Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06S1957
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: VASQUES DINIS
Descritores: ARGUIÇÃO DE NULIDADES
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
FOTOGRAFIAS
DESPACHO DE ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO
ACÇÃO EMERGENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA
ÓNUS DA PROVA
CULPA DE TERCEIRO
NEXO DE CAUSALIDADE
UNIÃO DE FACTO
DIREITOS INDISPONÍVEIS
Nº do Documento: SJ200703140019574
Data do Acordão: 03/14/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.
Sumário : I - Não existe qualquer suporte legal para a intervenção correctora do juiz no sentido de suprir a falta de arguição de nulidade da sentença, no requerimento de interposição de recurso, em processo laboral – como impõe o artigo 77.º, n.º 2, do CPT –, sendo de considerar extemporânea, aquela arguição, quando deduzida, apenas, na alegação do recurso.
II - Não se inclui nos poderes do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de facto, previstos nos artigos 722.º e 729.º do CPC, o de sindicar o modo como as instâncias apreciaram fotografias juntas aos autos – valoradas pelas instâncias a par de outros meios de prova –, que não se revestem de força probatória plena quanto aos factos relativos ao local em que o sinistrado deveria exercer a sua tarefa e às características deste.
III - O despacho de arquivamento de inquérito não tem o valor de decisão judicial, nem faz caso julgado no âmbito da acção emergente de acidente de trabalho, sendo susceptível de ser alterado em sede de reclamação hierárquica ou por via do aparecimento de novos elementos de prova (artigo 279.º do CPP), pelo que as considerações nele formuladas não podem servir de base para dar como verificadas no tribunal de revista circunstâncias factuais que a recorrente alega na revista para fundamentar a sua afirmação de que agiu sem culpa.
IV - Para fazer responder de forma agravada a entidade empregadora, em virtude de o acidente de trabalho resultar de falta de cumprimento de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho (artigo 18.º da Lei n.º 100/97 de 13 de Setembro - LAT), é necessário que os beneficiários legais demonstrem: que sobre a entidade empregadora (ou seu representante) recaía o dever de observar determinadas regras de comportamento cuja observância, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação do evento danoso e que a entidade empregadora (ou seu representante) faltou à observância dessas regras, não tomando o cuidado exigível a um empregador normal; que entre essa sua conduta inadimplente e o acidente intercorre um nexo de causalidade adequada.
V - A eventual responsabilização da entidade exploradora das linhas eléctricas na eclosão do acidente, por violação da distância regulamentar prescrita no artigo 48.º do Regulamento de Segurança de Redes de Distribuição de Energia Eléctrica em Baixa Tensão, aprovado pelo Decreto Regulamentar n.º 90/84, de 26 de Dezembro, ao manter linhas de média tensão a cerca de 1,5 metros acima do telhado das instalações do empregador não liberta este, enquanto responsável directo perante os beneficiários legais, do dever de responder, em primeira linha, pelo pagamento das prestações previstas na LAT para a reparação do acidente, sem prejuízo do direito de regresso previsto no artigo 31.º, n.º 4 da mesma LAT.
VI - A conclusão pela verificação do nexo de causalidade entre a violação de regras de segurança por parte do empregador e o acidente tem que resultar com evidência dos concretos factos apurados na acção emergente de acidente de trabalho.
VII - A afirmação pela Relação do nexo de causalidade a partir da simples verificação do resultado danoso e da inobservância de regras de segurança no trabalho, sem que se estabeleça uma relação factual suficientemente caracterizadora daquele nexo entre a conduta do empregador e o resultado, constitui uma conclusão jurídica, por isso que cabe nos poderes do Supremo o de sindicar tal conclusão, confrontando a sequência cronológica dos factos apurados com as regras jurídicas que delimitam o conceito de causalidade adequada
VIII - Não é possível estabelecer um nexo de causalidade adequada entre a constatada violação de regras de segurança no trabalho pelo empregador (quando deu a ordem de limpeza das caleiras que marginam o telhado sem cuidar de prevenir o risco de contacto com as linhas e sem instruir o sinistrado dos cuidados a ter ao efectuar o trabalho na proximidade das mesmas) e a morte por electrocussão que veio a verificar-se, em circunstâncias não apuradas, enquanto o sinistrado se deslocava pelo telhado.
IX - Neste contexto, fica sem se saber por que razão, em concreto, ocorreu aquela electrocussão (se porque o sinistrado tocou nos fios quando desempenhava o seu trabalho ou se preparava para o desempenhar, se porque o sinistrado se deslocou sem necessidade de o fazer ao local em que os fios passavam enquanto aguardava pelo seu colega de trabalho, ou se por qualquer outra razão).
X - O prémio de produtividade no valor mensal de € 133,93, pago ao sinistrado em 12 meses por ano, deve ser contabilizado como parte integrante da retribuição para efeitos do disposto no artigo 26.º da LAT.
XI - Invocando a autora, viúva do sinistrado, que contraiu “união de facto”, esse elemento que incluiu nos fundamentos da acção não constitui objecto directo da mesma e apresenta-se, não como questão de direito a discutir pelas partes, mas como a enunciação de uma realidade, através da expressão usada pela norma legal de sentido coincidente com a expressão de uso comum ou corrente, por isso que deve tomar-se no próprio sentido conferido pela lei, como juízo de facto, sobre o qual nenhuma valoração virá a recair, quando as partes sobre ele não discordem.
XII - Na perspectiva de confiança na veracidade da situação alegada pela autora em cumprimento do dever de boa fé processual prescrito no artigo 266.º-A do CPC, tornou-se inexigível às partes contra as quais o direito – a receber o triplo da pensão anual – foi invocado, a alegação e prova de outros factos correlacionados com o conceito de “união de facto”.
XIII - A invocação pela autora da referida situação não configura renúncia a um direito indisponível – o direito a uma pensão anual e vitalícia decorrente da sua qualidade de viúva –, uma vez que ela se apresenta como viúva que contraiu “união de facto” e, por isso, pede aquilo que para tal condição está consignado na lei. *

*Sumário elaborado pelo Relator.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. "AA", por si e em representação de seu filho BB, intentou, no Tribunal do Trabalho de Loures, acção especial emergente de acidente de trabalho contraEmpresa-A” e “Empresa-B”, pedindo a condenação das Rés a pagar-lhes as pensões e indemnizações descritas a fls. 84 a 86.

Para tanto alegou, em síntese, que:

– O marido e pai dos Autores, CC, trabalhava sob as ordens direcção e fiscalização da 2.ª Ré, mediante retribuição, desde Agosto de 2003, com a categoria de montador de pneus;
– Este recebeu do seu superior hierárquico uma ordem para ir limpar as caleiras do telhado em chapa de zinco e nesse telhado sofreu uma descarga eléctrica em consequência da qual faleceu em 2 de Outubro de 2003;
– A responsabilidade do empregador estava transferida para a 1.ª Ré, mas esta não aceitou a responsabilidade pelo acidente por entender que o mesmo ficou a dever- -se a violação das condições de segurança por parte do empregador e que a Autora contraiu união de facto, pelo que as indemnizações e pensões a atribuir deverão atender a esta circunstância (artigo 20.º, n.º 3, da Lei n.º 100/97).
2. A Ré “Empresa-B” contestou, alegando, em resumo, que a responsabilidade da localização das linhas eléctricas é da entidade exploradora e que não violou quaisquer normas de segurança, pois o trabalho da caleira em nada se relaciona com os cabos de electricidade que alimentavam o posto de transformação existente no telhado, e que o superior hierárquico do sinistrado o orientou pormenorizadamente para a realização daquele trabalho de limpeza das caleiras do armazém, clarificando-o acerca da linha eléctrica e do posto de transformação existentes no telhado, sendo-lhe dito expressamente que não devia circular junto à zona dos cabos eléctricos, assinalados com a expressão “perigo de morte”, expressão que também existia no posto de transformação, verificando-se o acidente em consequência do comportamento espontâneo e voluntário do trabalhador, pois nunca lhe foi ordenado que se dirigisse ao posto de transformação ou junto ao mesmo circulasse.
3. Também a Ré “Empresa-A” contestou, alegando, em essência, que não se encontra transferida a responsabilidade do empregador relativamente ao subsídio de alimentação e que o acidente em causa ficou a dever-se a falta do cumprimento das normas de segurança, por parte da entidade patronal, já que no telhado de zinco passava uma linha de média tensão, a cerca de 1,5 metros de altura, quando devia estar a 4 metros de distância, e não existia qualquer tipo de protecção colectiva a prevenir o risco de contacto com tal linha (como uma manga eléctrica ou um dispositivo de corte de corrente), não tendo sido cortado o dispositivo de corrente antes de o sinistrado ir para o telhado limpar os algerozes, nem fornecido a este qualquer dispositivo de segurança individual, nem ministrada formação específica para se prevenir naquela situação, pelo que o sinistrado acabou por tocar naquela linha eléctrica, ou aproximar- -se dela a uma distância inferior a 20 cm, e sofreu o choque que lhe causou a morte
4. Depois de apresentada resposta pelos Autores, foi lavrado despacho saneador, tendo sido seleccionada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, em que se decidiu condenar:

a) A Ré “Empresa-B”, a pagar:
– À Autora AA, a pensão anual e vitalícia agravada de € 5.890,30, com início em 3 de Outubro de 2003 e até perfazer a idade de reforma por velhice e de € 6.545,10, a partir de então; a quantia de € 2.852,50 relativa a despesas de funeral com transladação e a quantia de € 2.139,60 relativa a subsídio por morte.
– Ao Autor BB, a pensão anual e temporária agravada de € 3.926,86 até perfazer 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior e ainda a quantia de € 2.139,60 relativa a subsídio por morte.
b) A Ré “Empresa-A”, subsidiariamente, e atentos os montantes auferidos pelo sinistrado transferidos pelo contrato de seguro, a pagar:
– À Autora AA, a pensão anual de € 2.582,15, com início em 3 de Outubro de 2003 e até perfazer a idade de reforma por velhice e de € 3.442,86, a partir de então; a quantia de € 2.852,50 relativa a despesas de funeral com transladação e a quantia de € 1.882,85 relativa a subsídio por morte.
– Ao Autor BB, a pensão anual e temporária de € 1.721,43 até perfazer 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior e ainda a quantia de € 1.882,85 relativa a subsídio por morte.
5. A Ré “Empresa-B” apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, impugnado a decisão, quanto à matéria de facto e quanto à matéria de direito, e arguindo a nulidade da sentença.

Igualmente, DD recorreu, com o patrocínio do Ministério Público, invocando ser filha do sinistrado e requerendo a alteração da matéria de facto, de molde a ser reconhecida como beneficiária legal do sinistrado e, em consequência, a ser-lhe reconhecido o direito a receber uma pensão anual e temporária agravada, bem como subsídio por morte.

O Tribunal da Relação julgou improcedente a apelação da Ré “Empresa-B” e procedente o recurso de DD e, em consequência, condenou a dita Ré a pagar:

a) À Autora AA:
– A pensão anual de € 4.207,35, com efeitos a partir de 3 de Outubro de 2003;
– A quantia de € 2.139,60 de subsídio por morte;
– A quantia de € 2.852,80 de subsídio de funeral.
b) A cada um dos filhos do sinistrado, BB e DD:
– A pensão anual e temporária de € 2.804,90 até perfazerem 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior.
– Subsídio por morte de € 1.069,80.

Condenou, ainda, a Ré Seguradora, subsidiariamente, no pagamento das pensões e subsídios aos beneficiários, sendo, em relação à Autora AA, de: a) € 2.382,15 de pensão anual; b) € 1.875,90 de subsídio por morte; c) € 2.501,20 de subsídio de funeral. E, em relação a cada um dos filhos do sinistrado, de: a) € 1.721,43 de pensão anual e temporária, até perfazerem 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior; b) de € 937,65 de subsídio por morte.

Decidiu, finalmente, que às prestações pecuniárias, em atraso, acrescem juros de mora, à taxa legal, a contabilizar, nos termos do artigo 135.º do Código de Processo do Trabalho, desde os respectivos vencimentos.

6. Novamente irresignada, a Ré “Empresa-B” veio recorrer de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, arguindo no requerimento de interposição de recurso a nulidade do acórdão recorrido.

Juntou, ainda, ao processo cópia do despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público no inquérito n.º 802/03.6GFLRS da 2.ª Secção dos Serviços do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Loures (certificada posteriormente a fls. 460 e segs.).

Contra-alegaram os Autores AA e BB, pugnando pela improcedência do recurso e requerendo o desentranhamento do documento junto.

Após convidada, sob promoção do Digno Magistrado do Ministério Público, a aperfeiçoar as conclusões da sua alegação, com a cominação do n.º 4 do artigo 690.º do Código de Processo Civil (doravante, CPC), veio a recorrente a formular conclusões, nos seguintes termos:

No que se refere à impugnação da douta decisão proferida em matéria de direito:

A) - Quanto às normas jurídicas violadas:

1) As alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 668.º e n.º 2 do artigo 659.º, ambos do CPC (em relação à sentença da 1ª instância):

2) O n.º 3 do artigo 668.º do CPC conjugado com o artigo 668.º, n.º 1 alínea d) do CPC (em relação ao douto acórdão do Tribunal da Relação):

3) O artigo 511.º, n.º 1 e o artigo 513.º, ambos do CPC

4) O n.º 3 do artigo 20.º da Lei 100/97, de 13 de Setembro:

5) O artigo 18.º da Lei 100/97, de 13 de Setembro.

B) Quanto ao sentido em que, no entender da Recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas:

1) O prémio de produtividade não faz parte da retribuição-base (artigo 82.º do DL 49 408. de 24-11-69), apenas ficando acordado ou se aceitando na tentativa de conciliação que o trabalhador recebeu nos dois meses que trabalhou, mas aquele prémio não era fixo, devendo ser matéria ou facto controvertido, e contrariado na contestação, e como tal não se pode aplicar o 712.º, n.º 1, alínea b) do CPC;

O prémio de produtividade é uma prestação complementar ou acessória, ligado ao rendimento de trabalho prestado e mérito do trabalhador, tendo sido pago em dois meses de trabalho, mas não era fixo, e não tinha sempre o mesmo valor.

Foi impugnado pela Ré em sede de contestação, por este motivo, não deveria ter feito parte da factualidade assente e levado à base instrutória (n.º 1 do artigo 511.º, e artigo 513.º, ambos do CPC).

2) Em termos de fixação da pensão de alimentos a pagar à Autora, foi aplicado a alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º da Lei 100/97, mas existindo, na realidade, uma situação de “união de facto” para efeitos de contabilização da pensão, esta deve ser fixada nos termos e para os efeitos legais do disposto no n.º 3 do artigo 20.º da Lei 100/97 (Qualquer das pessoas referidas na alínea a) e na alínea b) do n.º 1 que contraia casamento ou união de facto receberá por uma só vez, o triplo do valor da pensão anual).

Muito embora se fale num conceito de direito “união de facto”, ou apesar de se tratar de um conceito de direito, existem nos autos factos ou prova bastante que sustentam e fundamentam esta realidade, de que a Autora vive maritalmente com outrem, logo, o que vem disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º da Lei 100/97 foi mal aplicado.

3) A sentença não foi fundamentada suficientemente, no que se refere ao caso concreto, não se cumprindo o que vem preceituado no artigo 659.º do CPC.

Quanto a fundamentação jurídica da sentença e no que concerne às regras de segurança concretamente violadas, a sentença apenas e tão somente nos diz que não foram respeitadas as regras de segurança gerais, mas não individualiza não concretiza, não especifica em concreto quais as normas ou princípios de segurança que foram violados e que se aplicam a este preciso local de trabalho e, nomeadamente, ao caso em apreço.

4) Foi atribuída culpa à Ré Empresa-B pela verificação do resultado morte, e consequentemente, houve responsabilização agravada da mesma, pela violação das regras de segurança.

Contudo, não se deve aplicar a alínea a), do n.º 1 do artigo 18.º da Lei 100/97, uma vez que a distância não era a regulamentar (Decreto Regulamentar 1/92, de 18-02), as linhas não são da propriedade e responsabilidade da Ré Empresa-B (artigo 509.º do CC), como tal, não se deve agravar a responsabilidade da Ré Empresa-B.

C) - Quanto às normas jurídicas que devem ser aplicadas:

1) O n.º 1 do artigo 511.º, e o artigo 513.º, ambos do CPC e o artigo 82.º do DL 49 408, de 24-11-69 quanto ao prémio de produtividade que não é remuneração e fazia parte da base instrutória;

2) O n.º 3 do artigo 20.° da Lei 100/97, de 13 Setembro - para o cálculo da pensão deve ser tida em conta a realidade de união de facto existente:;

3) O artigo 659.º do CPC, mais precisamente, o n.º 2; as alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC porque a sentença da 1ª instância não fundamentou de facto e de direito e em concreto e em específico a justificação para a decisão, estando os fundamentos em oposição com a decisão;

4) O n.º 3 do artigo 668.º do CPC, conjugado com o n.º 3 do artigo 687.º do CPC e com o artigo 668.º n.º 1, alínea d) do CPC - porque o acórdão do Tribunal da Relação deixou de pronunciar-se sobre questões que deveria ter apreciado;

5) O artigo 11.º do DL n.º 143/99, de 30 de Abril, em termos de responsabilidade objectiva da Ré Empresa-B, transferida para a Ré Seguradora, pela não violação das regras de segurança no local de trabalho, conjugado com o artigo 509.º do CC (aquele que tiver a direcção efectiva de instalação destinada à condução ou entrega da energia eléctrica e utilizar essa instalação no seu interesse responde tanto pelo prejuízo que derive da condução ou entrega da electricidade como pelos danos resultantes da própria instalação, excepto se ao tempo do acidente esta estiver de acordo com as regras técnicas em vigor), e com o Decreto Regulamentar 1/92, de 18/02, uma vez que a distância regulamentar das linhas eléctricas e as instalações eléctricas não eram da responsabilidade da Ré Empresa-B.

Finaliza as suas conclusões, sustentando que deve o recurso interposto ter provimento, vir o Tribunal da Relação a conhecer o alegado pela recorrente e, a final, ser a sentença alterada em termos de fixação e atribuição da pensão à Autora, bem como ser decidido que não houve violação das regras de segurança.

O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de a revista não ser conhecida, ao abrigo do disposto no art. 690.º, n.º 4 do CPC.

Proferido despacho em que se considerou ser possível descortinar nas conclusões apresentadas as questões que a recorrente pretende ver apreciadas, foram colhidos os vistos dos Exmos. Conselheiros-Adjuntos.

7. Sabido que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, – artigos 690.º, n.º 1 e 684.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho (doravante, CPT) – as questões que, fundamentalmente, se colocam à apreciação deste tribunal são, pela sua ordem lógica, as de saber se:
1.ª - O Tribunal da Relação deveria ter apreciado as nulidades da sentença da 1.ª instância, invocadas na apelação como fundamento do recurso;
2.ª - O acórdão da Relação enferma de nulidade, por omissão de pronúncia;
3.ª - O acidente que vitimou o sinistrado resultou de violação de regras de segurança por parte da recorrente, o que pressupõe se verifique se o Supremo Tribunal de Justiça pode interferir na fixação dos factos materiais da causa nos termos propugnados pela recorrente;
4.ª - O prémio de produtividade auferido pelo sinistrado faz parte da retribuição base para efeitos de cálculo das prestações devidas pelo acidente;
5.ª - Pode atender-se nestes autos à alegada situação de “união de facto” da Autora AA.

Cumpre apreciar e decidir.

II

A - Os Factos:
As instâncias declararam provados os seguintes factos:

1. O sinistrado trabalhava por conta da Ré “Empresa-B”, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, desde Agosto de 2003.

2. Com a categoria profissional de montador de pneus, auferindo a remuneração de € 500,00 x 14 meses, mais € 133,93 x 12 meses de prémio de produtividade, mais € 110,00 x 11 meses de subsídio de alimentação.

3. No dia 19 de Setembro de 2003, o sinistrado estava no telhado do edifício das instalações da Ré “Empresa-B”, para proceder à limpeza das caleiras (algerozes), em chapa zincada, que marginam o mesmo telhado, por ordem do seu superior hierárquico EE, quando sofreu uma descarga eléctrica.

4. Em consequência dessa descarga eléctrica, o sinistrado, sofreu queimaduras graves, algumas operadas, vindo a falecer em 2 de Outubro de 2003, em consequência das mesmas.

5. A Ré “Empresa-B” tinha transferido a sua responsabilidade por acidentes de trabalho, relativamente ao sinistrado, pelo salário de € 500,00 x 14, mais € 133,93 de prémio de produtividade, para a Ré “Empresa-A.”, por contrato titulado pela apólice n.º 1900/330285/19.

6. O sinistrado foi autopsiado no Instituto de Medicina Legal de Lisboa e sepultado no cemitério de Santo Antão do Tojal.

7. A Autora AA, por não ter condições económicas, pediu à Casa do Gaiato um empréstimo para suportar as despesas do funeral.

8. O edifício referido no ponto 3. tem uma cobertura de telhado zincado.

9. Por cima dessa cobertura (telhado) passam linhas de média tensão de 30 KV, que alimentam o Posto de Transformação sito nesse telhado, que fornece energia às instalações da Ré “Empresa-B”.

10. Essas linhas estavam situadas a cerca de 1,5 metros acima do telhado.

11. Nada existia à volta ou debaixo das linhas eléctricas que prevenisse o risco de contacto com as mesmas, para quem andasse no telhado.

12. A Ré “Empresa-B” não facultou ao sinistrado qualquer tipo de protecção contra riscos derivados da existência daquelas linhas eléctricas

13. Nem lhe ministrou formação específica para efectuar o trabalho na proximidade daquelas linhas eléctricas.

14. O sinistrado, quando se deslocou ao telhado e se movimentava neste, foi electrocutado pela corrente eléctrica.

15. No telhado ou no posto de transformação existente nesse telhado, não existia qualquer sinal que alertasse para os perigos derivados das linhas eléctricas.

16. A linha eléctrica aérea não foi desactivada, nem colocada fora de tensão no período em que decorriam os trabalhos de limpeza das caleiras (algerozes).

17. O prémio de produtividade que o sinistrado auferia era de € 133,93 x 12.

Porque documentalmente provados nos autos, através das competentes certidões de nascimento, casamento e óbito, declaram-se, ainda, tendo em atenção o disposto no artigo 371.º, n.º 1, do Código Civil e 729.º, n.º 2, com referência ao artigo 722.º, n.º 2, do CPC, provados os seguintes factos:

18. A Autora AA nasceu em 30 de Julho de 1969 e casou com o sinistrado em 18 de Abril de 1990 (fls. 26 e 28).

19. O sinistrado faleceu em 2 de Outubro de 2003, no estado de casado com a Autora AA (fls. 87).

20. O Autor BB é filho do sinistrado e da Autora AA e nasceu em 12 de Setembro de 1993 (fls. 27).

21. A recorrente DD é filha do sinistrado e de FF e nasceu em 7 de Janeiro de 2003 (fls. 27).

22. A Autora AA casou com GG em 20 de Novembro de 2004 (fls. 453).

B - Do não conhecimento pela Relação da arguição de nulidades da sentença da 1.ª instância:

Na alegação da apelação, a recorrente imputou à sentença as nulidades a que se referem as alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC – falta de fundamentação e oposição entre os fundamentos e a decisão.

O acórdão recorrido não conheceu destas nulidades por não terem sido as mesmas arguidas conforme estabelece o artigo 77.º do CPT no requerimento de interposição de recurso de fls. 277, constando apenas do texto das alegações.

Na revista, a recorrente vem invocar que pretendia arguir as nulidades que especificou como fundamento do seu recurso para o Tribunal da Relação nos termos do artigo 668.º, n.º 3, 1.ª parte, do CPC, e não a arguição das nulidades da sentença para o juiz que a proferiu com vista à reforma da mesma nos termos do artigo 668.º, n.º 3, primeira parte do CPC, pelo que devem tais nulidades ser conhecidas.

A tese que a recorrente vem sustentar parte do princípio de que há duas situações que a mesma apelida de “totalmente díspares” e que, para os efeitos em causa, terão um regime diverso: a primeira é a de arguir nulidades da sentença perante a entidade que proferiu a decisão e a segunda a de alicerçar um recurso para o tribunal superior com a arguição dessas nulidades.

Deduz-se da sua alegação que só no primeiro caso haveria que cumprir o disposto no artigo 77.º, n.º 1 do CPT, norma esta que, como refere, não invocou, limitando-se a aludir ao artigo 668.º, n.º 1, al. b) e n.º 3 do CPC.

Não lhe assiste, contudo, razão, como se constata da simples análise perfunctória das disposições legais conexionadas com a arguição de nulidades e a interposição de recurso no âmbito do processo civil e laboral.

Com efeito, é bem claro o texto do artigo 77.º, n.º 1 do CPT, ao dispor que “[a] arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso”.

Como poderia compreender-se tal imposição legal de arguir a nulidade no requerimento de interposição de recurso, se a mesma só fosse exigível quando não houvesse recurso?

Não faria qualquer sentido, pelo que a simples leitura deste preceito torna evidente que a exigência de arguição da nulidade no requerimento de interposição de recurso ocorre, justamente, nos casos em que há recurso.

Na verdade, no âmbito do processo laboral, só se a parte não pode (como no processo civil) ou não quer recorrer, é que a arguição de nulidades da sentença é feita em requerimento autónomo dirigido ao juiz que a proferiu, como expressamente previne o artigo 77.º, n.º 2, do CPT.

Interpondo recurso, a parte tem, necessariamente, que arguir as nulidades da sentença – v.g. por contradição entre os fundamentos e a decisão, falta de fundamentação (de direito ou de facto), omissão de pronúncia e condenação em quantidade maior ou objecto diverso do pedido –, expressa e separadamente, no requerimento de interposição de recurso.

Esta imposição legal, inspirada em razões de economia e celeridade processuais, destina-se a facilitar a apreensão pelo juiz recorrido das nulidades invocadas no requerimento que lhe é dirigido, nos termos do n.º 3 do referido artigo 77.º, e habilitá-lo a proceder eventualmente ao seu suprimento (sem prejuízo de o tribunal superior também sobre elas se pronunciar).

Em consonância com esta especialidade estabelecida pela lei adjectiva laboral, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem considerado pacificamente que não deve ser conhecida pelo tribunal ad quem a nulidade da sentença em processo laboral que não foi arguida no requerimento de interposição de recurso, mas apenas nas respectivas alegações, por extemporânea (1).

Parte esta jurisprudência do pressuposto de que o requerimento e as alegações constituem peças processuais distintas, com destinatários diversos, ainda que constem do mesmo documento, e da consideração de que o tribunal recorrido, sem conhecer as razões do arguente expressas no único requerimento que lhe é dirigido – o requerimento de interposição de recurso –, não pode pronunciar-se sobre tais razões e, sendo caso disso, suprir a arguida nulidade.

Embora possa questionar-se de iure condendo se se justifica a manutenção desta exigência legal da arguição da nulidade no requerimento de interposição de recurso (até porque no processo civil comum o juiz a quo tem igualmente a possibilidade de suprir a nulidade antes da subida do recurso – n.º 4 do art. 668.º do CPC –, e não se exige ao recorrente que a invoque sob aquele rigoroso formalismo processual), é indiscutível que, à face da lei vigente, se impõe à parte a observância desta formalidade no processo laboral.

Não tem, pois, qualquer acolhimento, no regime legal em vigor, a distinção que a recorrente faz quanto à arguição de nulidades, nada a dispensando de proceder a tal arguição no requerimento de interposição de recurso.

Ora, no requerimento de interposição da apelação (fls. 277), a recorrente não arguiu qualquer nulidade da sentença, vindo a fazê-lo, apenas, nas alegações subsequentemente apresentadas.

Bem andou, pois, o Tribunal da Relação, ao não tomar conhecimento das nulidades incorrectamente arguidas.

E não era, também, caso de fazer uso da faculdade legal conferida no artigo 687.º, n.º 4, do CPC ou do dever consignado no artigo 690.º, n.º 4, do mesmo diploma legal, como parece, ainda, defender a recorrente.

Com efeito, a primeira reporta-se aos casos de erro na espécie do recurso, estabelecendo que se mandarão seguir os termos do recurso que se julgue apropriado, e o segundo contempla os casos de falta, deficiência, obscuridade ou complexidade das conclusões das alegações de recurso, possibilitando que o relator convide o recorrente a apresentar, completar, esclarecer ou sintetizar as conclusões, situações estas que são manifestamente distintas da inobservância do regime legal aplicável na arguição de nulidade.

Para estas situações, em que a parte age extemporaneamente, não há qualquer suporte legal para a intervenção correctora do juiz no sentido de suprir a deficiência da sua actuação.

Improcede, pois, a arguida nulidade do acórdão recorrido.

C - Da nulidade do acórdão por omissão de pronúncia:

Pretende a recorrente que o acórdão da Relação é nulo por omissão de pronúncia, nos termos dos artigos 668.º, n.º 1, alínea d) e 668.º, n.º 3, do CPC, na medida em que não apreciou a circunstância de a Autora estar a viver ou ter contraído união de facto com outra pessoa, que é um facto assente no processo e que não pode deixar de ser apreciado, devendo a pensão ser fixada nos termos do n.º 3 do art. 20.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro.

Nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC, é nula a sentença: “[q]uando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Ora, não é correcto afirmar-se que o acórdão deixou de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar – como impõe o artigo 660.º, n.º 2 do CPC –, designadamente no que diz respeito à questão, suscitada no recurso de apelação, de saber se a pensão da Autora AA (viúva) deve ser fixada nos termos do n.º 3 do artigo 20.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e se deve atender-se nestes autos à situação de união de facto que esta alegou.

O acórdão enunciou tal questão como questão a decidir e veio, efectivamente, a apreciá-la, considerando que a expressão "união de facto", além de ser um conceito de direito necessita, para produzir efeitos, de determinados requisitos que não foram alegados, nem estão demonstrados nos autos, pelo que se considerou impossibilitado de aplicar ao caso aquele normativo.

A recorrente discorda deste entendimento que o acórdão expressou, questão esta que tem pertinência em sede de recurso – que a recorrente interpôs, suscitando, de novo, nas alegações da revista a questão da atendibilidade da situação de união de facto que a Autora alegou na petição inicial e dos inerentes efeitos jurídicos –, mas que não consubstancia, manifestamente, nulidade do julgado nos termos apontados pela recorrente e de acordo com o que prescreve a norma em causa.

Não se verifica, pois, também nesta vertente, o vício processual que assaca ao acórdão.

D - Da imputação do acidente a violação de regras de segurança por parte do empregador:
1. Em face do modo como a recorrente estrutura a revista, a questão de saber se o acidente que vitimou o sinistrado resultou de violação de regras de segurança no trabalho, pressupõe se verifique se este Supremo Tribunal pode interferir na fixação dos factos materiais da causa.

Com efeito, embora refira nas suas alegações que questiona a decisão da Relação “em respeito pelo preceituado nos artigos 721.º, n.º 2 e 722.º, n.º 1 do CPC” (fls. 416), a recorrente começa por sustentar a sua tese de que não houve violação de regras de segurança no local de trabalho nem se lhe exigia um dever de cuidado, essencialmente, invocando as circunstâncias de:

as caleiras que o sinistrado fora incumbido de limpar se situarem afastadas das linhas de média tensão, em local do telhado oposto às mesmas;
o trabalho de limpeza se realizar em local específico, fora do alcance das linhas ou do efeito de sucção da corrente;
a Ré haver dado ordens ao sinistrado para não se aproximar das linhas ou ir para o lado do telhado onde elas passavam;
haver, no local, um sinal amarelo indicando perigo de morte por electrocussão;
haver no local um muro que separa a zona do posto de transformação e das linhas de média tensão, que constitui protecção contra o risco de contacto com estas linhas;
a Ré supor legitimamente que tais linhas se encontravam a 4 metros de altura, pois que as instalações eléctricas foram aprovadas e vistoriadas por quem tem a sua propriedade e é responsável pelo seu controlo e manutenção (a EDP).

Apesar da prolixidade das suas alegações – e de este conjunto circunstancial ter alguns aspectos que são várias vezes repetidos e ditos de diferentes formas, a par de considerações de natureza jurídica –, são, em suma, estes os factos em que a recorrente alicerça a conclusão de que agiu sem culpa, considerando que, em tais circunstâncias, não era previsível, nem a recorrente chegou a conjecturar, a hipótese do risco de morte por electrocussão.

Ora estes factos (incluindo o próprio facto psicológico em que se traduz a convicção da R. quanto à distância a que se encontravam as linhas (2) não têm qualquer correspondência na matéria de facto apurada pelas instâncias.

E, como resulta com clareza das disposições conjugadas dos artigos 87.º, n.º 2 do CPT, 722.º e 729.º do CPC, não cabe no âmbito dos poderes de cognição que ao Supremo são conferidos pela lei processual o de dar como provados tais factos.

Na verdade, o Supremo funciona estruturalmente como um tribunal de revista e não como uma 3.ª instância, conhecendo unicamente de matéria de direito nos termos do artigo 26.º da Lei n.º 3/99 de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), e dos citados preceitos do CPT e do CPC, cabendo-lhe aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido e não podendo, em regra, alterá-los

Sendo um tribunal de revista, compete-lhe, fundamentalmente, apreciar a justeza da aplicação do direito substantivo, incidindo os seus poderes cognitivos sobre a matéria de direito da decisão recorrida.

De harmonia com o disposto nos artigos 729.º, n.º 2, 1.ª parte, e 722.º, n.º 2, do CPC, a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, nem o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa pode ser objecto da revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, ou seja, salvo havendo erros sobre regras de direito probatório material que ocorram no Acórdão da Relação, na sentença ou, até, nas respostas à base instrutória.

E de acordo com o artigo 729.º, n.º 3 do mesmo CPC, o Supremo tem o poder de ampliar a matéria de facto para corrigir as omissões de julgamento e as obscuridades resultantes de contradições insanáveis na matéria de facto, impeditivas da aplicação do regime jurídico adequado, ordenando então a volta do processo à 2.ª instância para ampliar a decisão de facto em ordem a esta constituir base suficiente para a decisão de direito.

No caso sub judice, a recorrente invoca que há prova fotográfica suficiente da sinalização amarela indicando perigo de morte por electrocussão e do muro que separa a zona do posto de transformação e das linhas de média tensão, que constitui protecção contra o risco de contacto com estas linhas.

Além disso, juntou aos autos certidão do inquérito n.º 802/03.6GFLRS da 2.ª Secção dos Serviços do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Loures (certificada posteriormente a fls. 460 e segs.), que contém o despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público em 21 de Dezembro de 2005, considerando não existirem indícios suficientes da prática, pelo Presidente do Conselho de Administração e pelo Gestor do Posto de Assistência Técnica da Ré, de um crime previsto e punido pelo artigo 152.º, n.os 4 e 5 alínea b) do Código Penal.

Reconduzimo-nos, pois, ao âmbito dos poderes constantes do artigo 722.º, n.º 2, do CPC.

Em face do que estabelece este preceito, o Supremo só pode sindicar o conteúdo da matéria de facto fixada pela Relação quando esta considerou provado algum facto sem a produção de prova por força da lei indispensável para demonstrar a sua existência, ou desrespeitou as normas reguladoras da força probatória dos meios de prova previstos no nosso ordenamento jurídico.

Ora, as fotografias juntas aos autos não se revestem efectivamente de força probatória plena quanto aos factos que a recorrente agora pretende ver atendidos, sendo certo que a maioria destes factos foi submetida a prova e foram os mesmos dados como não provados pela primeira instância, não alterando a Relação a matéria de facto apesar de expressamente impugnada pela recorrente, aí apelante (vide as respostas aos quesitos 13.º a 18.º).

Não pode, pois, o Supremo sindicar o modo como as instâncias apreciaram tais meios de prova (3).

Por outro lado, o despacho de arquivamento de inquérito certificado no documento junto não tem o valor de decisão judicial, nem faz caso julgado no âmbito da acção emergente de acidente de trabalho.

Tal despacho é, aliás, susceptível de ser alterado em sede de reclamação hierárquica ou por via do aparecimento de novos elementos de prova (artigo 279.º do Código de Processo Penal), pelo que as considerações nele formuladas não podem servir de base para dar como verificadas as circunstâncias factuais que a recorrente alega na revista para fundamentar a sua afirmação de que agiu sem culpa (4).

É certo que o artigo 727.º do CPC permite a junção de documentos supervenientes com a alegação da revista.

Esta superveniência dos documentos, que o artigo 727.º permite que sejam juntos com as alegações da revista, deve tomar como ponto de referência o momento em que na Relação se iniciaram os vistos aos juízes (artigo 706.º, n.º 2, do mesmo Código); isto é, só pode considerar-se superveniente, no recurso de revista, o documento cuja apresentação pela parte interessada não tenha sido possível até àquele momento (5).

No caso vertente, uma vez que o despacho certificado no documento que a recorrente apresenta foi emitido em 21 de Dezembro de 2005 e o início da vista aos juízes adjuntos no Tribunal da Relação ocorreu em 23 de Setembro de 2005, deve considerar-se que a apresentação pela parte interessada não foi possível até ao momento em que na Relação se iniciaram os vistos aos juízes adjuntos.

Deve, contudo, ter-se em consideração que o artigo 727.º, do CPC, ao dispor que com as alegações de revista “podem juntar-se documentos supervenientes, sem prejuízo do disposto no n.º 2, do artigo 722.º e no n.º 2 do artigo 729.º, apenas permite, afinal, a junção de documentos nesta fase se a junção se reporta a documentos que permitiriam ao Supremo conhecer da matéria de facto, nos precisos termos daquelas disposições legais (6).

Ora, nem o despacho proferido no processo de inquérito tem, de modo algum, força obrigatória no âmbito desta acção, nem o que o incorpora se reveste de força probatória plena quanto aos factos relatados naquele despacho.

Assim, ainda que possa afirmar-se a superveniência deste documento de fls. 460 e segs., não pode o mesmo ser admitido nem ponderado pelo Supremo para fundamentar a decisão jurídica do pleito.

Em suma, tendo a decisão sobre a matéria de facto por fundamento os documentos juntos aos autos (nos quais se incluem as fotografias (7) e depoimentos de testemunhas, e não existindo qualquer disposição expressa na lei que exija certa espécie de prova para os factos envolvidos no complexo circunstancial invocado pela recorrente na revista para afastar a sua culpa, ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova (designadamente dos meios de prova a que a recorrente alude nas suas alegações), o eventual erro na apreciação e valoração das provas pelas instâncias não pode ser agora sindicado, por não se verificar a situação excepcional prevista na parte final do n.º 2 do artigo 722.º do CPC.

Não pode, por conseguinte, o Supremo Tribunal de Justiça alterar a matéria de facto fixada pelas instâncias no que diz respeito a esta questão, por tal alteração exceder manifestamente os poderes que em sede de apreciação factual, lhe são conferidos pela lei processual civil.

2. Vejamos, pois, se, em face da factualidade fixada pelas instâncias, pode afirmar-se que o acidente que vitimou o sinistrado se deveu a violação das regras de segurança no trabalho por parte da recorrente, sua empregadora.

O acórdão recorrido concluiu, face à factualidade apurada nos pontos 3, 4 e 14 da matéria de facto, que a recorrente violou no caso concreto normas de segurança no trabalho e que tal violação foi a causa da morte, por electrocussão, do malogrado sinistrado.

Considerou, ainda, que, mesmo que se entendesse que o acidente não teve por causa a inobservância de normas de segurança no trabalho, resulta manifesto da matéria provada que a Ré não assegurou ao sinistrado as condições de segurança para a execução do trabalho de que o incumbira, traduzindo-se tal actuação numa falta de um dever geral de cuidado.

A recorrente, por sua vez, invoca que não violou regras de segurança no local de trabalho e não omitiu nenhum dever de cuidado, que a sua responsabilidade pelo acidente é objectiva e se mostra transferida para a seguradora e, ainda, que não deve haver responsabilização agravada por violação de regras de segurança pois a distância das linhas não era a regulamentar e as linhas não são de sua propriedade.

Relativamente aos casos especiais de reparação, o artigo 18.º, n.º 1, do Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais (LAT), constante da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, estabelece o agravamento das prestações emergentes de acidentes trabalho: “[q]uando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar da falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho”.

Em tais casos, a responsabilidade pelo pagamento das prestações previstas na LAT da instituição seguradora para quem o empregador haja transferido a sua responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho assume cariz subsidiário nos termos do seu artigo 37.º, n.º 2 e reporta-se às prestações normais previstas nesta lei.

O artigo 18.º da LAT não fala agora em “culpa” da entidade patronal, ao invés do que sucedia no âmbito da Base XVII da Lei n.º 2 127, de 3 de Agosto de 1965 e do seu Regulamento (Decreto n.º 360/71, de 21 de Agosto), embora aluda ao acidente “provocado” pela entidade empregadora e ao que resultou “da falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho”, exigindo igualmente quanto a esta última hipótese, quer a constatação da inobservância das regras, quer o nexo de causalidade entre esta inobservância e o acidente (8) .

Mas a ideia de culpa continua subjacente a toda a previsão do preceito: ele “representa uma imputação do dano a um sujeito a título de culpa e, como tal, acarreta as funções acessórias de prevenção e sanção que este sistema prossegue” (9).

Também a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, já no âmbito da LAT, tem considerado que a previsão do seu artigo 18.º, n.º 1 abrange as hipóteses em que o acidente de trabalho se ficou a dever a culpa (abrangendo o dolo e a mera culpa) da entidade patronal ou do seu representante (10).

Assim, apesar de o artigo 18.º da LAT não fazer qualquer referência ao conceito de culpa em sentido lato, todos os juízos pressupostos na norma estão relacionados com o padrão de negligência previsto na lei civil.

Para o funcionamento da estatuição do preceito é necessário concluir:

1.º - que sobre a entidade empregadora (ou seu representante) recaia o dever de observar determinadas regras de comportamento cuja observância, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação do evento danoso e que a entidade empregadora (ou seu representante) faltou à observância dessas regras, não tomando por esse motivo o cuidado exigível a um empregador normal,

2.º - que entre essa sua conduta inadimplente e o acidente intercorre um nexo de causalidade adequada.

Já no regime previsto na antecedente da Lei n.º 2 127 era exigida uma violação de regras de segurança causal do acidente (artigo 54.º do Decreto n.º 360/71).

De acordo com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2002.04.24 (Revista n.º 3447/01, 4ª Secção), não basta que do processo decorra a inobservância das regras de segurança por parte da entidade patronal para que esta seja a responsável principal pelo acidente, sendo indispensável que a seguradora (dado que a subsidiariedade da sua responsabilidade tem como pressuposto a culpa da entidade patronal ou do seu representante) demonstre que o acidente ocorreu em virtude de tal violação, ou seja, que demonstre o nexo de causalidade entre a inobservância das regras de segurança e o acidente. Verificada a violação de regras de segurança, a presunção de culpa funcionará, mas apenas desde que se verifique um nexo de causalidade entre essa violação e o acidente.

Quando sejam os beneficiários legais do sinistrado a peticionar o agravamento previsto no citado artigo 18.º, sobre eles recai o ónus da prova dos factos demonstrativos de que a inobservância das regras de segurança por parte do empregador foi causal do acidente (dado que o agravamento da responsabilidade do empregador tem, também, como pressuposto a culpa da entidade patronal ou do seu representante) – artigo 341.º, n.º 1 do Código Civil.

3. Vejamos, então, se, no caso que nos ocupa, se verificou violação de regras de segurança pela entidade patronal (1º requisito apontado) e, em caso afirmativo, se se verificou o nexo de causalidade entre essa violação e o acidente (2.º requisito apontado).

Analisando as regras legais aplicáveis, deve começar por afirmar-se que nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de Novembro (diploma que contém os princípios que visam promover a segurança, higiene e saúde no trabalho), todos os trabalhadores têm direito à prestação de trabalho em condições de segurança, higiene e de protecção na saúde.

De acordo com o n.º 1 do artigo 8.º deste diploma, o empregador é obrigado a assegurar aos trabalhadores as condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho, devendo, para o efeito e, como se refere no n.º 2 do mesmo preceito, aplicar as medidas necessárias, tendo em conta os princípios de prevenção, designadamente procedendo à identificação dos riscos previsíveis, combatendo-os na origem, anulando-os ou limitando os seus efeitos de forma a garantir um nível eficaz de protecção dos seus trabalhadores; integrando, a todos os níveis, a avaliação dos riscos para a segurança e saúde dos trabalhadores, com a adopção das convenientes medidas de prevenção; dando-lhes instruções adequadas e, ao mesmo tempo, levando em consideração se eles tinham conhecimentos e aptidões em matéria de segurança e saúde no trabalho que lhes permitisse exercer com segurança as tarefas de que fossem incumbidos e assegurando a vigilância adequada da saúde dos seus trabalhadores em função dos riscos a que se encontrassem expostos no local de trabalho.

Por seu turno, o artigo 9.º n.º 1, alínea a), do mesmo diploma, impõe ao empregador um dever de informação actualizada aos trabalhadores, sobre os riscos para a segurança e saúde, bem como sobre as medidas de protecção e de prevenção e a forma como se aplicam, relativas ao posto de trabalho ou à função que executem, e o artigo 12.º, n.º 1 estipula que os trabalhadores devem receber uma formação adequada e suficiente no domínio da segurança, higiene e saúde no trabalho, tendo em conta as respectivas funções e posto de trabalho.

A Ré seguradora e os Autores invocaram que a Ré “Empresa-B” violou o Decreto Regulamentar n.º 1/92, de 18 de Dezembro, pois as linhas existentes sobre o telhado das instalações da “Empresa-B” estavam a cerca 1,50 metros de altura e o artigo 29.º n.º 1, alínea a), do referido diploma, estabelece que as linhas eléctricas devem estar distanciadas 4 metros da cobertura do edifício.

No acórdão da Relação, ponderou-se, bem, que o Decreto Regulamentar n.º 1/92, de 18 de Fevereiro, não tem aplicação ao caso dos autos por ser aplicável apenas às linhas de alta tensão (definidas nos termos do artigo 4.º, n.º 51 do “Regulamento de Segurança de Linhas Eléctricas de Alta Tensão”, aprovado por aquele Decreto Regulamentar, como as que excedem em corrente alternada 1000 V e em corrente contínua 1500 V), quando é certo que o acidente dos autos ocorreu com linha eléctrica de média tensão de 30 KV (ponto 9 da matéria de facto).

Relativamente às linhas de média tensão, apenas a previsão do artigo 48.º do Regulamento de Segurança de Redes de Distribuição de Energia Eléctrica em Baixa Tensão, aprovado pelo Decreto Regulamentar n.º 90/84, de 26 de Dezembro – e que, no seu artigo 3.º, n.os 18 e 19, define as linhas de baixa tensão como as que não excedem os valores em corrente alternada 1000 V e em corrente contínua 1500 V –, é susceptível de as abarcar.

Dispõe aquele artigo 48.º, em relação à distância dos condutores nus de baixa tensão aos edifícios, que:

1 - Na proximidade dos edifícios, com excepção dos afectos a serviços eléctricos, os condutores nus não deverão penetrar na zona de protecção definidas pelas distâncias mínimas seguintes:

(...)

c) A coberturas horizontais: 3 metros acima do pavimento”(11) .

Deste modo, uma vez que, por cima do edifício das instalações da Ré passavam linha eléctricas de média tensão, situadas apenas a cerca de 1,5 metros acima do telhado, em infracção ao determinado nesta disposição legal, é manifesto que o superior hierárquico do sinistrado violou regras de segurança no trabalho, ao ordenar que aquele procedesse à limpeza das caleiras em chapa zincada que marginam aquele telhado também zincado (pontos 3 e 8. a 10 dos factos provados), sem que previamente lhe ministrasse formação específica para efectuar o trabalho na proximidade daquelas linhas eléctricas (ponto 13), sem que lhe tenha facultado qualquer tipo de protecção (ponto 12), sendo certo que, como se provou, nada existia, à volta ou por baixo das linhas eléctricas, que prevenisse o risco de contacto com as mesmas ou que alertasse para os perigos daí derivados, para quem andasse no telhado (pontos 11 e 15).

Neste circunstancialismo, impunha-se ao empregador identificar a medida do risco previsível de contacto do trabalhador com as linhas de média tensão existentes por cima do telhado das suas instalações e adoptar as convenientes medidas de prevenção, quer verificando se este tinha conhecimentos e aptidões em matéria de segurança no trabalho que lhe permitissem exercer com segurança a tarefa de limpeza das caleiras de que foi incumbido, quer dando-lhe instruções adequadas ou providenciando por que ele fosse alertado, de qualquer modo, relativamente aos perigos derivados da existência das linhas eléctricas àquela distância da cobertura, quer dotando o sinistrado, ou as próprias linhas, de protecção que evitasse o contacto.

Quanto à desactivação da linha, afigura-se não resultarem da matéria de facto apurada factos susceptíveis de demonstrar que o específico trabalho de limpeza das caleiras a realizar implicava a necessidade dessa medida extrema, pelo que neste específico aspecto, não pode afirmar-se a violação de regras de segurança por parte do empregador, ao não providenciar por tal desactivação.

Deve acrescentar-se que a inobservância das regras de segurança, genericamente prescritas nos identificados preceitos do Decreto-Lei n.º 441/91, sempre deveria afirmar-se, ainda que não existisse prescrição legal da distância mínima a que devem situar-se as linhas, na medida em que, como bem se afirma no acórdão recorrido, “é público e notório que uma corrente eléctrica de média tensão é susceptível de provocar a morte ou graves ferimentos ao simples contacto dela com o corpo humano”, pelo que constitui factor de risco o simples facto de o superior hierárquico do sinistrado lhe ter ordenado para proceder à limpeza das caleiras que marginam o telhado, “quando por cima deste mesmo telhado estavam situadas linhas de média tensão de 30 KV, a uma altura de apenas de 1,5 metros acima dele (altura bem inferior à de um homem médio)”.

É evidente que, neste circunstancialismo, a possibilidade de o trabalhador vir a contactar directamente com a corrente eléctrica, correndo graves riscos para a sua saúde e para a sua vida, aumenta sobremaneira, pelo que a recorrente, ao ordenar ao sinistrado a limpeza das caleiras daquele telhado, deveria ter adoptado as referenciadas medidas de prevenção.

A esta conclusão não obstam as circunstâncias de as linhas em causa não serem da sua propriedade e responsabilidade, de a instalação destinada à condução da energia eléctrica não estar sob a sua direcção efectiva e de as linhas não se encontrarem de acordo com as regras técnicas em vigor, como sustenta a recorrente.

A apurada distância das linhas face ao telhado – legal ou ilegal, regular ou irregular – constituía uma evidência que o empregador não podia ignorar ao ordenar a prestação laboral naquele local, impondo-se-lhe, como responsável primeiro por assegurar as condições de higiene, segurança e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho nos termos do preceituado no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 441/91, o conhecimento das circunstâncias concretas em que a actividade do trabalhador se iria desenvolver e a adopção de medidas que minimizassem ou eliminassem, se possível, o risco inerente à indevida proximidade das linhas.

Tal não significa que se esteja a negar definitivamente a responsabilidade eventual de terceiro a quem seja de imputar o acidente, ou com culpa concorrente (caso o acidente deva também imputar-se a culpa do empregador), ou com culpa exclusiva (caso o empregador responsa apenas pelo risco).

Em ambos os casos, a lei especial reparadora dos acidentes de trabalho reconhece o direito de regresso do empregador ou da seguradora para quem o primeiro haja transferido a sua responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho (artigo 31.º, n.º 4, da LAT).

Conclui-se, pois, que a empregadora, recorrente, não observou todas as cautelas que a lei lhe impõe no contexto da realização pelo sinistrado da tarefa de limpeza das caleiras do telhado das suas instalações e que a eventual responsabilização da entidade exploradora das linhas eléctricas na eclosão do acidente não a liberta, enquanto responsável directa perante os beneficiários legais, do dever de responder, em primeira linha, pelo pagamento das prestações previstas na LAT para a reparação do acidente.

4. Mas já não pode afirmar-se, em face da factualidade apurada, que o acidente se ficou a dever aos factos de a recorrente não ter ministrado ao sinistrado formação específica (ponto 13), de não lhe ter facultado protecção (ponto 12), de nada existir à volta ou por baixo das linhas eléctricas que prevenisse o risco de contacto com as mesmas (ponto 11) e de não existir no telhado ou no posto de transformação sinal que alertasse para os perigos derivados das linhas eléctricas (ponto 16), ou seja, não resulta dos factos provados a verificação do requisito do nexo de causalidade adequada entre a violação das cautelas que se impunham ao empregador e o concreto acidente que vitimou o sinistrado.

Para tanto, teriam que estar provados factos dos quais pudesse extrair-se aquele nexo de causalidade, designadamente, que o trabalho a desenvolver iria ser efectuado junto das linhas e que o sinistrado estava permanentemente em risco de lhes tocar e tocou efectivamente, que o sinistrado desconhecia que não podia aproximar-se e tocar nas linhas e que, por isso, inadvertidamente, se aproximou da mesmas e, eventualmente, lhes tocou, quando desempenhava o seu trabalho, ou que o poder de sucção das linhas se verificava em toda a cobertura das instalações como vêm os Autores a alegar na revista (situação esta em que, a nosso ver, nunca poderia o sinistrado realizar o trabalho sem se desactivarem as linhas aéreas).

Em todas estas hipóteses, seria possível descortinar um nexo de causalidade adequada entre a violação de regras de segurança no trabalho e o resultado da morte por electrocussão do sinistrado.

Os Autores e a Ré seguradora não provaram, nos presentes autos, quaisquer factos deste teor, ou similares, dos quais possa este Supremo retirar a conclusão de que se verificou o aludido nexo de causalidade adequada entre a violação da regra de segurança em causa pela entidade patronal e o acidente e o seu resultado letal.

Nada permite afirmar que, se ao sinistrado fosse ministrada formação específica ou se existisse um sinal que alertasse para os perigos derivados das linhas eléctricas, ou se ele (ou as próprias linhas) tivessem qualquer tipo de protecção contra riscos derivados da aludida proximidade, não seria electrocutado pela corrente eléctrica, o que impossibilita a afirmação do nexo de causalidade, cuja verificação é necessária para que se verifique a hipótese legal estabelecida no artigo 18.º da LAT.

Sabe-se, apenas, que o sinistrado estava no telhado do edifício das instalações da Ré “Empresa-B”, para proceder à limpeza das caleiras que o marginam, por ordem do seu superior hierárquico EE, e que, quando se deslocou ao telhado e se movimentava neste, foi electrocutado pela corrente eléctrica, vindo a falecer em consequência das queimaduras que, então, sofreu (pontos 3, 4 e 14 dos factos provados), desconhecendo-se a razão por que, em concreto, ocorreu aquela electrocussão: se porque o sinistrado tocou nos fios quando desempenhava o seu trabalho ou se preparava para o desempenhar, se porque o sinistrado se deslocou sem necessidade de o fazer ao local em que os fios passavam enquanto aguardava pelo seu colega de trabalho, se porque o poder de sucção da tensão eléctrica se sente em qualquer ponto do telhado (o que imporia o corte da corrente, de cada vez que alguém se deslocasse ao telhado), ou se por qualquer outra razão.

A jurisprudência que este Supremo Tribunal vem emitindo, relativamente à averiguação do condicionalismo que preenche este requisito da responsabilização agravada do empregador prevista na LAT, denota que a afirmação do nexo de causalidade entre a violação de regras de segurança por parte do empregador e o acidente tem que resultar com evidência dos concretos factos apurados na acção emergente de acidente de trabalho.

Assim, no Acórdão de 24 de Novembro de 2004 (Recurso n.º 2265/04-4.ª Secção) (12), considerando-se que o facto de a entidade patronal manter ao serviço a máquina com serra circular, completamente obsoleta, com mais de 30 anos, sem qualquer protecção ou mecanismos que impedissem o contacto directo do manobrador com os seus elementos cortantes, traduz uma violação de regras de segurança contidas no Decreto-Lei n.º 441/91, entendeu-se que, não se tendo apurado se a actuação do trabalhador/sinistrado, no sentido de desencravar a ripa, correspondeu ou não a uma decisão instintiva ou quase instintiva, não é possível concluir que a violação das regras de segurança por parte da entidade patronal, foi, em concreto, causal da ocorrência do acidente.

E o Acórdão de 9 de Dezembro de 2004 (Recurso n.º 3036/04-4.ª Secção) (13), considerando que os elementos móveis dos equipamentos de trabalho, susceptíveis de causar acidentes por contacto mecânico, devem dispor de protectores que impeçam o acesso às zonas perigosas (artigos 5.º e 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 82/99, de 16 de Março) e que a inexistência de manga de protecção no veio de transmissão que liga o tractor a um atrelado-cisterna configura um caso de violação daquela disposição legal, sendo tal violação susceptível, em abstracto, de aumentar o risco de acidentes de trabalho, veio a entender que isso não basta para que se possa dar como provado o nexo de causalidade entre a violação daquelas normas e o acidente, que consistiu em o sinistrado ter ficado com uma perna presa no veio de transmissão, sendo ainda necessário que a falta da manga de protecção tenha sido, em concreto, umas das causas do acidente. Concluiu este aresto que, não sendo conhecidas as causas que levaram à prisão da perna, não é possível estabelecer aquele nexo.

No caso sub judice não é, igualmente, possível estabelecer um nexo de causalidade adequada entre a constatada violação de regras de segurança no trabalho pelo empregador (quando deu a ordem de limpeza das caleiras sem cuidar de prevenir o risco de contacto com as linhas e sem instruir o sinistrado dos cuidados a ter ao efectuar o trabalho na proximidade das mesmas) e a morte por electrocussão que veio a verificar-se, em circunstâncias não apuradas, enquanto o sinistrado se deslocava pelo telhado.

Eram os Autores e a Ré seguradora que tinham que provar os factos necessários à demonstração deste nexo de causalidade entre a violação de regras de segurança e o acidente de trabalho que vitimou o sinistrado, e não o fizeram.

Soçobra, pois, a pretensão dos primeiros em ver agravadas nos termos peticionados as prestações reparatórias previstas na lei e a pretensão da segunda em ver a sua responsabilidade configurada em ternos meramente subsidiários.

Por não estarem provados os factos que permitam a afirmação do segundo requisito enunciado no artigo 18.º da LAT, não pode concluir-se que o acidente ocorreu devido à violação das regras de segurança em causa ou à omissão dos deveres de cuidado que recaíam sobre o empregador quando determinou que o sinistrado procedesse à limpeza das caleiras existentes no telhado das suas instalações, razão por que não se mostra integrada a hipótese prevista naquela norma.

5. Convém, aqui, deixar uma referência aos poderes do Supremo Tribunal na averiguação do nexo de causalidade a que nos vimos reportando.

O Tribunal da Relação concluiu que se verificava este requisito do nexo de causalidade entre a inobservância das regras de segurança no trabalho e o acidente, considerando, em suma, que a ordem dada ao sinistrado pelo seu superior hierárquico determinou a morte por estarem as linhas a cerca de 1,5 metros acima do telhado e, também, por ter o empregador violado um dever geral de cuidado ao não assegurar ao sinistrado as condições de segurança para a execução do trabalho de que o incumbira.

A questão que se coloca é a de saber se esta conclusão constitui uma afirmação de carácter jurídico-conclusivo ou uma ilação de facto que não pode ser censurada pelo Supremo.

Como resulta das considerações precedentes, entendemos que a referida conclusão constitui uma afirmação de cariz jurídico-conclusivo.

Segundo a jurisprudência praticamente uniforme, e há longos anos firmada, a averiguação da existência de nexo causal constitui matéria de facto (14) .

Deve contudo precisar-se que a verificação do nexo causal entre uma conduta e um evento só se traduz exclusivamente em apreciação de matéria de facto quando é possível estabelecer uma relação directa e necessária de causa para efeito entre o evento e a conduta do lesante.

De contrário, transcende-se a apreciação da simples matéria de facto, exigindo-se a análise da situação à luz de critérios jurídicos, o que constitui matéria de direito sujeita à eventual censura do Supremo (15).

Efectivamente, embora a afirmação do nexo de causalidade necessite de uma forçosa sustentação em factos naturalísticos a apurar na fase instrutória do processo, a qualificação jurídica da matéria de facto que se apurou, na medida em que se traduz na indagação, interpretação e integração das regras de direito pertinentes, constitui uma actividade que o artigo 664.º do CPC comete ao tribunal e que, concretamente, quanto ao tribunal de revista, constitui a essência das suas atribuições.

Assim, perante a matéria de facto apurada, e atendendo ao modo como no ordenamento jurídico aplicável é configurado o nexo de causalidade, tem o Supremo o poder de valorar se se verifica, ou não, tal nexo causal, no caso que lhe cumpre analisar, de modo a concluir pela verificação, ou não, dos pressupostos do direito invocado na acção sobre que incide a sua apreciação.

Como se decidiu no Acórdão de 4 de Junho de 2003 (Revista n.º 3304/02-4ª Secção), “a verificação do nexo causal entre a conduta e o evento só se traduz, exclusivamente, em apreciação de matéria de facto, quando é possível estabelecer uma relação directa e necessária de causa para efeito entre o evento e a conduta do lesante; de contrário, transcende-se a apreciação da simples matéria de facto, exigindo-se a análise da situação à luz de critérios jurídicos, a fim de valorar o facto naturalístico que deu causa a um dano, qualificando a relação causal provada como relação de causalidade relevante em face do modo como na norma aplicável é configurado o nexo de causalidade, o que constitui matéria de direito sujeita à eventual censura do STJ”.

E o Acórdão de 27 de Maio de 2004 (Recurso n.º 1280/04-4.ª Secção) considerou que a existência do nexo de causalidade entre a inobservância das regras de segurança, por parte da entidade patronal, e o acidente sofrido por um dos seus trabalhadores, implica que se demonstrem factos que caracterizem a violação de tais regras e uma relação de causa entre esses factos e a ocorrência do acidente. Ainda, segundo este aresto, “a afirmação de que a entidade patronal não cumpriu um determinado requisito de segurança imposto pela norma a partir da simples constatação de que se verificou o efeito danoso que a norma pretendia evitar, não constitui uma presunção judicial, mas uma mera ilação jurídica, que, não tendo o valor de facto material, é livremente sindicável pelo tribunal de revista”.

Relevante, a este propósito, é, igualmente, o Acórdão de 13 de Julho de 2004 (Recurso n.º 1919/04-4.ª Secção), de acordo com o qual, desconhecendo-se as circunstâncias em que ocorreu um acidente de trabalho por queda em altura, e designadamente se o sinistrado usava ou não cinto de segurança ou se tinham sido ou não implementadas outras medidas de segurança adequadas à situação, por terem sido dados como não provados os quesitos que sobre essa matéria constavam da base instrutória, não é possível dar como verificada a existência de nexo causal entre a inobservância de regras de segurança e o produção do acidente. Este acórdão mais uma vez referencia que a afirmação de que a entidade patronal não cumpriu um determinado requisito de segurança imposto pela norma, com base numa mera ilação jurídica resultante da simples constatação de que se verificou o efeito danoso que a norma pretendia evitar, não tem o valor de facto material e não é atendível para efeito de considerar verificado o nexo de causalidade nexo causal entre a inobservância de regras de segurança e o produção do acidente.

Finalmente, é útil uma referência ao Acórdão de 26 de Janeiro de 2006 (Recurso n.º 3228/05-4.ª Secção), de acordo com o qual “na averiguação do nexo de causalidade, constitui matéria de facto, da competência das instâncias, a determinação naturalística dos factos, em ordem a determinar a sua causa-efeito e constitui matéria de direito, da competência do tribunal de revista, o confronto daquela sequência cronológica dos factos com as regras jurídicas que delimitam o conceito de causalidade adequada”.

No caso presente, a conclusão do Tribunal da Relação, de que se verificava o requisito do nexo de causalidade entre a inobservância das regras de segurança no trabalho e o acidente, resultou da análise da factualidade apurada, mas assumiu um cariz marcadamente conclusivo, não se tendo estabelecido uma cadeia naturalística de factos relacionados entre si através de nexos causais. Considerou a Relação que a ordem dada ao sinistrado pelo seu superior hierárquico determinou a morte por estarem as linhas a cerca de 1,5 m acima do telhado e, também, por ter o empregador violado um dever geral de cuidado ao não assegurar ao sinistrado as condições de segurança para a execução do trabalho de que o incumbira. Deste modo, afirmou o nexo de causalidade a partir da simples verificação do resultado danoso e da inobservância de regras de segurança no trabalho, não estabelecendo, contudo – nem os factos o permitiam –, uma relação suficientemente caracterizadora de um nexo de causalidade adequada entre esta conduta da recorrente e aquele resultado.

Constituindo a conclusão da Relação, quanto ao nexo de causalidade, uma conclusão jurídica, inscreve-se nos poderes do Supremo o de sindicar esta conclusão, confrontando a sequência cronológica dos factos apurados com as regras jurídicas que delimitam o conceito de causalidade adequada.

Como já se referiu, perante a factualidade apurada nestes autos não é possível afirmar a verificação de um nexo de causalidade adequada entre a conduta da recorrente e a morte do sinistrado.

6. Nesta sequência, impõe-se concluir que a Ré “Empresa-A” é responsável, a título principal, pelo pagamento das pensões e indemnizações devidas em virtude do acidente de trabalho que sofreu o sinistrado, por força do contrato de seguro que à data do acidente estava em vigor com a recorrente (ponto 5 dos factos provados) e que operou a transferência da responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho na medida do salário transferido.

Este, como se constata da factualidade assente, é inferior ao realmente auferido pelo sinistrado, pelo que haverá que proceder à contabilização das prestações a cargo da seguradora e do empregador.

Procede, pois, o recurso no que diz respeito à questão da imputação do acidente a violação de regras de segurança no trabalho por parte do empregador.

E - Do prémio de produtividade:
1. Prosseguindo na análise das questões suscitadas na revista, agora já com vista à concreta definição das prestações a que os beneficiários legais têm direito em virtude do acidente de trabalho sub judice, haverá que verificar se o prémio de produtividade auferido pelo sinistrado deve ser atendido para a contabilização daquelas prestações.

A este propósito, a recorrente sustenta que o prémio de produtividade não faz parte da retribuição-base, por ser uma prestação complementar ou acessória, ligado ao rendimento de trabalho prestado e mérito do trabalhador, tendo sido pago em dois meses de trabalho, mas não sendo fixo, nem tendo sempre o mesmo valor, apenas ficando acordado ou se aceitando, na tentativa de conciliação, que o trabalhador recebeu nos dois meses que trabalhou. Assim, e por ser facto controvertido, contrariado na contestação, não deveria ter feito parte da factualidade assente e levado à base instrutória e não poderia o Tribunal da Relação aplicar o artigo 712.º, n.º 1, alínea b), do CPC.

Deve começar por dizer-se que não pode o Supremo conhecer do recurso da decisão da Relação tomada ao abrigo do disposto no artigo 712.º do CPC, por o mesmo se situar no domínio da matéria de facto insindicável pelo Supremo.

Esta solução foi expressamente consagrada pelo Decreto-Lei n.º 375-A/99, de 20 de Setembro, que acrescentou o n.º 6 ao artigo 712.º do CPC, estatuindo, expressamente, a inadmissibilidade de recurso para o Supremo das decisões da Relação sobre a matéria de facto previstas nos números anteriores do preceito.

Reconduzindo-nos ao âmbito dos poderes que ao Supremo são reconhecidos pelo artigo 722.º, n.º 2, do CPC, não vislumbramos, também, que a Relação tenha violado qualquer regra de direito probatório material, ao decidir alterar a enumeração e organização da matéria de facto, quanto ao prémio de produtividade que o sinistrado auferia ao serviço da Ré.

Com efeito, analisando o auto de tentativa de conciliação constante de fls. 72 e segs., verifica-se que, no que diz respeito ao salário auferido pelo sinistrado, a viúva do sinistrado, por si e em representação de seu filho, declarou que o sinistrado auferia € 500,00 x 14 meses + € 133,93 x 12 meses (prémio de produtividade) + € 110,00 x 11 meses (subsídio de alimentação). A este respeito, a representante da seguradora aceitou o “salário médio mensal de € 500,00 x 14 meses + € 133,93 x 12 meses (prémio de produtividade), que era o que se encontrava efectivamente transferido para a seguradora” e o representante da entidade patronal, aceitando a existência do contrato de seguro titulado pela apólice 1900/330285/19, referiu que o salário se encontrava totalmente transferido para a companhia de seguros. Esta posição está, aliás, em conformidade com a própria participação do acidente que fez à seguradora (que continha a referência ao valor de € 133,93 como outras remunerações/mês cobertas pelo seguro - fls. 9) e com a folha de férias também por ela remetida (em que, ao definir o âmbito da transferência da responsabilidade relativamente ao sinistrado, fez constar a remuneração mensal global de € 633,93, ou seja, nela incluiu o valor de € 500,00 acrescido do valor do prémio de produtividade de € 133,93 - fls. 8).

Ficou claro, no termo da fase conciliatória, que o dissídio entre as partes, no que dizia respeito ao específico aspecto do salário auferido pelo sinistrado, apenas se mantinha relativamente ao subsídio de alimentação, havendo acordo que quanto ao salário base de € 500,00 x 12, quer quanto ao prémio de produtividade de € 133,93 x 12.

Ora, nos termos do artigo 131.º, n.º 1, alínea c), do CPT, o juiz deve considerar assentes no momento da prolação do despacho de saneamento e condensação processual os “factos sobre que tenha havido acordo na tentativa de conciliação” para depois os tomar em consideração na sentença final (16).

Assim, o Tribunal da Relação bem procedeu, ao alterar o ponto 2 da matéria de facto, atendendo a que os factos assentes na tentativa de conciliação, em processo emergente de acidente de trabalho, têm de ser dados como assentes na fase contenciosa, não podendo ser contrariados na contestação, nem fazer parte da base instrutória.

E, também, procedeu correctamente, ao eliminar o ponto 17 dos factos assentes, considerando como não escrita a resposta do tribunal sobre ela, atento o disposto no n.º 3 do artigo 646.º do CPC, já que o mesmo resultava da indevida quesitação daquela matéria.

Tal não significa, porém, que os termos da questão substancial se tenham alterado face ao que resultava da sentença de 1.ª instância, na medida em que a resposta dada ao quesito 20.º (que deu origem ao ponto 17 da matéria de facto) coincidia afinal, em substância, com o que veio a acrescentar-se ao ponto 2 da matéria de facto.

2. Assim, haverá que dar resposta à questão de saber se o prémio de produtividade auferido pelo sinistrado, no valor de € 133,93 x 12 meses (ponto 2 da matéria de facto), deve, ou não, fazer parte do conceito de retribuição a atender como base de cálculo das prestações devidas aos seus beneficiários legais em consequência do acidente de trabalho que o vitimou.

Estabelece o artigo 26.º, n.º 2, da LAT que as pensões por morte serão calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente recebida pelo sinistrado.

De acordo com o n.º 4 do mesmo artigo, entende-se por retribuição anual “o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e de outras remunerações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.

Dispõe, por seu turno, o artigo 82.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho (LCT) (17):

"1- Só se considera retribuição aquilo a que nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.

2- A retribuição compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.

3- Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador."

Assim, começando por qualificar, no n.º 1, as diferentes prestações que constituem retribuição, qualificação que deverá ser integrada pela presunção estabelecida no n.º 3, refere, no n.º 2, o conteúdo da retribuição, a chamada "retribuição complexiva".

A noção legal de retribuição, conforme se deduz deste preceito, será a seguinte: o conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida) (18).

Do conceito legal, apenas se excluem as meras liberalidades que não correspondem a um dever do empregador imposto por lei, por instrumento de regulamentação colectiva, por contrato individual ou pelos usos da profissão e da empresa e aquelas prestações cuja causa determinante não seja a prestação da actividade pelo trabalhador ou uma situação de disponibilidade deste para essa prestação, prestações que tenham pois uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração da disponibilidade para o trabalho.

3. Quando se mostra necessário, como no caso sub judice, encontrar um valor que constitui a base de cálculo para atribuições patrimoniais (prestações emergentes de acidente de trabalho) colocadas na dependência da retribuição, a determinação de tal valor faz-se a posteriori – operando sobre a massa das atribuições patrimoniais consumadas pelo empregador em certo período de tempo –, devendo o intérprete ter presente o fim prosseguido com a respectiva norma.

Alcança-se, assim, a chamada "retribuição modular" (19), no sentido de que exprime o padrão ou módulo do esquema remuneratório do trabalhador, homogeneizando e sintetizando, em referência à unidade de tempo, a diversidade inorgânica das atribuições patrimoniais realizadas ou devidas.

Para a determinação dos componentes ou elementos que imputa na retribuição modular, o critério legal dos artigos 82º e segs. da LCT não é suficiente, nem se pode aplicar com excessiva linearidade, devendo o intérprete ter sempre presente a específica razão de ser ou função de cada particular regime jurídico.

Particularmente no regime jurídico estabelecido no art. 26.º da LAT, o legislador conferiu especial atenção ao elemento periodicidade ou regularidade no pagamento já que, começando por definir retribuição através de uma remissão genérica para "tudo o que a lei considere como seu elemento integrante" (e, como vimos, a noção genérica do artigo 82.º da LCT alude já às prestações regulares e periódicas), acrescenta expressamente que se entendem como retribuição "todas as prestações que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios" (n.º 3 do artigo 26.º da LAT).

Esta característica da regularidade ou periodicidade no pagamento que se deduz do artigo 82.º da LCT e do artigo 26.º da LAT, e que assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador, não se verifica quando as prestações têm uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade da força de trabalho.

Tal ocorre, por exemplo, nos casos da recepção pelo trabalhador do valor correspondente ao preço do transporte, alojamento e alimentação no caso de transferência de local de trabalho (artigo 24.º da LCT), bem como das ajudas de custo e subsídio de deslocação devidos como compensação, transitoriamente, enquanto perdurar a execução de determinada tarefa, numa área de laboração distinta da habitual e num condicionalismo que não permita ao trabalhador organizar a sua vida pessoal e familiar nos termos normais (artigo 87.º da LCT).

Estes valores estão arredados do cômputo da retribuição ou salário global, bem como da retribuição ou “padrão retributivo”, a atender para o cálculo das pensões e indemnizações por acidentes de trabalho a que alude o artigo 26.º da LAT.

Quanto às demais prestações regulares, a periodicidade da retribuição assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador e, por essa via, confere relevância ao nexo existente entre a retribuição e as necessidades pessoais e familiares daquele.

Procurando-se com as indemnizações ou pensões fixadas na sequência de um acidente de trabalho, compensar o trabalhador (ou os beneficiários legais que se viram privados da sua retribuição) da falta ou diminuição da sua capacidade laboral e, consequentemente, da falta ou diminuição dos rendimentos provenientes do trabalho, lógico é que, para o cálculo daquelas indemnizações ou pensões, se atenda ao "salário médio", nele se integrando todas as prestações que a entidade patronal satisfazia e em função das quais o trabalhador programava regularmente a sua vida.

4. Em face deste quadro normativo, é de considerar que as quantias efectivamente pagas ao sinistrado por virtude do trabalho prestado nos meses que antecederam o acidente a título de prémio de produtividade, atento o seu carácter de regularidade e periodicidade, são, em abstracto, susceptíveis de se integrar no "padrão retributivo" ou "retribuição modular" a que fizemos referência, não podendo afirmar- -se, perante a matéria de facto apurada, que aquelas quantias tenham, em concreto, uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade da força de trabalho.

Na verdade, mostra-se assente nos autos que o prémio de produtividade era auferido 12 meses por ano pelo sinistrado (ponto 2 da matéria de facto), ficando expressamente não provado que o prémio de produtividade variava conforme o sinistrado trabalhava mais ou menos (resposta negativa ao quesito 19.º).

Em face desta factualidade, não pode agora a Ré, em sede de revista, pretender que se considere que o dito prémio não era fixo, nem tinha sempre o mesmo valor e constituía uma prestação complementar ou acessória, ligada ao rendimento do trabalho prestado e ao mérito do trabalhador.

Estas afirmações não têm qualquer apoio na matéria de facto provada e contrariam, quer o valor fixo, quer a cadência mensal – nos doze meses do ano – apurados nos autos.

Em suma, não se verifica a hipótese prevista no artigo 88.º, n.º 1, da LCT (preceito nos termos do qual “não se consideram retribuição as gratificações extraordinárias concedidas pela entidade patronal como recompensa ou prémio pelos bons serviços do trabalhador”), devendo antes considerar-se preenchida a hipótese do n.º 2 deste preceito, que, em determinados casos, confere qualificação retributiva às prestações a que alude o n.º 1, atento o evidente carácter periódico da prestação de prémio de produtividade que a R. empregadora pagava mensalmente ao sinistrado CC (20) .

Será, pois, o prémio de produtividade de € 133,93 x 12 meses contabilizado como parte integrante da retribuição para efeitos do disposto no artigo 26.º da LAT, atendendo-se ao valor retributivo anual de € 9.817,16 (que equivale à retribuição mensal de € 818,10) para o cálculo das prestações a arbitrar em consequência do acidente de trabalho sub judice.

F - Da atendibilidade da alegada situação de união de facto da Autora AA
1. A este propósito a recorrente sustenta que, existindo na realidade uma situação de “união de facto”, a pensão da Autora AA deverá ser fixada nos termos e para os efeitos legais do disposto no n.º 3 do artigo 20.º da LAT, recebendo a Autora, por uma só vez, o triplo do valor da pensão anual.

Para o efeito, embora admitindo que o conceito de “união de facto” é um conceito de direito, alega que existem nos autos factos ou prova bastante que sustentam e fundamentam a realidade de que a Autora vive maritalmente com outrem.

O acórdão recorrido, apreciando esta questão, que a recorrente igualmente colocou na apelação, considerou-se impossibilitado de aplicar aquele normativo e veio a calcular a pensão nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º da referida Lei, atendendo ao estado civil da Autora (viúva do sinistrado CC), e considerando que a expressão "união de facto", além de ser um conceito de direito, necessita, para produzir efeitos, de determinados requisitos, que não foram alegados, nem estão demonstrados nos autos – artigo 2020.º do Código Civil e Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio (Lei da União de Facto).

2. É certo que a expressão “união de facto” corresponde a um conceito de direito, traduzindo, outrossim, uma situação jurídica (21) .

A Autora alegou, na petição inicial (artigo 14.º), ter contraído “união de facto”, ou seja, que se encontrava na referida situação, e, em consequência, no que a si diz respeito, formulou o pedido em conformidade com o que dispõe o n.º 3 do artigo 20.º da LAT, ou seja, peticionou, apenas, o triplo do valor da pensão anual, calculada nos termos da alínea a) do n.º 1 do mesmo artigo.

Nem a Autora, nem as entidades demandadas – a quem a situação invocada pela Autora beneficiaria –, alegaram quaisquer factos susceptíveis de integrar aquele conceito de direito.

De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 661.º do CPC, que consagra o princípio da proibição de condenação extra vel ultra petitum, “[a] sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”.

Consagrando uma excepção a esse princípio, o artigo 74.º do CPT dispõe que “[o] juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria provada [...] de preceitos inderrogáveis de leis [...]”

E o artigo 35.º da LAT prescreve que “[o]s créditos provenientes do direito às prestações estabelecidas por esta lei são [...] irrenunciáveis [...]”.

Num primeiro olhar, pareceria que a circunstância de não terem sido alegados e provados pelas partes – designadamente por aquelas a quem aproveitariam, no sentido de redução de encargos resultantes do evento infortunístico –, os factos susceptíveis de integrar a situação jurídica de “união de facto”, haveria de conduzir à aplicação do artigo 74.º do CPT, com a consequência da condenação além do pedido, no pressuposto de que a atitude da Autora, ao invocar aquela situação e ao formular o pedido, nos termos em que o fez, renunciou a um direito indisponível.

Uma tal conclusão não se afigura, porém – com muito respeito por diferente opinião –, correcta.

3. Na economia da petição inicial, a alegada circunstância de ter contraído “união de facto” integra a causa de pedir, como um dos elementos em que a Autora alicerça a pretensão formulada.

Esse elemento, incluído nos fundamentos da acção, não constitui objecto directo da acção, apresentando-se, não como questão de direito a discutir pelas partes, mas como a enunciação de uma realidade, através da expressão usada pela norma legal de sentido coincidente com a expressão de uso comum ou corrente, por isso que deve tomar-se no próprio sentido conferido pela lei, como juízo de facto, sobre o qual nenhuma valoração virá a recair, quando as partes sobre ele não discordem (22) .

Como corolário do princípio geral da boa fé, que deve nortear todas as relações jurídicas, o artigo 266.º-A do CPC declara que as partes devem, na relação jurídica processual, agir de boa fé, designadamente não omitindo factos relevantes para a correcta decisão sobre a pretensão trazida a juízo (23).

Ao invocar, como fundamento do pedido, a situação de “união de facto”, a Autora cumpriu aquele dever de boa fé processual.

Se o não fizesse, sujeitar-se-ia – caso a questão não fosse suscitada, pelas Rés, na presente acção – em ulterior acção ou incidente, a perder o direito à pensão que lhe viesse a ser atribuída e à reposição de prestações, entretanto, recebidas, nestas se deduzindo o triplo da pensão anual a que tinha direito, em função de ter contraído “união de facto”.

Ao fazê-lo, teve, certamente, em vista obviar a tais consequências, informando os sujeitos processuais de um facto pessoal, que estes, na decorrência do princípio da boa fé e da confiança, não podiam deixar de tomar como verdadeiro, actuando, no processo, em conformidade, ou seja, aceitando a situação de “união de facto”, como realidade factual, determinante do conteúdo do direito invocado.

Nesta perspectiva, de confiança na veracidade da alegada situação, tornou-se inexigível às partes contra as quais o direito – a receber o triplo da pensão anual – foi invocado, a alegação e prova de outros factos correlacionados com o conceito de “união de facto”.

E não parece que a invocação, pela Autora, da referida situação possa configurar renúncia a um direito indisponível, que, no caso, seria o direito a uma pensão anual e vitalícia, decorrente da sua qualidade de viúva.

Na verdade, a Autora, ao formular a sua pretensão, não se apresenta na mera qualidade de viúva do sinistrado, peticionando indemnização inferior à que, em tal qualidade, a lei lhe atribui.

Ela apresenta-se na condição de viúva que contraiu “união de facto” e, por isso, pede aquilo que, para tal condição, está consignado na lei.

Sendo, assim, a alegada situação de “união de facto”, afirmada pela Autora, como elemento da causa de pedir, configura uma declaração confessória, dotada de força probatória plena, nos termos dos artigos 352.º, 355.º, n.º 2, 356.º, n.º 1 e 358.º, n.º 1, todos do Código Civil.

Tal situação deveria, pois, ter sido dada, nas instâncias, como facto assente, o que não sucedeu.

Relembrando que o Supremo Tribunal pode, nos termos dos artigos 729.º, n.º 2 e 722.º, n.º 2, do CPC, em caso de violação de regras de direito probatório material que ocorram nas instâncias, alterar a decisão sobre a matéria de facto, e verificando-se que as instâncias não atenderam à força probatória consignada nos citados preceitos do Código Civil, é mister declarar provado que a Autora AA havia contraído “união de facto”.

Procede, assim, nesta parte, a pretensão formulada na revista, no sentido de ser reconhecido à Autora o direito a receber uma prestação equivalente ao triplo da pensão anual, em lugar da pensão anual e vitalícia, fixada no acórdão impugnado.

G - Da quantificação das prestações devidas

Resta agora, em conformidade com a posição expressa, quantificar as prestações devidas aos beneficiários legais do sinistrado.

Uma vez que não existe fundamento para o agravamento da responsabilidade previsto no artigo 18.º da LAT, mas o salário declarado para efeitos de prémio de seguro é inferior ao realmente auferido pelo sinistrado à data do acidente, impõe-se concluir que são responsáveis pelas consequências do acidente, nos termos dos artigos 37.º, n.os 1 e 3, da LAT e 11.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril (RLAT), a Ré Empresa-A, a título principal, e a Ré “Empresa-B”, a primeira em relação ao salário transferido e a segunda pela diferença entre o salário declarado para efeito prémio de seguro e a retribuição realmente auferida pelo sinistrado à data do acidente.

Para o efeito, há que ter presentes os seguintes dados:

– Data do acidente: 19 de Setembro de 2003;
– Data do óbito do sinistrado: 2 de Outubro de 2003;
– Salário mínimo nacional à data do óbito: € 356,60 por mês (Decreto-Lei n.º 320-C/2002 de 30 de Setembro);
– Retribuição anual do sinistrado: € 500,00 x 14 meses, mais € 133,93 x 12 meses de prémio de produtividade, mais € 110,00 x 11 meses de subsídio de alimentação = € 9.817,16;
– Retribuição declarada para efeitos de contrato de seguro: € 500,00 x 14 meses, mais € 133,93 x 12 meses de prémio de produtividade = € 8.617,16;
– Beneficiários: viúva (nascida em 30 de Julho de 1969), em situação de união de facto; e dois filhos (nascidos em 12 de Setembro de 1993 e 7 de Janeiro de 2003).

Tendo em consideração estes factores, e atendendo a que a percentagem da responsabilidade da R. seguradora equivale a 87,675% do total, deve reconhecer-se:

À viúva:
– O direito à indemnização no valor de € 8.835,45, correspondente ao triplo de pensão anual no montante de € 2.945,15, calculada com base em 30% da retribuição anual do sinistrado (€ 9.817,16 x 30%), em conformidade com o disposto no artigo 20.º, n.º 3, da LAT, com referência à alínea a) do n.º 1 do mesmo artigo, cabendo € 7.746,45 à seguradora e € 791,13 à empregadora;
– O direito a € 2.139,60, a título de subsídio por morte, calculado em conformidade com o disposto no artigo 22.º, n.º 1 alínea a), da LAT (€ 356,60 x 12 : 2), cabendo € 1.875,89 à seguradora (segundo a percentagem da sua responsabilidade que é de 87,675%) e € 263,71 à empregadora;
– O direito a € 1.426,40, a título de subsídio por despesas de funeral, quantia calculada em conformidade com o disposto no artigo 22.º, n.º 3, da LAT e 50.º do RLAT (€ 356,60 x 4), cabendo € 1.250,60 à seguradora e € 175,80 à empregadora.
A cada um dos dois filhos:
– O direito a uma pensão anual e temporária no montante de € 1.963,43, calculada com base em 40% da retribuição anual do sinistrado, em conformidade com o disposto no artigo 20.º, n.º 1 al. c) da LAT (€ 9.817,16 x 40% : 2), devida a partir de 3 de Outubro de 2003 e a pagar nos termos do artigo 51.º, n.os 1 e 2, do RLAT, até perfazerem 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino secundário ou equiparado ou o ensino superior ou, sem limite de idade, quando afectados de doença física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho, cabendo € 1.721,43 à seguradora e € 242,00 à empregadora;
– O direito a € 1.069,80, a título de subsídio por morte, calculado em conformidade com o disposto no artigo 22.º, n.º 1, alínea a), da LAT (€ 356,60 x 12 : 2 : 2), cabendo € 937,95 à seguradora e € 131,95 à empregadora.

Às prestações em atraso, acrescem juros de mora, à taxa legal, a contabilizar desde os respectivos vencimentos, nos termos do artigo 135.º do CPT.

III

Em face do exposto, decide-se conceder, parcialmente, a revista e, em consequência, alterando a decisão do acórdão impugnado, condenar as Rés “Empresa-A” e “Empresa-B”, no pagamento aos Autores das supra indicadas prestações, nos termos sobreditos, com juros de mora, à taxa legal, contados desde o respectivo vencimento.

Custas nas instâncias e neste Supremo, na proporção do vencido.

Lisboa, 14 de Março de 2007

Vasques Dinis (Relator)
Fernandes Cadilha
Mário Pereira
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(1) Cfr., por todos, o Acórdão deste Supremo de 20 de Setembro de 2006, subscrito pelos Exmos. Conselheiros Mário Pereira, Maria Laura Leonardo e Sousa Peixoto, disponível, em texto integral, em www.dgsi.pt, Documento n.º SJ200609200005744 .
(2) Esta convicção é manifestamente um facto, embora a sua valoração jurídica possa conduzir à afirmação da respectiva irrelevância para o efeito de aferir da violação de regras de segurança no trabalho, por se considerar exigível ao empregador o conhecimento concreto da situação em que se encontram os locais em que determina a prestação laboral de outrem sob as suas ordens, direcção e fiscalização.
(3) No sentido de que o Supremo não pode alterar a decisão da matéria de facto, confirmada pela Relação, baseada em fotografias, testemunhas, perícia e inspecção judicial, submetidas ao princípio geral da livre apreciação ou valoração da prova, o Acórdão de 25 de Setembro de 2003 (Revista n.º 2515/03-7.ª Secção), sumariado em www.stj.pt, Boletim Interno; quanto aos poderes do Supremo, em matéria de facto relativamente a documentos sem força probatória plena, entre outros, os Acórdãos de 5 de Fevereiro de 2003 (Revista n.º 3607/02), 7 de Dezembro de 2005 (Revista n.º 1919/05), de 12 de Janeiro de 2006 (Revista n.º 2558/05), de 10 de Maio de 2006 (Revista n.º 248/06) e de 22 de Novembro de 2006 (Revista n.º 1822/06), todos da 4.ª Secção, sumariados em www.stj.pt, Boletim Interno.
(4) Neste sentido, o Acórdão de 18 de Janeiro de 2005 (Revista n.º 781/04-4.ª Secção), sumariado em www.stj.pt, Boletim Interno. Já relativamente a uma decisão criminal transitada em julgado que absolveu o arguido, sócio gerente do empregador, por não se ter provado a prática pelo mesmo dos factos que lhe eram imputados, traduzidos na violação de regras de segurança no trabalho causais do acidente que vitimou o sinistrado, considerou o recente Acórdão de 18 de Outubro de 2006 (Recurso n.º 2703/06-4.ª Secção), sumariado em www.stj.pt, Boletim Interno, que aquela decisão não permite a afirmação de que aquele sócio gerente – e menos ainda o empregador em nome de quem actuava – não tenha incorrido na dita violação, uma vez que a eficácia da decisão penal absolutória no processo civil, traduzida na presunção ilidível de que o arguido não praticou os factos que ali lhe eram imputados, apenas tem lugar quando o fundamento da absolvição do arguido consista em não ter ele praticado aqueles factos, o que é situação diversa de não se provar que ele os tenha praticado (art. 674.º-B do CPC).
(5) Cfr. os Acórdãos de 21 de Março de 2001 (Revista n.º 3316/00), de 5 de Junho de 2002 (Revista n.º 345/02), de 18 de Janeiro de 2005 (Revista n.º 3689/04) e de 8 de Março de 2006 (Revista n.º 3916/05), todos da 4.ª Secção, sumariados em www.stj.pt, Boletim Interno.
(6) Cfr. o Acórdão de 11 de Maio de 2000 (Revista n.º 13/00-4.ª Secção), sumariado em www.stj.pt.
(7) Nos termos do artigo 362.º do Código Civil, “diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma coisa ou facto”.
(8) É o que resulta, com clareza, do modo como se encontra formulada a hipótese do novo preceito (artigo 18.º, n.º 1, da LAT), cuja fattispecie se mostra integrada quando “o acidente (…) resultar da falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho” (sublinhado nosso). Neste sentido, e já no âmbito do novo preceito, entre outros o Acórdão de 25 de Maio de 2005 (Revista n.º 781/05-4.ª Secção), sumariado em www.stj.pt, Boletim Interno, no qual se afirma que a imputação de responsabilidade à entidade empregadora por violação de regras de segurança, nos termos do artigo 37.º, n.º 2, da LAT, pressupõe a existência de um nexo de causalidade entre a inobservância dessas regras e a produção do acidente.
(9) Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, A Reparação de Danos Emergentes de Acidentes de Trabalho, in Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, Volume I, Almedina, Coimbra, 2001, p. 575.
(10) Cfr. o Acórdãos de 27 de Maio de 2004 (Revista n.º 617/04-4.ª Secção) e o de 22 de Junho de 2005 (Revista n.º 780/05 da 4.ª Secção), que também acolheu esta perspectiva, ao considerar que a presunção constante do art. 54.º do RLAT de 1971 – nos termos da qual se considerava ter resultado de culpa da entidade patronal ou de seu representante o acidente devido à inobservância de preceitos legais e regulamentares sobre a higiene e segurança no trabalho –, era “desnecessária, por inútil”, uma vez que, traduzindo-se a culpa (mera culpa) na omissão dos deveres de cuidado exigidos ao agente, a falta de observância das regras sobre segurança do trabalho mais não é do que a omissão de um especial dever de cuidado imposto por lei. Refere, ainda, este aresto que aquela presunção “mais desnecessária se tornou”, pelo facto de a lei actual ter passado a considerar, expressamente, a falta de observância sobre as regras de segurança, higiene e saúde no trabalho como fundamento de agravamento do direito à reparação.
(11) Também o artigo 79.º, alínea a), do Decreto n.º 46 847 de 27 de Janeiro de 1966 (diploma este revogado pelo Decreto Regulamentar n.º 90/84, de 26 de Dezembro), em relação à distância dos condutores eléctricos aos edifícios, no que respeita a linhas de tensão inferior a 60 KV, dispunha, em termos similares, que, na proximidade dos edifícios, as linhas seriam estabelecidas por forma a observar-se, nas condições de flecha máxima, que as linhas de tensão nominal igual ou inferior a 60 KV, desviadas ou não pelo vento, distarão das coberturas e chaminés, pelo menos, três metros.
(12) Sumariado em www.stj.pt, Boletim Interno.
(13) Ibidem.
(14) Neste sentido, entre muitos outros, o Acórdão deste Supremo de 7 de Outubro de 1999 (Revista n.º 173/99-4ª Secção), sumariado em www.stj.pt, Boletim Interno.
(15) Cfr. Acórdãos deste Supremo de 26 de Novembro de 1987 e de 2 de Março de 1995, Boletim do Ministério da Justiça, 371,402 e 475,635. Também o Acórdão de 11 de Fevereiro de 2003 (Revista n.º 4155/02-1ª Secção), sumariado em www.stj.pt, Boletim Interno, no qual se considerou que a valoração do facto naturalístico que deu causa a um dano, qualificando a relação causal provada como relação de causalidade adequada, ou não, é da competência do STJ.
(16) Cfr., ainda, os artigos 111.º e 112.º do CPT.
(17) Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969, em vigor, à data dos factos.
(18) Cfr. António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 438 e segs.
(19) Ibidem, p. 463.
(20) No sentido de que os prémios de produtividade regularmente pagos integram o conceito de “retribuição normalmente recebida” usado pelo artigo 26.º da LAT, Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais – Regime Jurídico Anotado, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2001, p. 136.
(21) Segundo a jurisprudência constante deste Supremo, a situação de união de facto depende da verificação cumulativa de todos os requisitos enunciados no artigo 2020.º do Código Civil, ou seja, vivência ininterrupta de duas pessoas, por mais de dois anos, em condições análogas às dos cônjuges, para além dos demais requisitos previstos com vista ao específico funcionamento da estatuição prevista em cada norma. Neste sentido, os Acórdãos de 6 de Julho de 2005 (Recurso n.º 1721/05-7.ª Secção), disponível, em texto integral, em www.dgsi.pt, Documento n.º SJ200507060017217; e de 2 de Novembro de 2005 (Recurso n.º 363/05-4.ª Secção), sumariado em www.stj.pt, Boletim Interno.
(22) Cfr. Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Livraria Almedina, Coimbra, 1982, p. 269.
(23) O artigo 456.º, n.º 2, alínea b), do CPC, considera litigância de má fé a omissão de factos relevantes para a decisão da causa.