Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02S4494
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: VÍTOR MESQUITA
Descritores: RECURSO
ADMISSIBILIDADE
VALOR DA CAUSA
DESPEDIMENTO COLECTIVO
DELEGADO SINDICAL
REPRESENTANTE DOS TRABALHADORES
COMISSÃO DE TRABALHADORES
MANUTENÇÃO DE CATEGORIA
CATEGORIA PROFISSIONAL
PEDIDO ALTERNATIVO
Nº do Documento: SJ200310010044944
Apenso: 1
Data do Acordão: 10/01/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 1570/02
Data: 06/26/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário : I - Face ao que dispõe o art. 47º, nº. 3, do CPT/81, estando em causa o despedimento dos autores é sempre admissível recurso até ao Tribunal da Relação, ficando a admissibilidade do recurso para o STJ dependente do regime geral das alçadas.
II - Por isso, na fixação do valor da causa, ter-se-à igualmente de atender às normas do Processo Civil subsidiariamente aplicáveis, designadamente o disposto nos arts. 305º e 308º.
III - Assim, pedindo os autores a condenação da ré a reintegrá-los ou a pagar-lhes a indemnização de antiguidade, é de considerar que estamos perante pedidos alternativos, devendo atender-se ao de maior valor: pedindo o 1º autor de indemnização de antiguidade, 12.040.933$00, mais 368.600$00 de retribuições vencidas e o 2º autor, 6.664.000$00 de indemnização de antiguidade e 102.000$00 de retribuições vencidas, o valor da causa deverá ser fixado em 19.175.533$00, correspondente à soma daqueles pedidos.
IV - Definido no art. 23º, nº. 4, da LCCT, anterior à alteração da lei nº. 32/99, de 18.05, que em processo de despedimento colectivo os representantes sindicais e membros das comissões de trabalhadores, quando em efectividade de funções à data do despedimento, têm preferência na manutenção do emprego dentro da mesma secção ou categoria, deve entender-se por secção qualquer subunidade funcional da empresa e por categoria o objecto normalizado da prestação de trabalho, isto é, um conteúdo funcional idêntico.
V - Deste modo, tendo o autor a mesma categoria de outro trabalhador da ré, que não foi despedido, mas trabalhando em sector diferente deste, não goza de preferência na manutenção do emprego.
VI - Pedindo-se numa acção a condenação da ré a retomar o pagamento ao autor do denominado "complemento de ordenado" no valor de 84.600$00 mensais, bem como a pagar-lhe tais remunerações que se mostrem em dívida, vencidas desde Janeiro de 1997 até à data da sentença, e tendo a referida acção terminado por acordo das partes, no qual se consignou que a ré pagaria ao autor a quantia de 2.500.000$00 a título de créditos de trabalho reclamados, referentes ao período que decorreu entre Julho de 1996 e 20.11.97, data em que o autor recebeu a comunicação do despedimento colectivo promovido pela ré, não está o tribunal impedido, na acção de despedimento colectivo, de apreciar se aquela quantia integrava a remuneração de base do autor.
VII - A presunção estabelecida no art. 82º, n.º 3, da LCT, só vale quanto à natureza retributiva das prestações efectuadas pela entidade patronal ao trabalhador, mas já não quanto a essas prestações se compreenderem na remuneração de base.
VIII - Por isso, provando-se apenas que no início de 1996, para além do ordenado mensal, o autor auferia uma "remuneração complementar mensal" paga todos os meses e com os subsídios de Natal e de Férias e que para evitar encargos a ré optou por proceder ao pagamento da remuneração complementar através de "vale à caixa" ou fazendo-a constar dos recibos como "ajudas de custo", não é possível concluir que essa prestação integrasse a remuneração de base do autor.
IX - Assentando o despedimento colectivo na autonomia contratual do empregador, ligada à necessidade de dimensionamento da empresa, tem subjacente premissas economicistas, pelo que a validade e legalidade do despedimento colectivo deve ser aferida pelo critério empresarial e não à luz de mecanismos de viabilização da empresa.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório
A (casado, residente na Rua ..., n.º .., ...., 1500 Lisboa) e B (casado, residente na Av. D. Afonso Henriques, n.º ..... 2830 Barreiro) intentaram, em 18.02.98, no Tribunal do Trabalho de Lisboa (2º Juízo) acção de impugnação de despedimento colectivo, com processo especial, contra C - Comércio e Reparação de Automóveis, S.A. (com sede na Av. 5 de Outubro, n.º ....... - ........, 1600 Lisboa), pedindo que sejam declarados ilícitos ou nulos os seus despedimentos e, consequentemente, a ré condenada:
- A pagar-lhes as retribuições, subsídios e demais prestações pecuniárias, que se vencerem desde a data do despedimento até à data da sentença - encontrando-se vencidos, à data da propositura da acção, 368.600$00 quanto ao primeiro autor e 102.000$00 em relação ao segundo - , acrescidos de juros de mora legais que se vencerem até efectivo e integral pagamento;
- A reintegrar os autores ao seu serviço, sem prejuízo das suas categorias profissionais e antiguidade ou a pagar-lhes as indemnizações a que tiverem direito, na data da sentença, se for essa a opção que vierem a fazer na ocasião.
Mais requereram o benefício do apoio judiciário, na modalidades de dispensa de pagamento de "taxas, preparos e custas".
Alegaram, para o efeito, e em síntese, que foram admitidos ao serviço da ré, para trabalharem sob as suas ordens e direcção e dos seus representantes, desde 1 de Julho de 1970 (1.º autor) e 16 de Fevereiro de 1970 (2.º autor) até 20 de Novembro de 1997.
Nesta última data foram despedidos pela ré, na sequência de um processo de despedimento colectivo, em que foram os únicos trabalhadores visados.
Porém, tal despedimento não se mostra conforme à lei, uma vez que a ré não deu cabal cumprimento ao disposto nos art.s 17.º, n.º 2, a), b) e c), da LCCT (por não se mostrar devidamente fundamentada a alegada "degradação económico financeira", justificativa do despedimento), violou a letra e o espírito do art. 18.º, a) a d) do mesmo diploma legal (por nas reuniões havidas com a ré, esta se ter limitado a insistir nas rescisões por mútuo acordo dos contratos de trabalho dos autores), bem como, ainda, o disposto nos art.s 23.º, n.º 4 e 16.º daquele diploma legal, e 37, b), do DL n.º 215-B/75 - este último em relação ao 2.º autor - ( por, sendo o trabalhador delegado sindical não lhe ter sido dada preferência na manutenção do emprego).
Ademais, acrescentam os mesmos autores, não foi posta à sua disposição a compensação legal a que tinham direito.
Auferiam ultimamente as retribuições mensais de 169.000$00 e 102.000$, acrescidas de subsídio de alimentação no valor de 870$00/dia, sendo certo, todavia, que a ré retirou unilateralmente ao 1.º autor a quantia de 84.600$00 mensais que lhe vinha pagando.
Os autores são sócios do CESL - Sindicato dos trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços do Distrito de Lisboa, tendo o autor B sido eleito delegado sindical junto da ré, qualidade que sempre foi confirmada junto desta.
A ré dedica-se à actividade de comércio de automóveis e peças, bem como à prestação de serviços de reparação automóvel.
Citada a ré, contestou pugnando pela improcedência da acção, por considerar que cumpriu todas as normas de carácter formal e substancial para o despedimento colectivo.
Suscitou também o incidente do valor da causa, pretendendo que à mesma seja atribuído o valor de 8.058.600$00, em vez do valor de 19.175.533$00 atribuído pelos autores.
Por despacho de 26.05.98 (fls. 174-175) foi fixado à causa o valor de 970.601$00 (500.001$00 de alçada do tribunal de 1.ª instância, acrescido de 470.600$00 correspondente ao valor das importâncias vencidas à data da propositura da acção).
Não se conformando com tal despacho, do mesmo interpuseram os autores recurso de agravo, ao qual foi fixado efeito meramente devolutivo e a subir com o primeiro que depois dele interposto houvesse de subir imediatamente.
Foi entretanto concedido aos autores o benefício do apoio judiciário, na modalidade de "dispensa total de preparos e pagamento de custas".
Seguidamente, foi proferido despacho saneador - onde se declarou que no processo de despedimento colectivo foram cumpridas as formalidades prescritas nas alíneas a) e c) do n.º 2 do art. 17.º, da LCCT e se remeteu o conhecimento das restantes questões para final -, e elaborada especificação e questionário, que foram objecto de reclamação das partes, com êxito parcial em relação aos autores.
Após, proferido despacho a convocar o assessor nomeado ao abrigo do disposto no art. 156-C, n.º 1, do CPT/81 e técnico que o assistiu para a audiência de julgamento, do mesmo a ré interpôs recurso de agravo, admitido com efeito meramente devolutivo, para subir em diferido com o primeiro que interposto depois dele houvesse de subir imediatamente.
Instruída e julgada a causa, foi em 30.04.01 proferida sentença que declarando ilícito o despedimento dos autores efectuado pela ré, condenou esta:
- A pagar ao autor A a quantia de 15.173.914$00, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, sobre cada uma das prestações parcelares, desde a data dos respectivos vencimentos, até efectivo pagamento;
- A entregar ao autor A 9.472 litros de gasolina ou o seu valor equivalente, neste caso acrescido de juros de mora à taxa anual de 7% desde a sentença até efectivo pagamento;
- A pagar ao autor B a quantia de 5.331.534$00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, sobre o valor de cada uma das prestações parcelares, desde a data dos respectivos vencimentos até integral pagamento;
- A reintegrar os autores nos seus postos de trabalho, com a categoria e antiguidade que teriam se não tivesse ocorrido o despedimento e, quanto ao autor A, não sendo possível colocá-lo nas mesmas e exactas funções que exercia, ser colocado no exercício de funções compatíveis com a sua categoria profissional, sem prejuízo de oportuna reclassificação, se for caso disso.
Inconformada com tal sentença, a ré interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que por acórdão de 26 de Junho de 2002, negou provimento ao agravo interposto pelos autores e ao agravo interposto pela ré, e julgou "(...) procedente a apelação e, revogando-se a decisão recorrida, julga-se a acção intentada pelos Autores improcedente, por não provada, absolvendo-se a Ré dos pedidos".
Inconformados, agora os autores, vieram recorrer de revista, tendo nas suas alegações formulado as seguintes conclusões:
Quanto à violação de lei de processo
I - Do disposto no art. 47°, n° 3 do Cód. Proc. Trabalho - resulta que numa acção em que esteja em causa o despedimento do trabalhador, esta deverá ter sempre um valor mínimo,- não inferior ao da alçada do Tribunal de 1.ª instância, mesmo que do cômputo dos pedidos formulados resultasse valor inferior.
II - E o art. 308°, n° 1 do Cód. Proc. Civil dispõe que se atenda ao momento em que a acção é proposta na determinação do valor da causa.
III - Os AA., para além da reintegração deduziram o pedido de indemnização legal de antiguidade, segundo opção a efectuar até à data da sentença.
IV - E tal pedido encontra-se liquidado na petição inicial, nos art.s 92° e 95°.
V - Por tal facto, e no respeito do art. 308°,- n.° 1 do Cód. Proc. Civil, o valor da causa no momento em que a acção foi posta, foi o de Esc. 19.175.533$00, correspondente à soma dos pedidos de indemnização de antiguidade, acrescido das retribuições vencidas.
Quanto à violação de lei substantiva
VI - De acordo com o art. 23° n.º 4 do DL n.º 64-A/89, de 27/02, o A. B, porque delegado sindical, tinha preferência na manutenção do emprego.
VII - Entendendo-se o critério de atribuição de preferência estabelecido na lei tendo em vista a sua aplicação pela ordem indicada e não no seu conjunto.
VIII - Ficou provado que na Ré, ora Recorrida, existe outro trabalhador com a mesma categoria do A. B (escriturário de 1.ª), admitido em 1/2/97.
IX - A Ré, ao não dar preferência na manutenção do posto de trabalho a quem dela gozava, violou o disposto no art. 23.º, n° 4 do DL n° 64-A/89, de 27/2.
X - A inobservância dessa preferência, por parte da Ré, confere ao Autor B o direito à indemnização em dobro de acordo com o disposto no artigo 24° , do DL n.º 215-B/75, "ex vi" artigo 23.º, n.º 5 do DL 64-A/89, de 27/2.
XI - Com 28 anos de antiguidade e a remuneração mensal de 102.000$00 mensais, acrescida de um subsídio de alimentação no valor de 870$00, ao A. B a compensação devida seria no montante de 2.856.000$00, acrescida do mesmo valor em dobro, por força da aplicação do art. 23.º, 4 do DL n.º 64-A/89, de 27/2, ou seja, teria direito ao montante de 5.712.000$00.
XII - Norma que a Ré, ora Recorrida, também não cumpriu, ao colocar à disposição do Autor B uma compensação de valor inferior à que tinha direito.
XIII - Também em relação ao A. A a Ré, ora Recorrida não cumpriu o disposto no art. 23° do DL 64-A/89, de 27/2, colocando à sua disposição uma compensação inferior à que tinha direito.
XIV - Ficou provado que o A. A auferia uma remuneração base mensal de 169.000$00 e auferia uma remuneração complementar mensal de 84.600$00. Tal remuneração complementar foi-lhe retirada em 1997.
XV - Inconformado, o A. A intentou uma acção contra a Ré, que veio a terminar por transacção, efectuada em 16/12/98, como melhor consta dos autos.
XVI - De acordo com o artigo 1248.º, n° 1 do Cód. Civil, "Transacção é um contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões".
XVII - Para além de que os presentes autos respeitam a uma acção de impugnação de despedimento colectivo, enquanto que o processo n.º 238/97, que correu termos no Tribunal de Trabalho de Lisboa, respeitava a uma acção de condenação.
XVIII - Por isso bem, em nosso entendimento, que o Meritíssimo Juiz de 1.ª instância tenha decidido "apreciar se ao autor A assiste o direito a tais parcelas retributivas e se a ré as podia ter retirado unilateralmente ".
XIX - Tendo-se concluído, que o Autor A tinha direito à remuneração base mensal de 253.000$00.
XX - Com 28 anos de antiguidade e a retribuição mensal de 253.000$00, a compensação devida seria de 7.100.800$00, e não a compensação colocada à sua disposição, pela Ré, ora Recorrida, no valor de 5.520.667$00.
XXI - Desta forma, e também em relação a este autor, consideramos não cumprido o disposto no art. 23° do DL n° 64-A/89, de-27/2.
XXII - O Digno Juiz de 1.ª instância foi peremptório em concluir pela improcedência dos fundamentos invocados para o despedimento colectivo.
XXIII - Tal convicção do Tribunal resultou, directa e essencialmente, da matéria de facto provada nos autos, complementada com o teor do Relatório.
XXIV - Com especial atenção aos factos que se prendem com a contratação de 14 novos trabalhadores e a rescisão, por mútuo acordo, com 13 dos trabalhadores mais antigos na empresa, num momento considerado pela Recorrida como de "crise" e de "dificuldade".
Por sua vez, a ré apresentou contra-alegações, nas quais formula as seguintes conclusões:
A) O valor da causa foi fixado em Esc. 970.601$00 pela 1.ª instância.
B) Os AA. agravaram do despacho que fixou este valor e a Relação confirmou-o com fundamentos a que a R. adere.
C) Consequentemente, não cabe recurso de Revista da presente acção.
D) As alegações de direito dos AA pressupõem uma reapreciação da matéria de facto pelo STJ, diferente da adoptada pela Relação, o que, manifestamente, está fora da competência desse Alto Tribunal.
Neste tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral adjunta emitiu douto "parecer" no sentido da concessão parcial da revista, ao qual respondeu a ré, procurando contrariar o mesmo.

II. Enquadramento fáctico
O acórdão recorrido deu como assente a seguinte factualidade, que este STJ aceita, por não se vislumbrar fundamento legal para a sua alteração:
1 - Os Autores foram admitidos ao serviço da Ré, para trabalharem sob as suas ordens e direcção dos seus representantes desde, respectivamente, 01.07.70 (1º Autor) e 16.02.70 (2º Autor).
2 - Em 20.11.97 os Autores foram despedidos pela Ré na sequência de um processo de despedimento colectivo promovido por aquela, com alegação de motivos de ordem económica, financeira e de mercado da empresa;
3 - A Ré até 16.06.97 teve a denominação de "Spardel - Sociedade Distribuidora de Automóveis, S.A.";
4 - O 1º Autor tinha atribuída a categoria profissional de Chefe de Departamento e o 2º Autor a de Escriturário;
5 - Os Autores auferiam ultimamente as remunerações mensais, respectivamente, de 169.000$00 (1º Autor) e 102.000$00 (2º Autor), acrescidas de um subsídio de alimentação no valor de 870$00/dia;
6 - Os Autores são sócios do CESL - Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços do Distrito de Lisboa;
7 - O A. B, em Abril de 1990, foi eleito Delegado Sindical junto da empresa, conforme comunicação de tal facto efectuada pelo CESL, em 15.04.90;
8 - E tal qualidade de Delegado Sindical do 2º Autor foi sendo por diversas vezes confirmada por aquele sindicato junto da Ré, designadamente por cartas datadas de 3.01.97 e 9.06.97;
9 - A Ré dedica-se à actividade de comércio de automóveis e peças, bem como à prestação de serviços de reparações automóveis;
10 - Por cartas datadas de 17.09.97, a Ré comunicou a cada um dos autores a intenção de proceder ao seu despedimento, no âmbito de um processo de despedimento colectivo que abrangia os 2 trabalhadores, ora autores, solicitando a estes a designação da comissão a que alude o art. 17º n.º 4 do DL 64-A/89 de 27.02, conforme doc. de fls. 86 a 87 e 88 a 89.
11 - Como únicos trabalhadores abrangidos no aludido processo de despedimento colectivo, os autores constituíram-se como "Comissão Representativa", assessorada por um representante do seu Sindicato, facto que deu conhecimento através de carta registada datada de 22.09.97;
12 - A Ré, através de carta datada de 6.10.97 enviou à citada "Comissão Representativa" um documento denominado "Processo de despedimento colectivo promovido pela C, Comércio e Reparação de Automóveis, S.A., conforme doc. fls. 92 a 116;
13 - Na data em que o despedimento foi promovido a Ré tinha ao seu serviço 41 trabalhadores;
14 - Nos dias 10.10.97 e 14.10.97 a Ré promoveu a realização de duas reuniões nas suas instalações, nas quais participaram além dos seus representantes, um representante do IDICT, bem como os trabalhadores ora autores, assessorados por um dirigente sindical do CESL;
15 - A Ré colocou à disposição do 2º Autor uma compensação no valor de 3.332.000$00, a qual este não recebeu;
16 - A Ré colocou à disposição do 1º Autor a compensação no valor de 5.520.667$00, a qual este não recebeu.
17 - Em Dezembro de 1996 o quadro de pessoal da Ré era constituído por 29 trabalhadores.
18 - Os trabalhadores constantes do referido quadro de pessoal, abaixo indicados, foram admitidos na ré nas datas que se passa a referir, designadamente durante todo o ano de 1997:
nome categoria da de admissão na ré
D - Chefe de Departamento 1.02.97
E - Electricista 1.02.97
F - Vendedor 6.03.97
G - Vendedor 1.03.97
H - Vendedor 1.03.97
I - Vendedor 1.03.97
J - Vendedor 1.03.97
L - Vendedor 1.03.97
M - Vendedor 9.06.97
N - Chefe de Vendas 14.07.97
O - Mecânico 1 1.02.97
P - Recepcionista 14.07.97
Q - Bate-Chapas 1.02.97
R - Pintor 1 1.02.97
S - Pintor 2 17.01.97
T - Bate-Chapas Estagiário 2.01.97
U - Bate-Chapas 1 1.02.97
V - Escriturário 1.02.97
X - Lavador 20.03.97
Z - Administrador 1.02.97
A' - Director Geral 3.02.97
B' - Encarregado de Armazém 1.02.97

19 - A maior parte destes trabalhadores vieram de outras empresas do grupo económico a que a Ré pertence, garantindo-lhes a Ré a antiguidade que tinham naquelas.
20 - Posteriormente a Ter celebrado acordos de revogação dos respectivos contratos de trabalho com trabalhadores seus, a Ré C, SA, admitiu novos trabalhadores;
21 - O que consta das actas das reuniões referidas no n.º 14, cujas cópias constam de fls. 71 a 75 e 76 a 83.
22 - A trabalhadora C' com a categoria e funções de caixa, foi retirada do sector administrativo, transitando para o sector comercial onde passou a exercer as funções de secretariado comercial.
23 - O trabalhador V, admitido na Ré em 1.2.97, com a categoria de escriturário de 1ª passou a desempenhar as funções de caixa anteriormente executadas pela Trabalhadora C', bem como a desempenhar funções na área oficinal, fazendo recepção, cálculo de horas de reparação, orçamentação, fecho de obra e passagem de garantias Mazda;
24 - Ao Autor B, titular da categoria profissional de escriturário de 1ª, ao serviço da Ré desde 16.02.70, nunca lhe foi colocada a possibilidade da sua reconversão para o exercício das funções de caixa ou daquelas que o trabalhador V passou a desempenhar;
25 - Embora o lugar de Chefe de Departamento Administrativo tenha deixado de existir na ré, passou a existir um Director Geral que supervisiona o Departamento Administrativo;
26 - A Ré em 1.02.97, procedeu à admissão de um novo Chefe de Departamento para o sector comercial;
27 - O qual veio auferir um ordenado de 370.000$00;
28 - O Autor A, no início de 1996, para além de um ordenado mensal de 169.000$00, auferia uma remuneração complementar mensal de 84.600$00 paga todos os meses e com os subsídios de Natal e de férias;
29 - Para evitar encargos a ré optou por proceder ao pagamento da remuneração complementar através de "vale à caixa" ou fazendo-a constar dos recibos como "ajudas de custo".
30 - Tal remuneração complementar foi retirada ao A. A em Janeiro de 1997;
31 - A partir de Julho de 1990 a ré distribuiu ao A. um veículo automóvel para deslocações em serviço e para deslocações privadas - inclusive nos fins de semana e períodos de férias;
32 - As despesas decorrentes de tal viatura, designadamente reparações, manutenção, revisões e seguro eram totalmente suportadas pela empresa ré desde então;
33 - O Autor, concomitantemente, passou a receber da ré uma dotação semanal em gasolina, fixada ultimamente em 65 litros semanais.
34 - A partir de Julho de 1996 a ré retirou ao autor A a dotação de gasolina;
35 - E, em Setembro de 1996, foi referido ao autor que a ré deixava de lhe distribuir no futuro qualquer viatura automóvel, passando naquela data para a titularidade do autor A o "Renault 25" (ano de 1986) que este na ocasião tinha distribuída, a qual, na ocasião, atento o seu ano de fabrico, tinha um valor residual de cerca de 300.000$00;
36 - E a partir daquele mês, a Ré informou aquele autor que deixaria de custear as despesas inerentes ao seguro, reparações, manutenção, vistorias da viatura utilizada por ele, o que efectivamente desde então vem ocorrendo;
37 - O uso da viatura pelo autor equivalia a um valor mensal de 40.000$00;
38 - E as despesas de manutenção e reparação e com o seguro tinham um valor mensal de, respectivamente, 15.000$00 e 10.000$00.
39 - Em Outubro de 1997 foi dada uma concessão Mazda a outra empresa, para a zona de Almada;
40 - A evolução da facturação e dos resultados da ré nos anos que decorrem entre 1995 e 1998 é a que consta do relatório do Assessor de fls. 195 a 242;
41 - Em 1996 a Spardel perdera a concessão da marca Renault;
42 - Nesse ano o quadro de pessoal desta empresa era constituído por 29 trabalhadores;
43 - Em Dezembro de 1996, a Ré, então denominada "Spardel, SA", teve um reforço de capital de 300.000.000$00 e alteração parcial do contrato social, com tomada do capital social pelas empresas do grupo a que pertencia a "C, Ldª", (que mudou a denominação para "Servichapa"), tendo a ré mudado a denominação de "Spardel, SA" para "C, SA".
44 - Aos 29 trabalhadores da Ré "C, SA" (ex-Spardel, SA) juntaram-se, em Fevereiro e Março de 1997 trabalhadores que pertenciam ao quadro de pessoal da "C, Ldª" (futura "Servichapa").
45 - Para garantir a sua viabilidade a Ré tem de se reestruturar, racionalizando todos os recursos.
46 - Na área dos recursos humanos, a Ré, garantindo uma estrutura de pessoal adequada conseguirá ajudar, juntamente com outros factores, a ter uma rentabilidade que lhe permita manter uma participação activa no mercado.
47 - O Autor estava sujeito à disciplina da Ré.
48 - A Ré, invocando a sua reestruturação, encetou um processo visando, por um lado, a admissão de pessoal maioritariamente das áreas comercial e reparação (entrados para a ré durante 1997 - 2 pintores, 1 recepcionista, 1 Chefe de vendas, 1 gestor, 1 director geral, 1 mecânico, 1 chefe de departamento, 3 bate-chapas, 1 encarregado de armazém, 1 escriturário, e 1 electricista), e, por outro lado, a saída de efectivos (abandonaram a ré em 1997 - 2 caixeiros, 3 mecânicos, 1 recepcionista, 1 pintor, 1 lavador, 1 empregado de escritório, 1 electricista, 1 estagiária 1 encarregado e 1 motorista) iniciada com a proposta e obtenção de revogações por mútuo acordo dos contratos de trabalho, tendo a ré considerado que o processo se concluiu com o despedimento colectivo dos autores que não aceitaram rescisões por mútuo acordo.
49 - O Autor A intentou contra a Ré, no 1º Juízo, 1ª Secção do Tribunal do Trabalho de Lisboa, a acção emergente de contrato individual de trabalho, com o n.º 238/97, que veio a terminar por transacção, conforme certidão cuja cópia consta de fls. 367 a 379.

III. Enquadramento jurídico
Como é sabido, o Supremo Tribunal de Justiça, quando funciona como tribunal de revista, aplica o regime jurídico que julga adequado aos factos fixados pelo tribunal recorrido ( artigos 729º, n.º 1, do CPC e 85º, n.º 1, do CPT de 81 ).
Será, pois, atendendo aos factos atrás aludidos que iremos decidir o recurso, cujo objecto - como decorre das conclusões dos recorrentes e do disposto nos artigos 684º, n.º 3, e 690º, n.º 1, do CPC - se acha circunscrito a três questões:
a) Determinar o valor da causa e, com ele, da admissibilidade do recurso; respondendo afirmativamente a esta última questão,
b) Saber se o autor B, pelo facto de ser delegado sindical, gozava do direito de preferência na manutenção do emprego e, por consequência, se tem direito à indemnização em dobro da que seria devida em consequência do despedimento colectivo;
c) Se o despedimento dos autores é ilícito, por a ré não ter colocado à sua disposição a compensação legal a que tinham direito e por os fundamentos invocados para o despedimento serem improcedentes.
Analisemos, então, de per si, cada uma das questões.
a) Os autores, na petição inicial, atribuíram à acção o valor de 19.175.533$00.
Na contestação, a ré impugnou esse valor, oferecendo em substituição o valor de 8.058.600$00.
Por sua vez, ao abrigo do disposto no art. 315.º, n.º 1, do CPC, o juiz de 1.ª instância fixou o valor de 970.601$00, que foi confirmado pelo acórdão recorrido.
Tal valor, de acordo com o despacho de 1.ª instância é o somatório da alçada de 1.ª instância (500.001$00) e das importâncias vencidas à data da entrada da acção (470.600$00).
Estando em causa o despedimento dos autores, importa desde logo ter presente o estatuído no art. 47.º, n.º 3, do CPT de 1981 (aplicável à presente acção, que foi proposta em 18.02.98, e a que respeitam todas as outra normas do CPT adiante mencionadas sem qualquer outra referência específica): "As acções em que esteja em causa o despedimento do trabalhador, a sua reintegração na empresa ou a validade do contrato de trabalho nunca terão valor inferior ao da alçada do tribunal de primeira instância e mais 1$00".
A interpretação desta norma suscitou inicialmente divergências ao nível jurisprudencial, como dá conta Leite de Ferreira (1).
Assim, para uma corrente e numa primeira interpretação, considerou-se que o texto da lei se limitava a estabelecer um valor mínimo para efeitos de recurso e não o valor do direito submetido à apreciação do tribunal. E, porque estavam em causa direitos imateriais, seria sempre admissível recurso até ao Supremo Tribunal de Justiça.
Na verdade, de acordo com esta corrente, em acções desta natureza, em que o trabalhador pede a reintegração , o que verdadeiramente estava em causa não seria uma compensação material, dificilmente quantificável em montante determinado, mas sim o reconhecimento ao trabalhador do seu direito ao trabalho.
E esta reintegração representava em muitos dos casos uma "sanção" mais gravosa do que a condenação no pagamento de retribuições devidas aos trabalhadores.
Contudo tal interpretação veio a ser abandonada, perfilhando-se, então, o entendimento que nas acções em causa haveria sempre recurso para a segunda instância, ficando, todavia, o recurso para o STJ sujeito ao regime geral das alçadas.
Para chegar a esta conclusão, partiu-se do entendimento que com a entrada em vigor do CPT de 1981 (aprovado pelo DL n.º 272-A/81, de 30 de Setembro), deixou de ser lícito recorrer ao art. 312.º do CPC, como direito subsidiário que é.
Com efeito, o elemento histórico da interpretação do art. 47.º, n.º 3, do CPT/81 não deixa de assumir particular relevância, porquanto no domínio do Código de Processo de Trabalho de 1963 não existia qualquer preceito específico sobre o valor da acção em casos de despedimento, reintegração na empresa ou validade do contrato de trabalho: e, na consideração de que estavam em causa interesses imateriais, insusceptíveis de serem quantificados em dinheiro, recorrendo-se ao art. 312.º do CPC, como direito subsidiário, seria admissível recurso até ao STJ.
O Código de Processo de Trabalho de 1979 (aprovado pelo DL n.º 537/79, de 31 de Dezembro), seguindo a mesma orientação dispunha que tais acções nunca teriam "valor inferior ao da alçada da relação e mais 1$00".
Porém, já no Código de Processo de Trabalho de 1981, menciona-se que tais acções "nunca terão valor inferior ao da alçada do tribunal da primeira instância e mais 1$00", o que significa, pois, que em tais acções o legislador de 1982 quis assegurar sempre o recurso até ao Tribunal da Relação: a partir daí terá que funcionar o regime geral das alçadas, maxime o disposto nos art.s 305.º e 306.º, do CPC, aplicável ex vi do art. 1.º, n.º 2, a), do CPT e art. 74, n.º 4, daquele Código.
Ou seja, no caso sub judicio, estando em causa o despedimento dos autores, seria sempre admissível recurso até ao Tribunal da Relação, ficando a admissibilidade do recurso para o STJ dependente do regime geral das alçadas.
Recorde-se que nos termos do art. 305.º, n.º 1, do CPC, "A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido".
Como a propósito escrevia o Prof. Alberto dos Reis (2), a utilidade económica a que a acção visa é dada não pelo pedido isoladamente considerado, mas pelo pedido combinado com a causa de pedir.
E, de acordo com o art. 306.º, do mesmo diploma legal "Se pela acção, se pretende obter quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário" (n.º 1); "Cumulando-se na mesma acção vários pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; mas quando, como acessório do pedido principal, se pedirem juros, rendas e rendimentos já vencidos e os que se vencerem durante a pendência da causa, na fixação do valor atende-se somente aos interesses já vencidos" (n.º 2) e no caso de pedidos alternativos, "(...) atender-se-à unicamente ao pedido de maior valor(...)" (n.º 3).
Assim, sendo formulado um pedido de uma quantia certa em dinheiro, o valor da causa não pode deixar de ser o dessa quantia, não sendo atendível impugnação ou acordo em contrário.
Ora, no caso, os autores pedem a declaração de ilicitude ou nulidade dos seus despedimentos e, consequentemente, a condenação da ré a pagar-lhes as retribuições, subsídios e demais prestações pecuniárias que se vencerem desde a data do despedimento até à data da sentença, encontrando-se vencida relativamente ao 1.º autor a quantia de 368.600$00 e relativamente ao 2.º autor a quantia de 102.000$00.
Estando em causa a ilicitude do despedimento, ao mesmo corresponde, por força do citado art. 47.º, n.º 3, do CPT, o valor de 500.001$00 (à data da propositura da acção, era esse o valor da alçada do tribunal de 1.ª instância, acrescido de 1$00 - art. 20.º, n.º 1, da Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro).
E, a tal valor deveria somar-se o das retribuições já vencidas, por aplicação do disposto no art. 306.º, n.º 2, 2.ª parte do CPC (3).
Assim, adicionando o valor da alçada da 1.ª instância, mais 1$00 (500.001$00) ao das retribuições já vencidas (368.600$00 o 1.º autor e 102.000$00 o 2.º), obtemos o valor de 970.601$00, fixado pela 1.ª instância e confirmado pelo tribunal recorrido.
Importa, todavia, atender que os autores pediram também a condenação da ré a reintegrá-los ao serviço ou a pagar-lhes as indemnizações a que tiverem direito na data da sentença, se essa fosse a opção que viessem a fazer na ocasião (4).
E, em relação a tal indemnização de antiguidade, os autores na petição inicial quantificam-na em 6.664.000$00 para o 2.º (art.92.º) e 12.040.933$00 para o 1.º (art. 95.º).
Nos termos da lei (art. 468.º, n.º 1, do CPC) é permitido fazer pedidos que possam resolver-se em alternativa.
Pedindo os autores a condenação da ré a reintegrá-los ou a pagar-lhes a indemnização de antiguidade, estamos perante pedidos alternativos.
E, face ao que dispõe o art. 308.º, n.º 1, do CPC - de acordo com o qual na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a acção é proposta - , e o art. 306.º, n.º 3, do mesmo diploma - nos termos do qual no caso de pedidos alternativos se atenderá unicamente ao pedido de maior valor -, terá que ser esse valor indicado de indemnização de antiguidade a atender para efeitos de valor da causa, a que se adicionará, naturalmente, e por força do estatuído no art. 306.º, n.º 2, 1.ª parte do CPC, o valor das retribuições vencidas.
Assim, temos 6.664.000$00 de indemnização de antiguidade para o 2.º autor, mais 12.040.933$00 de indemnização de antiguidade para o 1.º autor, mais 102.000$00 de retribuições vencidas para o 2.º autor e 368.600$00 de retribuições vencidas para o 1.º autor, o que totaliza 19.175.533$00 (5).
Deste modo, procedendo nesta parte as conclusões do recurso, fixa-se à causa o valor de 19.175.533$00 e, face aos valores que o integram é de conhecer das restantes questões colocadas no recurso de revista (cfr. art. 74.º, n.º 4, do CPT e art. 20.º, n.º 1, da Lei n.º 38/87 de 23 de Dezembro).

2. É, agora, chegado o momento de apurar se o autor B, pelo facto de ser delegado sindical gozava ou não de preferência na manutenção do emprego e, em caso afirmativo, se tem direito à indemnização por despedimento colectivo em dobro.
Para a resolução desta questão tenha-se presente o que à data estabelecia o art. 23.º, n.º 3, do DL 64-A/89, de 27.02 (LCCT): "Os representantes sindicais e membros das comissões de trabalhadores, quando em efectividade de funções à data do despedimento, têm preferência na manutenção do emprego dentro da mesma secção e categoria, salvo diferente critério estabelecido ao abrigo do artigo 59.º".
Esta última norma permite que os critérios de preferência na manutenção de emprego nos casos de despedimento colectivo, possam ser regulados por instrumento de regulamentação colectiva de natureza convencional, regulamentação colectiva essa que, todavia, no caso não se mostra invocada.
Sustenta o autor/recorrente B que na ré/recorrida existia outro trabalhador com a mesma categoria dele/autor (escriturário de 1.ª), admitido em 01.02.97 e que gozando, ele/autor, do direito de preferência por ser delegado sindical, a ré não lhe concedeu a mesma na manutenção do posto de trabalho.

Quanto a esta questão, resulta, no essencial, da factualidade provada que:
- O autor B tinha atribuída a categoria profissional de 1.º escriturário e não lhe foi colocada a possibilidade da sua reconversão para o exercício das funções de caixa ou daquelas que o trabalhador V passou a desempenhar (n.ºs 4 e 24);
- Foi eleito, em Abril de 1990, delegado sindical junto da empresa, qualidade que foi por diversas vezes confirmada (n.ºs 7 e 8);
- O trabalhador V foi admitido ao serviço da ré em 01.02.97, com a categoria de escriturário de 1.ª, passou a desempenhar as funções de caixa anteriormente executadas pela trabalhador C', bem como a desempenhar funções na área oficinal, fazendo recepção, cálculo de horas de reparação, orçamentação, fecho de obra e passagem de garantias Mazda (n.º 23);
Resulta ainda da factualidade provada que o trabalhador V estava integrado no sector de auxiliar de oficina, enquanto o autor B estava integrado no sector administrativo (cfr., em especial, n.ºs 48 e 25 dos factos provados, art.º 53 da p.i. e fls. 112).

Como se escreveu no acórdão recorrido, fazendo referência a B. Lobo Xavier (6) «Embora estes termos "secção e categoria" envolvam alguma ambiguidade, parece que por "secção" se pretendeu significar "qualquer subunidade funcional da empresa" e por "categoria" pretendeu atender-se não tanto à designação profissional, mas ao objecto normalizado da prestação de trabalho, isto é a um conteúdo funcional idêntico».
Ora, definindo a lei como critério para o exercício de preferência na manutenção de emprego, a mesma secção e categoria, embora o autor tivesse a mesma categoria que o trabalhador V, o que é certo é que trabalhava em sector diferente deste, pelo que afastada está a obrigatoriedade da ré/recorrida observar o exercício do direito de preferência.
Deste modo, é de concluir que o autor B não tem direito à indemnização por despedimento colectivo em dobro (7).
Improcedem, por isso, nesta parte as conclusões das alegações dos recorrentes, uma vez que a ré colocou à disposição do autor B indemnização superior à devida legalmente: 2.856.000$00 devida (102.000$00 x 28), tendo colocado à disposição, a título de indemnização, 3.332.000$00 .
3. Sustentam também os recorrentes que em relação ao autor A, a ré colocou à sua disposição uma compensação inferior à que tinha direito, porquanto auferia uma remuneração base mensal de 169.000$00 e uma remuneração complementar mensal de 84.600$00, a qual lhe foi retirada em 1997. Esta remuneração deveria ter sido levada em conta no cômputo da retribuição mensal, a qual seria de 253.000$00, pelo que a compensação devida seria de 7.100.800$00 [253.000$00 (169.000$00 + 84.600$00) x 28] e não os 5.520.667$00 colocados à disposição.

A este respeito, importa ter presente a seguinte factualidade:
- O autor A, no início de 1996, para além de um ordenado mensal de 169.000$00, auferia uma remuneração complementar mensal de 84.600$00 paga todos os meses e com o subsídio de Natal e de férias (n.º 28);
- Para evitar encargos a ré optou por proceder ao pagamento da remuneração complementar através de "vale à caixa" ou fazendo-se constar dos recibos como "ajudas de custo";
- Tal remuneração complementar foi retirada ao autor A em Janeiro de 1997;
- O autor A intentou contra a ré, no 1.º Juízo, 1.ª Secção do Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção emergente de contrato individual de trabalho, com o n.º 238/97, que veio a terminar por transacção, conforme certidão de fls. 367 a 379 (n.º 49).
A resolução desta questão passa em primeiro lugar por apreciar se a transacção efectuada noutro processo entre o autor e a ré constitui excepção peremptória:
Em caso afirmativo, haverá absolvição quanto a tal pedido (cfr. arts. 493.º, n.º 3 e 496.º do CPC);
Em caso negativo, importa apurar se a "remuneração complementar" que o autor auferia até final de 1996, deve integrar o conceito de remuneração e, mais concretamente, de remuneração de base.
Decorre da certidão que se encontra a fls. 367 a 379 dos autos que em 03.07.97 o autor A propôs contra a ré, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, uma acção, registada sob o n.º 238/97, em que pedia, entre o mais, que a ré fosse condenada a "Retomar o pagamento ao A. do denominado «complemento de ordenado» no valor mensal de Esc. 84.600$00, bem como pagar-lhe tais remunerações que se mostrem em dívida, vencidas desde Janeiro de 1997 até à data da sentença".
A referida acção terminou por acordo das partes, no qual se consignou que "A R. paga ao A. a quantia de 2.500.000$00, a título de créditos de trabalho reclamados nos art.s 36 e 37 da p.i., referentes ao período que decorreu entre Julho de 1996 e 20.11.97, data em que o A. recebeu a comunicação do despedimento colectivo promovido pela R." (fls. 378).
De referir que nos créditos mencionados nos arts. 36.º e 37.º da p.i. se encontrava incluído o denominado «complemento de ordenado».
Sobre tal acordo recaiu o seguinte despacho: "Julgo verificada a legalidade do resultado da conciliação e a capacidade das partes".
Como estabelece o art. 51.º do CPT, a transacção (contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões, que podem envolver a constituição, modificação ou extinção dos direitos diversos do direito controvertido - art. 1248.º, do CC) efectuada na audiência de conciliação não carece homologação para produzir entre as partes o efeito de caso julgado, certificando-se o juiz da capacidade das partes e da legalidade do resultado da conciliação, que mencionará no auto.
Todavia, nesta situação, como afirma Leite Ferreira (8), "(...) não se pode falar, com rigor, em excepção de caso julgado. Esta pressupõe, nos precisos termos do art. 497.º, n.º 1, daquele Código, a repetição de uma causa depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, quer dizer, por sentença que fez trânsito.
Ora, no caso de desistência, confissão ou transacção não há sentença de fundo, e ainda que haja sentença de forma - desnecessária em direito laboral - a sua função é apenas a de certificar a regularidade e validade do acto.
Por isso é que o art. 51.º, n.º 1, do Cód. Proc. Trabalho não diz que a desistência, a confissão ou a transacção efectuadas na audiência de conciliação não carecem de homologação para constituir caso julgado, mas apenas que não carecem de homologação para produzir efeitos de caso julgado.
No fundo, o que a desistência, confissão e transacção constituem são excepções peremptórias, perfeitamente enquadráveis na enumeração exemplificativa do art. 496.º do Cód. Proc. Civil, e que, como o caso julgado e a litispendência, aí previstas, importam a absolvição total ou parcial do pedido (...)" (actualmente, com a alteração ao CPC, introduzida pelo DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, as excepções de litispendência e caso julgado passaram a ser dilatórias - art. 494.º, i).
Não se colocando dúvidas quanto à identidade dos sujeitos (autor A e ré) em ambas as acções, e até da causa de pedir (embora nesta acção se possa considerar complexa, sendo constituída não só - de acordo com o alegado - por a importância de 84.600$00 auferida mensalmente pelo autor integrar a sua remuneração de base, como ainda por não ter sido posta à sua disposição a compensação legal devida pelo despedimento colectivo, enquanto naquela era constituída por a importância de 84.600$00 que era paga ao autor regular e periodicamente, como contrapartida do trabalho, não poder ser retirada unilateralmente pela entidade patronal), o mesmo não sucede em relação ao pedido.
Com efeito, na acção que correu termos sob o n.º 238/97, o autor pedia, entre o mais, que fosse retomado o pagamento do "complemento de ordenado", bem como o pagamento das remunerações a esse título vencidas.
Na presente acção está em causa o alegado despedimento ilícito do mesmo autor, com as consequências daí decorrentes.
Escreveu-se, a este propósito, no acórdão recorrido: "Resulta destes factos que a quantia de 84.600$00 não era paga ao A. desde Janeiro de 1997, pelo menos, e, portanto, não integrava a retribuição efectiva do A. à data do despedimento colectivo. Quando muito constituía um direito litigioso que estava em discussão à data do despedimento, uma vez que a referida acção só terminou em 16.12.98.
Além disso, verifica-se que na transacção efectuada nessa acção não foram reconhecidos, de forma inequívoca, os direitos reclamados pelo Autor. Com efeito, dos termos da transacção efectuada não resulta qual seja a natureza jurídica desse "complemento do ordenado", ficando, assim, sem se saber a que título era atribuído".
Ora, precisamente por não ter sido apreciado naquela acção a natureza jurídica do "complemento do ordenado" e, com ela, do direito do autor, é que nada obsta a que na presente acção se possa apreciar o mesmo.
Tenha-se presente que pedindo o autor, na acção n.º 237/97, a condenação da ré a "retomar" o pagamento do "complemento de ordenado", e nada se dizendo sobre esse pedido na transacção efectuada, o mesmo ficou prejudicado por novos factos entretanto ocorridos: na verdade, tendo o autor recebido a comunicação de despedimento colectivo promovido pela ré em 20.11.97 e tendo aquela acção terminado por transacção em 16.12.98, estava de todo prejudicada qualquer decisão em termos de retomar o pagamento, apenas sendo nessa altura objecto de decisão as prestações vencidas, em relação às quais houve o aludido acordo.
De todo o modo, importa realçar que na acção n.º 273/97 não houve qualquer apreciação em concreto sobre a questão de saber se a importância de 84.600$00, "complemento de ordenado", que o autor auferia, integrava a sua retribuição, não se verificando, por isso, qualquer facto extintivo do alegado direito do autor quanto a essa integração.
E, estabelece o art. 82.º, do DL n.º 49 408, de 24.11.69 que:
"1. Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2. A retribuição compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie (sublinhado nosso).
3. Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador".
Como escreve Monteiro Fernandes (9), "A noção legal de retribuição, conforme se deduz do art. 82.º, será a seguinte: o conjunto dos valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desenvolvida (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade de força do trabalho por ele oferecida)".
Face a tal normativo legal, constatando-se que a quantia de 84.600$00 era paga com carácter de regularidade e continuidade ao autor A e como contrapartida da prestação do trabalho, integra o conceito de retribuição.
Aliás, presumindo-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador, sobre a ré impendia ilidir tal presunção, designadamente provando que as quantias se destinavam ao pagamento de despesas realizadas pelo autor no cumprimento da prestação do trabalho, prova essa que não foi feita (cfr. art. 342.º, n.º 2 e 350.º do CC).
Integrando, pois, a quantia de 84.600$00 mensais que a ré pagava ao autor, a retribuição deste, a mesma gozaria do princípio de irredutibilidade consagrada no art. 21.º, n.º 1, al. c), da LCT, entendida como referente ao conjunto de valores que compõem o salário global.
Mas, pergunta-se: poderá essa importância integrante da retribuição ser compreendida na remuneração de base, tendo em atenção que a compensação/indemnização deve ser calculada face a esta (art.s 23.º, n.º 1 e 13.º, n.º 3, da LCCT)?
Diga-se, adiantando a conclusão, que a nossa resposta é negativa.
Vejamos porquê.
"Remuneração-base é a prestação que, de acordo com os critérios das partes, da lei, do IRC ou dos usos, é devida ao trabalhador com determinada categoria profissional pelo trabalho de um dado período realizado em condições consideradas normais ou comuns para o respectivo sector ou profissão (...) constitui o rendimento mínimo com que o trabalhador conta, pelo exercício da sua actividade, para satisfazer as suas necessidades quotidianas e as dos membros do seu agregado familiar" (10).
A importância de 84.600$00 mensais, inicialmente sob a denominação de "remuneração complementar mensal", era paga todos os meses e com os subsídios de Natal e de férias.
Posteriormente, para evitar encargos a ré optou por proceder ao pagamento dessa remuneração através de "vale à caixa" ou fazendo-a constar dos recibos como "ajudas de custo".
Ora, de tais elementos não é possível concluir-se que tal importância tenha sido acordada como remuneração "mínima" entre as partes.
Sabe-se apenas que no inicio de 1996, para além do ordenado mensal, o autor passou a auferir a importância de 84.600$00, que as partes apelidaram de "remuneração complementar mensal".
Face à escassez de elementos sobre a matéria, não poderá deixar de assumir relevância o nomen juris que as partes atribuíram à prestação, "remuneração complementar mensal".
E, se é certo que existe a presunção da natureza retributiva de tal pagamento (cfr. art. 82.º, n.º 3, da LCT), o mesmo já não se verifica em relação ao seu enquadramento como remuneração de base, pelo que competia ao autor tal prova (art. 342.º, n.º 1, do CC).
E, não se mostrando a mesma efectuada, terá que ser decidida contra ele tal questão (cfr. art. 516.º, do CPC).
É que, na verdade, não poderá olvidar-se, como já se disse, que o conceito de remuneração de base deverá considerar-se mais restrito que o conceito de retribuição a que se reporta o art. 82.º citado.
Nesta sequência, sendo a remuneração mensal de base do autor A de 169.000$00, a indemnização de antiguidade que a ré deveria ter posto à sua disposição, conforme estabelece o art. 24.º, n.º 1, d), do DL n.º 64-A/87, de 27.02, era de 4.732.000$00 (169.000$00 x 28): como a ré colocou à disposição do autor, a esse título, a importância de 5.520.667$00, mostra-se cumprido o disposto no art. 23.º do DL n.º 64-A/89, de 27.02, pelo que o despedimento é, quanto a esta matéria, lícito (art. 24.º, n.º 1 d), do mesmo diploma legal).
Improcedem, assim, nesta parte as conclusões das alegações dos recorrentes.

Sustentam também os recorrentes que não se mostram verificados os fundamentos invocados para o despedimento, assumindo "especial atenção" os factos que se prendem com a contratação de 14 novos trabalhadores e a rescisão, por mútuo acordo, com 13 dos trabalhadores mais antigos na empresa, num momento considerado pela recorrida de "crise" e de "dificuldade" (n.ºs XXII a XXIV das conclusões).
De acordo com a definição legal de despedimento colectivo (art. 16.º do DL n.º 64-A/89, de 27.02), o mesmo pressupõe a cessação de um conjunto de contratos individuais de trabalho por iniciativa do empregador, com uma motivação determinante comum, estando em causa não um trabalhador individualmente considerado, mas sim a mão-de-obra da empresa, com vista à sua redução, surgindo a extinção dos postos de trabalho como um fim a atingir (11).
Ainda nos termos do mesmo preceito legal, constituem fundamento de despedimento colectivo, entre outros, a "(...) redução do pessoal determinada por motivos estruturais, tecnológicos ou conjunturais", precisando-se no art. 26.º tais motivos.
A propósito dos despedimentos colectivos, escreve Monteiro Fernandes (12): "(...) a natureza dos fundamentos da decisão de romper os contratos torna-os de muito difícil julgamento pelos tribunais: tratar-se-à de pré-decisões de gestão, de ponderações de natureza técnica ou económica, relacionáveis, estas mesmas, com factores subjectivos como as «expectativas», as «previsões» e as «tendências» percepcionadas pelos empresários e gestores(...) Tudo isto aponta para que a decisão judicial sobre um despedimento colectivo tenda a incidir, quase invariavelmente, sobre aspectos formais, processuais, isto é, sobre eventuais deficiências do procedimento seguido, face à tramitação legalmente imposta".
Também Pedro Romano Martinez, escreve sobre esta matéria (13): "Os motivos estruturais, tecnológicos ou conjunturais têm de ser apreciados em função da empresa (...) O recurso ao despedimento colectivo com base em motivos estruturais, tecnológicos ou conjunturais não será só admitido em situações limite, como no caso de risco iminente de falência da empresa. Importa atender que se está perante uma decisão de gestão empresarial; é o empresário que decide se, por exemplo, quer automatizar o equipamento com a consequente redução de pessoal ou pretende encerrar uma secção, ainda que economicamente viável, quando tem interesse em restringir as suas actividades. Não cabe ao tribunal apreciar o mérito de tais decisões, porque o empresário é livre de empreender um caminho ruinoso; o tribunal só tem de verificar se o empregador não está a agir em abuso de direito ou se o motivo não foi ficticiamente criado".
No mesmo sentido, se pronuncia B. Lobo Xavier, ao afirmar (14): "(...) se cabe ao juiz controlar a procedência (ou a justificação) do despedimento patronal, não lhe cabe substituir-se à entidade empregadora, transformar-se em gestor, e impor-lhe a decisão que ele próprio juiz tomaria se estivesse na posição empresarial. Há uma ampla margem de decisão, que deve ser consentida, por força da lei e do contrato de trabalho, a quem decide, assume os riscos e suporta os encargos, desde que naturalmente se não conclua - de acordo com um juízo de equidade - pela falta de presença, prima facie, de uma motivação clara, congruente e suficiente e, portanto, defensável e sustentável".
A jurisprudência tem decidido que assentando o despedimento colectivo na autonomia contratual do empregador, ligada à necessidade de dimensionamento da empresa, tem subjacente premissas economicistas.
Por isso, realizado o despedimento de acordo com as formalidades prescritas, o controle judicial deve harmonizar-se com a liberdade de gestão da empresa, tendo presente o fim em causa: isto é, a validade e legalidade do despedimento colectivo deve ser aferida pelo critério empresarial e não à luz de mecanismos de viabilização da empresa (15).
Neste sentido se escreveu no acórdão do STJ de 07.11.01 (16): "O despedimento colectivo assentando na autonomia contratual do empregador ligada às necessidades de dimensionamento da sua empresa, tem por subjacente premissas economicistas.
Nesta ordem de ideias, uma vez realizado o despedimento, tendo em conta as formalidades a que o mesmo se encontra sujeito a sua impugnação constitui um controlo suplementar que visa fundamentalmente os interesse dos despedidos na defesa da segurança de emprego.
Tal controlo (judicial), porém, terá de se harmonizar com a liberdade de empresa e da sua gestão, tendo-se presente que o fim legal do despedimento colectivo é o de organizar uma empresa num redimensionamento do quadro de pessoal objectivamente adequado" (17).
Pois bem, regressando ao caso sub judicio, verifica-se que a ré nas cartas que enviou aos autores (fls. 33 a 44 e 58 a 70), alega no essencial - como se encontra sintetizado no douto acórdão recorrido -, o seguinte:
- A "C, S. A.", antiga Spardel, S.A., vem atravessando desde 1994 grandes dificuldades económicas e financeiras, sendo objecto de um processo na Câmara de Falência, por dívidas à Renault Portuguesa e Renault Gest que ascendiam a 164 milhões de escudos. A empresa foi comprada pela família Santos, que renegociou a dívida com a Renault reduzindo-a a 100 milhões de escudos e foi estabelecido um compromisso de viabilização sendo necessário solver as dívidas ao Estado e à Segurança Social, além de trabalhadores e fornecedores e banca. Foi efectuada uma injecção de capital de 300 milhões de escudos.
- Em 1996 perdeu a concessão da Renault;
- Nos anos de 1993 a 1996 teve sempre resultados negativos, como se pode ver do quadro de fls. 38, e as vendas diminuíram no ano de 1996.
- Já em 1997 conseguiu obter a concessão da Mazda, tornando-se necessário proceder a uma reestruturação para garantir a sua viabilização, até por exigência do importador.
- Por isso, tem vindo a desenvolver as seguintes acções:
- Reorganização da área comercial de forma a aumentar a sua agressividade e desenvolvendo a actividade de compra e venda de viaturas usadas;
- Aumento dos postos de trabalho no sector da colisão, que aumenta de 4 para 7 operários;
- Diminuição de custos e ajustamentos no quadro de pessoal diminuindo o sector não produtivo, nomeadamente no sector administrativo, em que há um excedente de duas unidades de pessoal afecto a esse sector.
- Os autores exercem funções no sector administrativo que não necessita de um Chefe de Departamento Administrativo, pois admitiu um Director Geral que chefia os diversos departamentos da empresa, incluindo o sector Administrativo. Além disso já existem nesse sector um Chefe e um Sub-Chefe, profissionais que são suficientes para as necessidades desse sector.
- O motivo de cessação dos contratos de trabalho dos autores é de ordem económica, financeira e de mercado.
Como se deixou já sublinhado supra, para justificar o despedimento colectivo não é necessário que a empresa se apresente numa situação de falência iminente, sob pena de se distorcer os mecanismos de mercado: importa sim, por um lado a verificação objectiva dos motivos de ordem económica, financeira e de mercado e, por outro, a existência de um nexo entre tais motivos e os despedimentos dos autores.
Escreve a este respeito B. Lobo Xavier (18), "A decisão de gestão visa encontrar um quadro de pessoal futuro e, portanto, faz apelo ao prognóstico. Na decisão da empresa sobre as dimensões do pessoal há que emitir um prognóstico sobre a sua futura eficácia, o qual deve ser formado com grande liberdade, tendo em conta, como ingredientes relevantes para a própria posição patronal, elementos não transmissíveis, de que nem sempre fica rasto no procedimento. Os prognósticos, valorações técnicas, ponderações e outros juízos do empregador devem ser respeitados, sendo, portanto, apenas controláveis na medida em que neles se detecte manifesta desproporção entre meio e fins. O tribunal não substitui pelos seus os juízos de experiência de gestão da empresa".
Ora, a descrição da empresa ré sobre a sua situação económico-financeira e do mercado automóvel justificavam a adopção de medidas de reestruturação, designadamente através da extinção dos postos de trabalho do autor.
Na verdade, como se afirmou no douto acórdão recorrido, "(...) sem dúvida que a empresa atravessava uma difícil situação económica e financeira com resultados negativos desde 1993, com especial incidência em 1996, tendo mesmo perdido a concessão da Renault, o que justificava a tomada de medidas necessárias a uma reestruturação da empresa de forma a viabilizá-la, assegurando dessa forma um número adequado de postos de trabalho (...) A pretensão da empresa em reduzir aqueles dois postos de trabalho da área não produtiva, nas referidas circunstâncias, afigura-se-nos como sendo séria, verosímil e justificada".
Ainda quanto à situação de degradação económica, concorda-se também com o acórdão recorrido, quando afirma: "Os quadros das vendas anuais e dos resultados da empresa, até ao ano de 1997, constantes das decisões do despedimento colectivo fls. 33 a 70 e 92s) demonstram bem essas dificuldades. E o relatório do assessor nomeado pelo tribunal evidência de forma bem clara essa realidade (cfr. fls. 204s), quando refere "a C apresenta no período em análise uma situação económica e financeira desfavorável na generalidade dos seus indicadores económicos e financeiros" e "no exercício de 1996 assistiu-se a uma acentuada diminuição do volume de negócios", as quais podem ser explicadas quer pela diminuição global da procura, quer pela perda da concessão da Renault. Do mapa de demonstração de resultados, junto a fls. 221, verifica-se que a ré apresentava em 1995, 133.091 contos negativos, em 1996, 50.975 contos negativos e em 1997, 569.480 negativos. Estava em situação de falência técnica, conforme resulta da quadro de capitais próprios e do total do passivo, a fls. 210 do relatório do Assessor".
Os autores parecem questionar em particular a reestruturação da ré na área dos recursos humanos, porquanto num momento considerado de crise teria contratado 14 novos trabalhadores e rescindido o contrato de trabalho, por mútuo acordo, com 13 trabalhadores mais antigos.
Mas também esta questão foi devida e claramente analisada, e fundamentada, no acórdão recorrido.
Como ressalta do mesmo e da matéria de facto, à data do início do processo de despedimento colectivo, aos 29 trabalhadores da ré "C, S.A." (ex Spardel, S.A.), juntaram-se em Fevereiro e Março de 1997, trabalhadores que pertenciam ao quadro de pessoal da "C, L.da" (futura "Servichapa").
Tal surgiu na sequência, escasso tempo antes - em Dezembro de 1996 - da reestruturação e transformação de sociedades do grupo (a ré proveio da Spardel, S.A. e a C, S.A. deu origem à Servichapa).
Também está provado que se verificou uma transformação dessas duas empresas do mesmo grupo, que se reestruturaram com vista à obtenção de maior produtividade (a Spardel transformou-se na C, S.A. e a C, Ldª passou a ser a Servichapa), certamente fundindo alguns sectores e autonomizando outros.
E a ré invocando a sua reestruturação, encetou um processo visando, por um lado, a admissão de pessoal maioritariamente das áreas comercial e reparação (aquele que oferecia maior potencial de desenvolvimento e rentabilidade) e, por outro, a saída de efectivos (cfr. n.º 48).
Isto é, a ré procurou integrar trabalhadores oriundos de duas empresas - dando assim emprego e estabilidade ao maior número deles - e projectar-se e rentabilizar-se nas áreas de mercado que ofereciam melhores perspectivas.
A adopção de tais medidas, inseridas na reestruturação da empresas foram também articuladas - como é perfeitamente lógico e racional em termos empresariais -, com a procura de redução de custos: para atingir tal desiderato a ré implementou a cessação de contratos de trabalho em relação a trabalhadores considerados, por qualquer motivo, menos necessários - ou até desnecessários - à empresa, como seria no sector administrativo.
Daí que concluamos, como fez o acórdão recorrido, que "Na justa ponderação dos interesses em presença, por um lado, o dos trabalhadores ao seu posto de trabalho e, por outro lado, o da empresa à sua viabilidade económica, entendemos que, nas circunstâncias concretas em causa, se amostra justificada a redução destes dois postos de trabalho do sector administrativo, uma vez que eram desnecessários".
Improcedem, por isso, também nesta parte, as conclusões das alegações dos recorrentes.
Termos em que se decide conceder parcial provimento ao recurso, atribuindo à causa o valor de 19.175.533$00, negando-se a revista quanto ao mais, nesta medida se confirmando o acórdão recorrido, embora com fundamentos não totalmente coincidentes.
Custas pelos recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam.

Lisboa, 1 de Outubro de 2003
Vítor Mesquita
Ferreira Neto
Manuel Pereira
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(1) Código do Processo do Trabalho Anotado, Coimbra Editora, 4.ª edição, pág. 238-239.
(2) Comentário ao Código de Processo Civil, Coimbra editora, vol. III, pág. 593.
(3) Na esteira do acórdão do STJ de 23 de Fevereiro de 2000 (agravo n.º 294/99), entende-se que no caso seria apenas de considerar as retribuições vencidas, por aplicação do princípio contido no n.º 2, parte final, do art. 306.º, porquanto, por um lado, as retribuições reclamadas complementam o pedido de reintegração ou indemnização, surgindo como acessórias destes e, por outro, a lei pretende que logo no momento da propositura da acção se fique a saber, em princípio, qual o valor da causa para efeitos processuais (art. 308, n.º 1, do CPC): para que tal valor pudesse contribuir o das prestações vincendas era necessário que o valor destas fosse então determinável, ou seja conhecido o montante de cada uma das prestações e o seu valor global; porém, no caso, o valor das retribuições vincendas é algo à partida não quantificável, por se desconhecer em que data seria proferida sentença a reintegrar os autores - no caso de proceder a pretensão destes -, ou a condenar a ré no pagamento de indemnização de antiguidade, caso viessem a optar pela mesma.
(4) Tenha-se presente que sendo o despedimento considerado ilícito, em substituição da reintegração pode o trabalhador optar por uma indemnização correspondente a um mês de remuneração de base por cada ano de antiguidade ou fracção, podendo tal opção ser feita até à sentença por iniciativa do trabalhador ou a pedido do empregador (art. 13, n.º 1, b) e n.º 3, ex vi do art.24, n.º 2, ambos da LCCT).
(5) Não se questiona nesta sede se o valor da remuneração mensal que serviu de base ao cálculo da compensação ou indemnização peticionado pelos autores é o devido: o que agora importa é que face ao pedido e causa de pedir, a "utilidade económica" daquele é a indicada.
(6) O Despedimento Colectivo no Dimensionamento da Empresa, pág. 550.
(7) De notar que, como refere B. Lobo Xavier (obra citada, págs. 690- 691 e, entre outros, o acórdão do STJ, de 04.12.02 (Revista n.º 2326/02 - 4.ª Secção), o desrespeito por parte da ré dos critérios de selecção dos trabalhadores a despedir em processo de despedimento colectivo, não constitui motivo de ilicitude do despedimento, relevando apenas para efeitos de indemnização.
E acrescenta aquele autor: "Apenas em casos em que se verifique uma discriminação ou qualquer outra lesão de direitos fundamentais é que se pode defender solução diversa. Se, por exemplo, o dirigente sindical for despedido para o impedir de desenvolver uma reivindicação ou se for despedido como represália, não temos dúvidas em considerar que o referido despedimento é nulo. Pelo menos poderá ser invalidado com fundamento em abuso de direito, não tendo ao art. 334.º do C. Civil de pressupor o exercício correcto do direito,« mas um qualquer comportamento material»".
(8) Obra citada, págs. 263, 264.
(9) Direito do Trabalho, Almedina, 11.ª edição, pág. 439.
(10) Jorge Leite e Coutinho de Almeida, Colectânea de Leis do Trabalho, Coimbra Editora, pág. 89.
(11) Cfr. B. Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, Verbo, 2.ª edição, pág. 527 e segts.
(12) Ob. Citada, pág. 578-579.
(13) Direito do Trabalho, Almedina, pág. 862-863.
(14) O Despedimento Colectivo..., pág. 681.
(15) A lei (art. 156.º-F, do CPT) estabelece expressamente que "Na apreciação dos factos deve o juiz respeitar os critérios de gestão da empresa".
(16) Revista n.º 594/01 - 4.ª Secção.
(17) No mesmo sentido, podem ver-se, entre outros, os acórdãos do STJ de 21.09.00 (Revista n.º 24/00) e de 01.02.01 (Revista n.º 124/00), ambos da 4.ª Secção.
(18) O Despedimento Colectivo..., pág. 682.