Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | NUNO CAMEIRA | ||
Descritores: | MENORES PROTECÇÃO DA CRIANÇA COMPETÊNCIA TERRITORIAL TRIBUNAL COMUM TRIBUNAL DE FAMÍLIA | ||
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Nº do Documento: | SJ200502220042876 | ||
Data do Acordão: | 02/22/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | CONFLITO. | ||
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Sumário : | 1 - O artº 59º, nº 2, da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei 147/99, de 1 de Setembro) deve ser interpretado no sentido de que o tribunal competente para dirigir a execução da medida de acolhimento em instituição é o mesmo que a aplica, independentemente da localização geográfica da instituição. 2 - Não constitui modificação de facto atendível para o efeito do artº 79º, nº 4, do diploma referido em 1) a permanência do menor no local em que a medida decretada está a ser executada e enquanto ela dura. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. No processo de promoção e protecção referente ao menor A o juiz do 2º juízo do Tribunal de Anadia e o juiz do 3º juízo - 3ªsecção do Tribunal de Família e Menores do Porto atribuíram-se mutuamente a competência, negando a própria, para dele conhecer. Por tal motivo, o MP requereu em 10.11.04 a resolução do conflito suscitado, opinando no sentido de que, estando-se perante um conflito aparente (à luz da jurisprudência dominante deste Supremo Tribunal), deverá julgar-se competente o 3º Juízo-3ª Secção do Tribunal de Família e Menores do Porto. No primeiro dos indicados tribunais foi decidida, na sequência de debate judicial, a medida de acolhimento institucional do menor, na circunstância no Centro Juvenil de Campanhã (Porto). Em função disso, invocando o disposto no artº 79º, nº 4, da Lei 147/99, de 9 de Janeiro (1), o juiz declarou-se incompetente e ordenou em 17.6.04 a remessa do processo para o tribunal indicado em segundo lugar, cujo magistrado, porém, interpretando diversamente aquele texto legal, se declarou de igual modo incompetente por despacho proferido em 12.7.04. Ambas as decisões transitaram em julgado. Cabe ao Supremo Tribunal dirimir o conflito, visto o disposto no artº 116º, 1, 2ª parte, do CPC. II. O presente conflito é de competência, não de jurisdição, porque os tribunais em confronto são da mesma espécie ou ordem - tribunais judiciais. Ora a competência, em sentido quantitativo, é a medida da jurisdição de um tribunal, e, em sentido qualitativo, consiste na susceptibilidade de exercício da função jurisdicional determinada mediante recurso aos critérios atributivos fixados na lei (matéria, hierarquia, valor e território). Pode com rigor afirmar-se, portanto, que a incompetência será "a insusceptibilidade desse tribunal apreciar determinada causa por os critérios determinativos da sua competência lhe não concederem uma medida de jurisdição suficiente para essa apreciação" (M. Teixeira de Sousa, A Competência e a Incompetência nos Tribunais Comuns, pág. 106 - AAFDL, 1988). Na situação ajuizada o conflito surgido parece respeitar a uma questão de competência territorial, já que a disposição que deu origem às interpretações divergentes das entidades conflituantes - o citado artº 79º, nº 4, - encontra-se submetida, precisamente, a esse título ou epígrafe: competência territorial. Se assim fosse, porém, a solução estaria à partida encontrada, não podendo ser outra senão a sugerida pelo MP e já acolhida em múltiplos acórdãos deste Tribunal: haveria que fazer prevalecer o caso julgado formado no processo pela decisão que transitou em primeiro lugar, nos termos peremptoriamente fixados pelo artº 111º, nº 2, do CPC. Pensamos, contudo, que há razões de peso para encarar as coisas noutra perspectiva, conducente, talvez, a uma solução menos óbvia, mas a nosso ver mais rigorosa do ponto de vista jurídico e perfeitamente de acordo com a letra e o espírito da lei, quer adjectiva, quer substantiva. Vejamos porquê. No âmbito dos tribunais judiciais a lei distingue entre si os tribunais de competência genérica, de competência especializada e de competência específica, admitindo ainda os de competência especializada mista. A distinção entre uns e outros radica em critérios materiais de competência: a cada uma das "espécies" indicadas cabe conhecer de matérias determinadas, que a lei estabelece de modo taxativo - artºs 64º, 77º, 78º e 93º da LOTJ. Por isso, a violação das regras de competência destes tribunais, levando a que se atribua a uma espécie causa que, pela matéria versada, cabe a outra, dá origem a um caso de incompetência absoluta. É o que, ao fim e ao cabo, sucede no caso sub judice. Com efeito, o artº 59º, nº 2, dispõe que a execução da medida aplicada em processo judicial é controlada pelo tribunal que a aplicou. E o artº 79º, nº 4, por seu turno, estabelece que o processo é remetido à comissão de protecção ou ao tribunal da área da nova residência se, após a aplicação da medida, a criança ou o jovem mudar de residência por período superior a três meses. Ora, no caso presente o tribunal que aplicou a medida foi, como tinha que ser, o de Anadia, por se verificar então, indiscutivelmente, o condicionalismo previsto no nº 1 do artº 79º: era o tribunal da área da residência do menor no momento em que o processo foi instaurado. Logo, cabe-lhe também o controle da respectiva execução. Por outro lado, - e esta consideração afigura-se decisiva - não houve em rigor mudança de residência do menor por período superior a três meses após a aplicação da medida de acolhimento em instituição; o que houve, isso sim, foi a sua deslocação (de Anadia para o Porto), decorrente da medida decidida pelo tribunal, apenas e só porque a instituição que o acolheu se situa nesta última cidade. É clara, porém, a intenção da lei de apenas consentir na "transferência" do processo de um tribunal para outro, situado em área territorial diferente, na situação prevista no referido nº 4 do artº 79º, que assenta no carácter voluntário e relativamente duradouro da alteração da residência do menor; e nada disto se verifica quando, como é o caso, a mudança decorre necessária e exclusivamente da medida de protecção aplicada pelo juiz e está sujeita a revisão semestral (no mínimo). Nesta matéria, prevalece acima de tudo o superior interesse do menor, que a lei procura assegurar até ao limite do possível. Um dos meios para conseguir este objectivo consiste em manter a criança ou jovem tão próximo quanto possível da entidade que decidiu o seu destino (a comissão de protecção de menores ou o tribunal), assim propiciando uma intervenção imediata e com conhecimento de causa sempre que necessário. Se, porém, o menor é acolhido numa instituição designada pelo tribunal, a facilidade, a rapidez e a eficiência de actuação estão ab initio garantidas pelo simples facto de haver um permanente contacto e interacção entre as entidades envolvidas imposto pela própria lei. Deve salientar-se, a este propósito, que a instituição de acolhimento está necessariamente dotada de uma equipa técnica e que a medida em causa tem se ser obrigatoriamente revista, como se disse, de seis em seis meses - cfr. artºs 49º, 54º e 62º. Ora, sendo essa revisão susceptível de originar nova deslocação do menor para outra localidade - tudo depende da decisão que se tome quanto à modificação da medida anteriormente decretada - parece evidente que a paralela movimentação do processo de um tribunal para outro em razão, unicamente, daquele facto, além de se apresentar, por si só, como algo de anómalo e menos razoável, não traz nenhuma contribuição válida para a salvaguarda do interesse da criança. Não há fundamento, por conseguinte, para afastar a aplicação da regra do artº 59º, nº 2, que deve interpretar-se no sentido de que o tribunal competente para dirigir a execução da medida de acolhimento em instituição é o mesmo que a aplica, independentemente da localização da instituição. Isto significa que a permanência do menor no local em que a medida decretada está a ser executada e enquanto ela dura não constitui modificação de facto atendível para o efeito consignado no artº 79º, nº 4. No fundo, esta interpretação não representa mais do que a concretização do princípio geral fixado no artº 22º da LOTJ, segundo o qual a competência se fixa no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente (perpetuatio fori). Devendo este princípio funcionar, na medida do possível, para defesa do interesse do menor, - protagonista principal do processo - não se vê que outro entendimento do artº 79º, nº 4, diverso do que propomos, melhor se case com tal desiderato. III. Pelo exposto, acorda-se em resolver o conflito atribuindo a competência territorial para o conhecimento da causa ao Tribunal da comarca de Anadia. Não há lugar a custas. Lisboa, 22 de Fevereiro de 2005 Nuno Cameira Sousa Leite Salreta Pereira -------------------------------- (1) É a Lei de protecção de crianças e jovens em perigo, à qual, salvo menção em contrário, pertencerão todas as normas referidas no texto. |