Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | CELSO MANATA | ||
| Descritores: | RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MEDIDA CONCRETA DA PENA CÚMULO JURÍDICO PENA ÚNICA PRISÃO FURTO QUALIFICADO | ||
| Data do Acordão: | 11/19/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Sumário : | I - Sendo os recursos remédios jurídicos, a sindicabilidade da medida da pena - parcelar ou única - por este STJ abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respetivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos fatores de medida da pena, mas não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato de pena, exceto se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. II - Não é desproporcionada a pena única de 6 anos de prisão, resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares de 4 anos e 6 meses de prisão e de 2 anos e 6 meses de prisão (aplicadas pela pratica de dois crimes de furto qualificado, um deles na forma tentada), no qual se constatou que a imagem global dos factos e da personalidade do arguido é muito negativa, dado que a ilicitude dos factos é media/ elevada, o dolo direto, as consequências dos crimes médias/baixas, por a confissão do arguido assumir importância muito relativa e por este registar um longuíssimo passado criminal, (designadamente relativo à prática de crimes similares), no qual já lhe foi aplicada pena de prisão efetiva, sendo as necessidades de prevenção geral significativas e as necessidades de prevenção geral muitíssimo elevadas. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam, em conferência, na 5ª secção do Supremo Tribunal de Justiça: A - Relatório A.1. A decisão da primeira instância Através de acórdão proferido a 12 de junho de 2025, pelo Juízo Central Criminal de Portimão – Juiz 1, AA foi condenado, como autor material e na forma consumada, da prática dos seguintes crimes e, designadamente, nas penas a seguir indicadas: • Na pena de quatro anos e seis meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 203º, n.º 1 e 204º, nº2, alínea e) do Código penal; • Na pena de dois anos e seis meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 203º e 204º, n º2, alínea e) e 22º do Código Penal. • Operando o cúmulo jurídico, condenamos o arguido AA na pena única de 6 (seis) anos de prisão. A.2. O recurso O arguido não se conformou com essa decisão, pelo que dela recorreu para o Tribunal da Relação de Évora, terminando as suas motivações com as seguintes conclusões (transcrição integral): CONCLUSÕES: 1 - O arguido foi condenado na pena única de 6 anos de prisão efectiva, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2 al. e) e de um furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 203.º e 204.º, n.º 2 al e) e 22.º todos do Código Penal, pelos factos descritos de 1.º a 21.º dos Factos Provados no douto Acórdão de que se recorre. 2 – Todavia, o Arguido/Recorrente não pode conformar-se com esta decisão, motivo pelo qual vem interpor o presente Recurso. 3 - Analisando o conteúdo do douto Acórdão, verifica-se que o mesmo padece de incorrecta determinação quanto à aplicação da medida da pena de pena aplicada ao ora Arguido, AA, por não ter aplicado ao arguido uma pena de prisão mais baixa, que se situasse próximo dos 5 anos, por forma a que possibilitasse que essa pena de prisão fosse suspensa na sua execução, mediante o cumprimento de imposições/obrigações durante o período da suspensão. 4 - Decidindo deste modo, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 70.º, 71.º e 72.º todos do Código Penal, designadamente na determinação da escolha da pena, conjugado pelos motivos invocados supra, uma vez que, o Tribunal a quo não valorou e/ou não valorou convenientemente determinados factos e circunstâncias que depõem a favor do Arguido. 5 – Tais factos são nomeadamente: a) O facto do arguido se encontrar familiar e socialmente inserido na sociedade, ao contrário do que o Tribunal “a quo” quis fazer crer no seu douto Acórdão; b) Os valores dos bens furtados serem de valor baixo, aliás, vê-se pelo tipo de furto – garrafas de bebidas alcoólicas – o que se vê claramente que se tratava de um furto para posteriormente consumir tal produto, devido ao vicio do álcool. c) O facto dessas garrafas de bebidas alcoólicas terem sido recuperadas; d) O facto do arguido ter, de imediato, confessado os factos pelos quais estava acusado, sendo que, já o havia feito em sede de primeiro interrogatório judicial, tendo conformado na integra os factos pelos quais, à data, estava indiciado. e) Sempre colaborou com a justiça e nunca tentou ludibriar quem quer que fosse, assumindo os seus actos. f) O facto do arguido já se encontrar em prisão preventiva há já 9 meses, valendo este longo período, como uma pena já bem pesada. 6 – O Tribunal a quo deveria ter aplicado uma pena única de 5 anos de prisão, devendo a mesma ser suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo. 7– Efectivamente, por todo o atrás exposto na motivação de recurso, mais pormenorizado e cujo conteúdo dá por reproduzido, parece-nos possível dizer-se que se acredita, que o arguido não volte a delinquir, estando assim reunidos os pressupostos a que se refere o artigo 71.º e 72.º do Código Penal, para posteriormente ser a pena de prisão aplicada ao arguido, suspensa na sua execução, de acordo com o preceituado no artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal, para a suspensão da execução da pena de prisão, devendo ser alterada a pena de prisão efetiva aplicada, nomeadamente reduzindo-se a pena única de prisão para o período de 5 anos, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo, sujeita a determinadas imposições e injunções. 8) Neste âmbito, entende-se que o Tribunal a quo ponderou erradamente os pressupostos dos artigos 70.º, 71.º e 72.º todos do Código Penal e fez uma avaliação incorrecta da prevenção geral e especial aplicadas ao arguido, nestes autos em concreto. 9 – O artigo 40.º do Código Penal dispõe que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa, devendo a sua determinação ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, de acordo com o disposto no artigo 71.º do mesmo diploma. 10– Nestes termos, seria viável fazer um juízo de prognose favorável relativamente à conduta presente e futura do Arguido, dando-lhe uma derradeira oportunidade de continuar a firmar a sua integração na sociedade, em vez de o “empurrar” para a clausura mais que certa, pelo curtíssimo tempo de suspensão atribuída. 11– Ao não proceder desta forma, violou o Tribunal a quo o disposto no artigo 40.º, 70.º, 71.º, 72.º e consequentemente o artigo 50.º, n.º 1, todos do Código Penal, nomeadamente ao não aplicar uma pena única de 5 anos, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo. 1.3. Resposta do Ministério Público O magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação apresentou resposta, na qual defende a confirmação da decisão recorrida e da qual se extraem os seguintes excertos (transcrição parcial): “Assim, e no que respeita às necessidades de prevenção geral, afigura-se-nos que as mesmas são efectivamente elevadas, nomeadamente pela frequente ocorrência de crimes da natureza dos em apreço, havendo, por isso, necessidade de reafirmar de forma severa as normas violadas, que pretendem tutelar o direito de propriedade. (…) Na verdade, não obstante se conceder que milita a favor do arguido a confissão dos factos a si imputados, certo é que também é preciso atender a que a prova, no caso dos presentes autos, era relativamente simples, tendo o arguido sido, na situação ocorrida no dia 29-10-2024, detido em flagrante delito, pelo que da confissão integral e sem reservas dos factos não se pode retirar uma especial vontade em colaborar com a administração da Justiça e descoberta da verdade material. Por outro lado, e ainda concernente com a constatação de que as exigências de prevenção especial se mostram elevadas, notamos que, (…)o arguido apresenta um vasto registo de condenações averbadas no seu certificado de registo criminal, chamando-se a atenção para as cinco que, talqualmente sucede nos presentes autos, são respeitantes à prática de crimes contra o património – sendo que as quatro mais recentes foram em pena de prisão efectiva. Ademais (…), “À data das ocorrências AA estava separado da ex-companheira (…), saiu da residência da sua família de origem (…), vivia numa roulotte”,sendo que “Estava desempregado, não dispunha de rendimentos próprios e tinha reiniciado o consumo de substâncias estupefacientes, destacou o consumo de nomeadamente de cocaína. Mantinha vivências / contactos com pares em situação e interesses idênticos”, o que, naturalmente, também majora as exigências de prevenção especial no caso concreto. Já no que concerne à culpa, o facto de o arguido ter agido sempre com dolo directo, acaba por ter repercussão no agravamento do juízo de censura a si dirigido, uma vez que, não obstante ter pleno conhecimento da proibição da sua conduta, não se coibiu de a perpetrar. (…) Com efeito, se perante a situação ocorrida no dia 06-10-2024 (furto qualificado na forma tentada) a pena máxima aplicável era de 5 anos e 4 meses de prisão e foi aplicada uma de 2 anos e 6 meses e perante a situação ocorrida no dia 29-10-2024 (furto qualificado consumado) a pena máxima aplicável era de 8 anos de prisão e foi aplicada uma de 4 anos e 6 meses, sendo que, para efeitos de cúmulo jurídico de penas, estava em causa uma pena máxima de 7 anos (e mínima de 4 anos e 6 meses) e foi aplicada uma de 6 anos, não vemos porque forma se possa afirmar que a pena única aqui em causa seja, de alguma forma, desajustada (…) In casu, atendendo a tudo quanto já ficou dito acerca das exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, não nos é possível outro juízo que não o de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizaria (de todo), de forma adequada e suficiente as finalidades de prevenção. (…) Ora, atentando, sobretudo, nos inúmeros antecedentes criminais do arguido e na sua deficitária inserção familiar e profissional, afigura-se-nos que sempre seria impossível efectuar o referido juízo de prognose social favorável.” 1.4. Declaração de incompetência material do Tribunal da Relação de Évora Através de decisão proferida a 19 de setembro de 2025 o Tribunal da Relação de Évora declarou-se (e bem) incompetente em razão da matéria, e determinou a remessa dos autos para este Supremo Tribunal de Justiça Com efeito, estando em causa uma decisão de tribunal coletivo, sendo a pena aplicada superior a 5 anos e versando o recurso apenas sobre matéria de direito é este Alto Tribunal o único competente para apreciar o recurso nos termos do disposto na al. c) do nº 1 e no nº2 do artigo 432º do Código de Processo Penal (doravante “CPP”) 1.5. Parecer O Digníssimo Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça apresentou extenso parecer, no qual acompanha a posição do seu colega e, designadamente, consigna o seguinte: (transcrição parcial: “O tribunal a quo ponderou o que havia a ponderar e fê–lo de forma que não pode considerar–se excessiva, aplicando uma pena única de 6 anos de prisão efetiva, que se situa pouco acima do meio do arco da moldura penal aplicável ao concurso de crimes e que corresponde, em proporção, ao quantum das penas concretas aplicadas a cada um dos crimes em concurso no quadro da moldura legal respetiva; o que significa que, tendo em conta as considerações efetuadas acerca da globalidade dos factos e da personalidade do arguido neles manifestada, o concurso justifica efetivamente o peso que ficou transposto na pena única e que nos parece refletir – nos termos da doutrina citada – uma personalidade vincadamente desconforme ao Direito. Uma pretensão genérica do recorrente em ver reduzida a pena única implicaria refletir um peso a atenuantes gerais que não deixaram de ser considerados na decisão recorrida, ainda que não no tonalidade e com o âmbito desejado pelo recorrente, pelo que outra e menor pena única representaria um desequilíbrio manifesto e incompreensível com a devida proteção de bens jurídicos e as necessidades específicas do caso quanto à prevenção especial de ressocialização, enquanto finalidade principal das penas, sendo certo que também a par dela se deve atender à reintegração tão rápida quanto possível do arguido em sociedade, através do cumprimento efetivo da pena aplicada, que não é excessiva. Assim, a gravidade do ilícito global e a personalidade unitária do recorrente, corretamente sopesadas, levam a considerar que a pena única fixada pelo tribunal a quo é uma pena adequada, necessária, proporcional e inteiramente suportada pela medida da sua culpa, pelo que deve ser mantida.” 1.6. Devidamente notificado nos termos do disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, o recorrente não apresentou qualquer resposta * * * Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. B - Fundamentação B.1. âmbito do recurso O âmbito do recurso delimita-se, como já atrás se referiu, pelas conclusões do recorrente (artigos 402º, 403º e 412º do Código de Processo Penal) sem prejuízo, se necessário à sua boa decisão, da competência do Supremo Tribunal de Justiça para, oficiosamente, conhecer dos vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410º, nº 2, do mesmo diploma legal, (acórdão de fixação de jurisprudência nº 7/95 in D.R. I Série de 28 de dezembro de 1995), de nulidades não sanadas (nº 3 do aludido artigo 410º) e de nulidades da sentença ( artigo 379º, nº do Código de Processo Penal). Assim e em suma, as únicas questões a apreciar no presente recurso são a medida da pena única aplicada ao recorrente e a eventual suspensão da sua execução. B.2. Matéria de facto dada como provada Para proceder a essa apreciação importa, antes de mais, consignar a matéria de facto dada como provada e não provada que serviu de fundamento à aplicação da pena única. Assim, foi dada como provada e não provada a seguinte matéria de facto (transcrição integral)1: “FACTOS PROVADOS Discutida a causa resultaram provados, com relevância para a decisão da mesma, os seguintes factos: 1º No dia 06 de Outubro de 2024, pelas 00h46, o arguido AA dirigiu-se para junto do estabelecimento comercial/café denominado Taberna Lisboa, sito na Estrada Nacional 269, na localidade de Ferreiras, em Albufeira. 2.º Aí chegado, e animado com o propósito de aceder ao interior daquele estabelecimento para se apropriar de objectos que ali se encontrassem, o arguido forçou uma porta lateral do estabelecimento, a fim de aceder à zona lateral do mesmo. 3.º Nessa zona lateral do edifício, o arguido forçou as grades que protegiam uma janela do estabelecimento, após o que partiu a referida janela, provocando um prejuízo de cerca de 146,00 € (cento e quarenta e seis euros), e assim introduziu-se no interior do estabelecimento. 4.º No interior do estabelecimento e no momento que se preparava para o vasculhar, em busca de objectos e valores, foi o arguido surpreendido pelo accionamento do alarme, pelo que, fugiu, não chegando a retirar qualquer artigo. 5.º No interior do estabelecimento encontravam-se artigos e objectos com um valor total não concretamente apurado, mas entre outros, raspadinhas por vender, quantias monetárias na caixa registadora e garrafas expostas para venda, num total não inferior a €950,00 (novecentos e cinquenta). 6.º Nesta situação, o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, com o intuito de se apoderar dos objectos e valores existentes naquele estabelecimento, visando integrá-los no seu património, sem o conhecimento e contra vontade dos seus proprietários, contudo não logrou alcançar este objectivo por razões alheias à sua vontade. 7.º No dia 29 de Outubro de 2024, os arguidos AA e BB, na sequência de um plano previamente delineado entre ambos, visando apoderarem-se de bens e valores que viessem a encontrar, dirigiram-se para junto do restaurante denominado Franguinho das Ferreiras, sito na Estrada do Paraíso - Lagoas, em Ferreiras - Albufeira, para depois procederem à sua venda e distribuir o produto da venda por ambos ou simplesmente fazer uso em proveito próprio dos objectos que fossem do seu interesse. 8.º Para tal, fizeram-se transportar no veículo automóvel da marca Seat, modelo Ibiza, com matrícula V1, pertença da rent-a-car Centauro. 9.º Aí chegados, com recurso a um macaco hidráulico, os arguidos danificaram a fechadura da porta do armazém anexo ao referido restaurante, provocando um prejuízo no valor aproximado de 1.500,00 € (mil e quinhentos euros), sendo tal espaço utilizado como armazém da actividade comercial de restauração, após o que se introduziram no seu interior. 10.º Quando ambos os arguidos se encontravam no interior do armazém anexo, na prossecução do plano previamente combinado, apoderaram-se de objectos no valor total de 204,00 € (duzentos e quatro euros), que fizeram seus e levaram consigo, designadamente: a. Uma garrafa de whisky da marca Famous Grouse, no valor de b. Duas garrafas de Licor Beirão, no valor global de 38,00 € (trinta e c. Duas garrafas de Licor Nacional, no valor global de 36,00 € (trinta d. Duas garrafas de whisky da marca Constables, no valor global de e. Uma garrafa de licor da marca Cabe Bay, no valor de 21,00 € f. Uma garrafa de gin da marca Gordon’s, no valor de 21,00 € (vinte g. Um garrafão de cinco litros de azeite da marca Fraga do Mondego, 11.º De seguida, na posse das aludidas garrafas, os arguidos AA e BB foram em direcção à viatura na qual se faziam transportar, e aí depositaram os objectos, preparando-se para se ausentaram do local, levando com eles esses objectos. 12.º Ao agirem das formas descritas, em comunhão de esforços e de acordo com plano previamente traçado, os arguidos quiseram fazer seus todos os objectos referenciados, integrando tais pertences nos seus patrimónios, bem sabendo que não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade dos seus legítimos donos e em prejuízo dos mesmos. 13.º Agiram ainda, em comunhão de esforços e de acordo com plano estabelecido, com o propósito de, do modo descrito e sem para tal estarem autorizados, entrarem no estabelecimento comercial e armazém anexo dos ofendidos e de retirar do seu interior os referidos objectos, bem sabendo que não lhes pertenciam e que para o efeito entravam em estabelecimento/espaço fechado através de entrada não autorizada e contra a vontade dos donos, por meio de arrombamento e escalamento, o que não os impediu de agirem dos modos descritos como quiseram e conseguiram. 14.º Só não logrando o arguido AA atingir os seus intentos no âmbito do inquérito apenso com o NUIPC 193/24.1GCABF, por motivos alheios à sua vontade. 15.º Aos arguidos não lhes é conhecida quaisquer actividades do foro profissional, nem quaisquer fontes de obtenção de rendimentos de forma lícita. 17.º Em todas as ocasiões, os arguidos agiram ainda, em comunhão de esforços e no seguimento do plano previamente delineado, com o propósito concretizado de fazer da prática de subtracção de bens e quantias monetárias aos seus proprietários, sem o conhecimento e contra a vontade destes, e de posteriormente obter proveitos económicos para a satisfação das suas necessidades, bem sabendo que os rendimentos que obtinha não eram lícitos, o que não os impediu de agirem dos modos descritos, como quiseram e conseguiram. 18.º Os arguidos, ao actuarem da forma descrita, causaram aos ofendidos um prejuízo correspondente ao valor dos bens subtraídos, acrescidos dos valores da reparação dos danos causados no respectivo estabelecimento comercial e espaço fechado por força do arrombamento práticado para aceder ao interior dos mesmos. 19.º Os arguidos AA e BB agiram, assim, deliberada, voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. 20.º O arguido AA praticou as retro descritas condutas não obstante as condenações sofridas e melhor elencadas no certificado de registo criminal junto aos autos,designadamente: a. no processo n.º 118/00.0GCSLV, pela prática, em 04.08.2001, de b. no processo n.º 237/01.5GCSLV, pela prática, em 21.05.2002, de c. no processo n.º 146/03.3GCSLV, pela prática, em 28.05.2003, de d. no processo n.º 98/04.2TASLV, pela prática, em 08.05.2004, de e. no processo n.º 22/12.9GCSLV, pela prática, em 21.01.2012, de f. no processo n.º 307/11.1 GCSLV, pela prática, em 20.10.2011, de g. no processo n.º 242/12.6GBABF, pela prática, em 07.02.2012, de h. por acórdão de 09.10.2014, transitado em 26.09.2014, foi realizado o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido no âmbito dos processos sob o n.º 307/11.1GCSLV e 242/12.6GBABF, o qual condenou o arguido na pena de 6 (seis) anos e 9 (nove) meses de prisão, extinta em 12.11.2020; i. no processo n.º 177/19.1GBSLV, pela prática, em 26.04.2019, de um crime de condução veículo em estado de embriaguez, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, suspensa por 1 (um) ano; j. no processo n.º 258/22.4GBABF, pela prática, em 08.02.2022, de um crime de condução veículo em estado de embriaguez, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, em regime de permanência na habitação. 21.Verifica-se assim que as condenações sofridas pelo arguido AA, mormente as enunciadas, não constituíram lenitivo suficiente para evitar que o arguido voltasse a adoptar comportamentos delituosos, não tendo este alterado o seu estilo de vida, nomeadamente, através do desempenho de actividade laboral como forma de prover ao seu sustento. Das Condições pessoais. À data das ocorrências AA estava separado da ex-companheira CC, saiu da residência da sua família de origem na localidade Amorosa e mudou-se para as Ferreiras, vivia numa roulotte. Estava desempregado, não dispunha de rendimentos próprios e tinha reiniciado o consumo de substâncias estupefacientes, destacou o consumo de nomeadamente de cocaína. Mantinha vivências / contactos com pares em situação e interesses idênticos. É neste contexto que enquadrou o presente envolvimento com o sistema judicial. AA é o mais novo de três irmãos, com cerca de vinte anos de diferença etária com o arguido. Cresceu numa família de características rurais com condições económicas modestas, mas equilibradas. O pai faleceu em 1999 e a mãe em 14 de Fevereiro de 2023, sendo a progenitora o elemento da família que manteve maior proximidade relacional e de suporte ao arguido. Os irmãos têm família constituída: o irmão vive na Austrália e a irmã/ reformada vive no concelho de São Bartolomeu de Messines. AA nunca conseguiu organizar-se com autonomia, teve um modo de vida irregular com comportamentos de risco desde jovem, parecendo nos últimos 5 anos dispor de indicadores maior estabilidade. Em parte, o relacionamento afectivo com manteve com CC/44 anos, de nacionalidade marroquina/cozinheira e o facto de ter sido pai de uma única filha em comum, DD de 4 anos de idade, parecem ter contribuído para um funcionamento social mais estruturado. Enquanto casal chegaram a viver na casa arrendada pela companheira, mantendo AA alguma proximidade e períodos de coabitação com a mãe. AA tem como habilitações literárias completas o 2º ciclo do Ensino Básico, abandonou os estudos aos 14 anos, com problemas de absentismo escolar, sem que os progenitores conseguissem reverter o desinvestimento do arguido na sua formação escolar ou alternativa. Na adolescência habituou-se a conviver com pares desocupados, permeável a formas de vida e comportamentos delituosos, tendo sido sujeito à intervenção do sistema judicial em processo tutelar. Além, dos delitos civis, quando cumpriu SMO como paraquedista registou em contexto militar um crime de fuga quando, por recear cumprir serviço em Timor, veio a cumprir pena em prisão militar. Registou a primeira prisão em 17-05-2002, sendo referenciado por crimes contra a propriedade entre furtos e roubos. Parte dos delitos estavam associados aos hábitos e dependência aditiva de substâncias do arguido. Entre as suas características funcionais ligadas às fases de comportamentos aditivos foi desenvolvendo a necessidade de logro e de vitimização junto de elementos de referencia familiar, suscitando reservas e distanciamento dos irmãos e maior proximidade da progenitora, elemento vulnerável. Em contexto familiar, pareceu ter sido consensual que a estabilidade afectiva e o facto de ter sido pai, foi um período mais positivo na vida do arguido. Em meio residencial era tido como um individuo respeitador, pese embora fosse referenciado por problemas de alcoolismo e consumos de substâncias estupefacientes. Ao nível da saúde, efectuou tratamentos para a toxicodependência junto de estruturas especializadas, do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) com uma adesão flexível e recidivas. Nos últimos três, o arguido voltou a efectuar alguns consumos de bebidas alcoólicas e substâncias aditivas. Profissionalmente trabalhou de forma mais regular como ajudante de motorista para empresas de transporte de bebidas, a NOVADIS e a T...; veio a despedir-se desta última empresa em dezembro/2023, na actual estava novamente a efectuar consumos e vivia uma fase instável com a então companheira. Depois do falecimento da mãe, AA e os irmãos decidiram pela venda da casa dos progenitores, numa fase em que a ex-companheira do AA se mudara para a casa e recusava sair, ameaçando os familiares do arguido. Esta situação veio a aumentar os problemas com o arguido, que optou por sair da localidade, vindo a desorganizar-se ainda mais. O imóvel, entretanto, foi vendido, tendo os irmãos do arguido recorrido a autoridades judiciais. Estas ocorrências parecem continuar a suscitar mal-estar e um sentimento de insegurança reactivamente à ex-companheira do arguido. Em termos de perspectivas futuras, sem dispor de recursos próprios para se manter autónomo habitacional e economicamente, uma vez em meio livre, o arguido espera poder dispor do suporte dos irmãos o que poderá ser pouco realista. Na actualidade AA tem tido apoio para questões práticas de alguns elementos da família, nomeadamente da irmã e de uma sobrinha. Expressou-se com afectividade e preocupação relativamente à filha, tendo tido algumas informações por via da ex-companheira. (…)2 Em meio prisional na actualidade o comportamento do arguido é indiciador de capacidade de integração à cultura institucional vigente. Tem poucas visitas dos familiares ainda que sejam mantidas formas de apoio funcional. Recentemente foi associado a uma ocorrência de ressecção em espaço prisional de objectos não autorizado, situação que se encontra em investigação. Expressou-se com reduzido sentido de autocritica face à presente sujeição a julgamento, ainda que enquadre o comportamento que lhe é atribuído no seu modo de vida à época. Não pareceu sensibilizado para a eventual necessidade tratamento para a toxicodependência, apesar de ter consciência das suas fragilidades pessoais. Dos antecedentes criminais No âmbito do processo n.º 118/00.0GCSLV, foi o arguido AA condenado por decisão datada de 28.05.2000 pela prática em 28.05.2000 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 60 dias de multa. No âmbito do processo n.º 4/2000, foi o arguido condenado por decisão datada de 27.06.2000 pela prática em 08.11.1999 de um crime de deserção, na pena de três meses de prisão militar. No âmbito do processo n.º 237/01.5GCSLV, foi o arguido condenado por decisão datada de 15.10.2002 pela prática em 04.06.2001 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 100 dias de multa. No âmbito do processo n.º 110/02.0GCSLV, foi o arguido condenado por decisão datada de 15.11.2002 pela prática em 21.05.2002 de um crime de furto qualificado, na pena de dois anos e dez meses de prisão. No âmbito do processo n.º 146/03.0GCSLV, foi o arguido condenado por decisão datada de 19.11.2003 pela prática em 28.05.2003 de um crime de furto qualificado e de um crime de furto simples, na pena única de três anos e seis meses de prisão. No âmbito do processo n.º 98/04.2TASLV, foi o arguido condenado por decisão datada de 13.04.2005 pela prática em 08.05.2004 de um crime de furto simples, na pena de dois anos e seis meses de prisão. No âmbito do processo n.º 22/12.9GCSLV, foi o arguido condenado por decisão datada de 23.01.2012 pela prática em 21.01.2012 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de três meses de prisão, suspensa na sua execução. No âmbito do processo n.º 307/11.1GCSLV, foi o arguido condenado por decisão datada de 12.07.2012 pela prática em 20.10.2011 de um crime de roubo, na pena de três anos e seis meses de prisão. No âmbito do processo n.º 242/12.6GBABF, foi o arguido condenado por decisão datada de 24.09.2012 pela prática em 07.02.2012 de um crime de roubo e de um crime de detenção de arma proibida, na pena única de cinco anos de prisão. No âmbito do processo n.º 177/19.1GBSLV, foi o arguido condenado por decisão datada de 05.06.2019 pela prática em 24.06.2019 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de quatro meses de prisão, suspensa na sua execução. No âmbito do processo n.º 258/22.4GBABF, foi o arguido condenado por decisão datada de 05.04.2022 pela prática em 08.02.2022 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de dez meses de prisão. 2. FACTOS NÃO PROVADOS Que o montante dos bens no interior do estabelecimento comercial «Taberna Lisboa» ascendesse à quantia total de €3.375,00 Que os arguidos não têm perspectivas de conseguir um emprego. Os arguidos não possuem quaisquer quantias monetárias provenientes de uma actividade profissional lícita, não dispondo de condições económicas para providenciar pelo seu próprio sustento e do seu agregado familiar. Inexistem mais factos não provados.” B.3. O Direito B.3.1. A medida concreta da pena B.3.1.1. Introdução Em termos genéricos e no que concerne aos critérios que devem ser usados para determinação da pena, constata-se que, nos termos do disposto nos nº 1 e 2 do artigo 40º do Código Penal e como refere Figueiredo Dias3, “(a)s finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade”, sendo que, “a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa” pois isso, “mesmo que em nome das mais instantes exigências preventivas, poria em causa a dignitas humana do delinquente e seria assi, logo por razões jurídico constitucionais, inadmissível.” Por outro lado, continuando a acompanhar esse Mestre, a determinação definitiva da pena é alcançada através de um procedimento que decorre em três fases distintas: na primeira investiga-se e determina-se a moldura penal (medida abstrata da pena) aplicável ao caso; na segunda investiga-se e determina-se a medida concreta (dita também individual ou judicial); na terceira escolhe-se (de entre as penas postas à disposição pelo legislador e através dos mecanismos das penas alternativas ou das penas de substituição) a espécie de pena que, efetivamente, deve ser cumprida. Como decorre do nº 1 do artigo 71º do Código Penal, a medida concreta da pena tem como limite máximo a culpa do agente, como limite mínimo razões de prevenção geral (consubstanciadas no quantum da pena imprescindível à tutela dos bens jurídicos e das expetativas da comunidade), sendo subsequentemente afinada por razões de prevenção especial espelhadas nas funções que a mesma desempenha (seja a função primordial de socialização, seja qualquer uma das funções subordinadas de advertência individual ou segurança ou inocuização4). Escrito de outra forma e usando as palavras de Anabela Miranda Rodrigues sobre o exposto modelo de determinação concreta da medida da pena: «Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas.»5 Para terminar este excurso falta referir que, nos termos do nº 2 daquele mesmo artigo 71º, na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, as elencadas exemplificativamente nessa mesma norma. Sobre as circunstâncias, que relevam para a determinação da medida da pena, quer pela via da culpa, quer pela da prevenção, refere Figueiredo Dias6, que as mesmas se podem agrupar em: “1. Fatores relativos à execução do facto”, esclarecendo que: Toma-se aqui a “execução do facto” num sentido global e complexo, capaz de abranger “o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente”, “a intensidade do dolo ou da negligência” e ainda “os sentimentos manifestados na preparação do crime e os fins e os motivos que o determinaram (...); “2) Fatores relativos à personalidade do agente”, em que inclui: a) Condições pessoais e económicas do agente; b) Sensibilidade à pena e suscetibilidade de ser por ela influenciado; e c) Qualidades da personalidade manifestadas no facto; e “3) Fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto”, esclarecendo que no que respeita à vida anterior ao facto há que averiguar se este surge como um episódio ocasional e isolado no contexto de uma vida de resto fiel ao direito, que poderá atenuar a pena ou se existem condenações anteriores, que poderão servir para agravar a medida da pena. Também Maria João Antunes refere que podem ser agrupados nas alíneas a), b), c) e e), parte final, do n.º 2 do art.71.º, do Código Penal, os fatores relativos à execução do facto; nas alíneas d) e f), os fatores relativos à personalidade do agente; e na alínea e), os fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto. 7 B.3.1.2. A medida da pena única Aqui chegados, há que apurar como se deve calcular a pena única. Assim e como determina o nº 1 do artigo 77º do Código Penal, aos critérios gerais de determinação da medida da pena estabelecidos no artigo 71.º do CP - e aos quais atrás nos reportámos - acresce, no que concerne à pena única, o critério peculiar ou específico segundo o qual “na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”, de modo a poder concluir-se se a ilicitude dos factos considerados em conjunto e em conjugação com a personalidade do arguido neles refletida e por eles evidenciada, aponta para uma “certa tendência ou mesmo carreira delinquente”, ou antes para uma atuação isolada ou episódica ou “(pluri)ocasional”, acentuando ou desvanecendo as necessidades de prevenção especial e, em função disso, fixar a medida da pena em função delas dentro da moldura da prevenção geral, com o limite inultrapassável da culpa. E, como escreve Maria João Antunes,8 é este critério especial, porque os factos e a personalidade do agente são considerados em conjunto, que garante a observância do princípio da proibição da dupla valoração Naturalmente que, neste domínio há que respeitar igualmente os “princípios da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso” (Ac. STJ de 10-12-2014, processo n.º 659/12.6JDLSB.L1.S1, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secções Criminais, Ano de 2014), impregnados da sua dimensão constitucional, pois que «[a] decisão que efetua o cúmulo jurídico de penas, tem de demonstrar a relação de proporcionalidade que existe entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação – conjunta – dos factos e da personalidade, importando, para tanto, saber – como já se aludiu – se os crimes praticados são resultado de uma tendência criminosa ou têm qualquer outro motivo na sua génese, por exemplo se foram fruto de impulso momentâneo ou atuação irrefletida, ou se de um plano previamente elaborado pelo arguido», sem esquecer, que «[a] medida da pena única, respondendo num segundo momento também a exigências de prevenção geral, não pode deixar de ser perspetivada nos efeitos que possa ter no comportamento futuro do agente: a razão de proporcionalidade entre finalidades deve estar presente para não eliminar, pela duração, as possibilidades de ressocialização (embora de difícil prognóstico pelos antecedentes)» (assim, Ac. STJ de 27-06-2012, processo n.º 70/07.0JBLSB-D.S1). Prosseguindo e como foi consignado em acórdão deste Alto Tribunal Supremo Tribunal9, «na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita a avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso» e «na consideração da personalidade (da personalidade, dir-se-ia estrutural, que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos) devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente». Finalmente, e nos termos do nº 2 do mencionado artigo 77º, a pena única - que deverá ser calculada de acordo com os critérios acima referenciados - tem “como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo, a mais elevada daquelas penas concretamente aplicadas aos vários crimes». A terminar, há que recordar que o Supremo Tribunal de Justiça, no que concerne a recursos em que se discute a adequação ou correção da medida concreta da pena – parcelar ou única – apenas deve intervir nos casos de manifesta desproporcionalidade (injustiça) ou de violação da sã racionalidade e das regras da experiência (arbítrio) no tocante às operações da sua determinação impostas por lei, como a indicação e consideração dos fatores de determinação e medida da pena. Só em tais circunstâncias se justifica uma intervenção do tribunal de recurso que altere a escolha e a determinação da espécie e da medida concreta da pena. Com efeito e citando um acórdão que reflete o que tem sido jurisprudência uniforme deste Alto Tribunal: “II - Sendo os recursos remédios jurídicos, a sindicabilidade da medida da pena - parcelar ou única - por este STJ abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respetivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos fatores de medida da pena, mas não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato de pena, exceto se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.10 Esta é uma posição que, como é evidente, é válida, não só no tocante à determinação da medida das penas parcelares, como também na fixação da pena única. B.3.2. O caso concreto Como já atrás se assinalou no presente recurso foram colocadas apenas colocadas críticas à decisão recorrida no que concerne à pena única. Recorde-se que, como atrás referido, no caso dos autos o arguido foi condenado pela prática dos seguintes crimes e nas penas adiante indicadas: • Na pena de quatro anos e seis meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 203º, n.º 1 e 204º, nº2, alínea e) do Código penal; • Na pena de dois anos e seis meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 203º e 204º, n º2, alínea e) e 22º do Código Penal. • Operando o cúmulo jurídico, condenamos o arguido AA na pena única de 6 (seis) anos de prisão. Entende o recorrente que esta pena é excessiva e que deve ser substituída por outra que não ultrapasse os 5 anos de prisão, devendo a sua execução ser suspensa – ainda que subordinada a “imposições/injunções” - pelo mesmo período. Para o efeito apresenta os seguintes argumentos: • O arguido encontra-se familiar e socialmente inserido na sociedade; • Os valores dos bens furtados são de valor baixo e destinavam-se ao consumo dos arguidos; • As garrafas foram recuperadas; • O arguido confessou imediatamente a prática dos factos pelos quais foi acusado; • O arguido sempre colaborou com a justiça e nunca tentou ludibriar quem quer que fosse, assumindo os seus atos. • O arguido já se encontrar em prisão preventiva há 9 meses, o que se considera uma pena já pesada. O acórdão recorrido fundamentou a medida da pena única nos seguintes termos: “No caso em análise, são elevadas as necessidades de prevenção geral, quanto a todos os crimes em presença, pelas razões acima referidas e, em especial, pela frequente ocorrência de ilícitos destas naturezas e pelo aumento progressivo que se regista da prática de tais crimes, impondo-se a severidade das penas, como forma de face a esta situação. Atendendo, em cada um dos crimes de furto, ao valor dos respectivos bens furtados e ao modo de execução dos factos, às circunstâncias de cada uma das infracções, aos objectos recuperados, é de concluir que é médio/elevado o grau de ilicitude dos factos e médias as suas consequências. Devendo-se ter presente que a elasticidade da pena decorre, não só do valor das coisas furtadas, mas também da multiplicidade das condutas que se compreendem na previsão das diversas alíneas da norma. Ao nível das exigências de prevenção especial, temos que concluir que à data dos factos, o arguido não estava inserido profissional ou socialmente, tinha fases de consumo de substancias psicoativas, configurando forte facto de risco. Acresce que já possui inúmeros antecedentes criminais de idêntica natureza. Milita, no entanto, a favor do arguido a assunção total dos factos. São, assim, elevadas as exigências de prevenção especial quanto ao arguido. Nestes termos, considera este Tribunal justo, adequado e proporcional a aplicação das seguintes penas parcelares: Ao arguido AA - a pena de quatro anos e seis meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 203º, n.º 1 e 204º, n.º2, alínea e) do Código penal; - a pena de dois anos e seis meses de prisão pela prática de um crime (…) Determinadas as penas (parcelares) dos crimes cometidos pelo arguido AA, importa determinar a pena do concurso, em ordem a condenar o arguido numa pena única, em conformidade com o disposto no artº 77º , nº 1 do CP. (cfr. Ac. do S.T.J. de 24/03/99, in C.J., tomo I, pág. 255). Nos termos do artº 77º, nº 2 do CP., “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão (…); e como limite mínimo a mais elevada das penas concretas aplicadas aos vários crimes. No caso sub judice, O arguido praticou crimes de igual natureza no espaço temporal de cerca de um mês. Já foi condenado varias vezes por crimes de idêntica natureza. Assim, a moldura abstracta da pena única a aplicar ao arguido tem como limite mínimo quatro anos e seis meses de prisão e como limite máximo 7 (sete) anos de prisão. Dentro de cada uma das molduras encontradas, é determinada a pena concreta do concurso, a aplicar ao arguido, tomando em consideração, em conjunto, os factos e a personalidade do respectivo agente (artº 77º, nº 1 do CP.). Assim, e à luz dos critérios supra expostos, tendo em consideração, no seu conjunto, os factos praticados pelo arguido (crimes de igual natureza e praticados em diversas ocasiões) e a personalidade revelada pelo mesmo e acima já referida, entendemos adequado e proporcional fixar a pena única: - do arguido, em 6 (seis) anos de prisão;” Apreciando, mais uma vez se começa por recordar que o Supremo Tribunal de Justiça aprecia as decisões proferidas pelos tribunais a quo e os respetivos recursos, com base na matéria de facto dada como provada. Assim, não se podem ter em consideração factos invocados pelo arguido, mas que não se encontram incluídos na matéria de facto dada como assente. Por outro lado, também não se poderão ter em consideração o que são meras frases proclamatórias ou juízos conclusivos (muitos deles sem sequer suporte na matéria de facto dada como provada) nem a repetição, embora por outras palavras, do mesmo facto em vários dos argumentos apresentados. Assim, e vertendo ao caso concreto, desde logo não pode ser tida em consideração a alegação de boa inserção familiar e social do arguido, por a mesma não ter qualquer suporte da matéria de facto dada como assente. Na verdade, muito pelo contrário e apenas para transcrever o primeiro parágrafo dos factos provados quanto às condições pessoais do arguido, nele se pode ler o seguinte: “À data das ocorrências AA estava separado da ex-companheira CC, saiu da residência da sua família de origem na localidade Amorosa e mudou-se para as Ferreiras, vivia numa roulotte. Estava desempregado, não dispunha de rendimentos próprios e tinha reiniciado o consumo de substâncias estupefacientes, destacou o consumo de nomeadamente de cocaína. Mantinha vivências / contactos com pares em situação e interesses idênticos.” Quanto ao segundo argumento importa esclarecer que o valor dos objetos foi tido adequadamente em consideração pelo acórdão recorrido e que, no que concerne aos factos ocorridos dia 6 de outubro de 2024, o arguido não chegou a apoderar-se de nenhum objeto, tendo sido, contudo, dado como provado, que os mesmos tinham um valor não inferior a 950€, o que dificilmente se pode considerar-se um valor baixo já que, nesse ano, o salário mínimo nacional ascendia a, apenas, 820€. A recuperação dos objetos furtados na última data11 também foi tida em boa conta pelo acórdão recorrido e assume um valor atenuativo muito baixo já que não foi por iniciativa do arguido que tal aconteceu, mas sim por o arguido ter sido surpreendido pouco tempo depois de ter cometido o ilícito. A confissão dos factos por que foi acusado também foi bem considerada pelo acórdão recorrido e assume um valor atenuativo muito relativo, justamente porque o arguido foi surpreendido quando tentou cometer o crime ou pouco tempo depois de o ter cometido. Relativamente à circunstância de ter colaborado com as autoridades, sendo uma obrigação de qualquer cidadão, apenas poderá ser encarada como a repetição da circunstância anteriormente referida (confissão). Quanto ao tempo de prisão preventiva já sofrido não se vê como tal pode ser considerado no cálculo da medida da pena… Portanto, e em conclusão, o que é alegado pelo recorrente, ou não tem correspondência na matéria de facto dada como provada ou afigura-se-nos ter sido devidamente ponderado pelo tribunal a quo. Com efeito, numa ponderação conjunta dos factos e da personalidade do agente retira-se uma imagem muito negativa, corroborando-se a fundamentação jurídica que norteou o tribunal recorrido no que respeita à determinação da medida da pena única. Na verdade e de forma sintética, estão em causa dois crimes de furto qualificado (um deles na forma tentada), cometidos em menos de um mês, com dolo direto, com consequências não muito significativas, tendo o arguido confessado (embora a confissão tenha valor reduzido pelas circunstâncias atrás expostas) e exibindo o recorrente um longuíssimo percurso criminal, que se estende ao longo de duas décadas – antecedido por intervenções do sistema tutelar educativo -, durante o qual o arguido foi cometendo o mesmo tipo de crimes (v.g. furtos, furtos qualificados, roubos e condução de veículo em estado de embriaguez), tendo-lhe já sido aplicada pena de prisão efetiva, por mais de uma vez e sem que isso tenha constituído lenitivo suficiente para evitar que voltasse a adotar comportamentos delituosos, e não tendo, igualmente, alterado o seu estilo de vida, mantendo-se desinserido social, familiar e profissionalmente, sem meios de subsistência, acompanhando com grupos de pares ligados a atividades delituosas e continuando a consumir estupefacientes. Acresce que as necessidades de prevenção geral são significativas, pois os crimes cometidos pelo arguido (furtos em estabelecimentos comerciais através de arrombamento) são muito frequentes e geram grande alarme social, e as necessidades de prevenção especial são fortíssimas, atento o impressionante percurso criminal do arguido, atrás sintetizado e que evidencia claramente uma carreira criminal. Assim, tendo em conta que a moldura penal do concurso se situa entre os 4 anos e 6 meses e os 7 anos de prisão, não se afigura desproporcionada a pena única de 6 anos de prisão, que corresponde a pouco menos de metade da diferença entre a pena máxima e a pena mínima. Finalmente, face ao disposto no artigo 50º do Código Penal e dado que a pena aplicada – e mantida – é superior a 5 anos de prisão, fica sem sentido a apreciação do pedido de suspensão da execução dessa pena, Face a todo o exposto e concluindo, não se mostrando desrespeitados pelo acórdão recorrido os princípios gerais, as operações de determinação impostas por lei e a indicação e consideração dos fatores de medida da pena, e não se vislumbrando que a pena seja desproporcionada, entende-se que o recurso não merece provimento. D – Decisão • Por todo o exposto, decide-se negar provimento ao recurso interposto por AA e confirmar o acórdão recorrido; • Vai o recorrente condenado no pagamento de 5 (cinco) U.C., relativas às custas devidas, Supremo Tribunal de Justiça, d.s. certificada (Processado e revisto pelo relator - artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal) Celso Manata (Relator) Ernesto Nascimento (1º Adjunto) Vasques Osório (2º Adjunto) _________________________________ 1. Recorde-se que esta matéria de facto não foi colocada em causa, devendo acrescentar-se que não foram imputados ao acórdão recorrido quaisquer vícios ou nulidades (nem este Alto Tribunal entende que existam) pelo que a mesma está definitivamente fixada, sendo com base nela que se passa a decidir as questões colocadas nos autos. 2. Este sinal também consta da decisão recorrida. 3. “Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime” 4ª reimpressão, pág. 227 e sgs. 4. Figueiredo Dias, ob. citada 223 e sgs. 5. Cf. “O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º2, abril-junho de 2002, págs. 181 e 182. 6. CF. “Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime”, Editorial Notícias, pág. 245 a 255. 7. Cf. “Consequências Jurídicas do Crime”, Lições para os alunos da FDC, Coimbra, 2010-2011. 8. “Penas e Medidas de Segurança”, Almedina, 3ª edição, pág. 74 9. Ac. de 20 de dezembro de 2006 - Proc. n.º 06P3379), in www.dgsi.pt 10. Ac. do STJ de 25 de setembro de 2025 – Proc. nº 3251/22.3JABRG.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt. 11. Recorde-se que, relativamente aos factos ocorridos a 6 de outubro de 2024, o arguido não chegou a apoderar-se de quaisquer objetos. |