Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | MÁRIO MENDES | ||
Descritores: | ACÇÃO DE PREFERÊNCIA DEPÓSITO DO PREÇO ESCRITURA PÚBLICA PRÉDIO RÚSTICO UNIDADE DE CULTURA EXPLORAÇÃO FLORESTAL PDM SOLOS CLASSIFICAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 02/19/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITOS REAIS - DIREITO DE PROPRIEDADE. DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS. | ||
Doutrina: | - Agostinho Cardoso Guedes, O Exercício do Direito de Preferência, Porto, Universidade Católica, 2006, p. 652 e sgs. - Menezes Cordeiro – Tratado de Direito Civil Obrigações, Tomo II, pp. 518 e 519. - Antunes Varela, Código Civil Anotado, 2a edição, em anotação ao artigo 1381.º | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 334.º, 342.º, N.º2, 1380.º, 1381.º, AL. A). CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 493.º, N.º3. DL. N.º 380/99, DE 22/9: - ARTIGO 71.º. LEI DO ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO E URBANISMO – N.º48/98, DE 1/08. REGULAMENTO DOS PLANOS DIRECTORES MUNICIPAIS – DL N.º 380/99, DE 22/09. RESOLUÇÃO CONSELHO MINISTROS N.º110/94, DE 3/11. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 22/11/1988, BMJ, 381/52; DE 18/1/94, CJ (STJ) 1994, TOMO I, P. 46; DE 19/03/98, CJ. (STJ) 1998, TOMO I, P. 143; DE 21/06/94, CJ (STJ) 1994, TOMO II, P. 154; DE 14/03/02 CJ (STJ), 2002, TOMO I, P. 133; DE 22/2/2005, DE 10/1/2008 E DE 7/4/2011. | ||
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Sumário : | I - Na acção de preferência o ónus de depósito do preço abrange apenas a contrapartida ajustada entre alienante e adquirente para a alienação do em sobre o qual incide a preferência (preço estrito). II - A declaração do aquirente constante expressamente da escritura de venda não excepciona, só por si, o direito de preferência exercido nos termos do art. 1380.º do CC. III - Para se determinar se a intenção manifestada pelo adquirente no sentido de o destinar a um fim diferente da cultura é juridicamente admissível, preenchendo-se dessa forma o facto impeditivo da preferência a que alude a al. a) do art. 1381.º do CC, deve atender-se, através de elementos objectivos constantes dos factos provados, à possibilidade física e legal da nova destinação à luz dos condicionantes legais e de facto existentes à data da outorga da escritura de venda. IV - Estando classificado o solo dum prédio como rural e qualificado como predominância a floresta, mesmo que seja permitida a construção de uma habitação unifamiliar e anexos de apoio à exploração do prédio, esta permissão não afecta a classificação e qualificação do solo, continuando a prevalecer a destinação originária. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. AA e mulher BB, intentaram acção declarativa de condenação, com processo comum ordinário, contra CC e marido, DD, EE, e FF e mulher, GG alegando, em síntese, serem proprietários de um prédio rústico que confronta com outro que os 1°s e 2º RR venderam aos 3°s RR. Segundo afirmam, tendo direito de preferência na alienação deste último prédio, não foram notificados das condições do respectivo negócio de alienação, sendo certo que o imóvel adquirido não pode ser destinado a fim diferente da cultura. Invocam ainda que o preço declarado na escritura de compra e venda não correspondeu ao preço real do negócio, o qual foi inferior. Pedem que lhes seja reconhecido o direito legal de preferência sobre o dito prédio e que o mesmo lhes seja atribuído mediante o pagamento do preço real do negócio. Contestaram os 3°s RR defendendo não assistir qualquer direito de preferência aos AA uma vez que o prédio foi efectivamente adquirido para fim diverso da cultura e que o preço declarado na escritura de compra e venda foi o preço real do negócio. Deduziram reconvenção pedindo que, na procedência da acção, sejam os AA condenados a pagar-lhes os custos que tiveram com a aquisição do imóvel e, bem assim, aqueles que vierem a liquidar-se em momento posterior em relação aos danos cuja quantificação não é ainda possível. Os AA replicaram mantendo a versão adiantada na p.i. e pugnando pela improcedência da reconvenção. A final foi proferida sentença que julgou a acção procedente e parcialmente procedente a reconvenção. Inconformados com o decidido, os réus interpuseram recurso de apelação, formulando conclusões. Na sequência deste recurso foi proferido acórdão que confirmou a sentença recorrida. II. Deste acórdão foi interposto o presente recurso de revista. Nas conclusões da sua alegação, cujo teor aqui se dá por reproduzido, colocam, em síntese, os recorrentes as seguintes questões: 1ª) a de saber se o depósito efectuado pelos preferentes corresponde ao conceito de “preço devido” que o legislador consagrou no nº 1 do artigo 1410º CC ou seja se abrange apenas o montante entregue pelo comprador ao vendedor, excluindo os encargos com a escritura e registos ou se o preço devido engloba o preço da transacção e os respectivos encargos e registo; 2ª) a de saber se da factualidade provada se deve concluir terem os RR recorrentes demonstrado a existência de condição impeditiva do direito de preferência invocado pelos AA; 3ª) a de saber se a conduta dos AA recorridos integra uma situação de abuso de direito. Houve contra alegações por parte dos recorridos cujo teor se dá igualmente por reproduzido. III. Os factos: 1. Em 20.01.2005, por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Monção, os 1°s RR como donos e possuidores da raiz ou nua propriedade e o 2º R como dono e possuidor do usufruto vitalício, declararam vender, pelo preço global de € 75.000,00, ao 3º R marido, que declarou aceitar, o imóvel sito na freguesia de ... do concelho de Monção que assim identificaram: "Prédio rústico denominado ..., sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Monção, composto de terreno de mato, cultura e vinha, descrito na conservatória de registo predial de Monção sob o número mil e sessenta e quarto, daquela freguesia, inscrito na respectiva matriz sob o artigo … (...)"• O 3º R. marido declarou ainda na escritura que "pretende afectar o prédio ora adquirido a construção urbana, o que declara sob sua inteira responsabilidade" (A); 2. AA e HH foram, na sequência de notificação judicial avulsa proposta no dia 31.03.2005 no Tribunal Judicial de Monção por FF, notificados: "da intenção do requerente proceder à correcção/rectificação de áreas do prédio descrito sob o número …, da freguesia de ..., para a área correcta de 8.096 m2, de forma a esta ficar harmonizada com a realidade física e material subjacente (...) para no prazo legal de 15 dias, deduzirem, querendo, oposição" (B); 3. Encontra-se descrito na sob o n° … da freguesia de ..., na Conservatória do Registo Predial de Monção, o seguinte imóvel: "PRÉDIO RÚSTICO - ... - ... - terreno de cultura e vinha - 1770 m2 norte - estrada camarária, sul - II, nascente - JJ e do poente - EE - VP 68.78 Euros - Artigo 86". Pela inscrição G2, de 23.03.2005, encontra-se inscrita a aquisição do direito de propriedade desse prédio, por sucessão deferida em inventário, a favor da A. mulher casada com o A. marido no regime da comunhão geral (C); 4. Por escritura pública celebrada no Cartório Notarial de Monção a 13.07.2004, KK, na qualidade de liquidatário da sociedade LL, Lda, declarou vender ao 3º R. marido pelo preço de €18.000.00, e este declarou aceitar, o prédio urbano composto de casa de rés-do-chão, sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Monção, descrito na CRP de Monção sob o n° …. Este prédio encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Monção como casa de rés-do-chão e rossios, com a área coberta de 420 m2 e descoberta de 405 m2, inscrito na matriz sob o artigo 617, encontrando-se registada a favor de FF a aquisição do respectivo direito de propriedade por compra, pela inscrição Gl correspondente à Ap. 02/040804 (D e E); 5. À data da celebração da escritura referida em 1, os 3°s RR. não eram proprietários de prédio confinante com o aí referido (F); 6. Pelo Av. 3 - Ap 04/060505 foi rectificada de 4.820 m2 para 8.096 m2 a área constante da descrição predial n° … da Conservatória do Registo Predial de Monção, relativa ao prédio referido em 1. (G); 7. Através do pedido viabilidade registado na Câmara Municipal de Monção sob o Processo de Informação Prévia n° 13/05, solicitou o 3º R. marido a seguinte informação técnica: "Pretende o Requerente informação sobre a viabilidade de construção de uma habitação unifamiliar numa parcela identificada em carta topográfica anexa, escala 1/10.000, estando esta enquadrada de acordo com a Carta de Ordenamento do PDM, Monção, em área de Produção Florestal Dominante. Nestas áreas é permitida a edificabilidade de edifícios habitacionais unifamiliares e anexos de apoio à actividade florestal, conforme disposto no regulamento do PDM Monção. Entende-se, pelos elementos desenhados e escritos constantes do processo, ter a parcela condições de ser edificada com um edifício de habitação, obrigando ao cumprimento no projecto de licenciamento do estipulado no artigo 44° do regulamento do PDM Monção, Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação e demais legislação em vigor, nomeadamente uma adequada inserção no ambiente urbano e beleza da paisagem. À consideração superior". A informação obteve o seguinte despacho: Concordo. Notificar o requerente sobre a informação de viabilidade pedida de acordo com a informação do técnico responsável" (H); 8. O prédio referido em 1 tem a área real de 6.612,66 m2, confronta do norte com estrada camarária, do sul com HH, MM e NN, do nascente com AA e II, e do poente com caminho de servidão. Está inscrito na respectiva matriz como prédio urbano sob o n° … da freguesia de ..., encontrando-se também descrito como prédio urbano na Conservatória do Registo Predial de Monção (I e 2); 9. O prédio referido em 1 está classificado como solo urbano, com a categoria de solo urbanizado, de espaço predominantemente unifamiliar, numa faixa de 50 metros na confrontação com o arruamento público (J, 8 e 30); 10. O prédio referido em 3 goza dessa mesma classificação, ou seja, também está classificado como solo urbano (L, 8 e 30); 11. Na carta de condicionantes não está definida qualquer restrição em relação a qualquer dos prédios atrás identificados, ou seja, quer o prédio objecto da preferência quer o prédio identificado em 3. (M, 8 e 30); 12. A alteração da classificação do solo onde se encontram implantados os prédios dos AA. e dos RR. - conforme indicado em 9, 10. e 11. - é resultado da revisão do Plano Director Municipal de Monção publicada no Diário da República em 20.05.2009 (N, 8 e 30); 13. Há mais de 20 anos que os AA, por si e seus antepossuidores, designadamente o pai da A. mulher, detêm e possuem o prédio referido em 3, fruindo as utilidades que o mesmo proporciona, colhendo os frutos que produz, cedendo o respectivo gozo e suportando os inerentes encargos. Os AA vêm procedendo do modo descrito de forma ininterrupta, com ânimo de exclusivos donos e no seu interesse e proveito próprios, à vista dos RR. e de toda a gente, sem qualquer estorvo ou turbação; 14. O prédio referido em 3. tem pelo menos a área de 1.770 m2 (3); 15. Os prédios referidos em 1. e 3. são contíguos entre si (4); 16. O prédio referido em 1. encontrava-se, antes de ser adquirido pelo 3ºR. (conforme indicado em 1), afecto ao cultivo, e o prédio referido em 3 encontra-se afecto ao cultivo (5); 17. O prédio referido em 1 era susceptível, antes de ter sido adquirido pelo 3º R. (conforme indicado em 1), de integrar uma exploração agrícola única e contínua com o prédio referido em 3. (6); 18. Antes da alteração resultante da revisão do PDM (conforme indicado em 9, 10, 11 e 12), os prédios referidos em 1 e 3 encontravam-se, de acordo com o PDM, integrados em área aí designada "Espaços Florestais - Áreas de Produção Florestal Dominante" (7, 8 e 30); 19. Pretendendo proceder à rectificação de áreas do prédio referido em l, o 1 ° R. marido contactou o A. marido, em Agosto de 2004, no sentido de obter as assinaturas dos AA para esse efeito. No decurso da conversa mantida entre ambos, o A. marido soube do 1º R. marido que os 1ºs e 2ºs RR tinham prometido vender aos 3°s RR o prédio referido em 1. (9 e 10); 20. Os 3°s RR pretendem construir uma casa no prédio referido em l. (19 e 20); 21. O prédio referido em 1. confronta do lado norte com estrada camarária, tem energia eléctrica e água à porta. Existem nas suas proximidades duas edificações a menos de 100 metros, e outras a cerca de 150 metros (21 e 22); 22. Os 3°s RR solicitaram ao um técnico que procedesse à elaboração do projecto da moradia a construir no prédio referido em 1. e solicitaram na Câmara Municipal de Monção o licenciamento da construção da moradia no prédio referido em 1. (23 e24); 23. A área real do prédio rústico confinante do lado sul com o prédio mencionado em 1, pertencente a HH, é superior à área do prédio dos AA. (25); 24. Os 3°s RR despenderam a quantia de € 944,52 a título de despesas com a escritura pública, emolumentos notariais e imposto de selo (26); 25. Os 3°s RR vão suportar despesas com a elaboração dos projectos de arquitectura e demais projectos de especialidades (rede de água, rede de electricidade, rede de gás, rede de esgotos e saneamento, telefone, ruído, etc.) necessários para a construção da moradia no prédio referido em 1. (29). IV. Do mérito – Começaremos por analisar, dentro de uma sequência lógica estabelecida de acordo com a possível prejudicialidade das questões suscitadas, o item relativo à conformidade legal do depósito do “preço devido” tal como foi efectuado (limitado ao montante declarado como contrapartida pela alienação do terreno em causa); por outras palavras analisar e decidir se esse depósito satisfaz, como entenderam as instancias, os requisitos legais (nº 1 do artigo 1410º CC) ou se, efectivamente, e como é entendimento dos recorrentes, deveria englobar outras despesas inerentes à alienação do imóvel, nomeadamente o IMT e as despesas de registo. Não se ignora que esta questão não foi, durante muito tempo, pacifica quer na doutrina quer na jurisprudência[1], partindo, fundamentalmente, essa divergência de posições da interpretação teleológica da norma, concretamente no que respeita à finalidade tida em vista pelo legislador quando impôs este ónus ao preferente. Como analisa, com especial profundidade e clareza, Agostinho Cardoso Guedes – “O Exercício do Direito de Preferência”, Porto, Universidade Católica – 2006 – pagina 652 e sgs. – tudo residirá em saber se com a consagração do referido ónus, colocado como pressuposto necessário de seguimento da acção de preferência, se pretendeu colocar o alienante a coberto do risco de perder o contrato com o adquirente e não o vir a celebrar com o preferente (por ulterior desinteresse ou falta de capacidade económica deste) – situação que justificará a exigência de deposito do preço em sentido estrito (posição defendida entre outros por Antunes Varela e Henrique Mesquita) – ou se, por outro lado, o fundamento subjacente ao ónus é a salvaguarda da reintegração do património do adquirente de tudo o que tiver dispendido com a aquisição – situação que justificará a exigência de depósito de tudo o que tiver sido gasto na aquisição, nomeadamente despesas fiscais e registrais (posição defendida entre outros por Galvão Telles e Vaz Serra).[2] Acolhendo o entendimento que vai no sentido de a “ratio”da consagração legal daquele ónus se justificar pela necessidade de salvaguarda da posição do alienante vem a jurisprudência deste STJ decidindo, actualmente de forma quase unânime ou no mínimo predominante, que o termo “preço devido” consagrado pelo legislador se limita ao preço estrito ou seja à quantia paga (nos termos contratuais) pelo adquirente ao alienante, afastando a integração na quantia a depositar de outras despesas que tiverem sido pagas, caso do IMT ou custos de escritura ou registo – neste sentido, na jurisprudência, os acórdãos deste STJ, de 22/2/2005 (Conselheiro Moreira Alves), de 10/1/2008 (Conselheiro Santos Bernardino) e de 7/4/2011 (Conselheiro Oliveira Vasconcelos) e na doutrina Menezes Cordeiro[3] – Tratado de Direito Civil Obrigações, Tomo II, paginas 518 e 519. Em conclusão, a doutrina e a jurisprudência mais recentes sustentam que o ónus de depósito do preço[4] incide apenas sobre a contrapartida ajustada entre o alienante e o adquirente para alienação do bem sobre o qual incide a preferência. Não temos, assim, qualquer censura a fazer, neste concreto segmento, ao acórdão recorrido. Passemos, então, à análise e decisão sobre a 2ª questão suscitada no recurso a qual consiste em saber se se verifica ou não a excepção impeditiva do direito de preferência constante da parte final da alínea a) do artigo 1381º CC. Os RR recorrentes sustentam nos autos e neste recurso uma posição no sentido de o direito conferido aos AA pelo artigo 1380º CC não poder produzir efeitos porquanto, segundo alegam, a aquisição do terreno em causa ter sido efectuada para fim diferente do de cultura, preenchendo-se desta forma a circunstancia excepcional prevista na alínea a) do artigo 1381º e deixando, assim, de prevalecer as razões subjacentes à preferência concedida na disposição legal antecedentemente referida - incentivo ao emparcelamento de prédios rústicos. Dando-se, assim, como assente que não está em causa a configuração dos elementos constitutivos do direito de preferência que os AA pretendem fazer valer na acção – artigo 1380 nº 1 CC [5]– coloca-se – na tese dos recorrentes - a questão do preenchimento ou não dos pressupostos de verificação da alegada excepção (alínea a) do artigo 1381º), que nestes casos assume a natureza de excepção peremptória – factos que impedem o efeito jurídico dos factos alegados pelos AA (artigo 493º nº 3 CPC). Dentro das regras gerais relativas ao ónus da prova e uma vez que estamos perante factos impeditivos do direito alegado pelos AA cabe esse ónus aos RR recorrentes – artigo 342º nº 2 CC – os quais, de acordo com a doutrina e jurisprudência dominantes, têm que provar, com apoio em elementos objectivos, não só a intenção de dar ao terreno diferente destino como a possibilidade legal de concretização desse novo destino[6]. Acrescente-se ser nosso entendimento, na interpretação do disposto no artigo 1381º alínea a), que a admissibilidade legal do novo destino a dar ao terreno (que no momento da aquisição tinha uma destinação agrícola ou florestal) tem que existir no momento da aquisição e deve ser reconhecida pelas autoridades administrativas competentes[7]. Tal como vem referido no acórdão recorrido o prédio em causa estava ao tempo, de acordo com os instrumentos de gestão do território (Lei do Ordenamento do Território e Urbanismo - 48/98 dei 1/08; Regulamento dos Planos Directores Municipais - DL. 380/99 de 22/09 e Resolução Conselho Ministros 110/94 de 3/11 que ratificou o Plano Director Municipal de Monção), classificado como solo rural (terreno florestal), sendo permitida a construção duma edificação unifamiliar e anexos de apoio a exploração do prédio, com condicionantes bem explícitas e esta classificação apenas pode ser alterada com a revisão do PDM (artigo 71º do DL. 380/99 de 22/9). Com referimos e como se defendeu, também, no acórdão recorrido a intenção de afectar o prédio a fim que não seja a cultura, embora possa e deva constar de forma expressa na escritura de aquisição[8], só será relevante, para efeitos de excepcionar o direito de preferência, se for juridicamente admissível, à data da outorga da escritura pública (Ac. 22/11/1988, BMJ, 381/52; Ac. 18/1/94, CJ (STJ) 1994, Tomo I, pag. 46; Ac. de 19/03/98, CJ. (STJ) 1998, Tomo I, pag. 143; Ac. de 21/06/94, CJ (STJ) 1994, Tomo II, pag. 154; Ac. de 14/03/02 CJ. (STJ), 2002, Tomo I, pag. 133 e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 2a edição, em anotação ao artigo 1381 do referido diploma). Não se compreenderia que assim não fosse uma vez que justificando-se a consagração do direito de preferência no artigo 1380º nº 1 por razões de interesse publico – ligadas à necessidade de alteração da estrutura fundiária do país e à manutenção da estabilidade ecológica – não podiam essas razões ser contornadas com base em meras intenções declaradas e apenas remota e hipoteticamente possíveis. Estando, como acima referimos, fora de causa a possibilidade de os AA (proprietários de prédio confinante de área inferior à unidade de cultura) exercerem o direito de preferência manifestado na acção teriam os RR recorridos, na qualidade de adquirentes, que, como já referimos, demonstrar, em suporte da sua posição, que o diferente fim a que pretendiam destinar o terreno – construção urbana, conforme declarado na escritura (ponto 1 da factualidade provada) – era ao tempo física e legalmente possível, constituindo uma intenção séria cuja execução seria iniciada em curto prazo. Ora, totalmente ao contrário do que pretendem sustentar, de forma por vezes artificiosa, os RR recorrentes, limitam-se os mesmo a fazer apenas prova (ponto 7 dos factos provados) que o pedido de viabilidade apresentado á Câmara Municipal de Monção e merecedor de despacho de concordância dizia respeito a possibilidade de construção, numa reduzida parcela do terreno em causa, de edifício habitacional e anexos, de apoio à actividade florestal, apresentando-se a pretendida construção como um elemento excepcional do uso do solo, que não afecta o seu uso predominante de exploração florestal, uso que, desta forma, continuaria a prevalecer e a impor-se. A possibilidade legal e física de dar ao terreno em causa uma destinação diferente da de cultura não era, ao tempo da aquisição possível. Também neste segmento do recurso não há censura a fazer ao acórdão recorrido. Alegam, por último, os recorrentes que a actuação dos AA configura uma situação de abuso de direito – excesso manifesto dos limites da boa-fé ou do fim económico e social do direito respectivo que o artigo 334º CC visa sancionar. A posição sustentada, neste concreto segmento, pelos recorrentes tem a ver com o alegado conhecimento por parte dos AA da pretensão dos RR em afectar o terreno à construção e com a alegado propósito dos AA de com a preferência aumentarem a sua propriedade de terrenos que sabiam e sabe, estarem destinados a construção. Ao usarem estes argumentos para procurarem demonstrar o abuso de direito de acção por parte dos AA recorridos, não podiam nem podem os recorrentes ignorar que sobre eles impedia o ónus da prova de factos que conduzissem à consolidação dessa sua posição. Ora, tal como resulta da factualidade provada não existem quaisquer elementos que permitam concluir outra coisa que não seja que os AA visaram utilizar o direito legal de preferência que, ao tempo, a lei lhes conferia sobre o prédio alienado ao recorrente. Em toda a sua actuação, patente na factualidade provada nada existe no sentido de a sua conduta – quer nos meios usados quer no fim visado - tenha ultrapassado, de forma excessiva, os limites impostos pela boa fé, bons costumes e fim económico e social do direito. Assim é de concluir, como concluíram as instancias, que não há abuso de direito nos termos do artigo 334 do C.Civil. Conclusão: 1 – Na acção de preferência o ónus de depósito do preço abrange apenas a contrapartida ajustada entre alienante e adquirente para a alienação do bem sobre o qual incide a preferência (preço estrito); 2 – A declaração do adquirente constante expressamente da escritura de venda não excepciona, só por si, o direito de preferência exercido nos termos do artigo 1380º CC; 3 - Para se determinar se a intenção manifestada pelo adquirente no sentido de o destinar a um fim diferente da cultura é juridicamente admissível, preenchendo-se dessa forma o facto impeditivo da preferência a que alude a alínea a) do artigo 1381 CC, deve atender-se, através de elementos objectivos constantes dos factos provados, à possibilidade física e legal da nova destinação à luz dos condicionantes legais e de facto existentes à data da outorga da escritura de venda. 4 - Estando classificado o solo dum prédio como rural e qualificado com predominância a floresta, mesmo que seja permitida a construção de uma habitação unifamiliar e anexos de apoio à exploração do prédio, esta permissão não afecta a classificação e qualificação do solo, continuando a prevalecer a destinação originária. V. Decisão – em face do exposto acorda-se em negar a revista. Custas pelos recorrentes. Lisboa, 19 de Fevereiro de 2013 Mário Mendes (Relator) Sebastião Póvoas Moreira Alves
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