos da sentença, reconhece, todavia, essa autoridade à decisão daquelas questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado, em homenagem à economia processual, ao prestígio das instituições judiciárias quanto à coerência das decisões que proferem e, finalmente, à estabilidade e certeza das relações jurídicas (os acórdãos deste Supremo, de 10.07.97 – CJ/STJ – 2.º/165; de 27.04.04 – Proc. 04A1060.dgsi.Net; de 20.05.04 – Proc. 04B281.dgsi.Net; de 13.01.05 – Proc. 04B4365.dgsi.Net; de 05.07.05 – Proc. 05ª008.dgsi.Net; e de 08.03.07 – CJ/STJ – 1-º/98).
No mesmo sentido, Teixeira de Sousa (Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2.ª edição, Lex, Lisboa, 1997, pp. 578-579) afirma que «Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressuposto daquela decisão».
O art. 581.º do CPC coloca os dois requisitos da identidade objectiva – pedido e causa de pedir – precisamente no mesmo plano, sem qualquer diferença de projecção e alcance. Factos e pedido são portanto sempre partes do objecto do processo de igual valor e importância. É esta a ideia central defendida pela doutrina e pela jurisprudência alemãs, e aceite por Castro Mendes, segundo a qual «o caso julgado é o raciocínio como um todo e não cada um dos seus elementos» (Cf. Schwab, Der Streitgegenstand, p. 148, apud Castro Mendes, Limites objectivos do caso julgado em processo civil, Edições Ática, 1968, pp. 161-162 e Rosenberg/Schwab/Gottwald, Zivilprozess-recht, 15. Auflage, München, 1983, p. 532).
O objecto do processo é necessariamente dual, pois sem causa de pedir não há individualização da pretensão processual e sem pedido não existe requisição de tutela jurisdicional para a pretensão processual individualizada (cf. Teixeira de Sousa, O objecto da sentença e o caso julgado material (O estudo sobre a funcionalidade processual), BMJ,1983, Abril, n.º 325, p. 105).
«Entre a causa de pedir e a pretensão processual existe um nexo de individualização caracterizado pela reciprocidade: a causa de pedir individualiza a pretensão delimitada e a pretensão delimitada individualiza a causa de pedir. Esta reciprocidade permite determinar a causa de pedir em razão da pretensão processual individualizada e a pretensão processual individualizada em razão da causa de pedir, estabelecendo-se entre ambas uma relação de implicação mútua» (cf. Teixeira de Sousa, O objecto da sentença…ob. cit., p. 106).
Conforme afirma Antunes Varela (Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1985, p. 712 e 714), «É a resposta dada na sentença à pretensão do autor, delimitada em função da causa de pedir, que a lei pretende seja respeitada através da força e autoridade do caso julgado» e «a eficácia do caso julgado, como se depreende do art. 498.º, apenas cobre a decisão contida na parte final da sentença (art. 659.º, n.º 2, in fine, ou seja, a resposta injuntiva do tribunal à pretensão do autor ou do réu, concretizada no pedido ou na reconvenção e limitada através da respectiva causa de pedir».
No caso sub judice, trata-se de duas acções de reivindicação (em que se reclama o reconhecimento do direito de propriedade) – uma intentada pela BB contra o AA, com base na alegada aquisição do direito de propriedade por usucapião (processo n.º 2153/06), na qual o réu pediu em reconvenção o reconhecimento do direito de propriedade com base em inscrição registal em seu nome e a restituição do imóvel, e outra, a presente acção, intentada pelo AA em que este pede o reconhecimento do direito de propriedade e a restituição do imóvel, contra a BB e demais sujeitos, que não são portadores de um interesse autónomo em relação à 1.ª ré.
A BB e o AA ocupam, em cada um destes processos, a posição de autores e de réus, uma vez que em ambos os casos foram deduzidos pedidos reconvencionais.
Nos dois processos, os factos em que os autores e os réus reconvintes alicerçaram a sua causa de pedir foram os mesmos: o AA invoca a presunção registral e a BB a posse e a usucapião.
Nas duas acções, o pedido, encarado na essência da pretensão, ou seja, no direito que é objecto de tutela implícita ou explícita – o direito de propriedade – é o mesmo. Por virtude desta referência substancial, o direito que esteve subjacente na declaração resultante do julgamento anteriormente prolatado na primeira causa volta a ser alvo de apreciação na segunda.
Na presente acção de reivindicação, o autor e os réus retomam como causa de pedir a titularidade do direito de propriedade – o AA com base em inscrição registal e a BB e demais réus com base na aquisição originária por usucapião – reproduzindo, autor e réus, a factualidade que haviam alegado na petição inicial e na reconvenção da primeira acção.
Na decisão homologatória de desistência do pedido e confissão do pedido reconvencional, o juiz aplicou o direito substantivo vigente e, concluindo pela validade do acto, proferiu sentença homologatória que “embora não aplicando o direito objectivo aos factos provados na causa, constitui sentença de mérito, como tal condenando o réu no pedido ou dele o absolvendo, consoante o negócio jurídico celebrado. Ou seja, a sentença homologatória tem o efeito de constituir caso julgado material” (cf. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2.ª edição, Coimbra Editora, p. 577).
Sendo assim, não há dúvida de que a causa de pedir enquanto facto jurídico de que emerge o direito real é a mesma nos dois processos. E relativamente ao pedido, também não se vislumbra qualquer diversidade, pois o efeito que se pretende obter com a acção é o mesmo.
Relativamente à identidade de sujeitos, como vimos, relevante é tão só o critério da qualidade jurídica das partes e não a qualidade destas na relação processual nem a sua identificação física, formal ou jurídica.
O alcance do caso julgado, por razões de certeza e de segurança jurídica e de prestígio dos tribunais, não se limita aos estreitos contornos definidos, nos artigos 580.º e seguintes do CPC, para a excepção do caso julgado, antes se estendendo a situações em que apesar da ausência formal de identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, o fundamento daquela figura jurídica está notoriamente presente.
Em conclusão, declaramos verificada a excepção do caso julgado material e absolvemos os réus da instância e o autor da instância reconvencional, ficando prejudicadas as restantes questões colocadas pela recorrente.
Procedem, portanto, as conclusões a) a e) da alegação de recurso da recorrente.
IV – Decisão
Pelo exposto, decide-se, na 1.ª Secção deste Supremo Tribunal, conceder a revista e revogar o acórdão recorrido, repondo a sentença de 1.ª instância.
Custas pelo recorrido.
Lisboa, 24 de Fevereiro de 2015
Maria Clara Sottomayor (Relatora)
Sebastião Póvoas
Moreira Alves |