Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | FERNANDO BAPTISTA | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO SEGURADORA VEÍCULO AUTOMÓVEL CONCORRÊNCIA DE CULPAS CONDUTOR COLISÃO DE VEÍCULOS CONDUÇÃO SOB O EFEITO DO ÁLCOOL MANOBRA PERIGOSA EXCESSO DE VELOCIDADE MATÉRIA DE FACTO PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA | ||
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Data do Acordão: | 01/30/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
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Sumário : | I. Conduzindo o lesado a sua viatura automóvel com uma taxa de álcool no sangue de 1,13 g/l (já próximo da taxa que faz incorrer em ilícito criminal – aumentando, dessa forma, várias vezes o risco de acidente), o consequente estado de euforia leva-o a sobrevalorizar as suas capacidades motoras, que, por isso, ficam diminuídas ao nível da atenção e perceção sensorial, com a consequente descoordenação motora e lentificação do tempo de reação e discernimento, o que leva à perda de capacidade de avaliar corretamente as distâncias e as velocidades e bem assim de seleccionar adequadamente a manobra a efectuar perante qualquer vicissitude. II. A condução de veículos automóveis, como actividade que comporta riscos, deve ser levada a cabo de forma prudente ou cautelosa, avaliando, em cada momento, todo o circunstancialismo envolvente, de forma a adequar a condução a esse conjunto de circunstâncias e evitar, de acordo com a avaliação que faz das mesmas, sinistros rodoviários. III. Deve imputar-se ao lesado (que conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 1,13 g/l) a responsabilidade pela ocorrência de um acidente de viação quando a manobra que o mesmo efectuou está na origem do despiste de uma viatura por si conduzida (manobra causal do acidente). | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível I – RELATÓRIO AA instaurou no Juízo Central Cível de ... acção comum contra AGEAS PORTUGAL, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., pedindo, com base no acidente de viação melhor descrito na petição inicial, que a ré seja condenada a pagar ao autor: a) A quantia global de 12.644,60 € (doze mil, seiscentos e quarenta e quatro euros e sessenta cêntimos) a título de danos de natureza patrimonial sofridos pelo autor, acrescida das quantias vincendas devidas a título de privação de uso do veículo do autor., todas estas acrescidas dos competentes juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento; b) Uma quantia não inferior a 80.000,00 € (oitenta mil euros), devida a título de indemnização pelo dano biológico (défice permanente da integridade física e psíquica), acrescida dos juros de mora deste a citação até efetivo e integral pagamento; c) Uma quantia não inferior a 50.000,00 € (cinquenta mil euros) para compensação/indemnização de todos os demais danos de natureza não patrimonial (dano estético, quantum doloris, prejuízo da afirmação pessoal, dano sexual…), acrescida dos juros de mora a contar desde a data da prolação da sentença até efetivo e integral pagamento. A ré contestou, impugnando, de forma motivada, uma parte substancial da factualidade alegada pelo autor, quer no que diz respeito à responsabilidade pelo sinistro que se discute nos autos, quer no que se refere aos danos daí resultantes. Em 9/10/2020, foi proferido despacho que identificou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova, após o que se procedeu à realização de perícia médico-legal, com vista a apurar as lesões/sequelas que o autor sofreu em consequência do acidente em que esteve envolvido. Após ter sido realizada audiência final, em 6/12/2023, foi proferida sentença, cujo dispositivo apresenta o seguinte teor: “1. Julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, 2. Condena-se a Ré AGEAS PORTUGAL, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., a pagar ao Autor AA a quantia de €7.523,04 (sete mil, quinhentos e vinte e três euros e quatro cêntimos) [correspondentes a 70% dos danos patrimoniais sofridos de €10.747,20 (dez mil, setecentos e quarenta e sete euros e vinte cêntimos)], a que acrescem ainda as quantias vincendas devidas a título de privação de uso do veículo do Autor à razão diária de €14,00 (= 70% de €20,00), contadas desde a entrada da P.I. até efectivo e integral pagamento de toda a indemnização, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento. 3. Condena-se a Ré AGEAS PORTUGAL, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., a pagar ao Autor AA a quantia de €21.000,00 (vinte e um mil euros) [correspondentes a 70% da quantia de €30.000,00 (trinta mil euros)], a título de dano biológico na vertente patrimonial, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento; 4. Condena-se a Ré AGEAS PORTUGAL, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., a pagar ao Autor AA a quantia de €28.000,00 (vinte e oito mil euros) [correspondentes a 70% de €40.000,00 (quarenta mil euros)], para compensar o Autor de todos os referidos danos não patrimoniais, que já incluem a vertente não patrimonial do dano biológico, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença até efectivo e integral pagamento. Absolve-se a Ré do restante pedido. (…)”. *** Não se conformando com a decisão, a ré interpôs o recurso de apelação, vindo a Relação de Coimbra, em acórdão, a “julgar a apelação procedente e, em consequência, revogar a sentença recorrida, indo a ré/apelante absolvida do pedido formulado pelo autor/apelado.”. * Por sua vez inconformado, veio o Autor/Recorrido interpor recurso de revista, apresentando alegações que remata com as seguintes CONCLUSÕES 1. O acórdão do qual se recorre, proferido no âmbito do processo n.º 1744/20.6T8LRA.C1 concluiu pela absolvição da R., ora Recorrida, da totalidade do pedido contra a mesma formulado. 2. Assim, e porque crê, com o devido e merecido respeito, que o tribunal a quo mal andou na apreciação desses mesmos factos e, em concreto, na sua subsunção jurídica, não pode o Recorrente conformar-se com o teor do acórdão do qual ora se recorre. 3. Analisado o teor do acórdão recorrido, o tribunal a quo julga como provados factos, os quais segundo as regras aplicáveis e convocáveis no caso, fariam, em princípio, prova da ilicitude e responsabilidade da viatura RA, o que sempre determinaria o concurso e repartição de culpa pelo sinistro verificado. 4. Assim, e porque está em tempo e tem legitimidade, nos termos dos arts. 631.º, n.º 1; 638.º, n.º 1; 671.º, n.º 1; 674.º, n.º 1, als. a) e c); 675.º, n.º 1 e 676.º, n.º 1 a contrario, todos do CPC, vem o Recorrente apresentar recurso da decisão em escrutínio, na medida em que, com o devido respeito, violou as normas contidas no art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, nos arts. 503.º; 506.º; 483.º, n.º 1; 496.º; 562.º, 566.º do Código Civil, bem como os arts. 3.º, n.º 2; 12.º, n.º 1; 29.º, n.º 1; 31.º, n.º 1, al. a), todos do Código da Estrada. 5. Com a alteração factual empreendida, em concreto a dar como assentes os factos 6a; 6b e 6c, o tribunal recorrido ignora, com o devido respeito, o apuramento de um outro facto que, com a alteração factual realizada, seria essencial ao estabelecimento da dinâmica do acidente: o momento em que a condutora da viatura RA inicia a marcha e o momento concreto em que visualiza a viatura do Recorrente, não se pronunciando sobre o mesmo, porque para isso não tinha elementos suficientes. 6. Não tendo dados suficientes para apurar tal facto, sempre o Tribunal da Relação de Coimbra deveria ter ordenado a reabertura da audiência de discussão e julgamentoe a sua repetição, comvista ao apuramentodos factos e da dinâmica do acidente, na medida em que esta, ao contrário do que é avançado na transcrição ora citada, deverá ser o mais próxima da realidade dos factos e jamais presumida. 7. O momento em que a condutora olha para os lados a fim de averiguar se outra viatura se aproximava e o momento que inicia marcha, bem assim, o momento em que avista o Recorrente não são indiferentes: de nada serve a fim de excluir a responsabilidade da condutora RA a mesma ter olhado em ambos os lados e ter iniciado a manobra apenas uns minutos ou mesmo segundos largos depois. 8. Não se pronunciando o acórdão recorrido sobre os factos visados, incorre numa nulidade de omissão de pronúncia nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d) aplicável ex vi do art. 674.º, n.º 1, al. c), ambos do CPC. Nulidade a qual se invoca para os devidos e legais efeitos. Sem conceder, 9. Pese embora o que ora se pugna, não deixam de evidenciar os factos dados como provados que, ainda assim, a ação da condutora da viatura segurada pela Recorrida reveste ilicitude bastante para que se conclua pela co-responsabilização de ambos os condutores, em concreto os factos provados do ponto 3. ao ponto 6c. 10. Da leitura conjugada dos referenciados factos, conclui-se: 1) O Recorrente seguia na sua hemifaixade rodagem sentido A…/V…; 2) depois de passar a curva vê a viatura RA a iniciar a manobra de mudança de direcção à esquerda; 3) uma vez que a viatura RA segundo o facto provado em 3. já ocupava pelo menosmetade da via e a fimde evitaro embate,o Recorrente desvia-se para a hemifaixa contrária (facto 4) e 4) ainda assim a viatura RA prossegue a sua marcha, continuando a invadir a hemifaixa agora ocupada pelo Recorrente (facto 5), sabendo que nela estava outro veículo (facto 6c). 11. Tendo avistado o Recorrente, antes de ingressar hemifaixa sentido V…/A… (facto 6c), ainda assim continuou a marcha (conforme referido no facto 5. dos factos provados), conformando-se que conseguiria passar. O que logrou, mas obrigou o Recorrente a evitar o embate com aquela viatura, desviando-se mais para a sua esquerda e embatendo, destafeita, nos eucaliptos que ladeavam aquela via. 12. Demonstra-se que a conduta do Recorrente e o desvio da sua trajetória para o ladoesquerdo de tal formaque culminou no embate no eucaliptal foi motivado, a montante, pela falta de cuidado e diligência da condutora RA que vendo um veículo a aproximar-se na faixa onde iria ingressar, ainda assim prosseguiu a trajetória, conformando-se com o resultado da sua ação. 13. Nomeadamente, com o facto demonstrado em 5. fica latente que a condutora RA violou, entre o mais, as regras contidas nos arts. 3.º, n.º2; 12.º, n.º 1; 29.º, n.º 1; 31.º, n.º 1, al. a), todos do Código da Estrada. 14. Ao continuar a marcha, invadindo a hemifaixa sentido V…/A..., sabendo que o Recorrente nela se encontrava a circular (facto 6c), a condutora RA comprometeu a segurança rodoviária, violando o citado preceito. 15. O facto de a condutora RA não parar na hemifaixa onde inicialmente o Recorrente a avistou e ter seguido, sem a atenção que lhe era exigível, foi causa adequada, necessária e, acrescente-se, suficiente para que o Recorrente desviasse ainda mais a sua trajetória para o eucaliptal onde embateu. 16. O art. 29.º, n.º 1 do Código da Estrada não se basta com que o condutor olhe para ambos os lados, conforme firmou a decisão recorrida, o veículo obrigado a ceder passagem, como no caso era a viatura RA, se assim for necessário tem de parar. E, segundo o demonstrado pelo facto 5. da factualidade transcrita, a condutora RA continuou a avançar, ignorando a cedência de passagem a que estava obrigada num primeiro momento – art. 31.º, n.º 1, al. a) do Código da Estrada - mas também e mormente a obrigação de parar na hemifaixa sentido A…/V… quando vê a viatura do Recorrente na outra hemifaixa – cfr. ponto 6c. dado como provado. 17. Denota-se, como tal, ilicitude na conduta da condutora da viatura RA, bem assim, culpa. qualquer homem médio colocado na posição da condutora da viatura RA, ao avistar um “veículo branco” na via onde iria ingressar, tendo anteriormente desrespeitado uma cedência de passagem obrigatória, teria parado de forma a evitar choque ou colisão. Ao invés, a condutora seguiu para a hemifaixa visada, motivando o Recorrente a desviar a sua trajetória ao ponto de embater nos eucaliptos circundantes. 18. Assim, e ainda que o tribunal recorrido tenha procedido à alteração da matéria de facto dada como provada pelo tribunal de primeira instância, a análise dos pontos 5. e 6c. da agora matéria factual demonstram que a condutora da viatura RA violou não só o dever geral de cuidado e diligência que sobre qualquer condutor recai, mas também incorreu na violação dos arts. 3.º, n.º 2; 12.º, n.º 1; 29.º, n.º 1; 31.º, n.º 1, al. a) do Código da Estrada. 19. Consequentemente, o não reconhecimento pelo tribunal recorrido que a condutora da viatura RA violou as supracitadas normas violou, por conseguinte, os arts. 503.º; 506.º, n.º 2; 483.º, n.º 1; 496.º; 562.º, 566.º e 570.º do Código Civil, em concreto, no que respeita à repartição da responsabilidade pela verificação do sinistro, bem assim, à obrigação de indemnizar. 20. Conforme salientado na sentença proferida em primeira instância, a factualidade assente não deixa de evidenciar um comportamento humano voluntário, ilícito e culposo que foi causa do dano que o Recorrente sofreu. 21. Acresce que, no caso, não se olvida que também a conduta do Recorrente concorreu para a verificação dos danos comprovados. 22. Neste caso a conduta do lesado, porque entra em concurso com conduta do lesante, merece um juízo de censura semelhante da conduta deste, a aferir por igual padrão (art. 487.º, n.º 2 Código Civil), que a lei coloca na veste de culpa – art. 570.º do Código Civil. 23. Em tais hipóteses cabe ao tribunal determinar qual a parcela de culpa do lesado, que se pode vir a traduzir, nos termos do art. 570.º do Código Civil, numa redução do «quantum» indemnizatório nessa proporção. 24. Em matéria de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, deve atribuir-se a culpa na sua produção, por presunção judicial (art. 351.º do Código Civil) ao condutor que violou regras de direito estradal, desde que ele não logre demonstrar a existência de quaisquer circunstâncias anormais que determinaram tal facto. 25. Pretendendo a condutora da viatura RA efetuar uma mudança de direção à esquerda numa saída de uma habitação particular, teria necessariamente de ceder passagem ao Recorrente – não o fez -, tendo avistado o Recorrente na hemifaixa na qual iria ingressar teria necessariamente de parar porque ainda nela não tinha entrado – não fez -, ao invés, prosseguiu a sua marcha, bem sabendo que o Recorrente ocupa a hemifaixa contrária tendo em vista evitar o embate, pelo que, resulta claro que a sua atuação da condutora da viatura RA, não só é ilícita, como é culposa. 26. Ponderando as circunstâncias do caso concreto, relativas à dinâmica do acidente, e salvo melhor entendimento, ocorre um maior grau de culpa da condutora da viatura RA. 27. Se a condutora da viatura RA tivesse num primeiro momento cedido passagem a que estava obrigada ou num segundo momento, quando avista o Recorrente, imobilizado a viatura, conforme também estava obrigada, o Recorrente não teria o instinto de desviar a trajetória à esquerda, evitando-se assim o embate com o eucaliptal. 28. Atendendo ao disposto no art. 570.º, n.º 1 do Código Civil e à gravidade da contribuição de cada uma das partes para a produção do facto danoso e nas consequências que delas resultaram, mostra-se adequado fixar essa contribuição, em 30% para o Recorrente e em 70% para a condutora da viatura RA, em conformidade com os arts. 483.º, n.º 1; 496.º; 562.º, 566.º e 570.º do Código Civil, em concreto: - € 7.523,04 (sete mil, quinhentos e vinte e três euros e quatro cêntimos) correspondentes a 70% dos danos patrimoniais sofridos de € 10.747,20 (dez mil, setecentos e quarenta e sete euros e vinte cêntimos), a que acrescem ainda as quantias vincendas devidas a título de privação de uso do veículo do Recorrente à razão diária de € 14,00 (= 70% de €20,00), contadas desde a entrada da P.I. até efetivo e integral pagamento de toda a indemnização, acrescida de juros de mora, à taxalegal, desde a citaçãoaté efetivo e integral pagamento; - € 21.000,00 (vinte e um mil euros), correspondentes a 70% da quantia de €30.000,00 (trinta mil euros) a título de dano biológico na vertente patrimonial, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento; - € 28.000,00 (vinte e oito mil euros), correspondentes a 70% de €40.000,00 (quarenta mil euros), para compensar o Recorrente de todos os referidos danos não patrimoniais, que já incluem a vertente não patrimonial do dano biológico, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença até efetivo e integral pagamento. 29. Em caso de fundada dúvida sobre o grau de contribuição de cada um dos intervenientes, impor-se-á a regra ínsita no art. 506.º, n.º 2 do Código Civil, segundo a qual, emcaso de dúvida, considera-se igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos, bem como a contribuição da culpa de cada um dos condutores, fixando-se em 50/50 a responsabilidade de cada um dos condutores e sendo, consequentemente, a Recorrida condenada ao pagamento de: - € 5.373,60 (cinco mil, trezentos e setenta e três euros e sessenta cêntimos) correspondentes a 50% dos danos patrimoniais sofridos de € 10.747,20 (dez mil, setecentos e quarenta e sete euros e vinte cêntimos), a que acrescem ainda as quantias vincendas devidas a título de privação de uso do veículo do Recorrente à razão diária de € 10,00 (= 50% de €20,00), contadas desde a entrada da P.I. até efetivo e integral pagamento de toda a indemnização, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento; - € 15.000,00 (quinze mil euros), correspondentes a 50% da quantia de €30.000,00 (trinta mil euros) a título de dano biológico na vertente patrimonial, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento; - € 20.000,00 (vinte mil euros), correspondentes a 50% de €40.000,00 (quarenta mil euros), para compensar o Recorrente de todos os referidos danos não patrimoniais, que já incluem a vertente não patrimonial do dano biológico, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença até efetivo e integral pagamento. Nestes termos e nos demais de Direito, que V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao recurso, por provado, revogando-se o acórdão recorrido. * Contra-alegou a Ré/recorrida, pugnando pela improcedência da revista. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Nada obsta à apreciação do mérito da revista. Com efeito, a situação tributária mostra-se regularizada, o requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC). Para além de que tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC). ** Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), a questão a decidir tem a ver com a culpa na produção do sinistro. ** III – FUNDAMENTAÇÃO III. 1. FACTOS PROVADOS Antes de mais, anota-se que, tendo a Relação alterado o facto provado nº 7, passando a palavra “contínua” para “descontínua”, obviamente que tal implica que a mesma alteração seja feita no ponto 4 dos factos provados (onde, também ali se falava em “linha longitudinal contínua”. Da mesma forma, alterando-se o ponto 7 dos factos provados, nos sobreditos termos, tal implica, também, a eliminação da al. a) dos factos não provados (onde se faz alusão a linha “…descontínua” - esta que, como visto, ficou provada no facto 7. Trata-se, como é mais que evidente, de inexactidões ou lapsos manifestos da Relação. Nessa senda, e sem mais delongas – em conformidade com o estatuído no artº 614º, nºs 1 e 3, fine, do CPC – , procede-se aqui a tais rectificações (que, naturalmente, consideradas no elenco dos factos provados e não provados que segue). ** É a seguinte a matéria de facto provada (fixada na Relação após impugnação em recurso1): I. No dia 5 de agosto de 2019, pelas 20:30 horas, o A. conduzia o veículo da marca Renault, modelo Clio, de matrícula ..-..-VD, de sua propriedade, na Estrada Municipal ..., no sentido A… – V.... I. Naquela circunstância, o veículo ..-..-VD circulava a uma velocidade instantânea não apurada, não inferior a 60 km/h. II. No momento em que o autor passa a curva à direita junto ao ilhéu que permite a saída da EM ... e a entrada na via que permite o acesso às localidades vizinhas, encontrava-se em movimento da direita para a esquerda, e na perpendicular, ocupando pelo menos metade da via, o veículo de marca Peugeot, modelo 206, de cor Branca, e de matrícula ..-..-RA. 3a. O veículo RA era proveniente de uma moradia, situada do lado direito da via considerando o sentido de transito do autor, e pretendia dirigir-se para A..., para o que mudava de direção à esquerda para passar a circular em sentido contrário ao do autor.“. 3. Nesse mesmo instante, apercebendo-se disso, para evitar o embate com o veículo de matrícula RA, o Autor desviou a sua marcha para a via de circulação contrária, transpondo o eixo da faixa de rodagem, passando a linha longitudinal descontínua. 4. No mesmo instante, a viatura de matrícula RA, que continuou a avançar, passou ainda a ocupar parte da via destinada ao trânsito em sentido contrário, na qual o veículo ..-..-VD tinha passado a circular. 5. Para evitar o embate no RA, o veículo ..-..-VD desviou-se ainda mais para a sua esquerda e passou a ocupar uma parte da berma da via contrária, despistou-se e foi embater nos eucaliptos que ladeavam aquela via. 6a. A condutora do veículo de matrícula ..-..-VD olhou para ambos os lados e, verificando, que não se aproximava qualquer veículo, iniciou a marcha (aditado pela Relação). 6b. Sendo que quando acedeu à faixa de rodagem, o veículo do autor não era visível (aditado pela Relação). 6c. Quando ainda não tinha ingressado na via da direita, a referida condutora verifica que se aproxima um “veiculo branco” (aditado pela Relação). 6. O local em que o Autor passou a circular na faixa contrária e se veio a despistar é uma estrada composta por duas vias de trânsito, separadas entre si por linha longitudinal descontínua que constitui o eixo da faixa de rodagem, ladeada por duas moradias unifamiliares e eucaliptos do lado direito ao que animava o A. e, no lado esquerdo, só por eucaliptos. 7. Existindo um ilhéu, próximo do local do acidente, na margem esquerda da faixa de rodagem que permite aos veículos que circulam na ..., sair desta em direção às localidades de ..., ..., ..., ... e .... 8. O Autor, no momento do acidente, conduzia com uma taxa de alcoolemia de 1,13 g/l. 9. O local onde ocorreu o acidente uma zona urbana. 10. No sentido de trânsito do veículo do Autor, antes do local do acidente a via configura uma curva à direita, a qual dista aproximadamente 70 metros do local do embate. 11. O piso encontrava-se seco e limpo. 12. Do evento resultou traumatismo crânio encefálico com perda momentânea dos sentidos, recuperados ainda no local, traumatismo da cabeça (escoriações), da coluna lombar e do membro superior esquerdo (escoriações). 13. Na sequência do evento o Autor foi assistido no local pelos bombeiros e VMER, tendo sido transportado, em plano duro, para o serviço de urgência do Hospital 1, onde foi observado. 14. O Autor realizou numerosos exames complementares de diagnóstico, incluindo TAC cranioencefálica e da coluna, que revelaram focos de hemorragia subaracnoideia ao nível do encéfalo e fratura do corpo vertebral de L3. 15. O Autor ficou internado no serviço de ortopedia, vindo a ser operado no dia 27/08/2019, para fixação transpedicular L2-L3-L4, manteve internamento até ao dia 02/09/2019, tendo tido alta para o domicílio com indicação de uso de dorsolombostato, que manteve até fevereiro de 2020. 16. No dia 1 de março de 2020 o Autor retomou as funções de Guarda. 17. À data do sinistro o autor tinha 30 anos, exercia funções de Guarda da Guarda Nacional Republicana e auferia a remuneração mensal líquida no valor de € 1.129,65 (mil, cento e vinte e nove euros e sessenta e cinco cêntimos). 18. O A. é dono e legítimo proprietário da viatura da marca Renault, modelo Clio, de matrícula ..-..-VD, e com o quadro n.º ...10. 19. Em consequência do acidente o Autor ficou impedido de exercer a sua atividade profissional de Guarda Nacional Republicano desde o dia 5 de agosto de 2019 até ao dia 1 de março de 2020, data em que regressou ao serviço. 20. Circunstância que lhe causou perda de retribuição na quantia global de € 2.400,00 (dois mil e quatrocentos euros), tendo em consideração que apenas voltou a receber o salário e demais prestações sem descontos nos dois meses seguintes ao regresso ao serviço, ou seja, em maio de 2020. 21. No período de convalescença o A. gastou a quantia de, pelo menos, € 20,78 (vinte euros e setenta e oito cêntimos), na aquisição de mediação clinicamente prescrita, designadamente, por conta da aquisição de Zaldiar Efe 37,5/325 mg X 20 cmp. eferv; Miodia 30 mg X 30 cáps lib prol; Metamizol Cinfa MG 575 mg X 20 Cáps. 22. Suportou, ainda, despesas na quantia global de € 22,50 (vinte e dois euros e cinquenta cêntimos) por conta das várias consultas médicas a que foi sujeito em 2 de outubro de 2019, 4 de novembro de 2019, 2 de dezembro de 2019, 2 de janeiro de 2020 e 31 de janeiro de 2020. 23. Valores a que deverão acrescer as despesas de deslocação suportadas pelo A. em virtude de duas consultas em que compareceu que teve no Hospital 1 no dia 6 de novembro de 2019 e no dia 5 de fevereiro de 2020. 24. Consultas que o A. teve de fazer em viatura própria, percorrendo uma distância de 53km da sua residência até ao Hospital 1, ou seja, 212 (duzentos e doze quilómetros no total), devendo, por conseguinte, ser indemnizado pela R. na quantia de € 76,32 (setenta e seis euros e trinta e seis cêntimos). [212X0,36€] 25. O veículo do A. ficou destruído, considerando-se perda total, com o valor venal de €2.225,00 e o salvado €190,00. 26. Desde o dia do sinistro, ou seja, do dia 5 de agosto de 2009, que o A. e seu agregado, se encontram impedidos de usar, fruir de beneficiar das utilidades que o veículo VD lhes conferia. 27. Desde o momento do acidente até ao presente não foi disponibilizado ao A. veículo de substituição. 28. O Autor entrou no Serviço de Urgência do Hospital 1 às 22:45 horas de 05/08/2019, na sequência de acidente de viação (colisão frontal). Negava perda de consciência ou amnésia para a o vento. Mencionava ter sido retirado da viatura e imobilizado por equipa de emergência. Muito queixoso a nível lombar. Referia TCE (com cefaleia). Relatava ingestão de bebidas alcoólicas. 29. O Autor estava consciente, orientado, queixoso; hemodinamicamente estável; sem alterações neurológicas; auscultação cardiopulmonar sem alterações; sem dor à compressão torácica; sem enfisema subcutâneo; sem crepitação óssea; sem dor à palpação abdominal e à compressão da bacia; dor à palpação lombar; movimentava membros sem dificuldade; sem perda de sensibilidade. 30. O Autor realizou exames radiográficos da bacia, tórax, coluna (cervical, dorsal, lombar e sagrada), ecografias abdominal e renal, análises com alcoolémia, TAC cranioencefálica e analgesia. 31. Ecografia – sem lesões traumáticas do fígado, baço, pâncreas ou rins; vesícula biliar e bexiga sem alterações relevantes; sem derrames peritoneal, pleural ou pericárdico. 32. Radiografia do tórax – sem alterações. 33. TAC cranioencefálica – focos hemorrágicos contusionais frontais inferiormente, à esquerda. Duvidosa hemorragia subaracnoideia em sulcos frontais inferiores, à direita. Sem outras alterações. 34. Observação por Neurocirurgia – com colar cervical; dor referida aos membros inferiores; sem cefaleia, náuseas ou vómitos; sem alterações neurológicas. Indicação para repetir TAC no dia seguinte. 35. Observação por Ortopedia – dor à palpação local da coluna lombar; sem défices sensitivos ou motores. Radiografia – aparente fratura de L3. Requisitada TAC para caraterização da lesão. Analgesia. 36. TAC lombar – múltiplas fraturas envolvendo o corpo vertebral de L3, com atingimento do muro posterior e com recuo para o canal vertebral condicionando marcada redução do seu diâmetro ântero-posterior e compressão do saco dural; fratura do arco posterior adjacente à base da apófise espinhosa com extensão à lâmina esquerda; fratura das apófises transversas esquerdas de L1, L2 e L3, com desalinhamento ósseo. Achatamento da plataforma vertebral superior do corpo de D12, sem traços de fratura identificáveis, eventualmente em relação com fratura antiga, não se podendo excluir em definitivo que se possa tratar de fratura recente. 37. Depressão da plataforma vertebral superior de D11, com caraterísticas sobreponíveis às de D12 (embora menos acentuada). 38. Observação por Neurocirurgia, no dia seguinte ao do acidente – sem alterações neurológicas. TAC cranioencefálica de controlo – sem sinais de ressangramento (sobreponível ao anterior). Sem necessidade de cuidados por Neurocirurgia. Alta da Neurocirurgia. 39. O Autor foi internado no Serviço de Ortopedia A, para orientação terapêutica. 40. Relatório de alta do serviço de ortopedia do Hospital 1: a. Internamento – de 06/08/2019 a 02/09/2019. Diagnóstico – fratura do corpo vertebral de L3. Tratamento – tratamento médico de suporte e cirúrgico (fixação transpedicular percutânea L2-L3-L4 com sistema Viper, a 27/08/2019). Orientação – cuidados de penso em dias alternados; retirar agrafos ao 14º dia de pós-operatório no centro de saúde; levante e marcha com dorsolombostato de acordo com ensinos na enfermaria. Consulta externa de Ortopedia em 2 meses, fazendo radiografia antes da consulta. b. Ofício do Gabinete de Resposta a Relatórios Clínicos, datado de 02/02/2021: “(…) AA (….) Utente acompanhado desde 06/08/2019, com entrada pela Urgência a 5, vítima de acidente de viação (despiste), com TCE por embate frontal, apresentando dor à palpação local da coluna lombar, sem défices neuromusculares. Após estudo (TC lombar: múltiplas fraturas do corpo vertebral de L3, com atingimento do muro posterior e recuo para o canal vertebral, condicionando marcada redução do seu diâmetro ântero-posterior e compressão do saco dural; fratura do arco posterior adjacente à base da apófise espinhosa, com extensão à lâmina esquerda; fratura da apófise transversa esquerda de L1, L2 e L3, com desalinhamento ósseo; achatamento da plataforma vertebral superior do corpo de D12, sem traços de fratura, com relação eventual com fratura antiga e/ou fratura compressiva recente; discreta depressão da plataforma vertebral superior de D11, de caraterísticas sobreponíveis a D12, embora menos acentuadas). Internado, foi operado a 27/08, por fratura explosiva, tipo A3, do corpo vertebral de L3 – fixação transpedicular percutânea L2-L3-L4 com sistema minimamente invasivo Viper, tendo saído com alta clínica em 02/09/2019, usando dorsolombostato. I. Observado em consultas de post operatório a partir de 06/11/2019, regista-se que fazia marcha autónoma, sem dores, indicando-se “desmame” do dorsolombostato. No seguimento a situação mantinha-se sem alterações, com boa evolução clínica e radiológica, tendo sido feita proposta para extração de material na última consulta, datada de 17/09/2020.”. II. Baixa por doença direta (com internamento) entre 06/08/2019 e 02/09/2019. Baixa (sem internamento) entre 03/09/2019 e 29/02/2020. III. O Autor foi a consultas de ortopedia do Hospital 2 nos dias 01/04/2021, 25/05/2021 e 22/06/2021 e em consulta de anestesiologia do mesmo hospital no dia 15/04/2021. IV. Internamento no serviço de Ortopedia de ambulatório do Hospital 2 no dia 29/04/2021 para intervenção cirúrgica. V. Certificados de Incapacidade Temporária para o Trabalho Habitual passados pelo Hospital 2 de 29/04/2021 a 24/06/2021. VI. Dos registos da consulta de Ortopedia do Hospital 2 do dia 22/6/2021 resulta “Doente operado a coluna lombar por fratura de L3 (Hospital 1). Fixação pedicular percutânea L2-L3-L4 com sistema Viper (Fratura tipo A1 de L3). Clinicamente bem e sem sinais de alarme. Deve evitar esforço físico excessivo durante mais de 2 meses.”. VII. O Autor apresenta as seguintes sequelas: a. − Pescoço: sem limitações das mobilidades; sem evidência de contraturas da musculatura paravertebral bilateralmente; sem referência a dor à palpação dos processos espinhosos. b. − Ráquis e Membros inferiores: 4 cicatrizes operatórias rosadas, longitudinais, paravertebrais lombares (as duas mais superiores de medindo entre 2cm e 2,5cm de comprimento e as inferiores entre 4cm e 4,5cm de comprimento); contractura paravertebral bilateral, muito mais acentuada à direita, condicionando ligeira limitação das mobilidades: flexão anterior limitada (índice de Schober 14/15); extensão, rotação e inclinação lateral direita conservadas; rotação e inclinação lateral esquerdas ligeiramente limitadas; mobilidades das articulações coxofemorais aparentemente conservadas e simétricas, com sinais de Laségue e Bragard negativos. VIII.Os elementos disponíveis permitem admitir a existência de nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano. IX. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 22/08/2021, tendo em conta o tipo de lesões resultantes, o tipo de tratamentos efetuados e as indicações expressas na última consulta de ortopedia de que temos registo. X. No âmbito do período de danos temporários são valorizáveis, entre os diversos parâmetros do dano, os seguintes: a. - Défice Funcional Temporário (corresponde ao período durante o qual a vítima, em virtude do processo evolutivo das lesões no sentido da cura ou da consolidação, viu condicionada a sua autonomia na realização dos atos correntes da vida diária, familiar e social, excluindo-se aqui a repercussão na atividade profissional). b. − Défice Funcional Temporário Total (anteriormente designado por Incapacidade Temporária Geral Total e correspondendo com os períodos de internamento e/ou de repouso absoluto), que se terá situado entre 05/08/2019 e 02/09/2019, e entre 29/04/2021 e 30/04/2021 sendo assim fixável num período total de 31 dias, correspondendo aos períodos de internamento hospitalar. c. − Défice Funcional Temporário Parcial (anteriormente designado por Incapacidade Temporária Geral Parcial, correspondendo ao período que se iniciou logo que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização desses atos, ainda que com limitações), que se terá situado entre 03/09/2019 e 28/04/2021 e entre 01/05/2021 e 22/08/2021, sendo assim fixável num período total de 718 dias, correspondendo ao período que decorreu entre os internamentos hospitalar e a data da consolidação médico-legal. d. - Repercussão Temporária na Atividade Profissional (correspondendo ao período durante o qual a vítima, em virtude do processo evolutivo das lesões no sentido da cura ou da consolidação, viu condicionada a sua autonomia na realização dos atos inerentes à sua atividade profissional habitual). e. − Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total (anteriormente designada por Incapacidade Temporária Profissional Total, correspondendo aos períodos de internamento e/ou de repouso absoluto, entre outros), que se terá situado entre 05/08/2019 e 29/02/2020 e entre 29/04/2021 e 26/04/2021, sendo assim fixável num período total de 266 dias, nos quais o examinando se encontrou de baixa médica. f. − Repercussão Temporária na Actividade Profissional Parcial (anteriormente designada por Incapacidade Temporária Profissional Parcial, correspondendo ao período em que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização destas mesmas actividades, ainda que com limitações), que se terá situado entre 01/03/2020 e 28/04/2021 e entre 25/06/2021 e 22/08/2021, sendo assim fixável num período total de 483 dias, correspondendo aos restantes períodos até à data de consolidação médico-legal. g. - Quantum doloris (corresponde à valoração do sofrimento físico e psíquico vivenciado pela vítima durante o período de danos temporários, isto é, entre a data do evento e a cura ou consolidação das lesões); fixável no grau 4 numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta as lesões resultantes, o período de recuperação funcional, o tipo de traumatismo, os tratamentos efetuados e o sofrimento psicológico vivenciado pelo examinando. XI. 4. No âmbito do período de danos permanentes são valorizáveis, entre os diversos parâmetros de dano, os seguintes: a. − Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica (refere-se à afetação definitiva da integridade física e/ou psíquica da pessoa, com repercussão nas atividades da vida diária, incluindo as familiares e sociais, e sendo independente das atividades profissionais, corresponde ao dano que vinha sendo tradicionalmente designado por Incapacidade Permanente Geral - nomeadamente no Anexo II do Decreto-Lei nº 352/2007, de 23 de Outubro, e referido na Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, como dano biológico). Este dano é avaliado relativamente à capacidade integral do indivíduo (100 pontos), considerando a globalidade das sequelas (corpo, funções e situações de vida) e a experiência médico-legal relativamente a estes casos, tendo como elemento indicativo a referência à Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil (Anexo II do Dec-Lei 352/07, de 23/10). Assim, consideraram-se os danos permanentes constantes da tabela seguinte: b. − Rigidez da coluna lombar, pós fratura do corpo de L3, implicando terapêutica ocasional, enquadrável em Md0905. XII. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 29/02/2020. XIII. Défice Funcional Temporário Total fixável num período total de 31 dias. XIV. Défice Funcional Temporário Parcial fixável num período total de 718 dias. XV. Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total fixável num período total de 266 dias. XVI. Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial fixável num período total de 483 dias. XVII. Quantum Doloris fixável no grau 4/7. XVIII. Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 5 pontos. XIX. As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares. XX. Dano Estético Permanente fixável no grau 1/7. XXI. Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 3/7. XXII. Antes do acidente o A. era uma pessoa ativa, sadia, bem-disposta, e gozava de boa saúde, ao ponto de realizar atividades desportivas quase todos os dias, designadamente, correr, trail, bicicleta e natação. XXIII. Viu todas estas capacidades afectadas, deixando de praticar desporto do mesmo modo que antes. XXIV. Sendo caçador, além de não poder usufruir da prática na época venatória 2019/2020, teve, ainda assim, de pagar as respetivas licenças e os seguros dos quais, por via da sua condição, não pôde beneficiar. XXV. Tinha um pequeno número de ovelhas das quais não pôde tratar, tal como dos seus cães, sendo obrigado a pedir auxilio ao seu irmão para que os animais não morressem por falta de cuidados básicos. XXVI. Frequentemente, nos tempos livres, manobrava um trator amanhando as terras, o que fazia além do mais, por prazer. XXVII. Circunstâncias que o desanimaram e angustiaram. XXVIII. Sentiu durante todo o período de convalescença, e ainda sente, dores lombares. XXIX. Poucos dias antes do sinistro, o autor tomou conhecimento da feliz notícia de que ia ser pai. XXX. Recebeu a novidade com entusiamo já que era uma realidade há muito desejada quer pelo autor, quer pela sua companheira. XXXI. Sucede que, por causa do acidente, o autor não consegui acompanhar a gravidez com a presença e dedicação que pretendia e que tinha perspetivado. XXXII. Sentindo-se frustrado por não poder ter oferecido o acompanhamento que a sua companheira precisava, ao passo de nem poder ter assistido à 1.º ecografia já que se encontrava acamado. XXXIII. Os primeiros tempos em casa revelaram-se particularmente difíceis, uma vez que o autor perdeu toda a sua autonomia, necessitando da ajuda da sua companheira, na altura grávida, e do seu irmão, quer para o levantar da cama, quer para fazer a sua higiene pessoal, e ainda, para colocar o colete com que andou durante largo período de tempo. XXXIV. Tudo isto o deprimiu, ao ponto de ter necessidade de recorrer a apoio psicológico. XXXV. Quando antes era uma pessoa ativa, apresenta-se hoje como uma pessoa entristecida, sempre com dores, as quais variam com a mudança do tempo, isolando-se da sua família mais próxima e dos seus amigos. XXXVI. Deixou de passear, e de ter qualquer atividade desportiva e/ou de lazer nos moldes anteriores. XXXVII. Frequentemente, aos fins-de-semana, antes do acidente, corrida e praticava BTT. XXXVIII. Atividades que, agora, não consegue praticar do mesmo modo. XXXIX. No dia 5.8.2019 a responsabilidade civil por danos emergentes da detenção e circulação do veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-RA encontrava-se transferida para a ré, por contrato de seguro do ramo “Seguro Automóvel”, titulado pela apólice n.º ...71. XL. A Ré extrajudicialmente entendeu propor a regularização do sinistro através de uma divisão de responsabilidade, na proporção de 70 % - 30 % desfavorável à sua segurada, a qual foi recusada. * B. Factos Não Provados Não resultaram provados os seguintes factos: a. (Eliminada, nos sobreditos termos). a. O local onde ocorreu o sinistro é caracterizado como sendo fora de localidade, a velocidade máxima instantânea estava limitada à velocidade de 90 km/h. b. (eliminada pela Relação) c. (eliminada pela Relação) d. (eliminada pela Relação) e. Qual a velocidade concreta a que circulava o veículo do Autor. f. O veículo do Autor esboça uma travagem. g. (eliminada pela Relação) h. O Autor tinha duas colmeias de abelhas que, sem assistência, e sem que o autor tivesse alguém com formação para a sua manutenção, acabaram por morrer no período de convalescença do A.. i. O Autor sofreu outros danos para além dos referidos nos factos provados. ** III. 2. DO MÉRITO DO RECURSO Em causa está a culpa na produção do evento danoso (o acidente de viação). A primeira instância entendeu repartir as culpas: 70% para a condutora do veículo segurado na Ré e 30% para o Autor. Com base nessa percentagem atribuiu a indemnização ao Autor. Em recurso de apelação, a Relação alterou a factualidade provada (e não provada) e, face a ela, revogou a sentença, absolvendo a Ré do peticionado, pois considerou que o Autor foi o único culpado pela ocorrência do acidente. Em revista, vem o Autor procurar mostrar que a Relação não andou bem nessa determinação da culpa e, consequentemente, pede a manutenção da sentença. Qui juris? ** Adiantando solução, entendemos que a Relação andou bem em imputar a culpa do evento (exclusivamente) ao próprio autor. Fundamentou a sentença: «Considerando os factos acima descritos, a configuração do local e a dinâmica do embate, verifica-se desde logo que a condutora do veículo ..-..-RA violou o disposto no art. 31.º, n.º 1, al. a), do Código da Estrada porque não cedeu passagem ao veículo do Autor que circulava na via. Com efeito, em face do avistamento do veículo do Autor deveria parar ou recuar e, ao invés disso, avançou obstruindo a via – agindo assim com falta de cuidado, com negligência, contribuindo culposamente para o acidente. Em contraponto, considerando ainda o mesmo local, destacando-se que o limite de velocidade em zona urbana é de 50 Km/hora, que o Autor circulava a velocidade não inferior a 60Km/h mesmo aproximando-se entroncamento, curva à direita com visibilidade reduzida e por se tratar de via marginada por edificações, desde logo, a sua velocidade instantânea não inferior a 60 km/h não é a adequada para conduzir naquele concreto local, ou seja, circulava em excesso de velocidade. Aliás, o Autor conhecia bem aquele local por ali circular diariamente, por isso, tinha perfeita consciência que poderiam sair ou entrar veículos das várias casas que marginavam a estrada, como veio a suceder no caso concreto. Acresce ainda que, em abstrato, mesmo que se tivesse provado a versão do limite de velocidade de 90 Km/h alegada pelo Autor (e já vimos que não provou), mesmo assim, este estava obrigado a circular a velocidade bem inferior a 60Km/h, precisamente por se aproximar de uma curva e entroncamento e ser local marginado por edificações. A velocidade moderada exigida no concreto local (visibilidade reduzida e via marginada por edificações) destina-se a permitir a quem ali circula poder ter tempo para reduzir a velocidade ou mesmo travar em face de um qualquer obstáculo na via, como veículos parados a largar passageiros, veículos a entrar na via, peões, ou seja, o Autor devia ter tempo de reduzir ou parar o seu veículo em caso de necessidade. Repita-se que, por estarmos em face de estrada marginada por edifícios (factos do conhecimento do Autor, que ali circulava diariamente), a qualquer momento podem entrar ou sair veículos ou, inclusivamente, estar um carro parado a recolher passageiros, ou mesmo ter ocorrido um acidente como foi o caso dos autos – ou seja, após a curva o Autor estava sempre obrigado a reduzir substancialmente a velocidade. Por sua vez, acresce ainda que, ao contatar a presença do outro veículo, ao invés de reduzir a velocidade ou travar, o Autor decidiu temerariamente invadir a via contrária transpondo uma linha longitudinal contínua, acabando por circular em parte da berma e veio a despistar-se em virtude disso, a que não será alheio o álcool no sangue – agiu assim de igual modo com falta de cuidado, com negligência, contribuindo culposamente para o acidente.». A Relação, em impugnação da matéria de facto, procedeu a alteração de factos e aditamento de outros, aos provados, factos estes que foram absolutamente determinantes na (re)apreciação da questão da culpa do sinistro, que ora nos ocupa. Assim: i. Deu nova redação ao facto provado 3 (passando a constar: “3. No momento em que o autor passa a curva à direita junto ao ilhéu que permite a saída da ... e a entrada na via que permite o acesso às localidades vizinhas, encontrava-se em movimento da direita para a esquerda, e na perpendicular, ocupando pelo menos metade da via, o veículo de marca Peugeot, modelo 206, de cor Branca, e de matrícula ..-..-RA.”); ii. Aditou um novo facto (assim redigido: “3a. O veículo RA era proveniente de uma moradia, situada do lado direito da via considerando o sentido de transito do autor, e pretendia dirigir-se para A..., para o que mudava de direção à esquerda para passar a circular em sentido contrário ao do autor.“); iii. Acrescentou à relação dos factos provados – retirando-os do elenco dos factos considerados na sentença como não provados –, os seguintes: 6a. A condutora do veículo de matrícula ..-..-VD olhou para ambos os lados e, verificando, que não se aproximava qualquer veículo, iniciou a marcha. 6b. Sendo que quando acedeu à faixa de rodagem, o veículo do autor não era visível. 6c. Quando ainda não tinha ingressado na via da direita, a referida condutora verifica que se aproxima um “veiculo branco”. iv) No mais, apenas no ponto provado 7, onde constava “contínua”, passou a constar “descontínua”2. A factualidade alterada/aditada pela Relação levou à alteração radical do sentido da decisão de meritis. Atentemos na justificação da Relação para revogar a sentença e absolver a Ré: Começando por chamar a atenção de que sendo certo que o pressuposto que esteve na base da posição adoptada na sentença consistiu no facto de a condutora do veículo de marca Peugeot (matrícula ..-..-RA) ter avistado a viatura do autor (matrícula ..-..-VD) a circular na via onde ocorreu o sinistro e, apesar disso, ter continuado a avançar, ao invés de parar ou recuar, assim contribuindo culposamente para o acidente (ut raciocínio operado na sentença), observa, porém (com inteira pertinência) a Relação: “o raciocínio expendido a este propósito poderia estar correcto na ausência da factualidade que foi alterada no presente recurso, embora, deva acrescentar-se, do acervo factual originariamente fixado não resulte em que momento a condutora da viatura segurada se apercebeu da existência de uma viatura que circulava na via onde pretendia entrar. A matéria atinente à visualização (ou avistamento) do veículo propriedade do autor, independentemente do momento em que ocorre, não consta, aliás, do acervo factual que o Tribunal recorrido considerou provado, pelo que os argumentos expendidos a propósito deste aspecto essencial devem resultar, muito provavelmente, de uma presunção extraída dos factos referentes à dinâmica do sinistro. Ora, ficou demonstrado, para além da factualidade já fixada em 1ª instância, que: - 6a. A condutora do veículo de matrícula ..-..-VD olhou para ambos os lados e, verificando, que não se aproximava qualquer veículo, iniciou a marcha; - 6b. Sendo que quando acedeu à faixa de rodagem, o veículo do autor não era visível. - 6c. Quando ainda não tinha ingressado na via da direita, a referido a condutora verifica que se aproxima um “veiculo branco”. Este conjunto factual tem uma importância decisiva no caso vertente, pois do mesmo resulta que a condutora do veículo seguro na ré não actuou de forma negligente, sendo, consequentemente, o sinistro inteiramente imputável ao autor. (…)». De seguida, a Relação, após observar que do conjunto das normas que cita e transcreve3 resulta que os condutores, na realização de qualquer manobra, devem adoptar as providências necessárias para evitar acidentes (sendo que o legislador vai mais longe, uma vez que pretende evitar, desde logo, situações que possam causar perigo4 para todos aqueles que circulavam nas vias sujeitas ao quadro legal que rege este domínio), revertendo ao caso concreto, refere: «… afigura-se, …, que a condutora do veículo segurado actuou de forma diligente quando iniciou a manobra que pretendia efectuar, pois certificou-se de que não circulava nenhum veículo na estrada municipal identificada nos autos e só depois, após constatar que a via se encontrava desobstruída, é que iniciou a marcha, com o propósito de se dirigir para a mencionada localidade de A.... No decurso dessa manobra, quando a viatura já se encontrava na estrada municipal, é que surge o automóvel conduzido pelo autor, sendo que este, em face da presença da referida viatura, tomou a opção – errada, como veio a constatar-se – de se desviar para o lado esquerdo da via, passando a circular junto à berma, facto que veio a determinar o despiste e consequente embate num eucalipto que ladeava a estrada. A manobra que o autor efectuou, em nosso entender foi temerária e está na causa do acidente que veio a ocorrer, sendo que, face às características do local e ao modo como a referida condutora entrou na via de circulação, o autor poderia – e deveria – ter reduzido a velocidade de que vinha animado, pois não há notícia nos autos de que os órgãos de travagem da viatura sinistrada padecessem de qualquer deficiência que impossibilitassem a respectiva utilização. A condutora da viatura segurada na ré não contribuiu, com a sua actuação, para o despiste do veículo sinistrado, devendo, por isso, atentos os elementos fácticos carreados para o processo, concluir-se que o acidente resultou de um erro de avaliação do autor, o qual, perante um automóvel que se encontrava a realizar uma manobra regular, optou por se desviar para o lado da via destinado ao trânsito que seguia em sentido contrário, invadindo, logo após, a respectiva berma e indo embater, após perda de controlo do veículo, na árvore supra mencionada.». Deixa a Relação duas notas finais (face ao suporte factual que ficou demonstrado nos autos): «A primeira, é para referir que se concorda com o entendimento expresso pelo Tribunal a quo no sentido de que a TAS que o autor apresentava (1,13 g/l) contribuiu para o sinistro em causa, dado que o valor apresentado, que se situa muito próximo do limite a partir do qual essa actuação configura um ilícito criminal (1,2 g/l)5, aumenta várias vezes o risco de acidente (cf. as informações disponibilizadas pelo I..., I.P.). O art. 81º, nºs1 e 2, do CE rege esta matéria nos seguintes moldes: “1 - É proibido conduzir sob influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas. 2 - Considera-se sob influência de álcool o condutor que apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l ou que, após exame realizado nos termos previstos no presente Código e legislação complementar, seja como tal considerado em relatório médico.”. A segunda nota, é para mencionar que tudo indicia – e aqui também se concorda, em parte, com a tese defendida pela 1ª instância – que o veículo conduzido pelo autor circulava em excesso de velocidade. Com efeito, o art. 24º, nº, do CE, prescreve que “O condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.” E o art. 25º, nº1, alínea a), do mesmo Código acrescenta que “Sem prejuízo dos limites máximos de velocidade fixados, o condutor deve moderar especialmente a velocidade: (…) c) Nas localidades ou vias marginadas por edificações;” 6. Complementarmente a estas normas, deve ainda referir-se o art. 19.º do CE, o qual dispõe que “Para os efeitos deste Código e legislação complementar, considera-se que a visibilidade é reduzida ou insuficiente sempre que o condutor não possa avistar a faixa de rodagem em toda a sua largura numa extensão de, pelo menos, 50 m.”. Dos factos assentes, resulta (ponto 11) que “No sentido de trânsito do veículo do Autor, antes do local do acidente a via configura uma curva à direita, a qual dista aproximadamente 70 metros do local do embate.”, mais resultando da factualidade provada que o autor se apercebeu da viatura segurada logo após ter passado essa curva, tendo, de imediato, transposto a linha longitudinal existente na via e passado a circular na hemifaixa destinada ao trânsito que seguia em sentido contrário. Significa isto que o autor percorre, pelo menos, 70 metros, sem que imobilize o veículo, sendo que nenhum elemento carreado para os autos demonstra que, após a referida curva, a visibilidade era insuficiente.»7. Nesta senda, remata (e, a nosso ver, sem que mereça censura) a Relação: «Face a todos os elementos fácticos e ao quadro legal vigente, uma de duas hipóteses: a) O autor circulava em excesso de velocidade e, por esse motivo, constatando que não era possível imobilizar o veículo por meio de travagem, optou por guinar para a esquerda e invadir a hemifaixa de rodagem já referida; b) Era possível a imobilização da viatura por meio de travagem, sendo que o autor, não ponderando essa possibilidade (erro de avaliação), optou por invadir a sobredita hemifaixa, facto que, conjugado com a circulação junto à berma, acabou por determinar o despiste e embate no eucalipto. Em qualquer das situações que descrevemos, e considerando que a condutora do veículo segurado adoptou todos os procedimentos que o caso exigia, é de imputar ao autor, in totum, a responsabilidade pelo sinistro a que os autos se reportam». * Não vemos como discordar deste raciocício vertido no acórdão recorrido e conclusão a que chega: que a culpa do acidente é do próprio Autor. Com efeito, se é certo que a manter-se a factualidade provada e não provada tal como vertida na sentença, a situação sob apreciação seria outra, bem diferente – aí, tal como aqui, não teríamos dúvidas na repartição da culpa do sinistro (embora, sempre em grau bem diferente daquele que a sentença considerou) – , não é menos certo que a alteração dos factos pela Relação, tal como plasmado no acórdão recorrido – e nesta sede intocáveis – não deixa, salvo o devido respeito, margem para dúvidas quanto ao desfecho da demanda: que ao próprio Autor, e só a ele, se deveu o acidente, à sua gravíssima negligência – a que, naturalmente, não é alheio o facto de estar a conduzir em estado de embriaguez, com uma taxa de alcoolemia no sangue que quase chega ao patamar da criminalização! Entende o Recorrente, no fito de ver revertida a decisão da Relação, que, para a boa compreensão da dinâmica do acidente, se deveria apurar “o momento em que a condutora da viatura RA inicia a marcha e o momento concreto em que visualiza a viatura do Recorrente”, dessa forma entendendo que a audiência de discussão e julgamento deveria ser reaberta “com vista ao apuramento dos factos e da dinâmica do acidente”. Parece que o Recorrente olvida os factos que a Relação aditou à matéria provada, bastando atentar – para que se dissipem as dúvidas do Autor – no facto apurado em 6.b, ou seja, que “quando a condutora do RA acedeu à faixa de rodagem, o veículo do Autor não era visível.”. Ou seja, no “momento em que a condutora da viatura RA inicia a marcha”, ingressando na via por onde circulava o veículo do Autor, este ainda não tinha, sequer, surgido na curva que antecedia o local do acidente, à direita do Autor e atento o seu sentido de marcha, curva essa que mediava “aproximadamente 70 metros”. Não se vê, assim, a pertinência e/ou utilidade de averiguar qualquer outra factualidade atinente à dinâmica do acidente que se repute relevante para a apreciação da culpa. Relevante é, sim, o que consta dos alterados e/ou aditados factos 3º e 6º a. b. e c.. E destes resulta que quando a condutora do RA já estava em plena faixa de rodagem (ocupando já “pelo menos metade da via”, isto é, da Estrada Municipal ... – facto 3º), o Autor ainda não tinha transposto a aludida curva; e, outrossim, que a condutora do RA, antes de iniciar a travessia da via, fez o que (tomou os cuidados que) a lei impõe: “olhou para ambos os lados e, verificando que não se aproximava qualquer veículo, iniciou a marcha” (facto 6.a.), – ausência essa de aproximação de qualquer veículo que é corroborada ou reforçada no facto 6.b. (“quando acedeu à faixa de rodagem, o veículo do autor não era visível”). De facto, a condutora do RA segurado na Ré apenas se apercebeu do surgimento (na referida curva, obviamente – cfr. pontos de facto referidos) de um “veículo branco” (que se supõe ser o do Autor) quando já estava em plena faixa de rodagem “e na perpendicular (facto 3º - i.e., atravessada perpendicularmente à via). E, como tal, fez (também aqui) o que se lhe impunha que fizesse: prosseguir a sua marcha de forma a posicionar-se na metade da via destinada ao sentido de trânsito que pretendia seguir, dessa forma garantindo que as linhas de marcha dos dois veículos na Estrada Municipal ... por onde surgira o Autor não se cruzariam. Também se não percebe o interesse manifestado pelo Recorrente em saber as distâncias com reporte ao momento do embate. É que, não ocorreu embate algum entre os dois veículos. Apenas e só, o Autor se despistou, afastando-se da via por onde seguia – sabe-se lá porquê, embora se creia ter sido devido ao acentuado grau de alcoolemia de que ia munido e que, naturalmente, lhe toldava significativamente a capacidade de condução e reacção, pois outra explicação não se almeja – optou por ir na direcção da faixa de rodagem contrária (desviar-se para a sua esquerda”), atravessando-a e acabando por embater, sim, não numa viatura automóvel, mas “nos eucaliptos que ladeavam aquela via” (facto 6). Surgindo o Autor a uma distância não inferior a 70 metros quando visualizou o RA e vendo que este já ocupava pelo menos metade da faixa de rodagem, em posição perpendicular, é mais que óbvio que se conduzisse em estado normal e atento (designadamente, ao RA), teria percebido que, decorrendo com normalidade a manobra/trajectória do RA com prosseguimento pela metade da via oposta (e nada indicia qualquer anormalidade na execução da mesma), podia seguir normalmente a sua marcha sem chocar naquele. O excesso de velocidade a que seguia o Autor é mais que evidente – não apenas porque seguia a velocidade superior ao limite legal para o local (que é de 50 km - cfr. Artº 27º do Código da estrada), como também porque a velocidade a que seguia não lhe permitia parar a viatura no espaço livre e visível à sua frente (artº 24º, nº1 CE). Veja-se que é o próprio Autor a reconhecer que para evitar o embate no RA se desviou para sua esquerda, passando a ocupar parte da berma da via contrária, indo, então, a embater nos eucaliptos. Mas porquê falar em evitar o embate” (este que, como dito, nem existiu, antes um choque da viatura do Autor com uns eucaliptos) quando o Autor avistou o RA a pelo menos 70 km, quando desfez a curva à sua direita? Naturalmente que se seguisse – que não seguia – , seja à velocidade legalmente prevista para o local, seja a uma outra velocidade que atendesse a todas as “circunstâncias relevantes” que lhe permitissem “em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever”, teria, sem dúvida, logrado “fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente” (cit. artº 24º do CE) caso o RA, por qualquer razão, se mantivesse na posição em que o Autor o viu àquela distância de pelo menos 70 metros. Note-se que atentando nas distâncias médias de paragem (fornecidas em https://www.imt-ip.pt/sites/IMTT/Portugues/EnsinoConducao/ManuaisEnsinoConducao/Documents/Fichas/FT_DistanciasdeSeguranca.pdf) temos que se o Autor/Recorrente (condutor do VD) estivesse atento e reagisse quando refere ter visualizado o RA, mesmo que seguisse à velocidade de 70 kms/hora (portanto, até superior à provada “não inferior a 60/km/hora – facto provado nº 2.), ainda assim, teria conseguido fazer parar a sua viatura a uma distância de 45,5 m de distância (já somadas as distâncias de reacção e de travagem). O mesmo é dizer que para o Autor não conseguir fazer parar a sua viatura de forma a evitar o choque no RA (partindo da hipótese, diríamos, académica – que se não verificou – de este se manter estático na faixa de rodagem onde o Autor o avistou), tinha de seguir a uma velocidade muito superior aos 60, 70 ou ainda mais kms/hora. E veja-se que nada havia, em termos de condições climatéricas ou da via que alterasse a normalidade: era Verão (Agosto) e “o piso estava seco e limpo” (facto 12). Assim, portanto, não se vê como não dar razão à Ré/Recorrida. Efectivamente, considerando a distância entre as duas viaturas, é patente concluir que quando avistou o RA, o Autor/Recorrente podia ter abrandado ou até imobilizado o VD, o que – atenta a (provada) distância a que avistou o RA – não carecia, sequer, de levar a cabo uma travagem brusca, mas tão só o cuidado, diligência e perícia de um homem medianamente prudente, capaz e conhecedor das regras estradais, dessa forma evitando o seu despiste. Porém, assim não procedeu o Autor: ao invés, sem se perceber porquê, repentinamente, desviou a sua marcha para a via de circulação contrária (a sua esquerda) (facto provado 4.), precisamente na direção que era evidente que o RA tomava, perdendo o controlo do veículo e só se imobilizando contra os eucaliptos do lado oposto e, como dito, a mais 70 metros após ter visualizado o RA (facto provado 6. e cfr. medições constantes do croquis do auto da GNR que faz parte do Doc. 2 junto com a contestação.) Assim se vê que nada, mesmo nada, explica a inusitada manobra do Autor/Recorrente, face à conjuntura estradal com que se deparou, apenas se podendo explicar (pois outra razão se não vislumbra) pelo facto de conduzir alcoolizado e em excesso de velocidade (cfr. factos provados 2. e 9) – excesso, aliás, bem patente se considerarmos a distância que percorreu em despiste e sem conseguir imobilizar o veículo, que só se deteve após percurso de mais de 70 metros e porque embateu contra uns eucaliptos. * Já a manobra da condutora do RA não merece, como supra ficou dito, qualquer censura, não sendo causadora do acidente – nem, sequer, susceptível de causar um acidente – , não incorrendo em violação de qualquer norma do Código da Estrada. Percute-se que quando o RA entrou na via, o veículo do Autor (ou qualquer outro que se lhe antecedesse, pois nada se provou nesse sentido) “não era visível” (facto 6.b). Como, pertinentemente, observa a recorrida, “um acidente de viação é uma sucessão dinâmica de factos, que no caso importou dois veículos a convergir para o mesmo ponto, impondo por isso um tempo de reação curto, não compatível com uma paragem ou inversão da manobra por parte da condutora do RA, como de forma, salvo o devido respeito incoerente, preconiza o recorrente. Mais uma vez, de acordo com as regras de experiência comum e prudência, não é expectável que quem está a levar a cabo manobra análoga à da condutora do RA, pare a meio, atravessada na via, antes está a obrigada a terminá-la no mais curto espaço de tempo, muito menos recuar, pelo que não tem qualquer cabimento que o recorrente pudesse legitimamente pensar que a manobra que empreendeu fosse suscetível de evitar o acidente.”8. Importa salientar que, o recorrido acabara de passar por um entroncamento, seguido de curva, após a qual bem sabia – até pelas funções que exercia na Guarda e residindo a cerca de 3 km, permitindo-lhe um perfeito conhecimento da localidade – haver casas que ladeavam a via, o que lhe impunha um especial dever de cuidado e a adequação da velocidade às características da via, o que não fez, circulando, inclusivamente, a uma velocidade superior ao limite máximo para o local. A que acresce que o nível de alcoolização a que o Autor conduzia também foi determinante para o sinistro. Como dito, o Autor conduzia a sua viatura com uma taxa de álcool no sangue de 1,13 g/l – portanto, muito superior à taxa a partir da qual se considera que um individuo não está já apto para o exercício da condução (que é 0,5 g/l, cfr. dispõe o Artº 81º Código da Estrada) e já próximo da taxa que faz incorrer em ilícito criminal – , como tal, naturalmente, em estado de euforia e com as suas capacidades motoras, naturalmente, diminuídas ao nível da atenção e percepção sensorial, com a consequente descoordenação motora e tornando mais lento o tempo de reação e discernimento, o que importava a perda de capacidade de avaliar correctamente as distâncias e as velocidades e bem assim de seleccionar adequadamente a manobra a efectuar perante qualquer vicissitude, como aconteceu na situação dos autos. Assim, portanto, afigura-se que razão tem a Relação quando refere que o despiste “resultou de uma erro de avaliação do autor, o qual, perante um automóvel que se encontrava a realizar uma manobra regular, optou por se desviar para o lado da via destinado ao trânsito que seguia em sentido contrário, invadindo, logo após, a respectiva berma e indo embater, após perda de controlo do veículo, na árvore supra mencionada.”. Não sendo – como também considerou a Relação – indiferente a esta dinâmica o facto de o Autor se encontrar alcoolizado, “dado que o valor apresentado, que se situa muito próximo do limite a partir do qual essa actuação configura um ilícito criminal (1,2 g/l) 15, aumenta várias vezes o risco de acidente.”. Assim, nada temos a censurar ao acórdão recorrido, pois o evento danoso apenas se deveu à (muito grave) negligência do Autor que, além da elevada taxa de álcool no sangue com que conduzia o VD, incorreu em violação de várias normas de direito estradal, violação essa causal do sinistro. Nesta senda, entende-se imputar o acidente exclusivamente à conduta do Autor, Recorrente. Pois – e secundando a Recorrida, “o Autor, considerando a visibilidade reduzida pela existência da curva e a presença de habitações à margem da via, não cuidou, tão pouco estava capaz de o fazer, pelo estado de alcoolemia em que se encontrava, de regular a velocidade de modo a que, pudesse em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade deveria ter previsto, tanto mais que era bem conhecedor do local, fazendo parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente, sem sair da sua mão de trânsito e sem perder o controlo do veículo que tripulava. Ao não o fazer, o recorrido violou o disposto nos Artºs 11º nº 2, 13º nº 1, 24º nº 1, 25º nº 1 c) e h), 27º e 81º do Código da Estrada e deu causa ao acidente a que se reportam os autos.”. Termos em que improcede a questão suscitada. ** IV. DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, negar a revista, mantendo-se o decidido no Acórdão da Relação. Custas da revista a cargo do Recorrente. Lisboa, 30.01.2025 Fernando Baptista de Oliveira (Juiz Conselheiro Relator) Maria da Graça Trigo (Juíza Conselheira 1º adjunto) Catarina Serra (Juíza Conselheira 2º Adjunto) ________
1. A destaque estão as alterações/aditamentos levados a cabo pela Relação. 2. Que ficou assim redigido: 7. O local em que o Autor passou a circular na faixa contrária e se veio a despistar é uma estrada composta por duas vias de trânsito, separadas entre si por linha longitudinal descontínua que constitui o eixo da faixa de rodagem, ladeada por duas moradias unifamiliares e eucaliptos do lado direito ao que animava o A. e, no lado esquerdo, só por eucaliptos. 3. Quais sejam, os arts. 3º, nº2, 12º, nº2, 24º, nº1 e 25º, nº1, alínea c), e 35º, nº1, todos do CE, os quais apresentam a seguinte redacção: - Art. 3º, nº2 do CE: “As pessoas devem abster-se de atos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança, a visibilidade ou a comodidade dos utilizadores das vias, tendo em especial atenção os utilizadores vulneráveis.”. - Art. 12º, nº1, do CE “Os condutores não podem iniciar ou retomar a marcha sem assinalarem com a necessária antecedência a sua intenção e sem adotarem as precauções necessárias para evitar qualquer acidente.”. - Artigo 24.º, nº1, do CE: “O condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.”. - Artigo 25.º, nº, alínea c), do CE: “Sem prejuízo dos limites máximos de velocidade fixados, o condutor deve moderar especialmente a velocidade: (…) c) Nas localidades ou vias marginadas por edificações;”. - Artigo 35.º, nº1, do CE: “O condutor só pode efetuar as manobras de ultrapassagem, mudança de direção ou de via de trânsito, inversão do sentido de marcha e marcha atrás em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito.”. 4. Não se trata aqui, unicamente, de prevenir os acidentes de viação, mas sim de evitar, à partida, situações potencialmente danosas, ou seja, situações que, apesar de acarretarem perigo para os utilizadores das vias, não comportam qualquer prejuízo para os mesmos. 5. Cf. art. o 292º, nº1, do Código Penal, cuja redacção é a seguinte: “Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.”. 6. O sublinhado é nosso. 7. Os destaques são da nossa autoria. 8. Destaques nossos. |