Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
57/14.7YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: SANTOS CABRAL
Descritores: JUIZ
DELIBERAÇÃO DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
PLENÁRIO
DISCRICIONARIEDADE
LICENÇA SEM VENCIMENTO
PRORROGAÇÃO DO PRAZO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 12/16/2014
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: COLECTÂNEA DE JURISPRUDÊNCIA DO STJ - Nº 259 - ANNO XXII - T. III/2014 - P. 29-34
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO CONTENCIOSO
Decisão: IMPROCEDENTE
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO - PRINCÍPIOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO - EXERCÍCIO DO PODER ADMINISTRATIVO / ACTO ADMINISTRATIVO ( ATO ADMINISTRATIVO ) - FUNCIONÁRIOS E AGENTES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. EXERCÍCIO DE CARGOS PÚBLICOS - PROCESSO ADMINISTRATIVO - PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO.
DIREITO CONSTITUTCIONAL - ORGANIZAÇÃO DO PODER POLÍTICO / ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA - ESTATUTOS PROFISSIONAIS / MAGISTRADOS JUDICIAIS.
Doutrina:
- Ana Raquel Gonçalves Moniz, “A discricionariedade administrativa: reflexões a partir da pluridimensionalidade da função administrativa”, O Direito, Ano 144, p. 599 e ss..
- António Francisco de Sousa, O Controlo jurisdicional da Discricionariedade e das Decisões de Valoração e Prognose- Comunicação apresentada no âmbito da Discussão Pública da Reforma do Contencioso Administrativo, realizada em 6/7 de Junho de 2000 na Faculdade de Direito da Universidade do Porto.
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa” Anotada, 4.ª edição, volume II, p. 801.
- João Alfaia, Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público, Coimbra, Almedina, 1985, volume I, p. 324.
- Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, 4ª edição, 1956, pp. 430/1.
- Menezes Cordeiro, “Da constitucionalidade das comissões de serviços laborais”, Revista de Direito e de Estudos Sociais”, ano XXXIII-1991 (VI da 2ª Série), p. 129 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (CPA): - ARTIGOS 5.º, N.ºS 1E 2, 6.º-A.
CÓDIGO DO PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS (CPTA): - ARTIGO 3.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 266.º, N.º2, 268.º, N.º4.
DECRETO-LEI N.º 100/99, DE 31 DE MARÇO: - ARTIGOS 72.º, 73.º, N.ºS 1 E 2, 74.º, N.º1, 89.º, 92.º, N.º1.
DECRETO-LEI N.º 121/2011, DE 29 DE DEZEMBRO: - ARTIGO 1.º.
ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS (EMJ): - ARTIGOS 56.º, N.º 2, E 57.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:
-DE 20 DE MARÇO DE 2014, PROCESSO N.º 0521/12.
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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 3 DE MAIO DE 2001, DE 5 DE JULHO DE 2012, DE 11 DE DEZEMBRO DE 2012.
Sumário :


I - As licenças constituem ausências prolongadas do serviço mediante autorização e sem vencimento, encontrando-se, entre os seus tipos, as licenças sem vencimento para exercício de funções em organismos internacionais, cuja concessão depende de prévia ponderação da conveniência de serviço e do interesse público (arts. 72.º, art. 73.º, n.ºs 1 e 2, art. 74.º, n.º 1, 89.º, todos do Decreto-Lei n.º 100/99 de 31 de Março)
II - O cumprimento, pela decisão discricionária, das injunções valorativas constantes da norma ou dos princípios apenas pode ser sindicado através de controlo judicial, sendo que o mesmo constitui uma forma de, indirectamente, controlar a discricionariedade e as valorações da administração, sem embargo de se reconhecer a esta liberdade de conformação no exercício da função de gestão, não obstante estar vinculada à lei, ao Direito e ao princípio constitucional da justa ponderação de interesses.
III - A actividade de controlo judicial da actuação da administração na área de reserva em que exerce poderes discricionários cinge-se à verificação de uma ofensa aos princípios que a condicionam (tendo-se particularmente em conta o respeito pelos princípios e normas do procedimento administrativo e, em especial, aqueles que tem como escopo a protecção dos atingidos, como seja o dever de fundamentação, cujo não controle iludirá a sindicância da discricionariedade) e será, em princípio, pela negativa – um contencioso de mera anulação e não de plena jurisdição -, não podendo o tribunal, em regra, substituir-se à administração na ponderação de valorações que se integram nessa margem, como deflui da conjugação entre o disposto no art. 268.º, n.º 4, da CRP e no art. 3.º do CPTA.
IV - A gestão dos quadros da magistratura judicial efectuada pelo CSM enquanto órgão de Estado com funções administrativas inscreve-se na categoria de actos discricionários, estando aquela condicionada pelos princípios constitucionais respeitantes à actividade dos órgãos da administração pública e pelas normas do CPA.
V - O princípio da igualdade visa impedir o estabelecimento de distinções arbitrárias entre os indivíduos, encerrando, num prisma formal, uma dualidade que consiste em mandar tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Nada nem ninguém é absolutamente igual a outro nem absolutamente desigual mais ou menos semelhante e, por isso, a igualdade é a abstracção da diferença e a diferença é a abstracção da igualdade.
VI - A igualdade na aplicação do direito – postulada pela afirmação de que todos os cidadãos são iguais perante a lei – é uma dimensão básica do princípio da igualdade que tem implícita a proibição da discriminação.
VII - Apresentando os magistrados cujas situações são enumeradas pelo recorrente percursos diversos em sede de cooperação internacional – e, consequentemente, de exercício de funções nos tribunais portugueses, que é a única razão da sua investidura como juízes em Portugal –, não se vislumbra como é que, em face de silogismos que contêm pressupostos distintos, se pode conclamar por decisão análoga, já que situações diferentes exigem tratamento diferenciado.
VIII -Tendo o CSM se deparado com a necessidade de implementar a organização judiciária decorrente da aprovação a Lei n.º 62/2013 e considerado que o interesse subjacente ao exercício, pelo recorrente, de funções como magistrado judicial em tribunal português era incompatível com a prorrogação da licença sem vencimento para exercício de funções em organismo internacional – a qual, na sequência de requerimento do próprio, lhe fora concedida por apenas 6 meses e com termo em … de … de 2014, como o mesmo tinha conhecimento –, é de concluir que, ao denegar a impetrada prolongação da mesma, o mesmo órgão visou um interesse público – a disponibilidade de juízes em função daquela novel realidade –, sendo, no caso, em função desse interesse que se estabelece a proporcionalidade e não em função de interesses particulares – como seja a construção de um currículo profissional no estrangeiro (que, aliás, não cumpre ao CSM favorecer) –, não se vislumbrando como se possa considerar inadequado ou desnecessário chamar para o exercício normal de funções quem delas anda há longo tempo afastado, inscrevendo-se tal decisão no perímetro de discricionariedade que assiste às deliberações desse órgão.
IX - A circunstância de, nos termos do art. 92.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 100/99, a concessão de a licença sem vencimento na modalidade referida em I depender de despacho favorável do Ministro dos Negócios Estrangeiros (em termos de subordinação às regras de política internacional) não permite considerar que exista qualquer discricionariedade partilhada entre este e o CSM, cabendo somente a este órgão a gestão dos quadros da magistratura judicial e, na avaliação do interesse público, a ponderação do prudente equilíbrio entre os ditames impostos pela cooperação judiciária internacional e as exigências relativas ao funcionamento do sistema judicial, não podendo, neste contexto, se reconhecer efeito vinculativo a uma carta do Ministério dos Negócios Estrangeiros em que se indica determinado juiz como personalidade adequada a desempenhar determinado cargo.
X - A existência de algum esvaimento no conceito de interesse público na concessão, pelo CSM, de autorizações para, vg., exercício de funções em tribunais arbitrais, não conduz à conclusão de que deve existir uma postura permissiva e um desregramento nesse tipo de autorizações, mas antes à subordinação da sua gestão a critérios estritos que tenham presente que a função do juiz é julgar e julgar no país que o investiu nessas funções.
Decisão Texto Integral:

                                   Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA, Juiz ..., actualmente em exercício de funções como juiz criminal na missão do serviço externo da UE, colocado no Tribunal de ..., ... inconformado com a deliberação do Plenário do CSM, veio dela interpor recurso contencioso  ao abrigo do disposto nos arts. 168, 169 e 171 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, formulando as seguintes conclusões:

I.A douta deliberação do CSM de 17/06/2014 ao tratar de forma desigual, sem qualquer motivo ou fundamentação razoável. situações semelhantes violou o disposto nos arts, 22, 132 e 266, nº2. da CRP, e art 5, nº1, do CPA, sendo por isso ilegal e, nessa interpretação concreta, manifestamente inconstitucional.

II. A douta deliberação poderia ter optado por medidas menos gravosas para o recorrente, reduzindo, por exemplo o tempo de duração da licença constante do art. 89º, nº1, al. a) do DL nº 100/99 de 31/3 ou concedendo a licença prevista na alínea b), do mesmo artigo, sem pôr em causa as necessidades do serviço. Desta forma é ilegal e padece do vício de violação do princípio da proporcionalidade previsto no art. 52, nº2, do CPTA.

III. A douta deliberação efectuou uma errónea aplicação do art. 89, nº1, al. a), do DL 100/99 de 31/3, sofrendo do vício de violação da lei. na medida em que considerou como interesse público circunstâncias que dizem apenas respeito ao conceito de conveniência para o serviço.

IV. A douta deliberação incorreu no mesmo vício ao considerar não existirem razões de interesse público que permitissem a concessão da licença ao contrário de casos em tudo análogos no tempo, lugar e espaço.

V.A douta deliberação é nula por vício de usurpação, na medida em que questiona a qualificação de interesse público inerente à função do recorrente numa organização internacional, cuja qualificação cabe a outro órgão administrativo competente para coordenar e dirigir a política externa (art. 1332, n22, al, a), do CPA).

VI. A douta deliberação padece do vício de violação da lei ao considerar que o desempenho de funções exclusivamente judiciais numa missão externa, dependente da União Europeia e prevista no art. 28-A, do Tratado de Lisboa e respectivos protocolos não possui interesse público. Na medida em que esse tratado, seus protocolos e subsequentes decisões possuem valor supra-legal (art. 8º, nº4 da CRP), vinculando os órgãos da administração nacional.

VII. A douta deliberação padece do vício de violação da lei porque considerou existir uma situação de inconveniência para o serviço, que em casos anteriores, semelhantes e temporalmente coincidentes, não foi qualificada da mesma forma. A douta deliberação fez uma errónea aplicação dos seus poderes discricionários consubstanciada na violação dos arts. 732, nº1 e 2, 89º, nº1, al. a) e 892, n21, ai a) todos do DL 100/99, sendo por isso anulável nos termos do art 135 do Código de Procedimento Administrativo. 

VIII.    A douta deliberação é contraditória nos seus próprios termos ao considerar que existe inconveniência para o serviço na concessão das primeiras licenças requeridas, mas que essa mesma inconveniência já não existe para a concessão da licença prevista no art 782 do DL nº 100/99, por isso padece do vício de violação da lei nos termos dos arts 89º, nº1, aIs. a), e b], e art. 73º, do DL nº 100/99 de 31 de Março.

               Termina formulando pedido no sentido de que: 

-Seja dado provimento ao recurso, e por via disso, que a Douta deliberação do Plenário do CSM proferida em 17.06.2014 referente ao recorrente seja declarada nula e/ou anulável, condenando-se o CSM a reapreciar o seu requerimento, e a deferir a concessão da licença sem vencimento para o exercício de funções em organismo internacional, com contagem de tempo de serviço e reserva de lugar, nos termos do art. 89º, nº1, ais. A) ou b), do DL nº 100/99 de 31 de Março pelo prazo de permanência na missão eulex doutamente a determinar nos termos  alegados.

I

            Na análise dos presentes autos importa em primeiro lugar definir o quadro legal que formata a situação profissional do recorrente e, nomeadamente, a natureza de comissão de serviço.

De acordo com as normas sobre tal figura inscritas no Estatuto dos Magistrados Judiciais, estabelece-se, no artigo 53.º, que «os magistrados judiciais em exercício não podem ser nomeados para comissões de serviço sem autorização do Conselho Superior da Magistratura» (n.º 1), cuja «autorização só pode ser concedida relativamente a magistrados com pelo menos, cinco anos de efectivo serviço» (n.º 2). Por seu turno nos termos do artigo 54 do EMJ as mesma comissões podem ser ordinárias ou eventuais (n.º 1), sendo «ordinárias as previstas na lei como modo normal de desempenho de certa função e eventuais as restantes» (n.º 2), e implicam, em regra, a abertura de vaga, excepto, entre outras, como se destaca das disposições combinadas do n.º 3 deste preceito e do n.º 2 do artigo 56.º, as que «respeitem ao exercício de funções nas áreas de cooperação internacional, nomeadamente com os países africanos de língua oficial portuguesa, e do apoio técnico-legislativo relativo à reforma do sistema judiciário no âmbito do Ministério da Justiça».

Sobre o conteúdo do conceito em análise se pronunciou João Alfaia referindo que existe uma situação de comissão de serviço– «sempre que um funcionário titular de um lugar do quadro com investidura definitiva ou vitalícia vai ocupar um lugar de outro quadro ou de outra categoria do mesmo quadro, continuando, todavia, vinculado ao lugar de origem, através de cativação»[1]. Por seu turno pronunciando-se sobre o mesmo tema indica Menezes Cordeiro[2]  que a comissão de serviço «foi usada [inicialmente] para os casos em que um funcionário era destacado para exercer funções transitórias fora do seu lugar permanente», passando depois «a ser usada para designar o modo de preenchimento de certos lugares». Adianta ainda que a comissão de serviço visa «satisfazer necessidades específicas e razoáveis» porquanto há lugares que «não podem ter uma natureza vitalícia: tal o caso dos cargos dirigentes ou de certas posições que postulam uma ligação de tipo pessoal, como sucede com os adjuntos ou os secretários pessoais dos gabinetes ministeriais. A comissão de serviço permite o seu provimento temporário, não havendo outro modo admitido para tal». Para além disso, «verifica-se ainda que o funcionário ou agente pertencente a certo lugar pode, por interesse público, ser chamado a desempenhar funções transitórias em local diferente. A comissão de serviço permite contemplar a situação descrita; a pessoa deslocada conserva o lugar de origem e desempenha as funções requeridas, enquanto necessário

Também Marcello Caetano expendeu sobre a figura da comissão de serviço referindo que  “Entende-se aí por comissão o encargo dado por uma autoridade a certa pessoa para que esta desempenhe determinada actividade pública. Em Direito administrativo há comissões ordinárias e comissões eventuais. As primeiras são as que estão previstas nas leis como modo normal de provimento por nomeação para certos cargos. As segundas são encargos cometidos aos agentes administrativos para realizarem certos trabalhos que não estavam incluídos nas suas funções. O que caracteriza as comissões de serviço é o serem nomeações com duração limitada e, em regra, amovíveis.”.[3]

       

            Situando concretamente o perímetro delimitado pelo conceito em causa dispõem os artigos 56.º, n.º 2, e 57.º, n.º 2, do Estatuto dos Magistrados Judiciais que são de natureza judicial as comissões de serviço que respeitem ao exercício de funções nas áreas de cooperação internacional, nomeadamente com os países africanos de língua oficial portuguesa, e do apoio técnico-legislativo relativo à reforma do sistema judiciário no âmbito do Ministério da Justiça

            Não é essa a situação do recorrente e, certamente por tal circunstância, o enquadramento legal da sua situação na Eulex foi equacionado em função duma outra figura legal.

            Na verdade,

O acto objecto de impugnação incide sobre  uma licença concedida nos termos do artigo 89 nº1 a) do Decreto-lei  100/99 de 31 de Março o qual o qual, sob a epigrafe ”Licença sem vencimento para exercício de funções em organismos internacionais”, refere que  a licença sem vencimento para exercício de funções em organismos internacionais pode ser concedida  aos funcionários, revestindo, conforme os casos, as seguintes modalidades: a) Licença para o exercício de funções com carácter precário ou experimental com vista a uma integração futura no respectivo organismo; b) Licença para o exercício de funções na qualidade de funcionário ou agente do quadro de organismo internacional.

É esse, e não outro, o regime que formata a situação profissional do recorrente. 

 II

Em sede de regime da função publica o Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março dispõe no Capítulo V sobre «Licenças», que são definidas como as ausências prolongadas do serviço mediante autorização (artigo 72.º), estabelecendo-se entre os seus tipos, as licenças sem vencimento para exercício de funções em organismos internacionais, as quais dependem de prévia ponderação da conveniência de serviço e da ponderação do interesse público, sendo motivo especialmente atendível a valorização profissional do funcionário ou agente [artigo 73.º, n.os 1, alínea e), e 2)].

O artigo 89.º, que estabelece os princípios gerais para a concessão da licença sem vencimento para exercício de funções em organismos internacionais, preceitua, no n.º 1, que essa licença pode revestir a modalidade de «licença para o exercício de funções com carácter precário ou experimental com vista a uma integração futura no respectivo organismo» [alínea a)], e de «licença para o exercício de funções na qualidade de funcionário ou agente do quadro de organismo internacional» [alínea b)].

Como notas essenciais do regime das licenças mencionadas na alínea a) do n.º 1 deste preceito, o artigo seguinte precisa que tal licença «tem a duração do exercício de funções com carácter precário ou experimental para que foi concedida, implicando a cessação das situações de requisição ou de comissão de serviço» (n.º 1) e que a mesma «implica a perda total da remuneração, contando, porém, o tempo de serviço respectivo para todos os efeitos legais» (n.º 2).

O aludido Decreto-Lei n.º 100/99 regula nos artigos 89.º a 92.º o regime das licenças, por estas se entendendo, as ausências prolongadas ao serviço mediante autorização (artigo 89.º). Desse regime decorre que todas as licenças são concedidas sem vencimento [artigos 74.º, n.º 1, e 75.º, n.º 1, no que se refere “licença sem vencimento até 90 dias”; artigos 76.º, n.º 1, e 77.º, n.º 1, quanto à “licença sem vencimento por um ano”; artigos 78.º, n.º 1, e 80.º, n.º 2, no que respeita à “licença sem vencimento de longa duração”; artigo 84.º, quanto à “licença sem vencimento para acompanhamento do cônjuge colocado no estrangeiro”; e artigos 89.º, n.º 1, alíneas a) e b), 90.º, n.º 1, e 91.º, n.º 3, relativamente à “licença sem vencimento para o exercício de funções em organismos internacionais”.

De acordo com o respectivo artigo73.º a concessão de licenças para o exercício de funções em organismos internacionais  depende de prévia ponderação da conveniência de serviço e da ponderação do interesse público.

III

            O ponto de partida de quaisquer considerações sobre a decisão do caso vertente emerge da integração do acto praticado no conceito de acto discricionário e a sua caracterização como instrumento de realização do interesse publico. No que concerne refere António Francisco de Sousa que no Estado de direito, não só há lugar para a discricionariedade administrativa, como esta é mesmo um instrumento fundamental para a sua realização. Mais concretamente, a discricionariedade administrativa é um instrumento indispensável à realização da justiça no caso concreto. O facto do legislador adoptar regulações genéricas e abstractas, distanciado dos factos no tempo e no espaço, impossibilita-o de encontrar a regulação justa para casos que exigem uma apreciação concreta. Para suprir esta sua limitação, o legislador delega, por vezes, a realização da justiça no caso concreto na Administração. Porém, simultaneamente com a autorização discricionária, o legislador estabelece limites que deverão ser observados, ao mesmo tempo que outros limites decorrem da própria Constituição e do Direito em geral. Por conseguinte, o poder discricionário nunca poderá ser entendido como uma carta em branco, mas como uma ordem para a realização da justiça no caso concreto. Não há pois discricionariedade livre, mas sempre e apenas discricionariedade funcional, uma discricionariedade que tem de ser exercida nos limites do Direito e de acordo com os deveres e limitações próprios da função. [4]

O conceito em apreço encontra-se intrinsecamente imbricado com os valores em relação aos quais é um mero instrumento. Recorrendo ao Autor citado, entre os limites da discricionariedade e do poder de valoração, e ponderação, da Administração, destacam-se os princípios do direito constitucional, especialmente os direitos fundamentais e os princípios de valoração que daí decorrem, nomeadamente o princípio do Estado de direito, o princípio do Estado social, o princípio do tratamento igualitário e da proibição do arbítrio, o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso segundo o qual a decisão discricionária não deve estar "fora de relação" face ao fim da autorização legal ou seja, entre o fim prosseguido pela lei de habilitação e os meios escolhidos deve existir uma relação objectiva a relação fim-meio não deve ser irrealista, o princípio da justiça do sistema segundo o qual, nas ingerências da Administração e na distribuição das prestações públicas, o círculo dos afectados ou beneficiados e a escolha dos meios disponíveis devem ser delimitados com justiça, com respeito pelos fins da afectação e da prestação , o princípio da prioridade, o princípio do respeito por valorações de reconhecimento geral, o principio de critérios de justiça elementar, a proibição de um venire contra factum proprium, a proibição de acopulação[5], o princípio da suportabilidade, o princípio da protecção das legítimas expectativas  o princípio da igualdade de oportunidades , o princípio da não simplificação das operações quando estas possam reverter em diminuição das garantias dos particulares (principio também aplicável aos tribunais), o princípio do respeito pelas regras de jogo, ou do fair play, nos exames , o princípio do due process ; o princípio da objectividade da valoração .

O cumprimento pela decisão discricionária das injunções valorativas constantes da norma, ou dos princípios, apenas poderá ser sindicado através do controle judicial. Na verdade, de novo com Francisco de Sousa, o controlo do procedimento administrativo pelo tribunal apresenta-se como uma forma de controlar indirectamente a discricionariedade e as valorações da Administração, equilibrando algum défice, que sempre existira, de controlo jurisdicional  nestes domínios. Consequentemente,  o tribunal  deve, paralelamente, controlar o respeito pelas normas e princípios de procedimento administrativo, especialmente aqueles que têm por finalidade a protecção dos atingidos, tais como a imparcialidade do órgão ou agente que decide, a audição dos interessados e o dever de fundamentação (cujo não controlo efectivo tomará ilusório um controlo da discricionariedade administrativa e das decisões de valoração pelo tribunal).

Sem embargo do exposto igualmente é certo que a doutrina concede à Administração uma «liberdade de conformação». Esta liberdade manifesta-se na forma como se exerce a própria função de gestão com uma necessidade de adaptação a que não são alheios critérios de racionalidade e oportunidade impostos pela efervescência dos dias que passam. Não obstante, tal actividade de gestão é fundamentalmente uma actividade vinculada à lei e ao Direito e ao princípio constitucional da justa ponderação dos interesses em conflito. 

IV

No que toca aos vícios materiais que podem afectar o acto discricionário perfilha-se o entendimento expresso por Ana Raquel Gonçalves Moniz[6] que ensaia uma sistematização na qual se salienta, em primeiro lugar,  a decisão que traduz uma ultrapassagem dos poderes da Administração. Neste caso, refere a mesma autora  a decisão ou não se contém dentro dos limites previstos na lei para o exercício dos poderes discricionários, prescrevendo uma consequência não prevista pelo legislador, ou é adotada à luz de considerações de mérito, quando a lei não contempla qualquer dimensão de discricionariedade para a mesma. Estão igualmente compreendidas nesta patologia outras hipóteses que, além das enunciadas, surgem qualificadas como erro de direito em que a base invocada para o exercício dos poderes administrativos não existe ou não é aplicável ao caso concreto -, bem como as designadas como erro manifesto de apreciação ou erro de qualificação jurídica dos factos  que ocorre quando se conclui que existe uma avaliação ou qualificação flagrante ou ostensivamente erradas da situação de facto considerada, pelo que a Administração não poderia exercer, no caso concreto, o seu poder (ou não o poderia exercer naquele sentido) -, e o erro de facto- onde a situação concreta invocada (para permitir o exercício dos poderes da Administração) não existe na realidade.

A segunda espécie de patalogia consuma-se quando a decisão não se destina a satisfazer o interesse público previsto pelo legislador. Acentua a Autora citada que poderá estar aqui em causa uma ofensa do princípio da imparcialidade, visto que este exige que as decisões da Administração sejam pautadas por critérios próprios do desempenho da função específica que o legislador lhe comete, impedindo a sua substituição ou distorção por interesses alheios ao fim (ou fins) legalmente previsto(s), independentemente de estes revestirem natureza privada ou consubstanciarem outros fins públicos.[7]

Num terceiro plano se inscrevem as situações em que não se efectua uma ponderação de todos os interesses públicos presentes no caso concreto. Neste sentido, pode afirmar-se que os órgãos administrativos devem lançar um «olhar rigoroso»  para o caso decidendo, destinado a assegurar que aqueles tomaram em consideração todas as circunstâncias do caso relevantes e todos os motivos (legalmente) determinantes da adoção de determinada acção[8]

Ainda de acordo com Ana Moniz igualmente no acervo das potenciais patalogias a situação em que a decisão diverge de outras decisões adotadas em casos análogos. Tais hipóteses correspondem aos casos de ofensa do princípio da igualdade e, eventualmente, dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança. Acentua a mesma Autora que a ideia de auto-vinculação através de precedentes administrativos surge acolhida pela alínea d) do nº" 1 do artigo 124.° do CPA, quando se refere a actos que "decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais". Para a compreensão do imperativo da auto-vinculação, importa percepcionar tanto o sentido da decisão, como os respectivos fundamentos: é que a força do precedente (administrativo) assenta, sobretudo, na argumentação jurídica, na ratio decidendi, explanada na fundamentação, argumentação essa mobilizável perante casos análogos; nesta altura, o acolhimento da orientação decisória constante do precedente não surge senão como uma consequência da aceitação da bondade da respectiva fundamentação.

Uma outra possibilidade de violação surge quando a decisão não se revela adequada, necessária ou proporcional ao fim previsto pelo legislador - Esta situação reporta-se à violação do princípio da proporcionalidade. A vinculação administrativa ao princípio da proporcionalidade lato sensu está contemplada no nº 2 do artigo 266.° da Constituição (e, relativamente às medidas de polícia, no n." 2 do artigo 272.°), encontrando-se (parcialmente) recuperada, no nº 2 do artigo 5.° do CPA, a propósito das decisões da Administração que colidam com direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares. A determinação desta patologia exige que se avalie se a concreta decisão se revela adequada, necessária ou proporcional ao(s) interesse(s) público(s) que se destina a servir. O juízo da proporcionalidade em sentido estrito constitui o momento azado para a ponderação custos-benefícios aponta no sentido do equilíbrio, da racionalidade e da razoabilidade"  da medida proposta, atentas as consequências que produz.

            Por último, dentro do elenco proposto pela autora citada, situam-se aquelas situações que atentam contra direitos fundamentais Continuando a recorrer à autora citada estamos, pois, diante de uma sublimação do princípio do Estado de direito, uma manifestação do princípio da constitucionalidade da Administração, mas com uma tradução especialmente forte ao nível dos direitos fundamentais, em virtude da consistência axiológica que se lhes encontra aglutinada.

Assim, o controle judicial da actuação administrativa na margem de reserva da administração em que esta exerce os seus poderes discricionários terá de referir-se à verificação da ofensa, ou não, dos princípios jurídicos que a condicionam e será, em princípio, um controle pela negativa (um contencioso de anulação e não de plena jurisdição), não podendo o tribunal, em regra substituir-se à administração na ponderação das valorações que se integram nessa margem

É nesta perspectiva que se deve interpretar o principio da tutela jurisdicional efectiva dos administrados consagrada no n.º 4 do art. 268.º da Constituição, que prevê entre o mais “a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma”, haverá que coadunar-se com o art. 3.º do CPTA, segundo o qual “No respeito pelo princípio da separação e interdependência dos poderes, os tribunais administrativos julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da sua actuação”.

            Se é certo que este preceito concede um alargamento da competência dos tribunais administrativos comparativamente com o regime antecedente igualmente é exacto que  os poderes de plena jurisdição agora facultados não afastam as limitações inerentes à salvaguarda da referida área de discricionariedade da Administração.  

 

V

Desenhados em termos gerais a configuração que assumem os actos discricionários da Administração e os vícios que têm a possibilidade de incorporar importa agora transpor esta visão abstracta para a praxis do Conselho Superior da Magistratura assumindo-se, como é liminar, que todos actos relativos à gestão dos quadros da Magistratura Judicial se inscrevem na categoria de actos discricionários. Efectivamente, a actividade do Conselho Superior da Magistratura, como órgão de gestão e disciplina da magistratura judicial, insere-se no âmbito da Administração Pública, inserida no subsector da Administração Judiciária.

O Conselho Superior da Magistratura é um órgão do Estado, com matriz constitucional, que exerce funções administrativas, no âmbito da gestão e disciplina do corpo de juízes. Consequentemente, não pode deixar de se entender que os actos que pratica estão condicionados pelos princípios constitucionais que moldam a actividade dos órgãos da Administração Pública e, também, pelas normas do Código do Procedimento Administrativo. Atribuindo-se à consistência e estabilidade jurisprudencial um valor fundamental na segurança jurídica importa respigar algumas das decisões que se debruçaram sobre o tema em epígrafe.

Assim,

            Acórdão de 3 de Maio de 2001: Os actos praticados no exercício de um poder discricionário só são contenciosamente sindicáveis nos seus aspectos vinculados – a competência, a forma, as formalidades de procedimento, o dever de fundamentação, o fim do acto, a exactidão dos pressupostos de facto, a utilização de critério racional e razoável e os princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade; Acórdão de 5 de Julho de 2012……Claro que esta discricionariedade técnica sempre se terá que se conciliar com princípios estruturantes de um Estado de Direito e que se entrecruzam no acto, como sejam os da legalidade, da boa-fé, do respeito por direitos, liberdades e garantias individuais e, por isso, tem de se admitir o controlo da qualificação jurídica dos factos no caso de erro manifesto de apreciação ou da adopção de critérios ostensivamente desajustados, nomeadamente por intervenção dos princípios correctores (constitucionais) da igualdade, da proporcionalidade e da justiça;  Acórdão de 11 de Dezembro de 2012 Não se enquadra na esfera de competência da Secção do Contencioso a apreciação de critérios quantitativos e qualitativos, que respeitam a juízos de discricionariedade técnica, ligados ao modo específico de organização, funcionamento e gestão internos do ente recorrido

Especificamente no que concerne à decisão relativa à comissão de serviço como acto discricionário, equacionando a sindicância de que pode ser alvo pronunciou-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de Março de 2014, proferido no processo n.º 0521/12 referindo que “I - A Lei 51/99, de 24/06, prevê a possibilidade de concessão de uma licença especial, pelo período de 4 anos renováveis, aos Magistrados Judiciais e do M.P. que queiram exercer funções na Região Administrativa Especial de Macau, a qual é concedida pelo órgão de gestão e disciplina que superintenda o lugar do quadro em que o interessado se encontre definitivamente provido ou, na sua falta, a respectiva categoria de origem, a requerimento fundamentado do interessado (vd. seus art.ºs 1.º e 2.º).  II - A citada Lei não faz depender essa concessão da satisfação de requisitos próprios e especiais visto a mesma se limitar a estatuir que será aquele órgão de gestão e disciplina (no caso o CSMP) a ponderar quer o interesse do Requerente quer os benefícios ou prejuízos que advirão dessa concessão para o interesse público.III - O que significa que o CSMP dispõe nesta escolha de uma larga margem de livre apreciação sendo que a sua escolha decorre de uma ponderação que tem em conta não só as necessidades do serviço, como os interesses na boa cooperação judiciária com as autoridades da REAM, como também o desejo do interessado.IV - Deste modo, o indeferimento daquele pedido só poderia ser anulado se fosse legítimo concluir que essa margem de livre apreciação tinha sido excedida e que, por essa razão, os poderes conferidos ao Conselho tinham sido usados ilegalmente.”

VI

 A delimitação do acto impugnado nos limites definido pelo conceito de acto discricionário concedendo um ponto de partida na reflexão sobre a sua legalidade implica, assim, uma valoração à face dos princípios constitucionais que o recorrente afirma terem sido violados.

Efectivamente, o mesmo recorrente apostrofa pela ofensa do princípio da igualdade expressa no tratamento desigual face a outros Magistrados a exercer funções na Eulex do ....

Existe aqui, a nosso ver, uma incorrecta compreensão do mesmo princípio o qual tem por objectivo impedir o estabelecimento de distinções arbitrárias entre os indivíduos, com base, por exemplo, em preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. O mesmo tem uma natureza formal, encerrando uma dualidade: manda tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.

  Como afirma Kaufmann em virtude do carácter analógico do direito, a igualdade é sempre uma equiparação que não se funda apenas num juízo racional, mas numa decisão de poder, motivo pelo qual igualdade é sempre igualdade de relações, e, pois, uma correspondência, uma analogia. Em síntese nada ou ninguém é absolutamente igual a outro, nem absolutamente desigual, mas mais ou menos semelhante. Por isso igualdade é abstracção da diferença e diferença é abstracção da igualdade.

A afirmação  ‘todos os cidadãos são iguais perante a lei” significa a exigência de igualdade na aplicação do direito. A igualdade na aplicação do direito continua a ser uma das dimensões básicas do princípio da igualdade constitucionalmente garantido e, como irá se verificar, ela assume particular relevância no âmbito da aplicação igual da lei (do direito) pelos órgãos da administração e pelos tribunais Implícita nesta ideia a proibição duma descriminação sobre a qual refere Gomes Canotilho que uma da funções dos direitos fundamentais ultimamente mais acentuada é a que se pode chamar de função de não discriminação. Esta função de não discriminação alarga-se a todos os direitos, liberdades e garantias pessoais (ex: não discriminação em virtude de religião), como aos direitos de participação política (ex: direito de acesso aos cargos públicos) como ainda aos direitos dos trabalhadores (ex: direito ao emprego e formação profissionais)

Se as circunstâncias concretas do recorrente divergem dos restante indicados na sua alegação  não se vislumbra como é que, em face de silogismos que contêm pressupostos diversos, se pode conclamar por decisão análoga.

Na verdade, se em relação à aferição em função do interesse publico nos confrontamos com um dado objectivo que, pela mesma forma, se aplica a qualquer um dos indicados Magistrados é aquele que, importa desde já referir, alimenta a ideia dum excessivo  número de Juízes Portugueses no ...[9] .

É o próprio recorrente que, no seu petitório em nota de rodapé a fls 8, refere a circunstância que o diferencia e que é uma sucessão nas comissões, primeiro em ... e depois no .... É certo que que, afirma o mesmo “nunca o recorrente poderia ter trocado ... pelo .... Trocou sim ... por um feliz regresso a Portugal não fora o próprio CSM ter divulgado vagas no ...” igualmente é exacto que, a uma comissão de serviço de dois anos e quatro meses em ..., se sucedeu uma autorização para exercer funções no ... por um período de quatro meses e vinte e oito dias.

            Mais adianta o requerente, num exemplar “espírito de missão”, que “ o CSM sabe a efectiva diferença de remuneração entre a cooperação em ... e a missão Eulex, não podendo ignorar, pois, que a mudança de país Implicou uma perda de 1/4 da remuneração mensal do requerente”.

Cada um dos Magistrados cuja situação enumera como exemplo de tratamento desigual –ponto 45 da petição de recurso- apresenta um percurso diverso em sede de cooperação internacional  e, consequentemente, de afastamento do exercício de funções  nos tribunais portugueses que é a única razão de ser da sua investidura como Juízes em Portugal. A sua situação em sede de anteriores exercícios no domínio da cooperação internacional apena apresenta alguma analogia com o Juiz Jorge Ribeiro com anterior permanência de um ano e seis meses na Bósnia, mas com mais de três anos de serviço intermédio.

                           Situações diferentes exigem um tratamento diferenciado.

B

Clama o recorrente pela ofensa do princípio da proporcionalidade que, fundamentalmente resultaria da convergência de três pontos distintos:

-O primeiro é a “construção do curriculum internacional” relevante em função do momento em que a sua presença no sistema judicial do seu país é relevante. Como refere no ponto  53.O prolongamento por mais 3 a 4 meses representa para o recorrente quase 80% de tempo a mais na missão e, fundamentalmente permite a construção de curriculum internacional efectivamente relevante. 54.   O exercício de funções inferiores a seis meses indicia, em termos internacionais, que algo errado ocorreu no desempenho das suas funções, porque nem cumpriu um período normal de um ano de contrato). 

Em segundo lugar refere que a prorrogação da licença até data próxima de Setembro/Outubro de 2014 não apenas em nada prejudicaria o sistema judicial nacional como até, poderia permitir ao recorrente regressar nessa data ao serviço nacional por ter perdido o seu lugar na missão Eulex; por último afirma que, o único efectivo fundamento constante da fundamentação do CSM para que seja negado ao recorrente a licença sem vencimento, mas concedida a licença de longa duração foi que "quando o juiz não guarde o lugar de origem, não é necessário o uso de medidas de gestão destinadas a compensar a ausência do magistrado(. .. ) (por isso) não atinge uma inconveniência para o serviço relevante" (ponto 8 da fundamentação].

A questão da proporcionalidade deverá ser equacionada em função do propósito enunciado pela deliberação do CSM que procurou conjugar a carência de Magistrados com que a mesma instituição se depara no momento em que deve dar cumprimento à implementação da nova organização do sistema judiciário, aprovado pela Lei n.º 62/2013.

De acordo com o disposto no nº2 do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa “os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé”.

Nos termos do nº1 do artigo 5º do Código do Procedimento Administrativo “nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever nenhum administrado em razão de ascendência, sexo, raça. Língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social”

E nos termos do nº2 do mesmo artigo “as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar”.

Do princípio da proporcionalidade, estabelecido neste nº2,  resulta que “no exercício de poderes discricionários não basta que a Administração prossiga o fim legal justificador da concessão de tais poderes; ela deve prosseguir os fins legais, os interesses públicos, primários e secundários, segundo o princípio da justa medida, adoptando, entre as medidas necessárias e adequadas para atingir esses fins e prosseguir esses interesses, aquelas que impliquem menos gravames, sacrifícios ou perturbações à posição jurídica dos administrados[10].[11]

Considerou o CSM que  o interesse público subjacente de prestação das funções do recorrente como Magistrado Judicial em Tribunal Português é incompatível com a prorrogação da licença de licença sem vencimento para o exercício de funções em organismo internacional (EULEX ...), pois tal consubstanciaria uma alteração dos pressupostos com a que a licença sem vencimento para o exercício de funções em organismos internacionais lhe foi concedida, a saber, com natureza precária e temporalmente limitada a seis meses, de cuja deliberação o Ex Mº. Senhor Juiz foi notificado.

A propósito do tema em apreço importa sublinhar em primeiro lugar que a situação do recorrente não constitui uma insuportável afronta ao seu direito com a qual se tenha deparado de forma inusitada. Na verdade, o recorrente tinha perfeito conhecimento de que a sua situação tinha sido definida por deliberação de 18/02/2014 em que lhe tinha sido concedida licença sem vencimento até 14 de Junho de 2014.A mesma deliberação teve como suporte o requerimento apresentado pelo recorrente em 30 de Dezembro de 2014 em que pede a concessão duma licença sem vencimento com contagem de tempo de serviço e reserva de lugar  ao abrigo do disposto no artigo 76 da Lei 100/99 e pelo período de 16/1/2014 até 14/06/2014.

            A concessão de licença até essa data era adequada em Dezembro de 2014 mas, “mudam-se os tempos mudam-se as vontades”, agora o adequado, na perspectiva do  recorrente é prolongar o prazo da licença sem que se vislumbre outra razão que não a da construção do denominado curriculum profissional. Sobre a mesma temos sérias dúvidas de que, sem embargo de alguns sinais de sentido contrário, seja função do CSM a criação de condições de construção de curriculuns profissionais no estrangeiro, ou em Portugal, e que, por forma alguma, tal impetração tenha alguma potencialidade para fazer soçobrar a decisão impugnada.

A conduta do recorrente revela mesmo um procedimento que não se pauta pelas regras da correcção perante o CSM pois que, sabendo qual era a posição desta entidade e que a licença que lhe tinha sido concedida tinha sido por um “estricto período” vem, á revelia da deliberação, impetrar pela prorrogação.

A proporcionalidade no caso vertente deve-se estabelecer em função do interesse público e não em função de razões particulares, porventura estimáveis, mas não mais do que isso.

O CSM visou um interesse público que foi a disponibilidade de juízes em função dum realidade que é a da reorganização judiciária e não se vislumbra como é que  se pode considerar inadequado, ou desnecessário, chamar  para o exercício normal de funções quem das mesmas anda, há longo tempo, afastado.

            Tal decisão inscreve-se perfeitamente no perímetro da discricionariedade que assiste às deliberações do CSM que visam gerir os quadros da Magistratura e se, no caso vertente, existe alguma desproporcionalidade a mesma surge na forma como se concederam licenças para o exercício de funções na Eulex do ... numa proporção que, conforme se constata da análise dos quadros da mesma entidade, não tem qualquer correspondência com os restantes países da União Europeia.

Do interesse publico

Afirma o recorrente que no caso presente foi o próprio CSM que, na sua deliberação de 27/05/2014, reconheceu que as funções dos Srs. Drs. ... e ... satisfaziam esse interesse público.

69.       Ora, se as funções do requerente são exactamente as mesmas, não se vislumbra como esse interesse público pode desaparecer, entre duas reuniões seguidas do Plenário do CSM, apenas porque mudou o nome do juiz requerente.

70.       Em segundo lugar, no caso concreto das licenças para serviço em organização internacional a lei exige um despacho favorável do Ministro dos Negócios Estrangeiros (art. 92º, nº1, do DL nº 100/99).

71.       Isto demonstra que, neste caso, a discricionariedade administrativa do CSM é, pelo menos, partilhada por outro órgão o qual, nos termos do art 1º, da Decreto-Lei n.º 121/2011 de 29 de Dezembro, "tem por missão formular, coordenar e executar a política externa do país".

72.       Parece, pois, que o digno CSM não poderia escolher as prioridades de cooperação judiciária Internacional ou estabelecer a sua própria agenda diplomática sob pena de violação do princípio básico de divisão de competência administrativa (integrando talvez o vício de usurpação de poderes gerador de nulidade nos termos do art133, nº2, al. a). do ePTA).

73.       ln casu, segundo informações verbais o MNE terá feito chegar aos serviços do CSM uma carta comunicando a existência de interesse público nas funções do recorrente e seus colegas na missão Eulex-....

74.       Deste modo, existe um concreto juízo de utilidade pública das funções do recorrente efectuado pelo MNE.

75.       A Missão EULEX ... enquadra-se no art. 28-a do Tratado de Lisboa, e foi aprovada por unanimidade por todos os países da União que, nos termos desse tratado, possuem obrigações de suporte da Missão.

76.       Portanto, se não existe qualquer acordo de cooperação relativo a essa missão tal como em Timor-Leste e Macau, existe um quadro legal fundado no Tratado de Lisboa o que demonstra claramente o interesse público no exercício de funções nessa missão, e que possui valor legal obrigatório vinculando todos os entes administrativos.

77.       Por fim, o CSM ao abrigo do DL nº 100/99 tem concedido licenças com e sem vencimento a colegas para participação em Tribunais arbitrais, realização de trabalhos académicos de mestrado ou doutoramento, bem como estágios de formação.

78.       Por maioria de razão o exercício de funções exclusivamente judiciais, no quadro de uma missão da UE parece ter um evidente interesse público.

O apelo ao princípio do interesse publico invocado pelo recorrente tem subjacente alguma confusão de conceitos que emerge desde logo numa invocada “discricionariedade partilhada” justificada pela circunstância de nas licenças para serviço em organização internacional a lei exigir um despacho favorável do Ministro dos Negócios Estrangeiros (art. 92º, nº1, do DL nº 100/99).Tanto basta, refere o recorrente, para afirmar que a discricionariedade administrativa do CSM é, pelo menos, partilhada por outro órgão o qual, nos termos do art 1º, da Decreto-Lei n.º 121/2011 de 29 de Dezembro, "tem por missão formular, coordenar e executar a política externa do país".

Não é assim! O facto de o MNE se pronunciar sobre critério de relevância em termos de subordinação às regras de politica internacional não contende, e em nada interfere, com a legitimidade para a gestão dos quadros da Magistratura Judicial que cabe por inteiro ao CSM. Será esta entidade que deverá ponderar na avaliação do interesse público o prudente equilíbrio entre os ditames impostos pela cooperação judiciária internacional e as exigências relativas ao funcionamento do sistema judicial.

Tal equilíbrio de interesses ponderado pelo Conselho é elaborado em abstracto em função dos interesses em presença e, nunca por nunca, poderá ter efeito vinculativo das decisões de gestão próprias do Conselho Superior da Magistratura uma carta do Ministério dos Negócios Estrangeiros a indicar que determinado Juiz é a personalidade adequada a desempenhar determinadas funções no estrangeiro.

Relativamente à impetração do recorrente sobre a circunstância do conceito de interesse público padecer de algum esvaimento nas decisões do Conselho, nomeadamente na concessão de autorização para o exercício de funções em Tribunais arbitrais, realização de trabalhos académicos de mestrado ou doutoramento, bem como estágios de formação estamos inteiramente de acordo com a afirmação do recorrente[12] o que não conduz necessariamente á conclusão de que deve existir uma postura permissiva e um desregramento de critérios em tal tipo de autorizações mas, pelo contrário, que a gestão daquela entidade se deve  subordinar a critérios estritos que tenham presente que a função do Juiz é de julgar e julgar no Pais que o investiu de tais funções.

Aliás, atrevemo-nos a dizer que, em função das notícias que incidem sobre a actuação da Eulex no ..., e da desconsideração internacional de que esta entidade é alvo, é do interesse publico um extremo cuidado na concessão de qualquer autorização pelo Conselho Superior da Magistratura[13]             

Termos em que se julga improcedente o recurso interposto pelo Dr. AA.

 Custas a cargo do recorrente, conforme art. 527.º, nº 1, do Novo Código de Processo Civil, com taxa de justiça que se fixa em 6 Ucs, nos termos do disposto na Tabela I-A, anexa ao Regulamento das Custas Judiciais, e art. 7.º, nº 1 deste mesmo diploma, sendo o valor da presente acção de 30.000,01€, atento o disposto no art. 34.º, nº 2 do CPTA.


Santos Cabral (Relator)
Souto Moura
Távora Victor
Gregório Silva Jesus
Fernando Bento
Ana Paula Boularot
Melo Lima
Sebastião Póvoas (Presidente)

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[1] Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público”, Coimbra, Almedina, 1985, volume I, página 324. Segundo este Autor, a admissão reveste a modalidade de comissão de serviço «sempre que um funcionário titular de um lugar do quadro com investidura definitiva ou vitalícia vai ocupar um lugar de outro quadro ou de outra categoria do mesmo quadro, continuando, todavia, vinculado ao lugar de origem, através de cativação»
[2] “Da constitucionalidade das comissões de serviços laborais”, Revista de Direito e de Estudos Sociais”, ano XXXIII-1991 (VI da 2ª Série), página 129 e seguintes (Pareceres)
[3] “Manual de Direito Administrativo”, 4ª edição, 1956, pg 430/1

[4] O Controlo jurisdicional da Discricionariedade e das Decisões de Valoração e Prognose- Comunicação apresentada no âmbito da Discussão Pública da Reforma do Contencioso Administrativo, realizada em 6/7 deJunho de 2000 na Faculdade de Direito da Universidade do Porto.
[5] Proibição de fazer depender decisões discricionárias de prestações do cidadão que não tenham qualquer relação com a decisão em causa
[6] A discricionariedade administrativa:reflexões a partir da pluridimensionalidade da função administrativa Revista  O Direito Ano 144 pag 599 e seg
[7] Corresponde a esta hipótese o designado desvio de poder bem como os casos de «mau uso da discricionariedade», encontrando-se tendencialmente associados a situações de má-fé no exercício de poderes públicos. Além de constitucionalmente previsto, desde 1997, no n." 2 do artigo 266.° da Lei Fundamental, o princípio da boa fé surge também plasmado no artigo 6.° -A do CPA, que apresenta a novidade de o erigir em critério biunívoco das relações entre Administração e particulares". Sem prejuízo da sua filiação claramente privatística e da sua 'potencialidade expansiva» no âmbito da actividade consensual da Administração'", o sentido do princípio da boa-fé enquanto parâmetro da actuação administrativa tem sido abordado pela jurisprudência'" e objecto de reflexão pela doutrina'", e exprime a permeabilidade da actuação administrativa às exigências de um comportamento leal e correto (ético")
[8] Tal ideia está intimamente relacionada com o princípio do inquisitório que perpassa todo o procedimento administrativo, e que comete à Administração a responsabilidade de apreciar se estão verificados os pressupostos de facto da sua actuação e, sobretudo, de recolher, ex officio, todos os elementos que lhe permitam uma decisão informada (cf também artigo sr, n." 1, do CPA). Quando não ocorre a ponderação de todos os interesses públicos, verifica-se uma violação do princípio da imparcialidade (em sentido objetivo) e dos princípios da racionalidade e da razoabilidade.
[9]Confrontarhttp://www.eulex....eu/docs/justice/assembly/23/election%20of%20the%20panel%20members%20for%20criminal%20judges.PDF
[10] Gomes Canotilho e Vital Moreira “in” Constituição da República Portuguesa Anotada, 4º edição, volume II, página 801
[11] Conforme refere Esteves de Oliveira “o juízo sobre a proporcionalidade depende muito da matéria que estiver em causa, das circunstâncias do caso concreto e da extensão da prova” .
[12] Existindo uma manifesta diferença entre os Magistrados que dão o melhor de si próprios no exercício das suas funções e que é a razão de ser do exercício da sua jurisdição e aqueles que, parcial ou totalmente, se realizam em tarefas académicas nomeadamente em doutoramentos; mestrados e figuras afins
[13] Revista Economist de 15 de Novembro de 2014: Europe 27 ... and the European Union
Small Balkan scandal
The EU's mission in ... is ensnared by corruption claims
... is agog and Brussels horrified . Allegations have been made that a judge was bribed in a murder case and the European Union's police and justice mission, Eulex, failed to investigate properly. Maria Bamieh, the former British investigator behind the allegations, accuses Eulex of fabricating evidence against her and dispensing "Milosevic-style justice".
Federica Mogherini, the EU foreign policy chief, has appointed an academic to investigate. Two members of the European Parliament have argued that, if the allegations are proven, it would be "disastrous". Yet the investigation may result in embarrassment eve n if it fails to turn up evidence of corruption.
When Eulex, now 1,600 strong, was deployed in 2008, Kosovars were delighted. Many hoped it would stamp out organised crime and corruption. Local courts are inefficient, corrupt and prone to intimidation. Yet Eulex's reputation has plummeted. People wanted the mission to arrest ...'s political class, complains an insider. They never understood that it would need evidence that could stand up in court.
That may be a problem with the latest allegations. The judge denies the claims. The families of two men convicted of the murder complain that they did not secure their release. Perhaps intermediaries cheated them. Yet the climate of suspicion in ... is such that, if this is what the investigator concludes, many will believe there has been a cover-up.
A nasty culture of bullying, intimidation and poisonous personal rivalries has weakened Eulex. Andrea Capussela, a former official who helped to oversee economic policy in ..., says that Eulex has proved craven, passive and fearful of taking on ...'s elite. In many cases, he adds, the mission's errors not only protected leading members from prosecution but actually advanced their interests.
Unfortunately Ms Mogherini's envoy will not look into these questions. Neither will he examine other glaring oddities. In 2009 Azem Syla, a political heavyweight close to ...'s prime minister, was iden-tified by a whistle-blower as responsible for several murders. Eulex is still investigating. By contrast, it has just indicted Oliver Ivanovic, a ... Serb and leading force for ethnic reconciliation in the north, for war crimes. Ms Mogherini should instruct her envoy to look into Eulex as a whole, not just the latest scandal