Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
872/06.5GCLRS-C.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA MENDES
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
DESPACHO
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
DECISÃO QUE PÕE TERMO À CAUSA
DECISÃO QUE NÃO PÕE TERMO À CAUSA
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 05/17/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADA A REVISÃO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – RECURSOS / RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS / REVISÃO / FUNDAMENTOS E ADMISSIBILIDADE DA REVISÃO.
Doutrina:
- Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, notas ao artigo 449º.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 449.º, N.ºS 1, ALÍNEAS A), B), C), D), E), F) E G) E 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 14-06-2006, PROCESSO N.º 764/06;
- DE 11-04-2007, PROCESSO N.º 618/07;
- DE 07-10-2007, PROCESSO N.º 3289/07;
- DE 21-11-2007, PROCESSO N.º 3754/07;
- DE 27-02-2008, PROCESSO N.º 4823/07;
- DE 27-01-2009, PROCESSO N.º 105/09;
- DE 18-02-2009, PROCESSO N.º 109/09;
- DE 12-03-2009, PROCESSO N.º 396/09;
- DE 29-09-2010, PROCESSO N.º 520/00.7TBABT-A.S1;
- SASTJ, SECÇÕES CRIMINAIS BOLETIM ANUAL, 2017, ASSESSORIA CRIMINAL, 242, 460.º.
Sumário :
I - A lei admite, em situações expressamente previstas (art. 449.º, n.º 1, als. a) a g), do CPP), a revisão de sentença transitada em julgado, mediante a realização de novo julgamento (art. Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça Secções Criminais Boletim anual – 2017 Assessoria Criminal 242 460.º), equiparando à sentença, no n.º 2 do art. 449.º, o despacho que tiver posto fim ao processo, o que equivale por dizer que, para além da sentença, só o despacho judicial que tiver posto fim ao processo é susceptível de revisão. II - A decisão que põe fim ao processo é a decisão final, ou seja, a sentença, a qual em regra conhece da relação substantiva ou mérito da causa, bem como a que, proferida antes da sentença, tem como consequência o arquivamento ou o encerramento do processo. III - O despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão não põe fim ao processo, limitando-se a dar sequência à condenação antes proferida, pelo que, o mesmo é insusceptível de revisão, posto que prolatado depois da sentença.
Decisão Texto Integral:                                          *

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA, devidamente identificado, interpôs recurso extraordinário de revisão do despacho proferido no processo comum supra referenciado, que revogou pena de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução.

No requerimento apresentado formulou as seguintes conclusões[1]:

I-O recorrente interpõe o presente recurso por entender verificado o requisito de admissibilidade do recurso de revisão tipificado na alínea d) do n.º1 do artigo 449 do CPP; descoberta dos novos meios de prova que combinados com os já apreciados no processo suscitarão graves dúvidas sobre a justiça da condenação, por serem susceptíveis de afastar em concreto o cumprimento da pena de prisão, impondo-se em consequência a revogação do despacho recorrido.

II-Por douto acórdão, de 20/11/2009 foi o arguido condenado pela prática de um crime de furto qualificado, em co-autoria material e na forma consumada, p. e p. pelo artigo 204 n.º2, al. a) do C.P., na pena de dois anos e seis meses de prisão.

 

III-A referida pena foi suspensa na sua execução, nos termos do artigo 50 n.º1 do C.P., e sujeita a regime de prova nos termos do artigo 53 n.º3 do C.P. .

IV-Por douto despacho de fls. 782 a 784, viria a ser revogada a suspensão da execução da pena, determinando-se o cumprimento da mesma, encontrando-se o arguido a cumprir prisão no Estabelecimento Prisional de Lisboa, desde o dia 1 de Abril de 2016.

V- O recorrente esteve presente na audiência de discussão e julgamento, em 9.11.2009., no qual foi condenado em co-autoria material e na forma consumada, p. e p. pelo artigo 204 n.º2, al. a) do C.P., na pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução, nos termos do artigo 50 n.º1.

VI- Por lapso do Colectivo, não constou do douto Acórdão a sujeição a regime de prova nos termos do artigo 53 n.º3 do C.P.  .

VII- Por despacho de 11.11.2009 (dois dias depois), foi corrigido o lapso do acórdão, ficando a constar do mesmo a sujeição do arguido ao regime de prova, nos termos do artigo 53 n.º3 do C.P.

VIII- A Dra. CC, ao tempo defensora oficiosa do arguido, foi notificada deste último despacho, em 20.11.2009, porém o Recorrente nunca foi informado pela sua advogada, da alteração do acórdão!

XIX-Daí resulta, que o recorrente nunca tenha tido conhecimento que a suspensão da execução da pena estava sujeita ao regime de prova, nos termos e para os efeitos do artigo 53 n.º 3 do C.P..

X-Em 8 de Junho de 2012, foi proferido um novo despacho judicial, no qual a suspensão da execução da pena foi revogada, determinando-se o seu cumprimento.

XI-A Defensora Oficiosa foi notificada da decisão que ordenava a  prisão do arguido.

XII- Continuando com falta de comunicação do arguido, a Advogada nada lhe disse.

XIII- No dia 01/04/2016 o arguido foi preso (após detenção).

XIV-Ora, o recorrente, nunca foi notificado pela DGRS para comparecer junto de tal entidade.

XV- Não foi notificado na sua morada, a qual consta do TIR.

XVI-Não foi notificado na casa dos seus pais, a qual consta dos autos.

XVII- Não foi notificado no seu local de trabalho, o qual sempre se manteve inalterável.

XVIII-A Defensora do arguido recebeu as notificações, mas não deu conhecimento das mesmas ao seu constituinte.

XIX- Tal como não foi notificado do despacho proferido em 8 de Junho de 2012, no qual foi revogada a suspensão da execução, determinando-se o cumprimento da pena.

XX-É certo que a sua defensora foi notificada, mas não deu conhecimento de tal ao seu constituinte.

XXI- O recorrente permaneceu na ignorância, sempre a trabalhar (note-se que acabou por ser detido a caminho do seu local de trabalho!).

XXII- Na presente data corre termos nos Conselho Deontológico de Lisboa da Ordem dos Advogados, com o n.º109/2017-L/AL, processo disciplinar contra a Advogada em causa, para apurar os factos apresentados pelo recorrente, os quais constam do doc. n.º1.

XXIII-Ou seja, o arguido, neste particular não foi, de modo algum assessorado por aquela advogada, conforme o mandato oficioso impunha.

XXIV-Posteriormente, após constituição de novo mandatário e a consulta dos autos, o arguido percebeu a realidade; ou seja, a sua defensora foi notificada e não o contactou, nem da primeira, nem da segunda vez!

XXV- O recorrente tinha o direito de conhecer as decisões judiciais que foram proferidas, as quais estão na base da revogação da suspensão da execução, e consequente prisão do arguido.

XXVI- O processo “ sub judice”, revela, pese embora o respeito (que é muito) devido a todas as Instituições envolvidas, estarmos perante uma completa falha no que deve ser a eficácia do sistema.

XXVII- A dificuldade de notificação de um homem com uma vida familiar estável, que não mudou de morada e teve sempre o mesmo emprego, é, no mínimo caricata!

XXVIII- Após a prisão do arguido, os seus familiares tentaram apurar junto da avó do arguido se nunca apareceu a polícia lá em casa à procura do AA, seu neto.

XXIX- A D.ª BB, senhora de 79 anos de idade que não sabe ler nem escrever, afirmou que “um dia apareceu lá em casa a policia, à procura do AA, não do seu neto, mas do outro AA”.

XXX- Infeliz casualidade porque o AA que tal senhora pensou ser, seria um seu anterior hóspede DD o qual coabitou na casa durante o período compreendido entre 2010 e finais de 2014.

XXXI- É que, tal DD (DD), para além de ter deixado por pagar rendas relativas ao anexo da habitação, era conhecido por ter problemas com a justiça, pelo que tal senhora acreditou que a Policia se referia a ele.

XXXII- DD, deixou “ rendas” por pagar (mais concretamente a contribuição de despesas que pagava relativamente ao anexo que habitava, e, atento o facto de ter problemas com a justiça, a avó do recorrente pensou que a policia se estava a referir a ele.

XXXIII- Neste processo tudo falhou:

A)- A começar pela Defensora Oficiosa, que não comunicou os despachos judiciais posteriores à leitura do acórdão à qual o arguido esteve presente.

B- A PSP, no que respeita à forma como foram feitas as notificações.

C -O IRS (Instituto de Reinserção Social), que revelou total desconhecimento da situação do arguido, nem sequer sabendo que este estava a trabalhar…

XXIV- O desconhecimento pelo arguido que estava sujeito ao regime de prova, enferma todo o processo.

XXXV -Ainda assim se dirá que mesmo assim o arguido não incumpriu a lei, uma vez que de nada tinha conhecimento.

XXXVI- Não é admissível pensar-se, com a prudência de conhecimento médio, que seja o próprio arguido a não praticar actos relativamente simples, preferindo enfrentar a prisão.

XXXVII-A fls. 782, o douto tribunal “ a quo” fez letra morta da obrigação processual de notificar eficazmente e validamente o condenado, violando assim o disposto no artigo 495 do CPP.

XXXVIII- Como é sabido na senda dos requisitos legais aplicáveis, deverá ser designada data para audição do arguido, o que deverá ocorrer na presença de técnico que apoia e fiscaliza as condições da suspensão.

XXXIX – Só assim se garante o exercício do contraditório.

XL – Não se aceita as dificuldades de notificação de um arguido que esteve sempre a trabalhar, com descontos para a Autoridade Tributária e Segurança Social.

XLI- Entende o recorrente que resulta dos autos não terem sido efectuados todos os esforços para que se realizasse a audição presencial do arguido, o que se traduz na violação do principio do contraditório.

XLII-Dispõe o artigo 495 n.º 2 do CPP que “O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão”.

XLIII-Ora, o condenado não foi ouvido, e pelos motivos supra referidos, não foi da sua responsabilidade já que desconhecia a sujeição ao regime de prova.

XLIV- Para que se realize justiça nestes autos, impõe-se revogar o despacho recorrendo, sendo certo que, se a segurança e estabilidade das decisões é importante, a justiça material assume idêntica importância.

XLV-"O fundamento do caso julgado radica numa concessão prática de garantir a certeza e a segurança do direito, mesmo que com o eventual sacrifício da justiça material. Ou seja, o que está na base do caso julgado é a adesão à segurança com eventual detrimento da verdade" (cfr. Eduardo Correia, Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, Colecção Teses, Almedina, 1983, Reimpressão, 302);

XLVI - A revisão, mais não é do que uma excepção ao regime geral, com vista à obtenção de um equilíbrio entre segurança por um lado, e verdade pelo outro;

XLVII-O Supremo Tribunal de Justiça tem defendido que: "Concebido como último remédio para as decisões judiciais injustas, o recurso de revisão tem consagração constitucional, no art. 29°, n° 6, da Lei Fundamental (...) O recurso de revisão, ao permitir ultrapassar a intangibilidade do caso julgado, opera (...) uma nova decisão judicial, assente em novo julgamento da causa mas, ora com base em novos dados de facto ou seja, a revisão versa apenas sobre a questão de facto" (Ac. do STJ de 06/04/2006, n° 06P657, em http://www.dgsi.pt);

XLVIII-São fundamentos do recurso de revisão, nos termos do disposto no artigo 449° do CPP: "d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.";

XLIX-Ora, a decisão que se pretende ver agora apreciada em sede de recurso de revisão assenta no despacho de revogação de suspensão da execução de pena de prisão em que o Arguido ora recorrente havia sido condenado, proferido em 8 de Junho de 2012 nos presentes autos, e transitado em julgado.

ILIX- Esta decisão significou para o Arguido uma efectivação do cumprimento da pena de prisão efectiva a que o Arguido tinha sido condenado, tendo sido, no entanto, tomada com base no pressuposto erróneo que o arguido teve conhecimento do despacho de 11.11.2009 em que foi corrigido o lapso do acórdão, ficando a constar do mesmo a sujeição do arguido ao regime de prova, nos termos do artigo 53 n.º3 do C.P.

L-É, de facto, hoje jurisprudência unânime dos Tribunais que, estando em causa a possibilidade de ser revogada uma suspensão da execução de uma pena de prisão, ao arguido deverá ser dado o direito de tomar posição pessoalmente sobre essa hipotética revogação, ou seja, de forma presencial, em sessão a ter lugar perante o Juiz, o Ministério Público e na presença do arguido, devidamente acompanhado pelo seu defensor;

LI- Este entendimento é corroborado em variadíssimos acórdãos dos tribunais superiores, nomeadamente no douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.° 6/2010, respeitante a recurso para fixação de jurisprudência nesta matéria da revogação da suspensão da execução da pena primitiva;

LII- Pelo supra exposto, dúvidas inexistem de que a manutenção da decisão de revogação da suspensão de pena de prisão aplicada ao Arguido, nos termos e circunstâncias em que foi proferida, fere todos os princípios de justiça que constituem o nosso direito e, em última análise, o próprio Estado de Direito.

LIII-A decisão de revogação da suspensão de pena de prisão aplicada ao Arguido encontra-se, assim, em clara violação do disposto nos artigos 55,°, al. a), b) c) e d) (a contrario), 56°, n° 1 al. a) do Código Penal 119°, al. c) e 495° n° 2, ambos do C.P.P., 29°, n°6 e 32° n° 1 e 5, estes da C.R.P., pondo em causa as garantias de defesa do arguido e privando-o indevidamente, do seu bem mais precioso - a liberdade!

LIV- Trata-se de uma decisão injusta, na verdadeira acepção da palavra, que deverá, por conseguinte e com urgência, ser revogada e o Arguido colocado em liberdade de imediato, tudo nos termos do disposto nos artigos 449°, 455°, 457° e seguintes, todos do C.P.P.

        

LV -Para depor sobre os factos constantes de 51 a 57, o recorrente indica a testemunha BB, identificada na motivação.

LVI-Para depor sobre os factos constantes de 31 a 34 o recorrente indica a testemunha ..., identificado na motivação.

LVII- Requerendo-se assim a admissão deste meio de prova, com fundamento nos novos meios de prova que se apresentam, e que colidem com factos provados no despacho recorrido, que a provar-se que o recorrente não teve conhecimento dos despachos de 11.11.2009 e 8/06/2012 impõem a revogação do despacho de revogação da suspensão da execução da pena, com a consequente condução do recorrente à liberdade.

Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, que V. Exa mui doutamente suprirá, deverá:

A)A presente revisão ser admitida, seguindo-se a demais tramitação legal e a tomada de depoimento às testemunhas;

B) Conceder-se a revisão do despacho de revogação da suspensão da execução da sentença, em razão da nova prova junta e a produzir-se, nos termos e para os efeitos do artigo 495 do CPP, com a consequente condução do recorrente à liberdade.

    Na resposta o Magistrado do Ministério Público alegou:

 1 – Conforme decorre do referido no corpo da presente Resposta, não corresponde à verdade que o arguido não tenha tomado conhecimento da decisão proferida pelo Tribunal Colectivo em 11-11-2009, após leitura do Acórdão condenatório proferido nos autos, que sujeitou o mesmo arguido a regime de prova.

            2 – Uma vez que tal decisão lhe foi pessoalmente notificada em 14-5-2010, conforme foi certificado pela PSP a fls. 705 e 706 (constando do verso desta última folha a assinatura do arguido).

            3 – Cabendo ao arguido, caso tivesse quaisquer dúvidas sobre o alcance da decisão que lhe foi notificada, contactar o Tribunal, a DGRS ou a sua defensora, tendo em vista o cumprimento das obrigações que lhe foram impostas pelo Tribunal, no âmbito da suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado.

 4 – Quanto às demais alegações efectuadas no recurso interposto, decorre igualmente do exposto supra não merecerem qualquer acolhimento as insinuações de que serão de algum modo falsas as diversas informações constantes dos autos a respeito da impossibilidade de contactar o arguido nas moradas por si indicadas, desde logo a do T.I.R. por si prestado, que o arguido mantém ser a “sua morada” no próprio recurso ora em apreciação (Conclusão XV).

            5 – Antes resultando das informações exaradas nos autos que o arguido dificilmente poderia deixar de ter tido conhecimento, por uma ou outra via, de que a PSP, a DGRS e o Tribunal queriam contactá-lo, cabendo-lhe o dever de viabilizar tal contacto e sendo-lhe imputável o facto de não o ter querido fazer.

  6 – Tal como lhe será imputável o facto de a eventual incorrecção das moradas por si indicadas nos autos, desde logo no T.I.R. prestado a fls. 27, ter inviabilizado a respectiva notificação.

7 – Por outro lado, parecendo o arguido manter que sempre residiu na morada em causa, nada nos permite concluir que alguém lhe tenha sistematicamente ocultado as múltiplas tentativas de notificação efectuadas nos presentes autos.

            8 – Sendo neste âmbito irrelevante a alegada confusão da avó do arguido a respeito da identidade da pessoa procurada pelos agentes da PSP que se deslocaram à referida morada, uma vez que a mesma apenas poderia ter afectado as tentativas de notificação efectuadas pela PSP no ano de 2012.

            9 – Não podendo justificar a frustração das anteriores tentativas de notificação pessoal do arguido nem, muito menos, qualquer inviabilidade de recolha dos múltiplos avisos e notificações que foram depositados na caixa de correio da mesma residência, conforme referido supra (desde logo a notificação documentada a fls. 842, relativa ao despacho que revogou a suspensão da execução da pena aplicada).

 10 – A não ser que a avó do arguido também fizesse desaparecer a correspondência que lhe era dirigida, algo que o próprio arguido nega que alguma vez tenha sucedido e que é contrariado pelos elementos documentais por si juntos aos autos.

  11 – Face ao exposto, apenas poderemos concluir que quaisquer dificuldades que o arguido possa ter tido na recepção ou na interpretação das múltiplas comunicações que lhe foram efectuadas no âmbito dos presentes autos só ao próprio arguido serão imputáveis, quer por se ter voluntariamente furtado a contactar as entidades que procuraram notificá-lo, quer por ter eventualmente considerado, com manifesta negligência, que as comunicações por si conhecidas não teriam relevância, nem implicariam a necessidade de obter melhores informações a respeito das razões pelas quais o Tribunal, a PSP e a DGRS quereriam contactá-lo.

  12 – Carecendo assim de qualquer fundamento a alegação de que a decisão impugnada, que revogou a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, teria sido proferida sem que o Tribunal desenvolvesse todos os esforços necessários para ouvir o arguido a respeito dos motivos pelos quais o mesmo teria inviabilizado a execução de um regime de prova ao qual nem sequer saberia ter sido sujeito, dado nunca ter sido notificado da decisão que determinara dever tal regime acompanhar a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado.

            13 – Tal como carecem de fundamento, em geral, as alegações efectuadas pelo arguido a respeito duma suposta omissão, por parte do Tribunal, de quaisquer diligências exigíveis para efeitos de notificação das determinações relativas à execução do regime de prova imposta, ou da própria decisão de revogação da suspensão por si posta em causa.

  14 – Devendo assim ser negada a pretendida revisão do despacho impugnado, sem necessidade de produção da prova suplementar requerida pelo arguido (testemunhas indicadas nas Conclusões LIV e LV).

   15 – Dado não ser relevante para apreciação do recurso interposto, salvo melhor opinião, apurar se a defensora oficiosa do arguido deveria ter contribuído para garantir que o mesmo tivesse conhecimento das decisões proferidas nos autos, ou se a avó do arguido o terá confundido com outra pessoa, numa ou duas das múltiplas ocasiões em que a PSP tentou efectuar a respectiva notificação pessoal.

É do seguinte teor a informação prestada pelo Exmo. Juiz:

O arguido AA foi condenado nos presentes autos na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado, p.p. art.º 204.º, n.º 2 a) do C.P.

A pena foi suspensa na sua execução, tendo o arguido assistido à leitura do acórdão.

A decisão foi proferida em 09-11-2009.

Por despacho do coletivo datado de 11-11-2009, foi decidido sujeitar o arguido a regime de prova, uma vez que o arguido tinha, à data da prática dos factos, idade inferir a 21 anos, sendo legalmente obrigatória a sujeição do arguido a este regime.

O arguido foi pessoalmente notificado desta obrigação em 14-05-2010 (fls. 706v), bem como a sua ilustre defensora, tendo o acórdão e esta decisão transitado em 23-07-2010 (fls. 707).

*

A DGRSP desenvolveu então várias diligências para contactar o arguido no sentido de ser elaborado o Plano de Reinserção Social para efetivação do regime de prova, o que nunca logrou conseguir, uma vez que o arguido nunca compareceu às notificações que lhe foram enviadas pera esse efeito.

O Tribunal tentou, por sua vez, ouvir presencialmente o arguido no sentido de apurar qual o motivo pelo qual o arguido se tinha recusado a prestar a colaboração que lhe era devida para elaboração do PRS.

Mais uma vez o arguido não compareceu a esta diligência, impossibilitando o tribunal de saber o motivo da não colaboração com a DGRSP e do incumprimento da obrigação, imposta como pressuposto da suspensão da execução a pena de prisão (fls. 793).

O M.º Público promoveu então a revogação da suspensão da execução da pena (fls. 794).

O tribunal apreciou o promovido e decidiu revogar a suspensão da execução da pena porque “o juízo de prognose favorável à reintegração do condenado na sociedade foi totalmente inconsequente ...”, mostrando-se verificado o disposto no art.º 56.º, n.º 1 a) do C.P., ou seja, o arguido não permitiu sequer que fosse estabelecido um plano para se reinserir socialmente.

Esta decisão datada de 08-06-2012 foi notificada ao arguido e à sua defensora, tendo transitado em julgado (fls. 803, 807 e 842), após o que foram emitidos mandados de detenção para cumprimento de pena.

*

O arguido foi detido para cumprimento da pena em 01-04-2016 (fls. 941).

*

Em 02-04-2016, veio o arguido requerer a sua libertação imediata, com fundamento, em suma, de não ter sido notificado no domicílio do TIR – ... (fls. 26 e 27), quer pelo tribunal quer pela DGRSP (fls. 942).

Acrescentando que sempre residiu neste domicílio até 05-01-2015.

*

Este requerimento mereceu o indeferimento de fls. 956, por não se verificar qualquer erro de notificação.

*

O arguido veio requer a produção de prova para fundamentar a sua libertação imediata, já anteriormente requerida e indeferida (fls. 959).

*

Este requerimento mereceu o indeferimento de fls. 976, renovando o já decidido a fls. 756.

*

O arguido veio então recorrer da decisão que revogou a suspensão da execução da pena.

*

O Tribunal da Relação de Lisboa apreciou o recurso e decidiu a sua rejeição por extemporâneo. (fls. 1021).

*

O arguido veio recorrer de novo, com os mesmos fundamentos, recurso que foi rejeitado (fls. 1283); reclamou o arguido da rejeição e o Tribunal Superior confirmou a rejeição (Apenso B).

*

Finalmente, veio o arguido, ao abrigo do disposto no art.º 449.º, n.º 1 al. d) do C.P.P. requerer a presente revisão, com fundamento, em suma, na:

- Falta de notificação para a audiência de declarações;

- Inexistência do despacho que revogou a suspensão da execução da pena por não ter viabilizado a presença do arguido, nem lhe ter facultado o contraditório;

- Impossibilidade de trânsito em julgado da mesma decisão, porque se baseou em facto jurídico inexistente.

*

O arguido indicou testemunhas a serem ouvidas para instrução do recurso, o que foi indeferido por se entender que a matéria sobre a qual as testemunhas iriam ser inquiridas – relações entre o arguido e a sua advogada e suposta confusão da sua avó entre a identidade do arguido e um outro indivíduo – não se mostravam relevantes para a procedência da pretensão do arguido.

Instruído o recurso e ouvido o M.º Público, que elaborou o douto parecer de fls. 856 a 866, pugnado pela negação da revista, cumpre elaborar a informação sobre o mérito do pedido, a que alude o art.º 454.º do C.P.P.

*

O art.º 449.º, n.º 1 al. d) do C.P.P. implica, para a concessão da revisão, que se tenham descoberto novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Ora, compulsados os autos e atendendo ao excurso acima efetuado acerca da marcha do processo, entendemos, s.m.o., que o requerente não apresentou novos factos ou meios de prova que tenham a virtualidade de, por si só ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da decisão de revogar a suspensão da execução da pena.

Com efeito, o requerente e a sua advogada foram notificados de todos os despachos e diligências, prévios à decisão de revogação da suspensão de execução da pena, nada disseram nem colocaram em crise o referido despacho, pelo que mesmo transitou em julgado.

Tudo porque o arguido sempre residiu no domicílio constante do TIR por si prestado, domicílio que ainda hoje indica com sendo o seu, tal como expressamente realça na Conclusão XV do recurso de revisão.

Em face de tudo o exposto, somos de parecer que deve ser negada a revisão do despacho de revogação da suspensão da pena proferido nos autos, em virtude de se mostrar infundado o pedido.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta no parecer que emitiu declarou concordar com a resposta apresentada pelo Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

                                        *

O instituto da revisão de sentença, de matriz constitucional[2], enquanto mecanismo processual conflituante com o do caso julgado material, também constitucionalmente consagrado através do princípio non bis in idem[3], consubstancia um incidente excepcional, sendo que só perante situações especiais, rigorosamente previstas na lei, decorrentes de uma decisão injusta, é admissível a sua utilização, tendo em vista a reposição da verdade e a realização da justiça, verdadeiro fim do processo penal.

Como refere o saudoso Conselheiro Maia Gonçalves[4], o princípio res judicata pro veritate habetur não pode obstar a um novo julgamento, quando posteriores elementos de apreciação põem seriamente em causa a justiça do anterior. O direito não pode querer e não quer a manutenção de uma condenação, em homenagem à estabilidade de decisões judiciais, à custa da postergação de direitos fundamentais dos cidadãos.

Por isso, a lei admite, em situações expressamente previstas (artigo 449º, n.º 1, alíneas a) a g), do Código de Processo Penal)[5], a revisão de sentença transitada em julgado, mediante a realização de novo julgamento (artigo 460º), equiparando à sentença, no n.º 2 do artigo 449º, despacho que tiver posto fim ao processo, o que equivale por dizer que, para além da sentença, só o despacho judicial que tiver posto fim ao processo é susceptível de revisão.

Consabido que no caso que ora nos ocupa estamos perante um despacho, concretamente perante despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão em que o recorrente Bruno dos Santos foi condenado, vejamos se o mesmo pôs ou não fim ao processo.

Segundo a jurisprudência pacífica e constante deste Supremo Tribunal, a decisão que põe fim ao processo é a decisão final, ou seja, a sentença, a qual em regra conhece da relação substantiva ou mérito da causa, bem como a que, proferida antes da sentença, tem como consequência o arquivamento ou o encerramento do processo[6].

Tenha-se em vista o que a lei adjectiva penal estabelece em matéria de actos decisórios, ao estatuir nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 97º:

«Os actos decisórios dos juízes tomam a forma de:

a) Sentenças, quando conhecerem a final do objecto do processo;

b) Despachos, quando conhecerem de qualquer questão interlocutória ou quando puserem fim ao processo fora do caso previsto na alínea anterior».

É inquestionável, pois, que o despacho que o recorrente Bruno dos Santos pretende seja revisto é insusceptível de revisão, posto que prolatado depois da sentença.

Tem sido este, aliás, o entendimento quase unanime deste Supremo Tribunal, ao considerar que o despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão não põe fim ao processo, limitando-se a dar sequência à condenação antes proferida[7].

                                          *

Termos em que se acorda negar a revisão.

Custas pelo recorrente, fixando em 2 UC a taxa de justiça.

                                          *


Oliveira Mendes (relator)
Pires da Graça
Santos Cabral [com voto de vencido no sentido de que campo de aplicação do instituto da revisão tem uma amplitude mais abrangente em relação à que é professada na decisão ora proferida. O despacho que determina a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, em termos práticos essa revogação é mais prejudicial para o arguido (conduz à efectiva privação da sua liberdade) do que a condenação inicial. Embora ela não ponha termo ao processo (art. 449.º, n.º 2, do CPP), é evidente que, se estiver errada, deverá ser revista. Os seus efeitos são equiparados: termina o incidente respectivo e inicia-se a execução efectiva da pena.]

-----------------------------


[1] - O texto que a seguir se transcreve, bem como os que mais adiante se irão transcrever, correspondem ipsis verbis aos constantes do processo.
[2] - De acordo com o n.º 6 do artigo 29º da Constituição da República Portuguesa:
«Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos».

[3] - O caso julgado material constitui a dimensão objectiva do princípio non bis in idem, através da qual se protege a certeza e a firmeza da decisão judicial, a intangibilidade do definitivamente decidido pelo tribunal, tutela indispensável à credibilidade e imagem dos tribunais e ao interesse legítimo dos sujeitos processuais e da comunidade.

[4] - Código de Processo Penal Anotado, notas ao artigo 449º.

[5] - Tais situações são:
a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;
b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;
c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados outra sentença e a da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126º;
f) Seja declarada pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;
g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça».

[6] - Entre muitos outros, os acórdãos de 07.04.11, 07.10.07 e 09.02.18, proferidos nos Processos n.ºs 618/07, 3289/07 e 109/09.

[7] - Entre outros, os acórdãos de 06.06.14, 07.11.21, 08.02.27, 09.01.27, 09.02.18, 09.03.12 e 10.09.29, proferidos nos Processos n.ºs 764/06, 3754/07, 4823/07, 105/09, 109,09, 396/09 e 520/00.7TBABT-A.S1.