Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
080390
Nº Convencional: JSTJ00012827
Relator: CESAR MARQUES
Descritores: INSTITUIÇÃO BANCARIA
LIQUIDAÇÃO
REPRESENTAÇÃO
COMISSÃO LIQUIDATARIA
Nº do Documento: SJ199112030803901
Data do Acordão: 12/03/1991
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N412 ANO1992 PAG394
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 3255/90
Data: 07/10/1990
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR ECON - DIR BANC.
Legislação Nacional: CONST82 ARTIGO 13 N1 ARTIGO 20 N2 ARTIGO 80 A ARTIGO 85 N2 ARTIGO 105 N1 N2 ARTIGO 185
ARTIGO 268 N3.
L 46/77 DE 1977/07/08 ARTIGO 3 N1 N2 N4.
D 136/79 DE 1979/05/18 ARTIGO 1 ARTIGO 2 ARTIGO 17 ARTIGO 23 N1 ARTIGO 24 ARTIGO 25 ARTIGO 28 ARTIGO 29 ARTIGO 30 N1 N2.
D 23/86 DE 1986/02/18 ARTIGO 1 N4 ARTIGO 3 ARTIGO 4 N1 C ARTIGO 5 N1 G ARTIGO 10 N1 F N2 N5 ARTIGO 11 N1 N3 ARTIGO 16 ARTIGO 42.
D 644/75 DE 1975/11/15 ARTIGO 16 ARTIGO 20 ARTIGO 21 ARTIGO 25 B ARTIGO 28.
CSC86 ARTIGO 141 N1 ARTIGO 146 N1 N2 ARTIGO 151 N1 ARTIGO 405 N1 N2.
CPC67 ARTIGO 21 N1 ARTIGO 1174 N1 A ARTIGO 1189 N3 ARTIGO 1210 N1.
PORT IN DR IIS 1986/12/30.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO TC DE 1988/06/16 IN DR IIS 1988/09/08.
Sumário : I - O Governo, por acto administrativo, pode revogar a autorização para o exercicio de comercio bancario por uma instituição de credito e determinar a sua liquidação.
II - Essa instituição em liquidação e representada, activa e passivamente, em juizo pela comissão liquidataria constituida nos termos do artigo 20 do Decreto-Lei n. 30689, de 27 de Agosto de 1940.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

A Caixa Economica Faialense, S.A., em liquidação por determinação do Governo, instaurou acção com processo ordinario contra A pedindo que este fosse condenado a pagar-lhe 6348270 escudos, acrescidos de juros a taxa maxima para operações activas nos termos dos Avisos do Banco de Portugal com a sobretaxa de juros de mora a taxa anual de 2% desde 27 de Novembro de 1986, ou sejam, 2709146 escudos calculados ate 15 de Setembro de 1988, da taxa do Fundo de Compensação contado nos termos do Aviso 3/82 e das suas posteriores alterações, no montante de 1258610 escudos e do imposto de selo nos termos do artigo 120A da respectiva Tabela Geral, na quantia de 243823 escudos, tudo perfazendo 10559849 escudos, e, ainda, os juros vincendos, calculados pela taxa e com a sobretaxa indicadas, as importancias devidas de Fundo de Compensação e do Imposto de Selo do mencionado artigo 120 ate integral pagamento da divida e as despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorarios de advogado.
Pediu, tambem, a autora a concessão do beneficio da assistencia judiciaria com dispensa total de preparos e do previo pagamento de custas.
Dizendo que exercera o comercio bancario ate 27 de Novembro de 1986, data em que foi ordenada a sua entrada em liquidação conforme Portaria do Ministerio das Finanças de 19 de Novembro de 1986, rectificada por Portaria da Presidencia do Conselho de Ministros, publicada no Diario da Republica, II Serie, de 30 de Dezembro de 1986, fundamentou o pedido no contrato que fez com o reu de abertura de uma conta de deposito a ordem que, em 27 de Novembro de 1986, apresentava o saldo negativo de 6348270 escudos.
Implicando tal contrato de adesão, para o depositante, a obrigação de não levantar quantia superior a depositada, o reu constituiu-se, assim, em divida para com a autora.
O reu contestou pedindo a absolvição da instancia, alegando que a comissão liquidataria que outorgou na procuração junta com a petição inicial não representa a autora e não tem capacidade de exercicio do direito que se arroga nem capacidade judiciaria.
E para isso alegou que a liquidação da autora foi ordenada com base no Decreto n. 30689, de 27 de Agosto de 1940, que não pode ser aplicado pelos tribunais - não so foi revogado pelos artigos 205 e 206 da Constituição da Republica Portuguesa, como ate viola o principio da igualdade contido artigos 13 e 20 n. 2 da mesma Constituição.
Isto porque no Decreto n. 30689 são confiadas funções a comissao liquidataria, constituida nos termos do seu artigo 20, que competem aos tribunais.
E que, de harmonia com o estabelecido no artigo 12 do mencionado Decreto-Lei, a portaria que determina a liquidação de estabelecimento bancario constitui, para todos os efeitos, declaração de falencia do mesmo estabelecimento e a comissão liquidataria cabe verificar o direito a restituição e separação de bens, verificar e graduar os creditos, proceder a liquidação do activo, levantar a interdição e ordenar a reabilitação nos termos gerais.
Ainda, sendo a autora uma instituição especial de credito sob a forma de sociedade comercial anonima, cujo regime juridico consta dos estatutos, do Decreto 136/79, de 18 de Maio e do Codigo das Sociedades Comerciais, e gerida por uma direcção ou conselho de administração, cuja eleição compete a assembleia geral, e e representada judiciariamente apenas pelo conselho de administração, nos termos dos artigos 21 n. 1 do Codigo de Processo Civil e 405 n. 2 do Codigo das Sociedades Comerciais.
Na replica, a autora defendeu a vigencia do Decreto 30689, reportando-se a inconformidade constitucional a normas e não a diplomas; que a Administração Publica, ordenando a entrada em liquidação da autora em consequencia da retirada da autorização do exercicio do comercio bancario, exerceu, atraves de acto administrativo, os poderes de policia financeira e economica que evidentes razões de ordem publica e a lei lhe facultam; que a liquidação não tem que ser efectuada por orgãos jurisdicionais; que a sociedade em liquidação mantem a personalidade juridica; que a comissão liquidataria compete administrar a massa, representa-la activa e passivamente em juizo e tornar efectivos, pelos meios competentes, todos os direitos do estabelecimento bancario - artigo 21 ns. 1 e 3 do Decreto 30689; pelo que, tendo a autora personalidade e capacidade judiciarias, se encontrava devidamente representada em juizo pela comissão liquidataria.
Concedido a autora o beneficio do apoio judiciario na modalidade requerida, foi a acção decidida logo no despacho saneador, julgando-se improcedentes as excepções aduzidas pelo reu e condenado este a pagar a autora o que esta havia pedido mas sem qualquer referencia as despesas judiciais e extrajudiciais.
Não obteve exito a apelação interposta pelo reu, pelo que recorreu de revista para este Supremo Tribunal, insistindo na absolvição da instancia e repetindo as alegações que apresentara na Relação com 25 conclusões que vão, assim, resumir-se: o Decreto 30689 criou um processo especial de falencia e subsequente liquidação dos estabelecimentos bancarios que subtrai a jurisdição dos tribunais comuns e confia a uma comissão liquidataria; mas, com a entrada em vigor da actual Constituição - artigos 205 e 206 - caducaram os artigos 1 paragrafos
1, 2, 11, 12 e 34 desse Decreto-Lei; o processo de falencia e subsequente liquidação são de jurisdição contenciosa, tendo que ser declaradas por sentença judicial e sendo inconstitucionais as normas dos artigos 12, 20 e 21 do apontado Decreto-Lei, conforme ja foi declarado por douto acordão do Supremo Tribunal Administrativo, de 1 de Fevereiro de 1990, junto aos autos por fotocopia - ver folhas 53 a 69; por isso, o artigo 21 n. 1 desse Decreto-Lei, que da competencia a comissão liquidataria para representar a massa, activa e passivamente, em juizo, não pode ser aplicado - artigo 207 da Constituição; a autora e uma instituição especial de credito, de capitais exclusivamente privados, regida pelo Decreto
136/79 e pelos seus estatutos, gerida por uma direcção ou conselho de administração que a representa judiciariamente - artigos 20 n. 1 do Decreto 136/79,
21 n. 1 do Codigo de Processo Civil e 405 n. 2 do Codigo das Sociedades Comerciais - e assim ja se decidiu em acordãos da Relação de Lisboa de que se juntam fotocopias - ver folhas 112 a 133 verso; a autora não foi dissolvida nem judicialmente nem por deliberação dos seus accionistas, não podendo, por isso, falar-se na sua liquidação - artigos 141 n. 1, a), c), d) e e), 142 n. 1, 144 e 146 n. 1 do Codigo das Sociedades Comerciais; pelo que a comissão liquidataria, que outorgou na procuração junta aos autos concedendo poderes forenses, não representa a autora, não tem capacidade de exercicio do direito que se arroga e não pode, por si, estar em juizo - artigo 9 Codigo de Processo Civil.
Contraminutando, a autora rebate, ponto por ponto, em extensas alegações, a argumentação do reu, pronunciando-se no sentido de ser mantida a decisão.
Como ressalta do que se deixou escrito, o reu não pos em causa ser devedor das importancias em que foi condenado.
Entende, porem, que a decisão a proferir seria a sua absolvição da instancia e ha que ver se lhe assiste razão.
Fundamentalmente a questão reside, apenas, em saber se a comissão liquidataria que interveio na procuração junta com a petição inicial representa validamente a autora.
A acção foi proposta em 9 de Novembro de 1988.
Estava, então, em vigor o texto da Constituição da Republica Portuguesa constante da Lei Constitucional 1/82, de 30 de Setembro.
Nele se dispunha, no que ao caso pode interessar: que a organização economico-social assentava, entre outros, no principio da subordinação do poder economico ao poder politico democratico - artigo 80 a); que o Estado podia intervir transitoriamente na gestão das empresas privadas para assegurar o interesse geral... em termos a definir pela lei - artigo 85 n. 2; que o sistema financeiro era estruturado por lei, de modo a garantir a formação, a captação e a segurança das poupanças bem como a aplicação de meios financeiros necessarios a expansão das forças produtivas, de acordo com os objectivos definidos no Plano - artigo 105 n. 1; e que o Banco de Portugal, como banco central... de acordo com o Plano e as directivas do Governo, colaborava na execução das politicas monetaria e financeira - artigo 105 n. 2.
A autora e uma caixa economica, ponto que não suscita quaisquer duvidas.
O artigo 3 da Lei 46/77, de 8 de Julho, na sua versão original,vedou a empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza a actividade bancaria - n. 1 - mas permitiu a actividade das caixas economicas - n. 2 - cujo exercicio o Governo regularia por Decreto-Lei - n. 4.
E, na sequencia, foi publicado o Decreto 136/79, de 18 de Maio, que, no seu artigo 1, definiu as caixas economicas como instituições especiais de credito que tem por objecto uma actividade bancaria restrita, nomeadamente recebendo, sob a forma de depositos a ordem com pre-aviso ou a prazo, disponibilidades monetarias que aplicam em emprestimos e outras operações sobre titulos que lhes sejam permitidas e prestando, ainda, os serviços bancarios compativeis com a sua natureza e que a lei expressamente lhes não proiba.
De harmonia com este Decreto-Lei: a constituição de caixas economicas so podia ser autorizada, com caracter excepcional, pelo Ministro das
Finanças e do Plano, ouvido o Banco de Portugal - artigo 2 n. 1; as suas responsabilidades representadas por depositos a ordem, com pre-aviso ou a prazo deviam estar cobertas por disponibilidades de caixa, com a composição e nas percentagens que estivessem estabelecidas para os bancos comerciais - artigo 17; o Banco de Portugal, em casos excepcionais devidamente justificados, podia propor ao Ministro das Finanças e do Plano a nomeação de um administrador por parte do
Estado para assegurar o normal funcionamento da caixa - artigo 23 n. 1; o plano de contas e sua execução, a organização dos balanços e outros documentos, bem como os criterios a adoptar na valorização dos elementos patrimoniais, deviam obedecer as instruções emanadas do Banco de Portugal - artigo 24; tambem as provisões para creditos de cobrança duvidosa e para outras depreciações do activo deviam ser constituidas nos termos que fossem regulamentados pelo mesmo Banco - artigo 25 - ao qual tinham, ainda, de prestar outras informações - artigos 28 e 29; finalmente, no artigo 30 n. 1, dispunha-se sobre o regime juridico das caixas economicas, estabelecendo-se, no seu n. 2, que os respectivos estatutos so se mantinham na parte em que não contrariasse esse regime.
Daqui se ve que, mesmo face as disposições do Decreto 136/79, a actividade da autora encontrava-se condicionada por lei e sujeita as instruções e a certa fiscalização do Banco de Portugal, não estando, ate afastada a hipotese de, em certos casos, poder ser nomeado, pelo Governo, um administrador por parte do Estado.
Posteriormente, e no uso da autorização legislativa conferida pela Lei 11/83, de 16 de Agosto, foi publicado o Decreto 406/83, de 19 de Novembro, que, alem de outros, alterou o artigo 3 da Lei 46/77, permitindo o exercicio da actividade bancaria por empresas privadas e outras entidades da mesma natureza - n. 1 - dispondo, ainda, que a actividade das caixas economicas, na medida em que o justificassem as caracteristicas que lhes são proprias, podia ser objecto de regulamentação especial - n. 4.
Veio, depois, o Decreto 23/86, de 18 de Fevereiro, que, nos termos do seu artigo 42, produz efeitos desde 1 de Janeiro de 1986, regular, alem do mais, a constituição e condições de funcionamento das instituições de credito com sede em Portugal e se aplica as caixas economicas que, como a autora, se constituiram sob a forma de sociedade anonima de responsabilidade limitada - artigo 1 n. 4.
De harmonia com o Decreto 23/86; a constituição de caixas economicas esta dependente de autorização especial e previa, a conceder sob forma de portaria conjunta do Primeiro-Ministro e do Ministro das Finanças - artigo 3; essa autorização pode ser revogada, entre outros casos, quando a caixa não der garantias de cumprimento das suas obrigações para com os credores, em especial quanto a segurança dos fundos que lhe tiverem sido confiados - artigo 10 n. 1, f) - revestindo a revogação da autorização, tambem, a forma de portaria conjunta tal como acima apontada - artigo 11 n. 1 - sendo esta decisão passivel de recurso contencioso a interpor, nos termos gerais, para o Supremo Tribunal Administrativo, embora não seja admitida a suspensão da sua executoriedade - artigo 11 n. 3 - e, no caso de revogação da autorização de caixa ja constituida, sera nomeada uma comissão liquidataria, nos termos e para os efeitos do Decreto 30689 - artigo 10 n. 5; as proprias alterações dos estatutos das caixas estão sujeitas ao mencionado regime de autorização - artigo 16.
Ainda, a data da propositura da acção, estava em vigor a Lei Organica do Banco de Portugal, aprovada pelo Decreto 644/75, de 15 de Novembro. E nessa Lei Organica, alem do mais, estabelecia-se que competia ao
Banco: sob a orientação do Ministro das Finanças, desempenhar as funções de orientador e controlador da politica monetaria e financeira - artigo 16; controlar a actividade dos mercados monetario, financeiro e cambial - artigo 20; orientar e controlar as instituições de credito, estabelecendo a ligação entre a sua actividade e as directivas da politica monetaria e financeira - artigo 26 b); e com vista a orientação e controlo das instituições de credito, nomeadamente: estabelecer directivas para a actuação dessas instituições; fixar o regime das taxas de juro, comissões e quaisquer outras formas de remuneração para as operações efectuadas pelas instituições de credito ou por quaisquer outras entidades que actuem nos mercados monetario e financeiro; estabelecer os condicionalismos a que devem obedecer as operações activas das instituições de credito; assegurar os serviços de centralização de informações e de riscos de credito - artigo 28; ainda as funções do Banco no dominio da fiscalização das actividades das instituições de credito seriam definidas atraves de adequada articulação com o Ministerio das Finanças - artigo 21.
Pelo que, conforme se ve, e a propria Constituição que, remetendo para a lei, impoe uma certa disciplina a actividade das caixas economicas, que não podem exercer livremente essa actividade, estando submetidas a orientação, controlo e fiscalização do Banco de Portugal.
Como se disse, a sua propria constituição tem de ser autorizada; e, em certas circunstancias, pode ser retirada.
Ora foi isto o que aconteceu no caso da autora.
E o seguinte o texto da Portaria, tal como foi rectificada e se encontra publicada no Diario da Republica, II Serie, de 30 de Dezembro de 1986 - ver fotocopia a folhas 7:
"Tendo a Caixa Economica Faialense suspendido pagamentos em 12 de Agosto do corrente ano e não tendo podido restabelecer, no prazo fixado no n. 1 do Despacho 112/86-X, de 8 de Setembro, as condições normais de funcionamento:
Manda o Governo da Republica Portuguesa, pelo Primeiro-Ministro e pelo Ministro das Finanças, ouvidos o Governo Regional dos Açores e o Banco de Portugal, o seguinte:
1- Nos termos e para os efeitos do artigo 11 do Decreto 30689, de 27 de Agosto de 1940, e considerando o disposto no n. 1 do artigo 11 do Decreto 23/86, de 18 de Fevereiro, e retirada a Caixa Economica Faialense a autorização de exercicio do comercio bancario e ordenada a sua imediata liquidação.
2- O disposto no presente diploma entra imediatamente em vigor"
Foi, deste modo, dado cumprimento, mesmo no aspecto formal, ao estabelecido nos artigos 10 n. 1, f) e 11 n. 1 do Decreto 23/86.
E nem se diga que a decisão do Governo, ao revogar a autorização para a autora exercer a sua actividade, não admite impugnação ou recurso. Nesse ponto o artigo 12 do Decreto 30689 encontra-se revogado. Com efeito, e como se salientou, não so o n. 3 do artigo 11 do Decreto 23/86 permite a interposição de recurso contencioso, nos termos gerais, para o Supremo Tribunal Administrativo, como esse recurso resultaria da garantia concedida aos interessados pelo disposto no n. 3 do artigo 268 da Constituição ao tempo em vigor e se encontra actualmente, apos a segunda revisão constitucional, no n. 4 do mesmo artigo.
Retirada a autora a autorização de exercicio do comercio bancario, foi ordenada a sua imediata liquidação. E nem outra coisa se poderia seguir uma vez que, sendo essa a unica actividade da autora, ela tinha cessado.
De resto, tal situação encontra-se prevista no Codigo das Sociedades Comerciais, pois a sociedade dissolve-se, alem de outros casos, pela ilicitude superveniente do objecto contratual e, salvo quando a lei disponha diferentemente, entra imediatamente em liquidação - artigos 141 n. 1, d) e 146 n. 1.
A liquidação, no caso em apreciação, derivou de um acto administrativo do Governo, no exercio de competencia propria, susceptivel de recurso contencioso para tribunal administrativo, em nada invadindo a competencia dos tribunais.
Dispõe, expressamente, o n. 5 do artigo 10 do Decreto 23/86 que, em casos como o da autora, sera nomeada uma comissão liquidataria, nos termos e para os efeitos do Decreto 30689.
Este Decreto-Lei dispõe sobre a chamada liquidação forçada administrativa das instituições de credito.
E, de acordo com o seu artigo 12, a portaria que determina a liquidação constitui, para todos os efeitos, a declaração de falencia do estabelecimento. O que, no caso concreto, se impunha, pois, conforme a portaria, a autora suspendeu pagamentos em 12 de Agosto de 1986 e não pode restabelecer as condições normais de funcionamento dentro do prazo que lhe foi fixado.
Situação, alias, identica a prevista para a declaração de falencia no artigo 1174 n. 1, a) do Codigo de Processo Civil.
Segundo o artigo 20 do Decreto 30689, a comissão liquidataria e constituida pelo comissario do Governo, que presidira, e por dois outros vogais, um dos quais sera o representante dos credores e outro o dos socios do estabelecimento bancario.
A essa comissão compete praticar todos os actos necessarios a liquidação e partilha da massa do estabelecimento e especialmente, alem de outros, administrar a massa e representa-la activa e passivamente em juizo e fora dele - artigo 21 n. 1 do Decreto 30689.
Não cabe, nem interessa, na presente acção, analisar da conformidade com as disposições da Constituição dos diferentes numeros do dito artigo 21, uma vez que aqui so esta em causa a norma do apontado n. 1.
E certo que, conforme o n.2 do artigo 146 do Codigo das Sociedades Comerciais, a sociedade em liquidação mantem a personalidade juridica e salvo quando outra coisa resulte... da modalidade da liquidação, continuam a ser-lhe aplicaveis, com as necessarias adaptações, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas.
Sustenta o reu a ilegalidade da nomeação da comissão liquidataria, pois e o conselho de administração da autora, a quem compete gerir as actividades da sociedade, que tem exclusivos e plenos poderes da sua representação - artigo 405 ns. 1 e 2 do Codigo das Sociedades Comerciais. E o artigo 151 n. 1 deste Codigo estabelece que, salvo clausula do contrato de sociedade ou deliberação em contrario, os membros da administração da sociedade passam a liquidatarios desta a partir do momento em que ela se considere dissolvida.
Dir-se-a, porem, que: em casos de falencia, a administração dos bens da massa compete ao administrador da falencia, sob orientação do sindico - artigo 1210 n. 1 do Codigo de Processo Civil; e e o mesmo administrador quem fica a representar o falido para todos os efeitos, salvo quanto ao exercicio dos seus direitos exclusivamente pessoais ou estranhos a falencia - artigo 1189 n. 3 deste mesmo Codigo; e no caso da autora, cuja constituição não e livre, sendo, ainda condicionado o exercicio da sua actividade de comercio bancario, ja o governo, ainda antes de ter ordenado a sua liquidação, podia ter interferido na composição do seu conselho de administração: logo pela possibilidade, ja referida, de, em certos casos, impor a nomeação de um administrador por parte do Estado - n. 1 do artigo 23 do Decreto 136/79; depois, ainda, porque o governo interfere, indirectamente, na constituição do conselho de administração da sociedade ao exigir, para conceder autorização para a constituição das instituições de credito, que o conselho seja constituido por um minimo de 5 membros, com idoneidade e experiencia adequadas ao exercicio da função e detenha poderes para efectivamente determinar a orientação da actividade da instituição - artigo 4 n.1, c); e ate, para a instrução do pedido de autorização, tratando-se de pessoas colectivas, que seja acompanhado do certificado do registo criminal dos seus administradores - artigo 5 n. 1, g); ambos os artigos do Decreto 23/86.
Acresce, ate, que uma das situações que pode determinar a revogação da autorização de constituição das instituições de credito e a de ser recusado, por falta de idoneidade ou experiencia, o registo da designação de membros do conselho de administração, sendo certo que este fundamento de revogação desaparecera se, no prazo que o Banco de Portugal estabelecer, a instituição tiver procedido a designação de outro administrador cujo registo seja aceite - artigo 10 ns. 1, d) e 2 do mesmo Decreto 23/86.
Não se ve, assim, como pudesse, em tais circunstancias, ficar vedado ao Governo determinar a constituição da comissão liquidataria da autora, demais quando os representantes dos credores e dos socios são, respectivamente, eleitos ou nomeados pelos representados, embora a eleição ou nomeação não produza efeitos senão depois de confirmada pelo Ministro das Finanças - artigo 23 e seus paragrafos do Decreto
30689.
Pelo que a comissão liquidataria, de harmonia com o n. 1 do artigo 21 deste ultimo Decreto-Lei, tem poderes para representar activamente a massa em juizo.
E não existe, no caso, qualquer inconstitucionalidade pois a Constituição - anterior artigo 105 n. 1, actual artigo 104 - remete para a lei a estruturação do sistema financeiro. E a lei, dado o especial comercio exercido, que o Governo - como orgão de condução da politica geral do Pais e orgão superior da administração publica (artigo 185 da Constituição - pretende que decorra dentro da regularidade legal e de harmonia com os superiores interesses do Estado, disciplinando, ainda, ao mesmo tempo, a concorrencia e protegendo os depositantes e os que recorrem ao credito bancario, permite, em casos justificados, como o da autora, que suspendeu pagamentos e não foi capaz de restabelecer as condições normais de funcionamento, que, por acto administrativo, susceptivel, volta a repetir-se, de impugnação contenciosa, o Governo interfira na actividade comercial exercida, pondo-lhe termo, e que intervenha em representação da sociedade em liquidação, uma comissão liquidataria constituida nos termos apontados. Juntou o reu dois acordãos da
Relação de Lisboa, de 30 de Outubro de 1990 e de 22 de Janeiro de 1991, que se pronunciaram em sentido contrario ao propugnado. Mas e de referir que as decisões daquele Tribunal não tem sido uniformes, tendo em conta, alem da proferida nesta acção, o acordão de 17 de Janeiro de 1991, publicado na Colectanea ano XVI, Tomo 1 pagina 121.
Anota-se, ainda, que aquele acordão de 30 de Outubro de 1990 se encontra, tambem, publicado na Colectanea ano XV, tomo IV, pagina 164. E não mereceu a concordancia do Conselheiro Pinto Furtado, conforme anotação ao artigo 146 do seu Codigo das Sociedades Comerciais, 4ª edição, pagina 148, onde se escreveu:
"O Decreto 30689, que estabelece um processo proprio para a liquidação de instituições de credito insolventes, consagra uma opção corrente em todo o mundo e a mais recomendavel.
... Não temos conhecimento de que a liquidação forçada administrativa tenha sido, no direito comparado, arguida de inconstitucionalidade, designadamente na Italia, onde ha largas decadas se vem praticando".
Nem se afirme, tambem, que foram violados os principios constitucionais da igualdade e de acesso aos tribunais - artigos 13 n. 1 e 20 n. 2 da Constituição vigente ao tempo da propositura da acção.
O primeiro principio, como e jurisprudencia uniforme - ver, por todos, o acordão 137/88, de 16 de Junho, do Tribunal Constitucional, publicado no Diario da Republica, II Serie, de 8 de Setembro de 1988, e sumariado no Boletim 378, pagina 759 - apenas exige que as situações iguais sejam tratadas da mesma forma; mas não ja as situações desiguais. E a actividade de comercio bancario exercida pela autora, alias conforme prescrições legais, exigia um tratamento diferente, regulado por legislação especial designadamente os ditos Decretos 136/79 e 23/86.
Tambem, como se afirmou, não ha violação do direito de acesso aos tribunais. E que a autora, directamente atingida pela portaria que lhe retirou a autorização para o exercicio do comercio bancario e ordenou a sua liquidação, podia recorrer contenciosamente de tal acto administrativo para o Supremo Tribunal Administrativo.
Alude-se, ainda, nas doutas alegações do recorrente, a inconstitucionalidade de outras normas do Decreto 30689, designadamente quanto a verificação e graduação de creditos pela comissão liquidataria.
Mas nem a presente acção e de declaração de falencia da autora; nem o reu se arroga, sequer, a qualidade de socio ou de credor da autora; não se descortinando, assim, o seu interesse directo em levantar tais questões, pois por elas não e afectado.
Pelo que disso não ha, aqui, que cuidar.
Sendo as sociedades representadas por quem a lei designar - artigo 21 n. 1 do Codigo de Processo Civil; estando a autora em liquidação por acto administrativo do Governo no uso de competencia propria - artigos 11 n. 1 do Decreto 23/86 e 11 do Decreto 30689; representando a comissão liquidataria a autora, activamente, em juizo - artigo 21 n. 1 do Decreto
30689; e não ofendendo nenhuma destas normas os principios consignados na Constituição; nega-se provimento ao recurso, com custas pelo recorrente.
Lisboa, 3 de Dezembro de 1991.
Cesar Marques,
Beça Pereira,
Castro Mendes.