Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
234/21.4T8STR.E1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ISABEL SALGADO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS PATRIMONIAIS
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
CRITÉRIO DE QUANTIFICAÇÃO
INCAPACIDADE FUNCIONAL
Data do Acordão: 07/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. De ordinário, as necessidades do lesado, pelo menos, no respeitante às limitações físicas e psíquicas, vão evoluindo ao longo do tempo, tendencialmente de forma expansiva na repercussão das suas dificuldades.

II. Decorrendo que, o lesado jovem enfrentará previsível e por mais tempo e de forma incisiva, as dificuldades funcionais, pelo que, também, nessa perspetiva, a compensação monetária deverá repercutir valor compensatório superior ao lesado mais velho, portador de igual grau de incapacidade funcional.

III. Coisa diferente seria, caso o lesado, apesar de idade avançada mantivesse até ao acidente, uma capacidade de ganho em concreto superior ao comum naquela faixa etária, implicando a compensação na medida económica correspondente.

Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório

1. AA e BB instauraram a presente acção contra Mapfre Seguros Gerais, S.A., pedindo que seja condenada a pagar aos Autores a quantia global de 97.086,80 € e juros de mora, devida a título de reparação dos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreram, em consequência do acidente de viação ocorrido por culpa exclusiva do segurado da Ré para a qual aquele transferiu, por contrato válido, a sua responsabilidade civil por sinistro automóvel.

Citada, a Ré contestou, desde logo aceitando a culpa do segurado na produção do sinistro, impugnando em parte a factualidade alegada no tocante aos danos e concluindo pela sobrevalorização dos valores peticionados pela respetiva reparação.

Prosseguiu a instância e realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, decidiu:

« a)Condenar a R. a pagar à A. a quantia de 55.000,00 €, a título de indemnização global por todos os danos não patrimoniais por ela sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, calculados desde a citação até integral pagamento; b)Condenar a R a pagar ao A. a quantia de 40.000,00 €, a título de indemnização global por todos os danos não patrimoniais por ele sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, calculados desde a citação até integral pagamento; c)Absolver a R. do pedido de condenação reportado à quantia de 1.760.30 €, a título de danos patrimoniais, e respectivos juros moratórios.»


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2. Inconformada, apelou a Ré, reclamando em síntese, pela alteração do julgado em conformidade com a sua argumentação, devendo ser atribuídos a cada um dos Autores valores indemnizatórios inferiores aos alcançados pela sentença.

Os Autores em resposta refutaram a argumentação a Ré e defenderem a subsistência da decisão de primeira instância.

A apelação foi julgada parcialmente procedente; o acórdão da Relação culmina com o dispositivo seguinte: « Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela R. e, em consequência, revoga-se parcialmente a sentença recorrida, fixando-se ao A. uma indemnização no valor de 25.000,00 € e à A. uma indemnização no valor de 37.500,00 €, a título de danos não patrimoniais por eles sofridos, aí se incluindo já o dano biológico (o qual se fixa em 7.500,00 € para o A. e em 12.500,00 € para a A.).»


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3. Inconformados, agora, os Autores, interpuseram recurso de revista ao abrigo do disposto nos artigos 671.º, n.º 1, 674.º, n.º 1, al. c), e 675.º, n.º 1, do CPC.

Pugnam, em síntese, pela alteração do julgado, na componente indemnizatória fixada em compensação dos danos não patrimoniais no sentido de prevalecerem os valores fixados pelo primeiro grau, pelas razões que expõem nas suas conclusões:

«I. Entendem por isso, os AA./Recorrentes que a douta sentença labora em erro na fixação do quantum indemnizatório, uma vez que, o tribunal a quo não atendeu a todas as repercussões que as lesões sofridas por aqueles têm e terão de forma permanente para o resto da sua vida;

II. Os Recorrentes não concordam nem aceitam o cálculo realizado pelo tribunal a quo, o qual basicamente se limitou a basear em outras decisões, fazendo uma estimativa, sem atender ao caso concreto;

III. De facto, limitar/condicionar uma indemnização em razão da idade não pode nem deve ser critério para nenhum tribunal diminuir uma indemnização;

IV. Fez-se inteira justiça com a decisão do Tribunal de 1ª Instância, que condenou a ré a pagar à autora AA a quantia de 55.000,00 € (cinquenta e cinco mil euros), a título de indemnização global por todos os danos discriminados nesta sentença, acrescida de juros de mora, à taxa legal, calculados desde a citação até integral pagamento, e a pagar ao autor BB a quantia de 40.000,00 € (quarenta mil euros), a título de indemnização global por todos os danos discriminados nesta sentença, acrescida de juros de mora, à taxa legal, calculados desde a citação até integral pagamento;

V.A decisão do Tribunal da Relação que julgou parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela R. e, em consequência, revogou parcialmente a sentença recorrida, fixando-se ao A. uma indemnização no valor de 25.000,00 € e à A. uma indemnização no valor de 37.500,00 €, a título de danos não patrimoniais por eles sofridos, aí se incluindo já o dano biológico (o qual se fixa em7.500,00 € para o A. e em 12.500,00 € para a A.), é escassa, diminuta e não reflete a gravidade dos danos sofridos pelos Recorrentes.

VI. O facto de os Autores terem 74 e 72 anos, respetivamente, não deve afastar uma indemnização condigna, pois especialmente na terceira idade que as pessoas precisam de mais apoio e necessitam de mais ajudas, naturalmente pagas;

VII. Como decorre dos factos provados, os Recorrentes sofreram um embate frontal que, além de provocar sequelas físicas, provocou-lhes um trauma como o qual terão de viver até ao fim das suas vidas.

VIII. Um dano numa pessoa de idade mais avançada a perda da capacidade de ganho não se reduz a um custo económico estrito, mas representa um mais abrangente custo económico-social que postula a ponderação, segundo a equidade, dos meros cálculos financeiros.

IX. Um idoso carece tanto de uma indemnização como um jovem adulto. Por razões diferentes, é certo.

X. É igualmente necessário ser indemnizado, porquanto enquanto um jovem vai ter de fazer face às necessidades nos anos vindouros, diluído no tempo, atento o potencial de recuperação e apoio de familiares, e bem como a própria evolução da ciência em termos médicos.

XI. Ao invés, uma pessoa de idade avançada, a necessidade aparece num período temporal muito mais curto, e a recuperação faz-se muito mais lentamente, do que num jovem adulto.

XII. As indemnizações a vítimas de acidentes de viação em Portugal são miserabilistas, especialmente porque quem está na posição de pagar a indemnização (seguradoras), apenas tem como escopo o lucro, não se preocupando se a vítima tem assegurado os valores necessários para fazer face à violação do seu direito, nomeadamente a sua integridade física.

XIII. Não é normal, nem expectável que uma vítima de acidente de viação fique

numa situação financeira pior do que aquela que tinha antes do acidente, e tenha de dispor do seu património para fazer face às sequelas às dificuldades que passou a ficar em consequência do sinistro sofrido.

XIV. As indemnizações têm de ser mais elevadas, sob pena de existir um enriquecimento sem causa das seguradoras responsáveis, sendo que nesta sede releva especialmente a atualização dos capitais mínimos do seguro obrigatório, através de um processo faseado que, atenta a realidade nacional, se pretendeu suave e progressivo, quer seja por um período de transição de cinco anos, quer pelos limites máximos de capital por sinistro. “(Preâmbulo do Dec. Lei nº 291/2007 de 21 de agosto)”;

XV. Relembramos que a atualização dos capitais mínimos obrigatórios de responsabilidade civil no seguro automóvel em Portugal, têm vindo a ocorrer desde 20.10.2007 , sendo que atualmente e desde 01.06.2017 , em virtude do disposto no artº 12º do Dec. Lei 291/ 2007 de 21 de agosto que estabelece a respetiva revisão de cinco em cinco anos a partir de 01.06.2012, sob proposta da Comissão Europeia , em função do índice europeu de preços no consumidor, é de 6 450 000,00€ para acidentes com Danos Corporais e 1 300 000 para Danos Materiais. Sendo que a última atualização ocorreu precisamente no dia 01-06-2022 e os prémios que todos ajudamos a pagar vão correspondentemente aumentar;

XVI. Posto isto e considerando que os pagamentos dos prémios de seguro devem (presumivelmente) acautelar o pagamento do risco inerente à circulação rodoviária e responder pelos sinistros que possam ocorrer, está na altura de utilizar a favor dos lesados, os capitais seguros que todos ajudamos a pagar;

XVII. Estamos no seculo XXI e na altura de prover condignamente pelos direitos dos lesados, motivo da natureza obrigatória do seguro e dos limites mínimos. Numa sociedade em mudança vertiginosa, em que os paradigmas, nomeadamente do mercado de emprego são hoje altamente competitivos, incertos e efémeros.;

XVIII. Os anos de 2020 e 2021 ficarão marcados historicamente pela Pandemia do COVID 19 e o ano de 2022 pela guerra na Europa, que vieram acrescentar e acelerar fatores de incerteza enormes a nível de saúde, emprego, economia e finanças, quer a nível nacional, quer a nível mundial, reforçando o medo e profundo receio em relação ao futuro que legitimamente se sente;

XIX. Se assim é para todos nós, mais ainda, para quem se viu antecipadamente coartado nas suas aptidões e capacidades físicas, emocionais e psicológicas, pelo que os Exmº Senhores Juízes Conselheiros têm na sua mão o poder de alterar a realidade das vítimas de acidentes de viação.

XX. Razão pela qual deve ser revogada a decisão do Tribunal da Relação, confirmando na íntegra a decisão do Tribunal de 1ª Instância, pois só assim se faz inteira JUSTIÇA!»


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Nas contra-alegações, a Ré sustentou a improcedência da revista e pugnou pela manutenção dos valores indemnizatórios fixados pela Relação.

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II. Admissibilidade e Objecto do recurso

Mostram-se preenchidos os requisitos de admissão da revista, em conformidade com o disposto nos artigos 629º, nº1 e 671º, nº1 do CPC.1

Percorridas as conclusões dos recorrentes em interface com o acórdão recorrido, a questão decidenda consiste em saber se, deve ser aumentado o valor da compensação monetária pelos danos não patrimoniais fixada pela Relação, prevalecendo o valor arbitrado na sentença.

III. Fundamentação

A. Os Factos

Vem provado das instâncias que:

1 - No dia .../.../2019 pelas 10:50 horas, na E.N. ... ao Km 23,700, na localidade de ..., distrito de ..., concelho de ..., freguesia de ..., ocorreu um acidente de viação entre os veículos ligeiros de modelo e matrícula Citroen C4 ..-SD-.., e BMW Serie 3, ..-..-UE, e ainda um veículo pesado SCANIA ..-UZ-...

2 - O autor circulava no seu veículo de matrícula ..-SD-.., ao volante do mesmo, no sentido A.../P..., acompanhado da sua esposa, ora autora, que era transportada no lugar do passageiro, ao lado do seu marido.

3. - Por seu turno, o ..-..-EU, conduzido por CC, circulava na mesma estrada, mas em sentido contrário ao dos autores.

4.- À frente do ..-..-EU e no mesmo sentido, circulava, o veículo pesado ..-UZ-.., conduzido por DD.

5. - Na dita estrada, ao chegar ao Km 23,700, o veículo ligeiro de matrícula ..-..-EU, invadiu afila de trânsito destinada aos veículos que circulavam no sentido contrário ao da sua marcha, e embateu, com a frente, na parte frontal do veículo dos autores, ou seja, o " ..-SD-..".

6.- O autor não conseguiu evitar o embate, por consequência da manobra de ultrapassagem que o ..-..-EU realizou ao veículo pesado, dando-se o embate frontal entre os dois veículos ligeiros.

7.- A violência do embate causou a destruição total dos veículos ligeiros.

8. - E, consequentemente, causou danos corporais em ambos os autores.

9.- Os autores foram transportados para o Hospital de ..., onde foram assistidos.

10.- Devido à violência do embate, o autor sofreu traumatismo torácico e traumatismo da tíbia társica esquerda.

11.- A autora sofreu traumatismo torácico e da bacia.

12.- Os autores foram observados nos serviços médicos da ré em 01.08.2019, onde realizaram, exames que confirmaram as lesões traumáticas.

13.- Por determinação da ré, os autores realizaram tratamentos de fisioterapia e foram acompanhados em consultas.

14.- O autor ficou a padecer de sequelas no tornozelo esquerdo, nomeadamente de edema, residual naquele membro e toracalgia ao esforço desencadeada à palpação. Objectivamente discreto edema maleolar esquerda com mobilidades mantidas, com dor após o esforço.

15.- A autora ficou a padecer de sequelas enquadráveis na TNI em direito civil fixáveis em 6,88 pontos (capacidade restante).

16.- Ambos os autores tiveram atribuída alta em 05.12.2019.

17. - O autor à data do acidente tinha 74 anos e a autora 72 anos de idade.

18 - O proprietário do veículo ligeiro de passageiros e matrícula, ..-..-EU, transferiu a responsabilidade civil emergente de acidente de viação para a ré, através da apólice n°.............14.

19.-A ré assumiu a responsabilidade emergente do acidente supra descrito, liquidando inclusivamente os danos do veículo dos autores, o qual foi considerado perda total.

20. - Em consequência do acidente dos autos, o autor teve de realizar tratamento de fisioterapia.

21. - O autor, em consequência do acidente, sofreu lesões das quais resultam sequelas que determinam um défice de 3,97 pontos, sendo que a autora, também em resultado do acidente, sofreu lesões e consequentes sequelas que determinam um défice de 6,88 pontos.

22. - Apresentando a autora um quantum doloris de grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade crescente

23-0 autor é reformado e no ano anterior ao do acidente auferiu uma pensão anual de reforma no montante de 9.632,28 €.

24 - A autora auferia no ano anterior ao do acidente o montante anual de 10.391,64 €, o que perfaz um montante mensal de 865,97 €.

25-A violência do embate (embate frontal) acarretou que os autores ficassem a padecer de medos.

26 - A autora nunca mais conseguiu conduzir, porque ficou traumatizada com o acidente que sofreu.

27-A autora não consegue dormir, pois revive o acidente com muita intensidade, como se voltasse a sofrê-lo vezes sem conta.

28-A autora fazia hidroginástica nas piscinas de ... e deixou de fazer, em consequência do acidente.

29- O autor, para além de padecer de dores, ficou igualmente assustado, dorme mal e tem receio de conduzir.

B. Enquadramento Jurídico

O objecto do recurso prende-se em exclusivo com a medida compensatória dos danos não patrimoniais sofridos pelos autores, em consequência do acidente viação ocorrido em julho de 2019.

O tribunal de primeira instância fixou a compensação monetária total na quantia de €55.000,00, quanto à Autora e de 40.000,00 € ao Autor.

Na procedência parcial do recurso da sentença interposto pela Ré, a Relação alterou aqueles montantes, arbitrando, respetivamente, à Autora a compensação de € 37.500,00, e, ao Autor no montante de 25.000,00 €.

Os Autores pedem revista, defendendo em adverso ao acórdão recorrido, que deverão prevalecer os valores indemnizatórios fixados na sentença, por serem os adequados e justos à reparação dos danos não patrimoniais no caso concreto.

Percorridas as alegações e conclusões dos recorrentes, destacam-se os argumentos seguintes:

- A idade -70 anos e 73 anos dos lesados – não pode ser avaliada enquanto estrito factor económico produtivo, i.e., como perda - tempo de capacidade de ganho.

- A idade traz consigo maior onerosidade e gravidade objetiva e subjetiva, pela dificuldade acrescida em enfrentarem as sequelas do acidente, que exigem mais apoio e protecção de terceiros.

Que dizer?

Na avaliação dos danos não patrimoniais posta em crise incluiu-se o correspondente monetário à indemnização fundada na incapacidade funcional permanente -défice funcional permanente advinda para os AA, em consequência do acidente.

Na impossibilidade de se quantificarem os danos não patrimoniais por natureza indetermináveis, há que recorrer à equidade, enquanto solução de harmonia com o caso concreto - cfr. artºs. 562º, 564º, 4º/566º nº 3, todos do Código Civil, sendo certo que a jurisprudência acompanha a evolução da sociedade.

O cálculo de uma indemnização ressarcitória deste tipo de danos implica, pois, um juízo de difícil prognose da vida futura do lesado no futuro, de mera probabilidade, devendo orientar o julgador os padrões de indemnização prosseguidos em casos análogos pelo Supremo Tribunal, na procura de uma justiça relativa nos termos do artigo. 8.º, n.º 3, do Código Civil.

Neste enquadramento, o julgador recorre ao critério da perda da capacidade aquisitiva de rendimentos que a incapacidade funcional acarreta ao longo da vida do lesado, os esforços acrescidos que empreenderá para exercer a sua atividade profissional e as limitações e restrições inerentes à sua realização pessoal e que digam respeito ao comprometimento da prática de actividade físicas, desportivas e lúdicas que até à ocorrência do sinistro aquele levava a cabo.

Procurando atingir a justiça do caso, têm os tribunais vindo a acolher a solução de a indemnização ao lesado nesse componente, enquanto dano futuro, dever representar um capital que não se extinga ao fim da vida activa e seja susceptível de lhe garantir durante ela, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho.

Operação que, naturalmente, não se esgota na aplicação da Tabela Nacional para a Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil – DL 352/2007 de 23-10.

Analisando a situação em juízo.

Seguindo a fundamentação do acórdão recorrido, o tribunal a quo considerou para o efeito e com relevância «- a extensão das lesões sofridas pelos AA. (cfr. pontos 10) a 16) e 20) a 22) dos factos provados), que considerar que aqueles, à data do acidente, tinham mais de 70 anos de idade (cfr. ponto l 7) dos factos provados) , sendo a esperança média de vida para os homens e mulheres em Portugal de cerca ele 80 e 82 anos de idade, respectivamente, e, como consequência do acidente, sobreveio para a A. um Défice Funcional Permanente de 6,88 em 100 e para o A. um Défice Funcional Permanente de 3,97 em 100.»

Ambos os recorrentes encontravam -se aposentados ao tempo do acidente, auferindo pensão.

No caso ajuizado, a compensação monetária atribuída pelo tribunal a quo, quanto à afectação da pessoa de cada um dos lesados do ponto de vista funcional (na envolvência do que também se vem designando de dano biológico) teve na base do cálculo a pensão líquida anual auferida por cada um deles, critério que acompanhamos, em alinhamento com a jurisprudência dominante.

E, de igual modo, conforme ressalta da motivação do acórdão impugnado, o tribunal prosseguiu uma diligente comparação dos valores atribuídos em casos análogos na jurisprudência atualizada dos tribunais superiores, que não merece reparo ou justifica alteração.

Parece-nos, assim, que o tribunal a quo percorreu e ponderou todos os factores que nos termos específicos da situação dos recorrentes, importam à fixação da indemnização por danos não patrimoniais , a saber, as lesões, a assistência médica prestada e tratamentos realizados em consequência do acidente até à alta clínica; o tempo de restabelecimento das lesões; as sequelas que permanecerão no seu quotidiano de vida e repercussão na respetiva realização; o grau de sofrimento quantificado, e a culpa exclusiva do segurado da Ré na eclosão do acidente de viação que atingiu os Autores.

O pomo da discórdia dos recorrentes assenta na sua idade sénior que, no seu entender, transportará custos e dificuldades, superiores às experienciadas por um jovem, no enfrentar das limitações funcionais de que ficaram a padecer.

O argumento dos recorrentes, com todo o respeito, não se pode aceitar no plano objectivo, da probabilidade do devir das coisas.

De ordinário, as necessidades do lesado, pelo menos, no respeitante às limitações físicas e psíquicas, vão evoluindo ao longo do tempo, tendencialmente de forma expansiva na repercussão das suas dificuldades.

Decorrendo que, o lesado jovem enfrentará previsível e por mais tempo e de forma incisiva as dificuldades funcionais de que de padece, pelo que também, nessa perspetiva, a compensação monetária deverá repercutir valor compensatório superior.

Não vislumbramos, por conseguinte, nesse sentido, que se verifique o alegado custo económico social e económico acrescido ou equivalente, entre a situação do lesado mais jovem e o lesado de 70 anos, sendo portadores de igual grau de incapacidade funcional.

Coisa diferente seria, caso o lesado, apesar de idade avançada manter até ao acidente, uma capacidade de ganho em concreto superior ao comum naquela faixa etária, implicando que a compensação pelo dano funcional na medida económica correspondente.

Á semelhança do que decidimos no Acórdão do Supremo Tribunal de 22.02.2024, tirado nesta secção e, particular interesse comparativo no caso em apreciação .2

A situação ali ajuizada - uma lesada com cerca de 80 anos sofreu um deficit funcional de 16 pontos, sendo médica reformada, mantinha alguma actividade liberal como dermatologista, apesar de aposentada, que deixou, configurando-se, portanto, um deficit funcional muito superior ao fixado aos Autores e efectiva capacidade de ganho em concreto, superior, fixando-se a compensação correspondente ao dano biológico em Euros 35.000, 00.

Por último, o juízo prudencial e casuístico da avaliação da indemnização levada a efeito pela Relação, fundada em citérios de equidade, olhando aos casos julgados paralelos, e, portanto, em função dos princípios da proporcionalidade e da igualdade c como vem sublinhando o Supremo Tribunal de Justiça, deverá em princípio ser mantido, posto que não está em causa a aplicação de critérios normativos.

Talqualmente se explicita a propósito no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6-6-2023 -«De acordo com a orientação reiterada da jurisprudência deste Supremo Tribunal, sendo os danos patrimoniais indetermináveis fixados segundo juízos de equidade - art. 566 nº 3, do CCivil - não compete ao Supremo Tribunal de Justiça “a determinação exata do valor pecuniário a arbitrar, mas tão somente verificar os limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto, sem embargo de a sindicância do juízo equitativo não afastar a necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade (ao abrigo do regime do art. 13º da Constituição e do art. 8º, nº 3, do Código Civil), o que aponta para uma tendencial uniformização de parâmetros na fixação judicial das indemnizações, sem prejuízo da consideração das circunstâncias do caso concreto” – vd. ac. STJ de 24-2-2022 citado e a jurisprudência do STJ aí mencionada. Independentemente de estarem em causa danos patrimoniais ou não patrimoniais, o STJ tem entendido que o controlo da fixação equitativa da indemnização, designadamente em sede de recurso de revista, deve concentrar-se em quatro aspetos V - Não estando em causa a aplicação de critérios normativos, não compete ao STJ sindicar o exacto valor indemnizatório fixado, mas proceder apenas ao controle dos pressupostos normativos do recurso à equidade e dos limites dentro dos quais deve situar-se o juízo equitativo, nomeadamente em função dos princípios da proporcionalidade e da igualdade conducentes à razoabilidade do valor encontrado.»3


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Improcedem as conclusões dos recorrentes.

IV. Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente a revista, confirmando o julgado.

As custas são a cargo dos recorrentes.

Lisboa, 4.07.2024

Isabel Salgado (relatora)

Afonso Henrique

Catarina Serra

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1. O acórdão recorrido reduziu os valores indemnizatórios fixados na sentença, em valor que excede os limites gerais do valor da alçada e da sucumbência, considerando ainda o critério da reformatio in mellius vindo do AUJ n.º 7/2022 de 18.10.

2. No Pº nº 2859/17.3T8VNG.P1, sendo relator Afonso Henrique, membro deste colectivo, e a relatora adjunta, disponível, in www.dgsi.pt.

3. No proc nº9934/17.2T8SNT.L1. S1; e também entres outros o Acórdão do STJ de 25-02-2021, proc. nº 3014/14.0T8GMR.G1. S1., disponíveis in www.dgsi.pt.