Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00042886 | ||
Relator: | LOPES PINTO | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO DANOS PATRIMONIAIS DANOS MORAIS EQUIDADE | ||
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Nº do Documento: | SJ200203050001951 | ||
Data do Acordão: | 03/05/2002 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL PORTO | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 540/01 | ||
Data: | 05/22/2001 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA. | ||
Área Temática: | DIR CIV - DIR RESP CIV. | ||
Legislação Nacional: | CCIV66 ARTIGO 496 N1 ARTIGO 564 N1 ARTIGO 566 N2. | ||
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Sumário : | I - O quantum indemnizatório por dano patrimonial, onde a certeza se não impuser, não se pode efectuar sem fazer intervir a equidade, corrigindo os resultados que outros critérios (v.g., tabelas financeiras) possam fornecer, os quais mais não valem que meras referências e ajudas na determinação daquele valor. II - Não se pode aceitar a consideração apenas da idade da reforma e não do limite da vida útil (reforma não é sinónimo de inutilidade). III - Adiminuição da capacidade de trabalho é distinta da diminuição salarial (pode-a nem haver), e traduz-se em a incapacidade exigir - actualmente ou, com toda a probalidade, no futuro - do lesado um esforço suplementar quer físico quer psíquico para obter o mesmo resultado do trabalho. IV - Qualquer destes danos é patrimonial e não há quer sobreposição quer confusão entre o dano da diminuição da capacidade de trabalho e o dano não patrimonial que a própria diminuição possa gerar. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: A, propôs contra Companhia de Seguros B, e C, acção para efectivação de responsabilidade civil, pedindo se a condene a lhe pagar a indemnização de 14770000 escudos, acrescida de juros de mora desde a citação, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais a si causados em virtude do acidente de viação ocorrido em 93.04.21, culposamente provocado pelos condutores dos veículos automóveis com a matrícula QS e AB, seguros nas rés. Na sua contestação, a ré B, seguradora do QS, atribuiu exclusivamente a culpa ao condutor do AB, pelo que concluiu pela absolvição do pedido. A ré C excepcionou a sua ilegitimidade por não ser, à data dos factos, seguradora do AB e impugnou, por desconhecimento, todos os factos. Provocou a autora a intervenção principal da D, a qual, depois de admitido o incidente, contestou atribuindo a culpa exclusivamente ao condutor do QS. No saneador, foi julgada parte ilegítima a ré C. A final, foi absolvida do pedido a interveniente e condenada a ré B a pagar à autora a indemnização de 7770000 escudos, acrescida de juros de mora desde a citação, por sentença de que apelaram, a título principal, a ré B e, subordinadamente, a autora, ambas dela divergindo apenas sobre o quantum indemnizatório. A Relação deu provimento parcial à apelação da ré e negou a da autora. Novamente inconformadas, pedem ambas revista, concluindo, em suam e no essencial, em suas alegações. A) - a ré, pretendendo se reduza a 2500000 escudos a indemnização pelos lucros cessantes decorrentes da IPP e a 1000000 escudos a pelos danos morais - a indemnização a atribuir pela IPP há-de corresponder a uma quantia em dinheiro cujo rendimento compense a perda da capacidade de ganho, sendo adequado no seu cálculo o recurso às tabelas financeiras, corrigindo-se à luz da equidade o valor encontrado, no qual se deve considerar quer o benefício do recebimento antecipado quer que o capital a atribuir se deve mostrar exaurido finda a vida activa da lesada; - in casu, porque excessivo o valor arbitrado pelo prejuízo material decorrente do IPP, deve ser reduzido de 3700000 escudos para 2500000 escudos; - recorrendo à equidade e à jurisprudência dos tribunais, é exagerado o valor atribuído pelos danos morais de 2500000 escudos, devendo ser reduzido a 1000000 escudos tanto mais que incidem sobre ele juros de mora desde a citação; - violado o disposto nos arts. 496, 562, 564 e 566 CC; B) - a autora, defendendo a fixação da indemnização em 5000000 escudos e 4000000 escudos, respectivamente, pelos danos patrimoniais e morais - - contrariamente ao afirmado pela Relação, os resultados obtidos na sentença não são arbitrários, mas tomaram em conta o grau de incapacidade atribuído à autora, salário auferido, idade e instrução da mesma, limite da vida activa, sendo que este não corresponde à idade da reforma, pelo que deve ser fixado como tempo de vida activa útil o de 48 anos; - há que recorrer às tabelas financeiras e necessariamente à equidade, pelo que, tendo, à data dos factos, apenas 23 anos, sem quaisquer problemas de saúde que afectassem o seu desempenho profissional, a indemnização por danos patrimoniais não deve ser inferior a 5000000 escudos; - a indemnização por danos morais deve constituir um lenitivo e ser consentânea com os padrões referenciais do aumento geral da qualidade de vida e do progresso económico, das oscilações do valor aquisitivo da moeda, das taxas de inflação do juro, dos aumentos dos prémios e da capacidade económica das companhias de seguro; - pelas dores físicas sofridas, os sofrimentos morais que padeceu e padecerá, pelos prejuízos na vida de relação, sobretudo os provenientes de deformações estéticas que terá de suportar (sem esquecer que ficou prejudicada para casar) e pelo desgosto de não dar ao seu corpo a sua utilização profissional cabal, deve a autora ser compensada em não menos de 4000000 escudos; - violado o disposto nos arts. 483-1, 496-1 e 2, 562, 564-1 e 566-3 CC. Não contra-alegado pela ré e defendendo a autora, nas suas alegações, a improcedência da revista daquela. Colhidos os vistos. Ao abrigo dos arts. 713-6 e 726 CPC remete-se para o acórdão recorrido a descrição da matéria de facto, sem prejuízo de se destacar a que interessa à decisão dos recursos: a) - a autora nasceu em 69.08.19; b) - em 93.04.21, pelas 13h, na EN que liga V.N.Famalicão à Póvoa de Varzim ocorreu um embate entre duas viaturas, sendo que uma delas viria a colher a autora que na altura estava sentada num muro que ladeia a via, c) - em consequência do que sofreu múltiplas lesões traumáticas no membro inferior direito e outros ferimentos menores; d) - foi de imediato conduzida ao Hospital da Póvoa de Varzim e daí, no mesmo dia, foi transferida para a Clipóvoa, de imediato sendo submetida a intervenção cirúrgica, com anestesia geral, ao membro inferior direito; e) - esteve aí internada 23 dias e também aí foi operada mais duas vezes ao membro inferior direito; f) - esteve acamada durante alguns dias, passando de forma lenta e gradual a andar, apoiada em duas muletas durante sete meses; g) - tinha fortes dores quando punha o pé no chão; h)- esteve totalmente incapacitada para o trabalho até 94.01.13, retomando o trabalho por ordem do médico da seguradora, com 50% da incapacidade; i) - devido às dores que tinha não conseguia trabalhar tendo sido novamente observada pelo médico da seguradora e j) - operada no Hospital de Santa Maria, no Porto, em Abril de 1994, com anestesia geral; l) - em 94.05.31 foi novamente vista pelo médico da seguradora que mandou retomar o trabalho com 50% da incapacidade; m) - trabalhou com este grau de incapacidade até 94.10.11 e n) - desde esta data até 94.11.11 trabalhou com 40% de incapacidade. o) - foi considerada curada em 15/11/94 com uma IPP de 20,5%; p) - ficou com uma cicatriz na face anterior do joelho direito, que a desfigura bastante; q) - ficou com uma rigidez no joelho direito que lhe provoca claudicação na marcha; r) - sente-se desgostada com as sequelas do acidente que para si resultaram; s) - era à data do acidente uma jovem atraente e que namorava; t) - por causa das lesões e sequelas aludidas ficou sem namorado; u) - à data do acidente a autora auferia um vencimento de 51500 escudos mensais, 14 meses ao ano; v) - enquanto esteve incapacitada para o trabalho sofreu um dano de 270000 escudos; Decidindo: - 1.- De um modo global, pode-se afirmar que as partes não divergem, no fundamental, dos princípios que a jurisprudência considera deverem orientar a fixação do quantum indemnizatório - em relação à pelos danos patrimoniais, onde a certeza se não impuser, o apelo firme à equidade corrigindo os resultados que outros critérios (v.g., tabelas financeiras, etc) possam fornecer, critérios esses que mais não valem que meras referências e ajudas na determinação daquele valor; em relação aos danos morais, a equidade volta a imperar e a exigir não só que a valoração (e não avaliação, esta por natureza não poderá haver) seja realista (e não miserabilista) como ainda não represente para o lesado a materialização de uma ideia economicista e negocial. Determinar o quantum não é, portanto, uma operação matemática. Onde ré a autora divergem é nos resultados práticos a que a aplicação desses princípios orientadores conduz. Na sentença, a indemnização por danos patrimoniais foi fixada em 5270000 escudos e a Relação reduziu-a para 3970000 escudos. Não se discute a inclusão da parcela de 270000 escudos, a que se refere a al. v), mas tão só que a verba restante (5000000 escudos para a sentença, 3700000 escudos para o acórdão) - perda da capacidade de ganho - deva ser alterada. A Relação manteve a compensação de 2500000 escudos pelos danos não-patrimoniais que a sentença atribuíra à autora. 2.- A Relação socorreu-se das tabelas financeiras, apenas delas, afastando de todo o recurso à equidade (fls. 269) e como factor a intervir naquelas quanto a tempo de vida apenas considerou a idade da reforma, recusando atender ao limite de vida activa (fls. 268). Não se pode concordar quer com a recusa a fazer intervir a equidade (a quantificação deste dano, perda da capacidade aquisitiva, não pode ser feita numa base matemática, de certeza; desde logo, porque é um juízo de probabilidade que é pedido e em que são vários os factores aleatórios) quer com um critério que, não distinguindo entre limite de vida activa de limite de vida útil, recusa considerar esta no cômputo da indemnização (reforma não é sinónimo de inutilidade). Finalmente, a Relação, embora ao abrigo do art. 713-6 CPC tenha dado como provada a matéria de facto elencada na sentença (fls. 266), não considerou na factualidade que teve como atinente à decisão (fls. 267), os factos acima descritos nas als. h), i) e l) a m) dados como provados naquela. A mera constatação de que o valor referido na al. v) não atinge sequer cinco ordenados mensais e meio é suficiente para se concluir que o aresto não levou minimamente em conta a apontada factualidade. A autora unificou os danos da diminuição da capacidade de ganho e da diminuição da capacidade de trabalho e formulou apenas um pedido parcelar. Qualquer destes danos é patrimonial e não há quer sobreposição quer confusão entre o dano da diminuição da capacidade de trabalho e o dano não patrimonial que a própria diminuição possa gerar (v.g., desgosto, angústia, perda da alegria, etc). A diminuição da capacidade de trabalho é distinta da diminuição salarial (podendo mesmo obter ou vir a obter rendimentos idênticos) e traduz-se em a incapacidade exigir - actualmente ou, com toda a probabilidade, no futuro - do lesado um esforço suplementar quer físico quer psíquico para obter o mesmo resultado do trabalho. Com uma IPP de 20,5%, a lesada, para atingir o mesmo nível, tem ou terá de suportar um esforço mais penoso, um maior sacrifício, o que se reflecte quer na progressão na carreira quer na sua capacidade produtiva e de ganho. Para valorar este dano tem o tribunal de lançar mão da equidade e da probabilidade. Afigura-se mais correcta e equitativa manter a indemnização atribuída na sentença. 3.- A compensação pelos danos não-patrimonais foi fixada em 2500000 escudos. A ré, embora discordando, não apresentou argumento algum - apenas que a incidência de juros de mora desde a citação torna mais evidente o exagero (note-se, não está a discordar do momento a partir do qual a indemnização moratória é devida mas a afirmar que, incidindo a partir desse momento, se torna mais evidente o exagero da compensação atribuída). Se de argumento se puder qualificar esta alegação, então será suficiente recordar, qual a causa desta indemnização - a mora, isto é, o retardamento no cumprimento da obrigação, o que, além de representar uma sanção ao seu comportamento, permite distinguir esta indemnização da outra. A compensação atribuída tomou em conta não só os diversos aspectos que constituem in casu os danos morais como os vários elementos a pesar na sua valoração e situa-se ao nível das que o STJ tem fixado. Nestes termos, nega-se a revista da ré e concede-se parcialmente a da autora, fixando-se a indemnização pela perda da capacidade de ganho a pagar pela ré à autora, em 5000000 escudos, no mais se mantendo o acórdão. Custas por autora e ré na proporção, respectivamente, de 1/5 e 4/5. Lisboa, 5 de Março de 2002. Lopes Pinto, Ribeiro Coelho, Garcia Marques. |