Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
327/14.4T8CSC.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
REFORMA DE ACÓRDÃO
OBJETO DO RECURSO
CONTRA-ALEGAÇÕES
ACÓRDÃO
FORMALIDADES
CONCLUSÕES
ALEGAÇÕES DE RECURSO
RECLAMAÇÃO
Data do Acordão: 05/04/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONFIRMADO
Sumário :
I - A prática de não reproduzir as contra-alegações no relatório e de não tratar as questões nelas colocadas ou os argumentos, funda-se em razões pragmáticas e de estilo, não significando que não tenham sido ponderados os argumentos invocados pelo recorrido na fundamentação de direito do acórdão reclamado.

II - Por outro lado, e este argumento é decisivo, a lei permite esta forma de elaboração do acórdão, no artigo 635.º, 4, do CPC, conjugado com o artigo 608.º, n.º 2, também do CPC, na medida em que o objeto de recurso ou o thema decidendum são apenas as conclusões do recorrente na alegação de recurso, as conclusões do recorrido na ampliação do recurso e questões de conhecimento oficioso.

III - Assim não é nulo por omissão de pronúncia, nem se verifica qualquer causa de reforma nos termos do artigo 616.º do CPC, se o tribunal do recurso se pronunciou sobre as questões suscitadas nas conclusões do recorrente, e não sobre as questões colocadas pelo recorrido nas suas contra-alegações.

Decisão Texto Integral:

            Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça


I – Relatório

Gruplab – Gestão de Investimentos e Actividades Laboratoriais, S.A., AA e BB, Recorridos no processo em que é Recorrente Dr. Joaquim Chaves – Laboratório de Análises Clínicas, S.A., agora Reclamado, notificados do acórdão proferido, por este Supremo Tribunal, em 23 de fevereiro de 2021, vêm deduzir Reclamação, a decidir em conferência ao abrigo do artigo 666.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, ora aplicável em conformidade com o previsto no artigo 685.º do mesmo diploma e apresentada ao abrigo do previsto nos artigos 614.º, 615.º, n.º 1, d) e 666.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (ora aplicáveis em conformidade com o previsto no artigo 685.º do mesmo diploma), o que fazem em longas alegações que aqui se consideram integralmente reproduzidas e as quais terminam peticionando o seguinte:

  «NESTES TERMOS e nos mais em Direito permitidos, que V. Exas. doutamente suprirão, deve a presente reclamação ser considerada procedente e, em consequência, ser o acórdão reclamado sanado dos seus vícios, em termos tais que:

a) do seu relatório constem os argumentos e questões essenciais invocados pelos Reclamantes (e Recorridos) nas suas contra-alegações (em condições de igualdade com o que já sucede com os argumentos invocados pelo Reclamado e Recorrente);

b) da sua fundamentação conste a análise, apreciação e decisão dos argumentos e questões essenciais (acima reproduzidos no corpo desta reclamação) invocados pelos Reclamantes (e Recorridos) nas suas contra-alegações;

c) do seu dispositivo conste, em consequência, decisão no sentido da improcedência da revista».


Os reclamantes, num extenso requerimento, após uma nota introdutória e o enquadramento fáctico do caso, invocam a nulidade, por omissão de pronúncia ou a reforma do acórdão por lapso manifesto, bem como a violação de princípios legais e constitucionais, terminando por requerer a prolação de novo acórdão que lhes seja favorável.  

 Entendem os reclamantes que o acórdão proferido por este Supremo Tribunal, no presente processo, padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º1, al. d), do CPC, em virtude de alegadamente não ter reproduzido as contra-alegações dos recorridos no Relatório, tal como fez com as conclusões do recurso do recorrente, silenciando assim os seus argumentos e não conhecendo as questões essenciais colocadas pelos recorridos, nas suas contra-alegações (juntou as citadas peças ao processo, como doc. 1 e doc. 2,  para onde se remete), nem apreciando as mesmas e os argumentos em que se basearam, na fundamentação de direito. Peticionam a prolação de acórdão que, além de explicitar, no seu relatório, os argumentos e questões invocados pelos Reclamantes nas suas contra-alegações, se pronuncie sobre os mesmos em sede de fundamentação, refletindo essa pronúncia em sede de decisão, na parte dispositiva do acórdão. Subsidiariamente invocam a ocorrência de um lapso manifesto, nos termos dos artigos   613.º, n.º 2 e 614.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), quer ao nível do relatório, quer ao nível da fundamentação que, em qualquer circunstância, importaria suprir, prolatando um novo acórdão nos termos referidos. Por último em defesa da sua tese, invocam a violação de vários princípios jurídicos: princípio (legal e constitucional) da igualdade; princípio (legal e constitucional) do contraditório; princípio (legal e constitucional) de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva; direito humano a um processo equitativo previsto no artigo 6.º da CEDH.

Em síntese, entende que a interpretação do artigo 608.º, n.ºs 2, 3 e 4, do CPC, do CPC, no sentido de falta de obrigatoriedade de transcrever no relatório as questões suscitadas nas contra-alegações e de as apreciar na fundamentação de direito, constitui, na perspetiva dos reclamantes, uma violação do princípio da igualdade (artigo 13.º CRP). Invoca também que a conduta alegadamente omissiva do tribunal violou o princípio do contraditório (artigo 3.º do CPC e 32.º, n.º 5, da CRP) e o princípio do acesso ao direito a tutela jurisdicional efetiva, consagrado constitucionalmente no artigo 20.º, n.ºs 1, 4 e 5 da Constituição da República Portuguesa, bem como no artigo 2.º do Código de Processo Civil. Por último, afirma que todas as referidas violações representam uma violação direta do artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.


    Vejamos:

 Quanto à nulidade por omissão de pronúncia, este Supremo Tribunal tem entendido, na sua jurisprudência, que não se verifica este vício, se o tribunal do recurso se pronunciou sobre as questões suscitadas nas conclusões do recorrente, na ampliação do recurso e questões de conhecimento oficioso.  Se o acórdão não se pronuncia sobre as contra-alegações e parecer junto aos autos pelos recorridos não é nulo por omissão de pronúncia, nis termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC (Acórdão de 04-06-2019 - Revista n.º 844/15.9T8FND.C1.S1 - 1.ª Secção). Assim, não sendo o objeto do recurso definido pelas contra-alegações da recorrida, não incorre em omissão de pronúncia o acórdão recorrido que desconsiderou o seu conteúdo (Acórdão de 13-10-2016 - Revista n.º 967/14.1TBACB.C1.S1 – 2.ª Secção). No mesmo sentido, em relação à falta de referência ou transcrição das contra-alegações no relatório, afirma o Supremo Tribunal de Justiça que “A mera falta de referência às contra-alegações no relatório do acórdão impugnado não implica a incursão em qualquer vício, na medida em que a argumentação ali aduzida não integrava o objecto do recurso, por os recorridos não terem recorrido subordinadamente ou impetrado a ampliação do âmbito da revista (Acórdão de 07-03-2019-Incidente n.º 1173/14.0T2AVR.P1 - 1.ª Secção). Não se concebe, a existência de “questões” de apreciação necessária, em meras contra-alegações ou resposta à alegação do recorrente.  Assim, não incorre na nulidade de omissão de pronúncia o acórdão que omitir a apreciação de elementos convocados na contra-alegação apresentada no recurso de apelação (Acórdão de 18-01-2011 - Revista n.º 1947/05.3TBLSD.P1.S1 - 1.ª Secção).   

Improcede, pois, o pedido de nulidade por omissão de pronúncia do acórdão reclamado.

Os reclamantes peticionam ainda a reforma do acórdão por lapso manifesto, no caso de improceder a nulidade, por omissão de pronúncia.

 Todavia, também neste ponto não têm razão.

  A prática de não reproduzir as contra-alegações e de não tratar as questões nelas colocadas ou os argumentos, funda-se em razões pragmáticas e de estilo, não significando que não tenham sido ponderados essas questões e argumentos na fundamentação da decisão revogatória do acórdão recorrido. Por outro lado, e este argumento é decisivo, como acabam por reconhecer os reclamantes, a lei permite esta forma de elaboração do acórdão, no artigo 635.º, 4, do CPC, conjugado com o artigo 608.º, n.º 2, também do CPC, na medida em que o objeto de recurso ou o thema decidendum são apenas as conclusões do recorrente, não integrando as contra-alegações do recorrido. Assim, não se verifica qualquer causa de reforma do acórdão reclamado, a qual, de qualquer modo só é admitida nos termos do artigo 616.º do CPC, sendo consensual que, tendo a reforma da sentença como desiderato suprir os lapsos ou erros manifestos assinalados nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 616.º do CPC, não se destina a corrigir eventuais erros de julgamento ou a servir de veículo para o reclamante exprimir a sua discordância com a decisão ou defender a sua posição técnico-jurídica em relação às questões de direito resolvidas pelo acórdão objeto do pedido de reforma (Acórdão de 09-02-2021, proc. n.º 359/19.1TVLSB.L1.S1). 


É, assim, manifestamente infundada a pretensão do reclamante em ver reformado o Acórdão. 

Resta, por último, indagar se a decisão proferida no presente processo por este Supremo Tribunal, viola algum dos princípios invocados pelos reclamantes.

Ora, respeitadas as regras de delimitação do objeto do recurso e conhecidas as questões que o integram, tendo o recorrente tido oportunidade de apresentar contra-alegações e apresentando o acórdão, de forma completa e adequada, os fundamentos de facto e de direito da decisão, não se pode afirmar que houve violação de qualquer dos princípios invocados.


Pelo que, indefere-se a reclamação apresentada.


Anexa-se sumário, elaborado, nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC:

I - A prática de não reproduzir as contra-alegações no relatório e de não tratar as questões nelas colocadas ou os argumentos, funda-se em razões pragmáticas e de estilo, não significando que não tenham sido ponderados os argumentos invocados pelo recorrido na fundamentação de direito do acórdão reclamado.

II - Por outro lado, e este argumento é decisivo, a lei permite esta forma de elaboração do acórdão, no artigo 635.º, 4, do CPC, conjugado com o artigo 608.º, n.º 2, também do CPC, na medida em que o objeto de recurso ou o thema decidendum são apenas as conclusões do recorrente na alegação de recurso, as conclusões do recorrido na ampliação do recurso e questões de conhecimento oficioso.

III - Assim não é nulo por omissão de pronúncia, nem se verifica qualquer causa de reforma nos termos do artigo 616.º do CPC, se o tribunal do recurso se pronunciou sobre as questões suscitadas nas conclusões do recorrente, e não sobre as questões colocadas pelo recorrido nas suas contra-alegações.


III – Decisão

 Pelo exposto, decide-se, na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, indeferir a reclamação.

Custas pelos reclamantes.

 

Supremo Tribunal de Justiça, 4 de maio de 2021


Maria Clara Sottomayor (relatora)

Alexandre Reis

Pedro de Lima Gonçalves