Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4ª. SECÇÃO | ||
Relator: | LEONES DANTAS | ||
Descritores: | BANCÁRIO JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO DEVER DE LEALDADE DEVER DE OBEDIÊNCIA DEVER DE ZELO | ||
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Data do Acordão: | 02/22/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
Área Temática: | DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / DEVERES DO TRABALHADOR / CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO / DESPEDIMENTO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR / DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA. | ||
Doutrina: | - MARIA do ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, 6.ª Edição, Almedina, 2016, 281, 288, 289, 804, 807 e seguinte. - MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 12.ª Edição, Almedina, 2004, 233; 13.ª Edição, Almedina, 2006, 564; 14.ª Edição, 591. - PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 2010, 5.ª Edição, Almedina, 529 e 530. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE TRABALHO (CT) / 2009: - ARTIGOS 128.º, N.º 1, ALS. C), D), E) E F), E 2, 330.º, N.º 1, 351.º, N.º 1. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 18.º, N.º 2. * ANEXO III, DO ACORDO COLETIVO DE TRABALHO DO SETOR BANCÁRIO, PUBLICADO NO N.º 4, 1.ª SÉRIE, DO BOLETIM DO TRABALHO E EMPREGO, DE 29 DE JANEIRO DE 2005. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: -N.º 632/2008, DE 23 DE DEZEMBRO DE 2008, DISPONÍVEL EM HTTP://WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT/TC/ACORDAOS/20080632.HTML . -*- ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 22 DE SETEMBRO DE 2010, PROCESSO N.º 217/2002.L1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT . -DE 23 DE NOVEMBRO DE 2011, PROCESSO N.º 318/07.1TTFAR.E1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT . -DE 12 DE MAIO DE 2016, PROCESSO N.º 44/10.4TTVRL.G1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT . | ||
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Sumário : | 1.º – A noção de justa causa de despedimento, consagrada no artigo 351.º, n.º 1, do Código de Trabalho de 2009, pressupõe um comportamento culposo do trabalhador, violador de deveres estruturantes da relação de trabalho, que pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral; 2.º – Na atividade bancária, a exigência geral de boa-fé na execução dos contratos assume um especial significado e reveste-se por isso de particular acuidade pois a relação juslaboral pressupõe a integridade, lealdade de cooperação e absoluta confiança da/na pessoa contratada; 3.º – Viola os deveres de obediência e zelo, consagrados nas alíneas d) e c), do n.º1 e no n.º 2 do artigo 128.º, do mesmo Código do Trabalho, o trabalhador responsável pela gestão de agência bancária que realiza operações bancárias com clientes da agência que gere, alguns deles seus familiares, utilizando user names e passwords de outros trabalhadores da agência e não obtendo a assinatura dos mesmos clientes nos documentos que titulam as operações realizadas. 4.º - A conduta descrita no número anterior, face à especificidade das funções de gerente, quebra de forma irreparável a relação de confiança entre as partes tornando inexigível a sua manutenção e integra, por tal motivo, justa causa de despedimento. | ||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 4614/14.3T8VIS.C2.S1 (Revista) 4.ª Secção LD\ALG\RC
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I
AA intentou a presente ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, manifestando, por via da apresentação do requerimento a que alude o artigo 98.º-C do Código de Processo do Trabalho, a sua oposição ao despedimento de que foi objeto promovido por BANCO BB, S.A., seu empregador. Realizada a audiência de partes e frustrada a conciliação, veio o empregador apresentar o articulado mencionado no artigo 98.º-J do supra aludido código, invocando, em síntese, que a trabalhadora, enquanto gerente do seu balcão de ..., movimentou contas e realizou operações bancárias sem o necessário suporte documental, tendo efetuado levantamentos em dinheiro e transferências, algumas das quais para uma conta de sua titularidade, utilizando, para o efeito, terminais de computador e identificações eletrónicas referentes a colegas seus da mesma agência, causando ao empregador, um prejuízo de € 16.350,00. Mais refere que no âmbito do processo disciplinar ficou comprovado que a trabalhadora agiu em gravíssima violação dos princípios mais elementares à ética e deontologia profissionais e às normas de conduta ao movimentar abusivamente contas de clientes, apropriando-se de fundos, em manifesto abuso de confiança e conflito de interesses. Conclui, pedindo a sua absolvição, face à licitude do despedimento promovido e, no caso de assim não ocorrer, salienta que “devem ser deduzidas todas as importâncias recebidas a título de desemprego e / ou equivalente”. A trabalhadora contestou, alegando, resumidamente, que apenas aceita que, enquanto gerente, era a representante do banco e a pessoa a quem competia a gestão do balcão, impugnando o demais alegado, admitindo, a realização de uma das operações bancárias documentadas no processo. Acrescenta que não era só ela quem preenchia a folha em que estavam apontados alguns dos movimentos de conta do cliente em causa, que os seus familiares ratificaram as operações realizadas nas suas contas e que não utilizou as passwords dos seus colegas. Conclui, pedindo a procedência da impugnação judicial e peticiona, em reconvenção, a declaração da ilicitude do despedimento e a condenação do empregador: a) a reintegrá-la, sem prejuízo da sua categoria profissional e antiguidade, com uma sanção pecuniária compulsória de € 500,00 por dia; b) a pagar à trabalhadora as retribuições que deixou de auferir desde 23 de setembro de 2014 até ao trânsito em julgado da decisão, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 a 3 do artigo 98.º-N do Código de Processo do Trabalho; c) a repor os créditos contratados entre o empregador e a trabalhadora no regime bonificado, bem como na compensação correspondente à sua passagem para o regime geral; d) a pagar-lhe a quantia de € 20.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais; e) a publicitar, por memorando interno, um pedido de desculpas sincero, assinado por todos os membros do Conselho de Administração, acompanhado de um resumo da sentença.
A ação prosseguiu seus termos e veio a ser decidida por sentença de 21 de maio de 2015 que a julgou parcialmente procedente e condenou o Réu em alguns dos pedidos formulados.
Inconformado com o assim decidido, o Réu apelou para o Tribunal da Relação de …, que conheceu do recurso por acórdão de 12 de novembro de 2015, tendo anulado a decisão recorrida e determinado «o reenvio do processo à 1.ª instância que deverá suprir o apontado vício, se necessário, com a realização de novo julgamento restrito às questões em relação às quais a decisão da matéria de facto se mostra contraditória». Reaberta a audiência de julgamento, produzidos os meios de prova que foram julgados oportunos, foi proferida nova sentença, esta datada de 9 de março de 2016, que integrou o seguinte dispositivo: «Julgo a presente ação de impugnação e a reconvenção parcialmente provadas e, nessa medida, procedentes, e assim declaro ilícito o despedimento da trabalhadora AA pelo empregador BANCO BB SA. Consequentemente, condeno o banco empregador a) a reintegrar a trabalhadora, sem prejuízo da sua categoria profissional e antiguidade; b) a pagar, à mesma trabalhadora, as retribuições que deixou de auferir, desde 23 de setembro de 2014 até ao trânsito em julgado da presente decisão, sem prejuízo do disposto no nº 2 do art.º 390º do código do trabalho e nos nºs 1 a 3 do art.º 98-N do código de processo do trabalho; c) a pagar, em partes iguais à trabalhadora e ao Estado, um total de € 33,33 por cada dia de atraso, após o trânsito da presente decisão, no cumprimento do determinado em a); d) a repor os créditos contratados com a trabalhadora no regime bonificado, com retroatividade desde a data em que passou os mesmos ao regime geral, realizando o correspondente acerto de contas; e) a pagar à trabalhadora a quantia de € 2.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais; f) a pagar, à trabalhadora, juros, à taxa de 5% ao ano, desde o seu vencimento e até integral pagamento, no cumprimento do referido em d) e e). Absolvo o banco empregador de tudo o demais contra ele pedido. Custas pelos sujeitos processuais, na razão de 10% para a trabalhadora e os restantes 90% para o banco empregador. Valor: € 30.000,10».
Inconformado com esta decisão, dela apelou, de novo, o Banco Réu para o Tribunal da Relação de …, que veio a conhecer do recurso interposto por acórdão de 15 de setembro de 2016, nos seguintes termos: «Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de … em julgar procedente o recurso e, consequentemente, revogam a sentença recorrida, declarando lícito o despedimento da trabalhadora e em conformidade absolve-se o réu do pedido. Custas pela trabalhadora. Notifique.»
Irresignada com o assim decidido, veio a Autora recorrer de revista para este Supremo Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: «1. O Acórdão recorrido viola concretamente o art. 351° do Código do Trabalho e a cláusula 117.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do setor bancário, publicado no n° 4 da I série do Boletim do Trabalho e Emprego de 29 de janeiro de 2005 (texto consolidado). 2. Nos termos do n.° 3 do art.º 351° do CT "na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao caráter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes." 3. No resumo que faz do "núcleo essencial de factos para se analisar se o comportamento apurado da trabalhadora constitui ou não justa causa de despedimento ...", o Acórdão recorrido limita drasticamente o que foi dado como provado e não provado, não apreciando o essencial, isto é, que não houve qualquer prejuízo do empregador; que da reintegração da trabalhadora não pode resultar qualquer inconveniente, já que esta não terá sequer qualquer contacto com os anteriores colegas (cfr. Facto provado 73); nem entrou em linha de conta com "as demais circunstâncias que no caso sejam relevantes", designadamente, não olhou sequer para a "fundamentação de facto" da Sentença da 1.ª Instância, esquecendo o "mundo" e o enquadramento em que devem ser apreciados os factos assentes - de profunda crise no setor, de diminuição drástica de recursos humanos, dos usos da profissão, do tratamento que é dispensado aos clientes mais importantes, de perda de confiança dos clientes. 4. Limitada e erradamente o Acórdão recorrido apenas considera como "relevantes" os factos provados n°s 4, 5, 6, 8, 10, 12, 16, 17, 18, 24, 30, 31, 33, 34, 36, 37, 39, 43 e 87, sumariando-‑o da seguinte forma: "constitui justa causa de despedimento o comportamento reiterado, durante vários anos, de uma gerente bancária que violou normas internas do banco empregador que proibiam que movimentasse contas de familiares e utilizasse credenciais (user e password) dos seus colegas e subordinados do balcão, sem que tivesse ainda, tido o cuidado de obter a assinatura prévia dos documentos dos titulares das contas dos clientes do banco que movimentou". 5. Daquele elenco dos factos provados não é possível concluir por um "... comportamento reiterado, durante vários anos...". 6. Dos factos provados 5, 6, 8, 10, 24, 30, 33, 36, 37 e 39, não é possível concluir "que", "quantas", "quando" ou "quais" foram realmente as operações realizadas pela trabalhadora recorrente nas contas dos seus familiares ou na conta do cliente CC, pelo que não é possível definir ou divisar um padrão comportamental que permita a conclusão expressa no sumário do Acórdão recorrido. 7. O que se pode retirar de todos aqueles factos provados é que "algumas" daquelas operações foram realizadas pela trabalhadora". 8. Isso mesmo resulta e é reforçado pelos factos não provados n°s 3, 6, 7, 20, 23, 26, 27, 32, 33, 36, 37 e 38; 9. O Acórdão recorrido também não entra em consideração, como ordena a parte final do n.° 3 do art. 351° do CT, com o passado impoluto e com a carreira admirável da trabalhadora recorrente, designadamente com os factos provados 68, 69, 70, 71, 72, 73 e 79 e os factos não provados 52 e 53. 10. Também desconsidera a parte inicial do mesmo normativo, já que o banco recorrido, não obstante as "infrações da trabalhadora", não sofreu qualquer prejuízo, como decorre dos factos não provados 31 e 45; 11. De igual passo, desconsidera que as operações não foram feitas à revelia dos clientes ou que inexistisse qualquer propósito ilegal da trabalhadora recorrente, como decorre dos factos não provados 4, 10, 11,12, 13, 14, 17, 19, 23, 25, 26, 27, 29 a 33, 36 a 38, 41, 43, 45, 49 a 57, 82 e 83. 12. O Acórdão recorrido revela um completo desconhecimento do dia a dia do funcionamento duma agência bancária, não se preocupando, sequer, em averiguar a fundamentação de facto feita na Sentença da Ia Instância, quanto à partilha de password's decorrente de "imperativos de operacionalidade": "Obviamente que a trabalhadora, como gerente do balcão, que contava com um reduzido número de trabalhadores, conhecia estes elementos, que lhe foram facultados pelos próprios colegas, seguramente porque a tanto anuíram, mesmo sabendo que tal lhes não era reconhecido como correto pela hierarquia. Dois dos elementos ouvidos pela inspeção produziram, a este respeito, declarações totalmente nos antípodas: DD, declara que se trata de "uma prática que acontece em todos os balcões, com todos os operadores ", enquanto EE atesta por escrito que, "com 31 de instituição BANCO BB nunca partilhei (...) a minha password" e - veja-se as folhas 145 e 147. Provavelmente ambos estão com (alguma razão), unicamente exageram porque estão a depor perante a sua inspeção, logo... Assim, tenho por natural que a trabalhadora tenha pedido esses elementos, e que eles lhos tenham sido facultados. Tal, aliás, igualmente por imperativos de operacionalidade, já que se trata de um balcão com poucos elementos e é necessária alguma complementaridade." (Cfr. ponto IV, alínea b)). 13. Também não considerou que aos dois outros trabalhadores da agência de ... foi apenas aplicada a mais baixa sanção disciplinar pelos mesmos factos, isto é, a advertência verbal - prática usual na banca sempre que surge esta questão da "partilha de password's ". 14. Revelando um total desconhecimento da realidade do dia a dia duma agência bancária, considera o Acórdão recorrido como "comportamento grave" a violação da proibição de “'partilha de password 's”. 15. Desconsidera o Acórdão recorrido que numa agência bancária com apenas 3 elementos, há operações bancárias que exigem a presença permanente de 3 trabalhadores para que as regras de funcionamento duma agência sejam cumpridas (é o caso dum simples levantamento de caixa ou do levantamento de um cheque: o "caixa" para efetuar a operação e dois outros trabalhadores para "visarem" a operação). 16. Também não entende o Acórdão recorrido que no banco recorrido que há certos clientes, como o Sr. CC, em relação aos quais tudo é permitido (cfr., designadamente os factos provados 14, 16 a 18, 28, 41, 43, 44, 45, 46, 78 a 85 e o expresso na fundamentação de facto da Sentença de 1.ª Instância, no Ponto IV, alínea e): "O cliente CC é, como todos sabem, pessoa de 91 anos de idade, pessoa com depósitos e dinheiros consideráveis, pessoa que se movimenta bem para a sua idade, pessoa que não passa despercebida a ninguém quando entra na agência bancária, frequentemente fora de horas (cfr. Folha 236 verso)... "; "... pessoa para quem, como para outras, o novo gerente do balcão concordou que não existia horário de funcionamento, era apenas preciso que o funcionário bancário estivesse na dependência para o atender..."; e, ainda nas alíneas c) e d), que de são por reproduzidas). 17. O cliente CC nunca apresentou qualquer reclamação junto do banco recorrido. 18. Nem sofreu qualquer prejuízo. 19. A recorrente não se apropriou de qualquer quantia (cfr., facto não provado 19). 20. Nem resulta da matéria de facto provada, [ao] contrário do que salienta o Acórdão recorrido na sua descrição do "núcleo essencial dos factos" (..."Algumas das credenciais destes trabalhadores foram utilizadas quando os mesmos já tinham feito "log off" do sistema e registado a sua saída do balcão...", pág. 60, último parágrafo), que tenha sido a recorrente quem efetuou tais operações descritas no ponto 13 dos factos provados, particularmente a que se refere ao "... log off do sistema e registado a sua saída do balcão.... " 21. Desconsidera, depois, em relação às operações efetuadas nas contas de familiares da trabalhadora recorrente, o expresso na fundamentação de facto da Sentença da 1.ª Instância (cfr., Ponto IV, alínea e): “Os familiares da trabalhadora, titulares das contas nas quais foram feitos movimentos a débito, em parte para crédito de contas da mesma trabalhadora, compareceram no local que para o efeito lhes foi indicado e declararam que assumiram as referidas operações. Perante este quadro, entendo que, para quem tem funções de decisão, e não querendo ficar vulnerável à crítica de estar a realizar operações persecutórias, importa considerar que eles não sofreram quaisquer prejuízos, que não sentiram que foi efetuado qualquer ato abusivo, que não têm — nem nunca chegaram a ter - a posição de queixosos. Utilizando critérios de experiência de vida, entendo que é perfeitamente compreensível que os familiares de uma pessoa que trabalhe numa empresa que vende eletrodomésticos encarreguem esse seu familiar de lhes adquirir um computador, mesmo que fazendo como se para ele próprio se tratasse. Dificilmente concebo que familiares de uma enfermeira, de um médico ou de uma administrativa que trabalha no Centro de Saúde não utilizem os "bons ofícios " dessa pessoa para saber como mudar o médico de família, como proceder para estar isento do pagamento de taxas moderadoras, e demais situações semelhantes. Compreendo perfeitamente que os familiares de um bancário recorram aos seus préstimos para a realização de operações bancárias; tratando-se de familiares próximos e ou de pessoas idosas, tenho até por natural que encarreguem esse seu familiar de diligenciar como melhor entender pelos seus interesses...'" 22. Desconsidera igualmente que os constrangimentos próprios do dia a dia duma agência bancária e a relação de confiança entre colegas que trabalham juntos em equipa e que confiam uns nos outros, conduz, as mais das vezes, a que sejam adotados procedimentos inócuos que nem sempre respeitam as estritas regras de funcionamento das agências, sem que daí resulte qualquer prejuízo para quem quer que seja. 23. Assim como não entende o Acórdão recorrido que os bancos têm todo o interesse em que as contas dos familiares dos seus trabalhadores estejam na sua "carteira de clientes", não proibindo a sua movimentação nas agências onde o trabalhador desenvolve a sua atividade - de outro modo, sem um "tratamento de favor", qual seria a razão para ter lá sediadas as contas? Afinal, os bancos oferecem todos os mesmos produtos com as mesmas rentabilidades! 24. Também não entra em linha de conta com a inocuidade das operações efetuadas, sendo aqui de destacar, uma vez mais, que "apenas algumas daquelas operações" foram efetuadas pela trabalhadora recorrente. 25. Os familiares da recorrente não sofreram qualquer prejuízo. 26. Tais operações foram expressamente solicitadas pelos familiares da recorrente. 27. Estes familiares dirigiram-se, no dia 4 de julho de 2014, aos escritórios do Banco recorrente, sufragando que não só tinham conhecimento das operações que haviam sido efetuadas nas suas contas, como também que as mesmas haviam sido expressamente solicitadas e autorizadas, e disponibilizando-se para ratificar por escrito essas mesmas operações, o que fizeram, assinando declaração para o efeito (cfr., facto provado 86). 28. Também quanto a estas operações o banco não sofreu qualquer prejuízo. 29. Acompanhando a fundamentação de direito das Sentenças da 1.ª Instância, "Subsiste, pois, relativamente operações realizadas pela trabalhadora ("apenas algumas", "em número indeterminado) em violação das regras de funcionamento da recorrida (a todas elas) uma ilegalidade, um ato ilícito". 30. "Trata-se, porém, de um ato apenas formalmente ilícito, na medida em que, verificada uma conduta correspondente à previsão de uma norma interna do banco, esbarra com a estatuição correspondente, assim se podendo, com rigor formal, dizer que essa atitude da trabalhadora se traduziu numa violação da norma. 31. Existe, assim, uma ação juridicamente desvaliosa, mas à qual não correspondeu o desvalor do resultado - ilicitude formal, portanto, não material nem substancial. 32. Tratar-se-ia, agora, de aferir a verificação, com base nessa atitude, da justificação para o despedimento (...) trata-se de aferir se os motivos provados incorporam este conceito de "justa causa". 33. Tal impõe-se, desde logo, por imperativo constitucional, pois que o art.° 53° da Lei Fundamental, iniciando o capítulo epigrafado "direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores" - embora já sem a proteção absoluta que constava da versão originária da Constituição da República Portuguesa - ainda reza que "é garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos". 34. A lei igualmente avança para a concretização do conceito que impôs. Refere o n.° 1 do art.° 351° do Código do Trabalho que "constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho", sendo que - e agora nos termos do n° 3 do referido preceito - "na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao caráter das relações entre as partes (...) e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes". Como refere o especialista, a manutenção da relação laboral, nos casos em que a lei admitiria o despedimento, significaria que "a continuidade da vinculação representaria objetivamente uma insuportável e injusta imposição ao empregador" (A. Monteiro Fernandes, "Direito do Trabalho", 12.ª edição, Almedina Coimbra, pág. 559). 35. Prescreve ainda o n° 2 do mesmo artigo legal uma enumeração de "comportamentos do trabalhador" que "constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento", se bem que exemplificativa, e sendo que, o comportamento em causa, subsumir-se-ia, no máximo, ao disposto nas alíneas a), d), ou e) daquele n° 2. 36. Destaque, ainda, para o disposto no n° 4 do art.° 357° do código do trabalho, disciplinando a decisão do processo disciplinar, e a esse título declarando que "são ponderadas as circunstâncias do caso, nomeadamente (as já referidas no n° 3 do art.° 351°) e a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador ". 37. Em causa, dentre as várias causas passíveis de medida de despedimento, pondera-se a primeira: "desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores". 38. A este título, importa ponderar o que se pode entender como "desobediência". Ora, como facilmente se pode concluir, a palavra encerra a negação da obediência, ou seja, a atitude que se traduz em não obedecer. 39. Porém, bem mais do que isso, trata-se não meramente de não proceder obedientemente, mas também de decidir assim não o fazer. A palavra encerra não uma mera inobservância de um resultado, como também uma atitude de optar por não o prosseguir. A desobediência é um ato determinado, voluntariamente prosseguido, desejado. 40. Como se pronunciou a Relação de Lisboa, "constitui justa causa de despedimento o comportamento da autora, traduzido na não realização das diligências ordenadas pela ré, (...) bem como na não comunicação (...) da sua não concretização (...) sem ter deixado minimamente acautelada tal situação'' (Ac. de 10.10.2012, relatado pelo Desembargador José Eduardo Sapateiro, no processo 4745/09.1TTLsb). 41. Decidiu a trabalhadora não obedecer às normas internas que obrigavam à recolha de assinatura previamente à efetivação de atos bancários, no caso do cliente CC, e igualmente decidiu não se vincular à proibição de realizar atos referentes a contas de familiares seus. 42. Pode ainda o banco empregador e o Acórdão recorrido entender estar verificada a causa constante da alínea d) do n° 2 do citado art.° 351° do código do trabalho, ou seja, "desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afeto". 43. Porém, o certo é que, em ambas as normas, se dirá que a trabalhadora se limitou a cometer uma ilegalidade da qual não resultou qualquer prejuízo, sendo que igualmente se não prova que não pudessem, os atos cuja documentação não foi colhida, ser validados retroactivamente - o quem, está bom de ver, não invalidaria o cometimento de uma ilegalidade, mas limitaria drasticamente o seu já curto pendor de ilicitude material. 44. Por fim, aponta(rá?) ainda o banco empregador o disposto na alínea e) do mesmo preceito, a saber, "lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa". 45. Dos factos provados - tal como, aliás, dos alegados - não consta qualquer elemento que permita essa caracterização. 46. E, como decidiu a Relação de Évora, "não se verifica justa causa de despedimento na situação em que é ordenado a um trabalhador (...) que faça a recolha de verdes numa determinada zona e o mesmo não cumpre tal ordem, sendo que da sua atuação não resultaram consequências para a empresa (pois que) esta conduta não origina a impossibilidade de manutenção da relação laboral" (Ac. de 21.02.2013, relatado pela Desembargadora Paula do Paço, no processo 435/1 OTTFar.). 47. Ou seja, uma conduta inconsequente não motiva, em regra, uma decisão de aplicação da mais drástica das medidas disciplinares. Ou, se preferirmos a simplicidade dos sábios e a clareza dos que pretendem refletir sobre as suas dúvidas: "Para haver obrigação de indemnizar, é condição essencial que haja um dano, que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém. Se o automobilista transgrediu as regras de trânsito, mas não atropelou ninguém nem danificou coisa alheia, ou se o proprietário não observou as precauções devidas na conservação do edifício e este ruiu, mas não atingiu nenhuma pessoa nem outros bens, não chega a pôr-se qualquer problema de responsabilidade" (Pires de Lima/Antunes Varela, "código civil anotado, vol. II, Coimbra Editora Ld.ª, 2.ª edição, pág. 420) 48. Não houve, pois, lesão de interesses patrimoniais, sérios ou não. 49. Recapitulando, temos por interessante atender a duas das mais recentes decisões jurisprudenciais referentes a despedimento, mormente quando ponderadas a questão da culpa e da violação de deveres laborais, mormente, de ordens de superior hierárquico. 50. Para a Relação de Coimbra: "a justa causa de despedimento pressupõe uma ação ou uma omissão imputável ao trabalhador a título de culpa e violadora dos deveres (...) de conduta a que o trabalhador, como tal, está sujeito" (Ac. de 20.11.2014, relatado pelo Desembargador Jorge Loureiro, no processo 265/13.8TTVis). 51. O Supremo Tribunal de Justiça: "a noção de justa causa de despedimento (...) pressupõe um comportamento culposo do trabalhador, violador de deveres estruturantes da relação de trabalho" (Ac. de 19.11.2014, relatado pelo Conselheiro Leones Dantas, no processo 525/07.7TTFUN.L2.S1). 52. Ora, a prova de que foram inobservados normativos à trabalhadora, e a sua mera não observância, sem um pressuposto de culpa, é insuficiente para justificar a sanção de despedimento. 53. Nestes termos, entendemos não dever considerar-se a medida lícita. Sobretudo, se atendermos, como refere o já citado n° 3 do art.° 351° do código do trabalho, "no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador". 54. O banco em causa - o seu antecessor, previamente à medida política decidida de operar uma separação e uma duplicidade algo esquizofrénicas entre o BANCO BB e o "banco mau" - não foi o primeiro nem terá sido o último, unicamente o mais recente, a ter que beneficiar da contribuição de dez milhões de cidadãos para se poder manter. Todos ainda recordam as siglas correspondentes às iniciais das instituições bancárias que deixaram os seus depositantes - que não necessariamente os donos e gestores - com verdadeiros, reais e sérios (aí sim) prejuízos; todos sabem que o país político e social não tem como seguramente evitável o desastre centrado na instituição derivada do "Monte Pio dos Funcionários Públicos", fundado em 1840, e que, desde então, com o signo de um pelicano de asas abertas protegendo as suas crias, levou a um grupo empresarial que, nos tempos mais recentes, acumula centenas de milhões de euros de prejuízos anuais (wikipédia, consultada em língua portuguesa a 25 de maio de 2015). O HH é um órgão noticioso unanimemente considerado como "de referência", fundado vai para meio século e dirigido por pessoas que ocuparam e que ocuparão funções de alta responsabilidade nos destinos do país onde é líder de tiragens. Justamente a manchete da sua mais recente edição (em formato de papel) clamava para que "Banco de Portugal acusa 15 gestores do BANCO BB", enquanto que o respetivo subtítulo referia que "Gestão ruinosa e prestação de falsas informações com dolo são algumas das acusações que recaem sobre administradores; banco de Portugal tem provas de que FF ordenou por escrito falsificação de contas da GG (n° 0021 do HH de 23 de maio de 2015). 55. Neste contexto, é dificílimo sustentar a bondade da decisão de despedimento, atentos os factos provados, e justificá-la à luz do citado normativo de comparação e ponderação inserto nos n°s 1 e 3 do art.° 351° do código do trabalho. 56. A medida em causa está prevista na alínea f) do n° 1 da cláusula 117.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do setor bancário, publicado no n° 4 da I série do Boletim do Trabalho e Emprego de 29 de janeiro de 2005 (texto consolidado), cujo texto integral importa analisar, mesmo que ele pouco mais faça do que reproduzir a letra da lei a esse respeito. 57. De harmonia com o n° 1, "A Instituição pode aplicar, dentro dos limites fixados nesta cláusula, as seguintes sanções disciplinares: a) repreensão verbal; b) repreensão registada; c) sanção pecuniária; d) perda de dias de férias e) suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade"; ao que segue a medida aplicada. 58. No seu n° 5, e como critério orientador de escolha da medida aplicável, "a sanção disciplinar deve ser proporcionada à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator, tomando-se ainda em conta a sua personalidade, antiguidade, passado disciplinar e outras circunstâncias atendíveis". 59. Na mesma senda, outra decisão do Supremo Tribunal de Justiça assim exprimia: "A posição jurídica do empregador confere-lhe, enquanto titular da empresa, um conjunto de poderes, incluído o disciplinar, que se manifesta na possibilidade de aplicação de sanções internas aos trabalhadores, seus subordinados, cuja conduta se revele desconforme com as ordens, instruções e regras de funcionamento da estrutura produtiva, surgindo o despedimento sem indemnização ou compensação, no elenco gradativo das previstas sanções disciplinares, como a ultima ratio, reservada às situações de crise irreparável da relação jurídica de trabalho. O princípio da proporcionalidade, convocado aquando da seleção da sanção disciplinar tida por adequada, orienta e informa o empregador, enquanto decisor, da necessidade de observar, no momento próprio, a regra segundo a qual a sanção por que se opte deve corresponder, em termos de proporcional severidade, à gravidade da conduta infracional, avaliada em si e nas suas consequências, e no grau de culpa do infrator, ambas aferíveis pelo padrão convencional do homem médio/bonus pater familias, e reportáveis ao quadro atendível na apreciação da justa causa prefigurado no n°3 do art.º 351° do código do trabalho". 60. E foi neste contexto que o aresto em causa se aproximou da situação aqui em apreço: "No plano de valoração desta norma, não pode descurar-se o setor de atividade (bancária) em que se desenvolve a prestação contratada e a particular exigência da componente fiduciária nela pressuposta, domínio em que a confiança, mais que mero suporte psicológico de uma relação jurídica interpessoal duradoura, se traduz afinal no exercício de uma função de confiança, essencial na organização técnico-laboral criada e mantida pelo empregador". 61. E continua: "Exige-se dos trabalhadores bancários uma postura de inequívoca transparência, insuspeita lealdade de cooperação, idoneidade e boa-fé na execução das suas funções, respeitando escrupulosamente as regras do contrato (as decorrentes da lei geral e, particularmente, as constantes das normas internas que disciplinam a sua intervenção profissional) ". 62. E assim conclui: “É de afirmar a justa causa do despedimento, atenta a lesão da imagem pública de confiança e segurança da instituição bancária, decorrente da violação do dever de lealdade, quando está demonstrado que a A., à revelia das regras que conhecia perfeitamente por força do exercício das suas funções, pediu, repetidamente, empréstimos a clientes da sua empregadora, para fazer face a despesas pessoais e/ou de empresas de familiares" (Ac. de 19.11.2014, relatado pelo Conselheiro Leones Dantas, no processo 525, no processo 525/07.7TTFUN.L2.S1). 63. Sem qualquer prejuízo apurado, sem qualquer segurança de que tenha havido uma atuação desconforme à vontade dos depositantes, unicamente porque o procedimento interno não foi observado, será proporcional a sanção mais grave? 64. Afigura-se que o mesmo Supremo Tribunal de Justiça responde a esta questão; e negativamente: "Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, pautando-se este juízo por critérios de razoabilidade, exigibilidade e proporcionalidade. Resultando embora provado que a conduta global da autora é censurável e assuma relevância disciplinar, por violação, nomeadamente, dos deveres de zelo e diligência, se ela apenas se traduziu em factos que consubstanciam um conjunto de lapsos, erros e incúrias (não se provou, para além do mais, que a autora tivesse efetuado quaisquer operações bancárias à margem de instruções, ainda que meramente verbais, de clientes da R,), não é razoável nem proporcional sancioná-la com a mais grave das sanções disciplinares, resultando, assim, ilícito o despedimento promovido pela ré" (Ac. de 17.12.2014, relatado pelo conselheiro Mário Belo Morgado, no processo 723/12.1TTMTS.P1.S1). 65. A mais recente das decisões que logramos consultar considerou, efetivamente, lícito um despedimento de um trabalhador bancário. Tratava-se de pessoa que teve particular intervenção em quatro financiamentos de 6 milhões cada, para cujas garantias os beneficiários se propuseram constituir penhor, ato este que, no entanto, não veio a ocorrer. Trata-se de uma decisão recente, que se centrou na correção (ou não) de uma notificação que poderia determinar a caducidade do procedimento disciplinar (Ac. de 22.01.2015, relatado pelo conselheiro Leones Dantas, no processo 649/11.6TTFun.). 66. Importa, portanto, julgar desproporcionada a sanção aplicada, logo, ilícito o presente despedimento.»
Termina referindo que «deve o Acórdão recorrido ser revogado, por incorreta apreciação dos factos assentes e por errónea subsunção dos mesmos nos quadros do ordenamento jurídico-laboral, em especial por violação clara e cabal do art. 351° do CT Trabalho e da cláusula 117.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do setor bancário, publicado no n° 4 da 1.ªsérie do Boletim do Trabalho e Emprego de 29 de janeiro de 2005 (texto consolidado), reintegrando-se, na sua plenitude, a Sentença proferida pela 1.ª Instância, como é da mais elementar justiça».
O Banco recorrido respondeu ao recurso interposto, integrando nas alegações apresentadas a seguinte síntese conclusiva: «Posto isto, a uma conclusão somos forçados a chegar. A decisão da Relação, nada mais fez que cumprir exatamente essa apreciação, no sentido de considerar que o despedimento da trabalhadora, Recorrente, era lícito. E, tão pouco fez uma errada subsunção dos factos ao direito. Porque, do mesmo modo que o douto acórdão julgou que o conjunto de factos assentes não é bastante para considerar violado o dever de honestidade e lealdade, também considerou que apreciando o acervo desses mesmos factos assentes, ficou demonstrado que a trabalhadora, Recorrente, assumiu deliberadamente condutas que constituem infrações disciplinares. Porquanto, movimentou contas de familiares quando tal lhe era vedado por norma interna NCA 0009/2006 (facto 62) e utilizou, por diversas vezes, as credenciais dos seus colegas e subordinados de balcão, desobedecendo ao ponto 5.4 da norma interna NS 0003/2009 (facto 63). Razão pela qual, que a conduta assumida pela Recorrente é revelador de uma evidente violação do dever que sobre ela recaía de realizar o seu trabalho com zelo e diligência. Quando a Recorrente era a representante do Recorrido, Banco, no balcão de ..., onde era gerente, cujas competências eram de gestão e era a superior hierárquica de todos desse balcão, pelo que a responsabilidade acrescida derivada da sua posição e funções exigia que a mesma fosse a primeira a realizar um trabalho diligente, organizado, seguro e exemplar, o que efetivamente não sucedeu quer pela desobediência deliberada às normas internas do banco quer pela não obtenção das necessárias assinaturas dos documentos que suportavam as operações bancárias de levantamentos e transferências que realizou das contas de familiares e do cliente CC. De igual modo, o acórdão quanto à impossibilidade da sobrevivência da relação laboral, concluiu a partir do acervo dos factos provados que a Recorrente, trabalhadora, desobedeceu a ordens e instruções do Recorrido, banco, respeitantes à execução e disciplina do trabalho, violando normas deontológicas e não realizou o trabalho com zelo e diligência que eram exigidos. Como tal, a conduta da trabalhadora, Recorrente, é grave e censurável e quebrou irremediavelmente a relação que se havia constituído para uma determinada finalidade. Porque, como muito bem se diz no acórdão posto em crise, o desrespeito revelado pelas ordens e disciplina impostas pelo empregador e o exercício irresponsável de um cargo tão importante na carreira bancária, durante alguns anos, colocou necessariamente em causa a idoneidade da autora para o futuro desempenho das suas funções. Pelo que não é exigível e constitui uma insuportável e injusta imposição ao empregador manter, em sua representação, à frente de qualquer balcão, numa função de confiança, com responsabilidades hierárquicas sobre outros colaboradores, uma trabalhadora que foi a primeira a prevaricar, reiteradamente, durante alguns anos. Razão pela qual que inexiste outra sanção suscetível de sanar a crise contratual aberta pelo comportamento deliberadamente assumido pela trabalhadora, Recorrente, que não seja a aplicação da sanção expulsiva, na medida em que verificam-se claramente, cumulativamente, os requisitos de justa causa de despedimento. Como tal, o despedimento é a sanção a aplicar, Pelo que devem V. Exas. manter a decisão prolatada no acórdão posto em crise. Termos em que com o douto suprimento de V. Exas, deve ser mantida a decisão proferida no acórdão do Tribunal da Relação de ….»
Neste Tribunal o Ex.mº Procurador-Geral Adjunto proferiu parecer, nos termos do n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho, concluindo nos seguintes termos: «A nosso ver, o comportamento da recorrente justifica, no juízo de prognose sobre o seu futuro comportamento, a quebra do elo de confiança que sempre será o pilar base da relação laboral e que no âmbito da atividade bancária, reveste especial caráter, tornando assim insustentável a manutenção da relação laboral existente, razão pela qual, atenta a gravidade do comportamento daquela, violador do dever de cumprir as funções com zelo, do dever de obediência e do dever de lealdade, constantes do art. 128, n.º 1, al. c), e) e f) do Código do Trabalho, o despedimento dever ser considerado lícito por constituir justa causa, nos termos do art. 351.º, n.º 1 do mesmo compêndio, com as inerentes consequências legais, devendo assim, SMO, improceder o recurso, antes sendo de confirmar o Acórdão em crise». Notificado este parecer às partes, não motivou qualquer tomada de posição.
Sabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 3, e 639.º do Código de Processo Civil, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa na presente revista saber se os factos imputados à Autora integram justa causa de despedimento.
II
As instâncias fixaram a seguinte matéria de facto: «1 - A Autora, no procedimento disciplinar contra ela deduzido, foi acusada de no exercício das suas funções de Gerente do Balcão de ... de: Gravíssima violação dos princípios mais elementares à ética e deontologia profissionais e às normas de conduta; Movimentar abusivamente contas de clientes e apropriação de fundos; Abuso de confiança e; Conflito de interesse. 2 - Em meados do mês de maio de 2014, na sequência da mudança ocorrida em 04/04/2014 da Autora para o Balcão de ...-..., o Assistente de Venda II, procedeu à arrumação do gabinete e diferentes documentos, da Autora, na sequência de instruções nesse sentido do novo Gerente JJ. 3 - No âmbito daquela ação de limpeza/arrumação, o Assistente de Vendas II encontrou em cadernos A4 que eram utilizados pela Autora como rascunho, originais de talões de levantamentos de caixa por assinar, todos efetuados a partir de contas tituladas pelo mesmo cliente, CC, cliente de avançada idade (91 anos) de quem a Autora foi gestora e que acompanhou até à sua saída do balcão de .... 4 - Nos referidos cadernos A4, também estavam originais de documentos, sem qualquer assinatura, referentes a transferências em que a Autora era a beneficiária e, que tiveram como contrapartida, a débito, contas de familiares. 5 - A Autora realizou pelo menos algumas destas operações, utilizando as credenciais (user e password) do Assistente de Vendas II, da Comercial DD e do Comercial EE, 3 colegas do balcão e seus subordinados. 6 - No uso daquelas credenciais/operador, foram feitas, pelo menos algumas pela autora, 7 operações de levantamento de caixa não assinadas, processadas por débito da conta de depósito à ordem nº 0000 0000 0621 e da conta poupança nº 0000 0000 0190 do cliente CC, que totalizam 9.550,00 €, como 6 transferências não assinadas entre contas do cliente e que antecederam os levantamentos de caixa e, ainda 4 levantamentos de caixa num total de 6.800,00 € e 4 transferências que os antecedem. 7 - A Autora conhecia as credenciais dos seus subordinados e colegas de balcão, com o fundamento na confiança que deve existir numa equipa de trabalho. 8 - Para a realização das 9 transferências por débito de contas tituladas por familiares dos quais uma conta da titularidade da trabalhadora foi a beneficiária, pelo menos algumas destas operações feitas pela própria, foram utilizadas as credencias dos seus 3 colegas. 9 - Nenhuma das ordens apresentava qualquer assinatura dos seus respetivos titulares e estavam nos cadernos A4 encontrados. 10 - Entre 06/10/2010 e 04/10/2013, em operações nalguns dos casos realizadas pela trabalhadora, com recurso às credenciais dos 3 colegas de balcão foram debitadas contas a prazo BANCO BB TOP, contas poupança e contas de depósito à ordem, cuja contrapartida, a crédito, foi a conta nº 0000 0000 0008, titulada pela trabalhadora com o seu marido KK, no total de 1.494,14 €. 11 - Nos mesmos termos e condições foi transferido o montante de 300,00 €, e processado um levantamento de caixa no valor de € 3.000,00, por débito de uma conta poupança reformado titulada pela avó, pela mãe e por uma tia da trabalhadora. 12 - A credencial da trabalhadora consta na transferência entre contas do cliente CC (da DO para a poupança), à qual se segue um levantamento de caixa. 13 - Em 2 transferências intrapatrimónio e ao levantamento de caixa processado em 03/02/2014, o Assistente de Vendas II já tinha feito ‘Logoff’ do sistema e registado a sua saída no portal ‘MYBANCO BBweb’. 14 - A Autora anotava alguma da movimentação da conta de depósito à ordem do cliente CC numa folha com o logótipo do BANCO BB e um quadro em ‘Excel’, cuja cópia lhe entregou. 15 - Naquele documento constavam alguns dos movimentos processados entre 15/04/2013 e 27/04/2014, sem contudo incluir um levantamento de caixa feito a partir da DO em 15/05/2013, no valor de 1.000,00 €, e três transferências da DO para a conta poupança a partir da qual foram depois feitos mais levantamentos de caixa. 16 - Em 19/04/2014, a Autora pediu uma nova adesão aos canais diretos para o cliente CC, anulando de seguida a adesão anterior. 17 - Este pedido teve por finalidade dar uma ordem de compra de ações, através do BANCO BBnet e utilizando um IP do BANCO BB. 18 - Para justificar a sua atuação a Autora disse que era porque o valor da comissão a pagar era mais baixo, quando utilizado este meio. 19 - A trabalhadora, ao utilizar “user’s” e “password’s” dos seus colegas e subordinados, violou de forma voluntária e consciente a norma interna do Banco NS 0003/2009. 20 - Em meados do mês de maio de 2014, na sequência da mudança da Autora para o Balcão de ...-..., foi feita a arrumação/limpeza ao então gabinete da arguida na sequência de instruções para o efeito dadas pelo novo Gerente designado, JJ. 21 - Nessas arrumações o Assistente de Vendas II encontrou em cadernos A4, que pertenciam à Autora, originais de talões de levantamento de caixa efetuados a partir de uma conta DO, de uma conta poupança e de uma conta Rendimento CR, todas tituladas pelo cliente CC. 22 - Talões, esses que não apresentavam qualquer assinatura do respetivo titular. 23 - Foram ainda encontrados, sem qualquer assinatura, documentos originais referentes a transferências processadas por débito de contas DO e poupanças de familiares da Autora que tiveram como contrapartida, a crédito, a conta da Autora. 24 - Algumas daquelas movimentações foram feitas pela Autora mediante a utilização dos operadores dos seus colegas e subordinados no Balcão de .... 25 - Perante o achado, num primeiro contacto telefónico feito pelo Assistente de Vendas II a Autora disse que eram duplicados e que os originais estavam no arquivo, por isso não era preciso qualquer preocupação, pelo que os podia destruir. 26 - Num segundo contacto, o Assistente de Vendas II voltou a contactar a Autora, que repetiu o que disse anteriormente. 27 - A Autora, cerca de 20 minutos depois do último contacto telefónico ligou para o Gerente JJ para reforçar que não havia motivos para preocupações, acrescentando, ainda, que para não se ficar com dúvidas pediu que lhe fossem enviados os documentos porque iria estar com o cliente para que este então os assinasse. 28 - Mais referiu a trabalhadora ao Gerente JJ que não falasse com o cliente porque como era uma pessoa com 91 anos não iria perceber e, pela desconfiança, poderia levar o dinheiro. 29 - Não se tratava de duplicados mas de originais. 30 - Com utilização dos operadores colegas e subordinados da trabalhadora, do Balcão de ..., foram realizados, em alguns casos pela própria trabalhadora, os levantamentos de caixa (e transferências que os antecedem), a partir da conta DO e poupanças tituladas pelo cliente CC, constantes do quadro cujo teor – que aqui dou por integralmente reproduzido – é o que consta da folha 15 verso do processo. 31 - Os originais dos documentos de suporte destas movimentações foram encontrados nos cadernos A4 da Autora, sem qualquer assinatura, totalizando os levantamentos de caixa, efetuados com recurso a três operadores, a importância de 9.550,00 €. 32 - O cliente CC foi preferencialmente e em quase todas as suas deslocações ao banco acompanhado pela Autora até 04/04/2014, data que a Autora transitou para Gerente do Balcão de ...-.... 33 - Foram, pelo menos em alguns dos casos, pela Autora, movimentadas a débito contas tituladas por familiares seus, por contrapartida a crédito (no caso das transferências extra patrimoniais) da conta DO nº 0000 0000 0008 que era titular com o seu marido KK, conforme quadro cujo teor – que aqui dou por integralmente reproduzido – é o que consta da folha 16 do processo. 34 - Os originais dos documentos correspondentes a estes movimentos, sem qualquer assinatura, estavam no caderno A4 da Autora. 35 - As transferências extra património, com destino à conta nº 0000 0000 0008, por si titulada e pelo seu marido, totalizaram a quantia de 1.494,14 €. 36 - Entre 15/05/2013 e 24/03/2014, foram realizados, com recurso à utilização do operador do seu colega e subordinado II, alguns dos quais pela trabalhadora, 4 levantamentos de caixa que totalizaram 6.800,00 €, para os quais não existem qualquer suporte assinado para o efeito, debitando contas tituladas pelo cliente CC nos termos do quadro cujo teor – que aqui dou por integralmente reproduzido nos seus precisos termos – é o constante da folha 16 verso do processo. 37 - Entre 22/08/2013 e 24/03/2014, foram realizadas, nalguns casos pela Autora, 4 transferências entre contas daquele cliente, no montante global de 13.500,00 €, sendo que, em 3 transferências foi utilizado o operador do colega e subordinado da trabalhadora II e, uma o operador da arguida, no montante de 9.000,00 €, conforme o quadro cujo teor – que aqui dou por integralmente reproduzido nos seus precisos termos – é o constante da folha 16 verso do processo. 38 - A estas transferências antecederam-lhes levantamentos de caixa, feitos nas mesmas circunstâncias. 39 - Entre 15/12/2009 e 11/03/2014, para os 12 levantamentos de caixa, processados, num total de 12.018,62 €, alguns pela trabalhadora, com uma assinatura aposta nos mesmos que é semelhante à que se encontra digitalizada em sistema para o cliente CC, 7 desses levantamentos foram processados por débito da conta poupança e de uma conta rendimento CR apenas com o viso da trabalhadora. 40 - Os restantes 5 levantamentos de caixa e transferências foram processados com os operadores da colega da trabalhadora DD, e do II, que já havia feito “logoff” do sistema e registado a sua saída do balcão. 41 - O cliente CC depositava toda a confiança na trabalhadora. 42 - O cliente manifestou ao Gerente do Balcão LL que acreditava que tinha mais dinheiro na sua conta. 43 - Em 11/07/2013, a Autora alterou a emissão de extrato em suporte papel para extrato digital BANCO BBnet. 44 - Em 19/04/2012, foi anulada a adesão nº 0000291 aos canais diretos, para de seguida ser pedida nova adesão com o nº 0000856. 45 - Com a nova adesão atribuída em 19/04/2012, é feito um acesso no próprio dia, pelas 10:05 horas, através de um IP do BANCO BB (000.00.00.96), para dar uma ordem de bolsa (venda de direitos) e de seguida alterado o PIN. 46 - Este serviço foi suspenso em virtude do acesso com PIN errado em 08/12/2012, 15/12/2012 e 20/01/2014. 47 - O cliente tinha em seu poder, manuscrito por vários elementos da agência e também pela trabalhadora, o que correspondia a uma folha de papel com o logótipo do BANCO BB e um quadro de tipo Excel onde estavam anotados alguns movimentos processados na conta de depósito à ordem n. º 0000 0000 0621, mas não os levantamentos de caixa feitos a partir da mesma, assim como das transferências da DO para a poupança n. º 0000 0000 0190, a partir da qual foram feitos levantamentos de caixa. 48 - Nos cadernos A4 da Autora, encontrados no seu antigo gabinete em ..., também estavam os talões correspondentes as transferências débito/crédito, processadas nas contas de familiares, nos quais a Autora era a beneficiária. 49 - As transferências extra património, todas com destino à conta n. º 0000 0000 0008, titulada pela trabalhadora e pelo seu marido, no montante de 1.494,14 €, foram feitas com utilização dos terminais e com os códigos de identificação constantes do quadro cujo teor – que aqui dou por integralmente reproduzido nos seus precisos termos – é o constante da folha 18 do processo. 50 - As transferências foram efetuadas de um total de 5 contas de familiares da trabalhadora, em que 4 delas a primeira titular é pessoa que se identifica como sogra da Autora, MM e, numa, pessoa que se identifica como sua avó, NN, sendo a segunda titular pessoa identificada como mãe da Autora, e uma terceira titular como tia. 51 - A 14/06/2013, através do operador do II, foi transferido 300,00 € a débito da “Conta Poupança Programada 3 anos”, cuja 1ª titular é a sogra e cuja contrapartida, a crédito, foi a conta nº 0000 0000 0008, titulada pela trabalhadora. 52 - A 05/05/2010 foi feito um levantamento de caixa de 3.000,00€, por débito da conta poupança reformado n. º 0000 0000 0200, associada à conta de depósito à ordem n. º 0000 0270 0000, titulada por NN (avó da Autora), OO (mãe da Autora) e PP (tia da Autora). 53 - Neste levantamento foi utilizado o operador de DD, colega de balcão e subordinada da trabalhadora. 54 - Estes movimentos totalizam 4.794,14 €. 55 - A 06/10/2008, com recurso ao operador do então Assistente de Vendas II, QQ, no Balcão de ... foi pedida uma adesão aos canais diretos associada à conta n. º 0000 0000 0009, que tinha como 1ª titular MM, sogra da Autora, para o qual não foi localizado em arquivo qualquer documento de suporte assinado. 56 - Na posse desta adesão e, através de um IP do BANCO BB, foi feito um carregamento de telemóvel e uma transferência interbancária. 57 - Para esta conta, em 12/11/2012, foi pedida a alteração da modalidade de emissão de extrato de papel para digital BANCO BBnet, tendo para o efeito sido utilizado o operador de II. 58 - O impresso por assinar estava num dos cadernos A4 da Autora, que foram encontrados na agência de .... 59 - Entre 06/10/2010 e 04/10/2013, as transferências feitas a crédito para a conta titulada pela Autora ascenderam a 1.794,14 €, sendo que, em todas não foram debitadas despesas, conforme quadro cujo teor – que aqui dou por integralmente reproduzido nos seus precisos termos – é o constante da folha 19 do processo. 60 - A 04/07/2014 PP, KK e MM disseram que eram conhecedores daqueles movimentos. 61 - A Autora desobedeceu a normas de conduta do banco. 62 - A Autora movimentou contas de familiares quando a isso estava vedado pela norma interna NCA 0009/2006. 63 - Por número de vezes que não foi possível apurar com rigor, a Autora utilizou os operadores dos seus colegas e subordinados do balcão, desobedecendo de forma voluntária e consciente, ao ponto 5.4 da norma interna NS 0003/2009. 64 - A 21 de março de 2007 o departamento de pessoal do banco empregador comunicou ao seu departamento comercial Norte uma deliberação do Conselho de Administração no sentido de que fosse aplicada uma repreensão verbal a vários bancários, incluindo a trabalhadora e o seu então Diretor Regional de …, conforme missiva cujo teor – que aqui dou por integralmente reproduzido nos seus precisos termos – é o constante da folha 101 verso do processo. 65 - No Balcão de ..., como responsável, a trabalhadora era a representante do Banco, sua entidade patronal, e a quem competia a gestão. 66 - A Autora não agiu conforme duas normas internas. 67 - No exercício das suas funções de gerente da agência de ..., a A. foi acusada, esquematicamente: de violação de princípios éticos e deontológicos e de normas de conduta; de movimentar abusivamente contas de clientes e de apropriação de fundos; de abuso de confiança e de conflito de interesses. 68 - A A. foi admitida ao serviço do BANCO BB (BANCO BB, S.A.), no dia 7 de fevereiro de 1996. 69 - Enquanto permaneceu ao serviço da R., esta foi-a sucessivamente promovendo até à categoria de gerente, função que desempenha desde 2007, apesar de já assumir funções de gerência (subgerente) desde 2002. 70 - Foi pelo presente processo disciplinar que tomou conhecimento, na nota de culpa, que uma “repreensão verbal” lhe havia sido decidida no dia 21 de março de 2007. 71 - Desconhece o “relatório de inquérito nº 59/2006, do Gabinete de Inspeção”. 72 - Nunca, até 2014, lhe foi instaurado qualquer processo disciplinar, nem foi feita a mínima advertência ou reparo ao exercício da sua atividade enquanto trabalhadora da R. 73 - Aquando da sua suspensão, a A. desempenhava as funções de gerente na agência da R. .../..., para onde tinha sido transferida no dia 4 de abril de 2014. 74 - Como consequência do seu despedimento, a R. passou para o “regime geral” os créditos em “regime bonificado” que havia contratado com a A. 75 - A trabalhadora usava cadernos de rascunho, antes de ser transferida arrumou-os no “economato”, juntamente com a restante pilha de cadernos de rascunho já sem uso que todos os trabalhadores utilizavam. 76 - A trabalhadora não controla o “saco do correio” onde diariamente são depositados os originais desses documentos. 77 - Também não controla o transporte desses mesmos “sacos de correio”. 78 - Receosa de que o cliente pudesse reagir mal, a A disponibilizou-se para recolher, junto do mesmo, as assinaturas em falta. 79 - O cliente CC era acompanhado preferencialmente pela trabalhadora mas podia sê-lo por qualquer outro trabalhador da agência se a trabalhadora não estivesse disponível. 80 - Porque era um cliente e assim o preferia, CC procurava o conselho da A., que pacientemente o ouvia, o informava e aconselhava, como profissional. 81 - O Sr. CC, como tantos outros clientes bancários, não queria receber os extratos mensais da sua conta em suporte físico e que eram enviados por correio. 82 - Ao invés, pediu expressamente que os movimentos que efetuava na sua conta fossem apontados numa folha por quem os realizava. 83 - Foram, pois, sendo apontadas nessa folha as operações que o cliente solicitava e que envolviam entrada ou saída de dinheiro da sua conta. 84 - Quem efetuava esse registo manuscrito era o trabalhador a quem a operação havia sido solicitada. 85 - Mesmo depois da transferência da A., o mesmo procedimento continuou a ser seguido. 86 - No dia 4 de julho de 2014, os familiares da A., PP, tia, KK, marido, e MM, sogra, dirigiram-se aos Escritórios da R. e sufragaram não só que tinham conhecimento das operações que haviam sido efetuadas nas suas contas, como também que as mesmas haviam sido expressamente solicitadas e autorizadas, e disponibilizaram-se para ratificar por escrito essas mesmas operações, o que fizeram, assinando declaração para o efeito. 87 - A operação bancária realizada a 24 de março de 2014 foi-o pela trabalhadora, e corresponde a uma transferência da conta DO para a conta poupança, algo que o sistema informático das contas BANCO BB pode fazer automaticamente quando na conta DO do cliente está, durante mais de X dias, valor superior a determinado montante. 88 - Por definição inicial, o sistema está configurado para efetuar transferências desta natureza sempre que, ao fim dum determinado período de tempo, na conta DO está um valor superior ao definido, pelo que o valor em excesso é transferido para a conta poupança, onde rende um juro simbólico. 89 - A A. foi suspensa preventivamente no dia 22 de setembro de 2014. 90 - A suspensão preventiva e o ulterior despedimento causaram à A. profunda mágoa e angústia. 91 - A A. sentiu-se profundamente vexada perante os outros trabalhadores e demais pessoas com quem se relacionava diariamente. 92 - A A. passou a viver num estado de ansiedade permanente, com insónias frequentes.»
III
1 - A prática dos factos eventualmente integradores de justa causa de despedimento ocorreu na vigência do Código do Trabalho de 2009, diploma à luz do qual deverão ser aferidos. Nos termos do n.º 1 do artigo 351.º daquele Código, «constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho», especificando o número 2 daquele artigo, de forma exemplificativa, várias situações que poderão preencher aquele conceito. O conceito de justa causa consagrado neste dispositivo retomou a noção de justa causa de despedimento que vinha do direito anterior, concretamente do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de fevereiro e do artigo 396.º do Código do Trabalho de 2003. Deste modo, são elementos do conceito de justa causa de despedimento: a) a existência de uma conduta do trabalhador que evidencie uma violação culposa dos seus deveres contratuais; b) que essa conduta seja objetivamente grave em si mesma e nas suas consequências; c) e que por força dessa gravidade seja imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral. Na síntese de M. do ROSÁRIO PALMA RAMALHO, o conceito de justa causa exige a verificação cumulativa de «um comportamento ilícito, grave em si mesmo ou pelas suas consequências, e culposo do trabalhador (é o elemento subjetivo da justa causa); a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral (é o elemento objetivo da justa causa); a verificação de um nexo de causalidade entre os dois elementos anteriores, no sentido em que a impossibilidade de subsistência do contrato tem de decorrer, efetivamente, do comportamento do trabalhador»[1]. Os factos integrativos do conceito de justa causa hão de materializar um incumprimento culposo dos deveres contratuais por parte do trabalhador, numa dimensão suscetível de ser considerada como grave, quer a gravidade se concretize nos factos em si mesmos, quer ocorra nas suas consequências. Para além disso, exige-se que essa dimensão global de gravidade torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, a que a Doutrina vem chamando elemento objetivo da justa causa. A subsistência do contrato é aferida no contexto de um juízo de prognose em que se projeta o reflexo da infração e do complexo de interesses por ela afetados na manutenção da relação de trabalho, em ordem a ajuizar da tolerabilidade da manutenção da mesma. Por isso mesmo, por força do disposto no n.º 3 do mesmo artigo, «na apreciação da justa causa, deve atender-se ao quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao caráter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes». A ponderação integral deste conjunto de circunstâncias permite projetar os factos imputados ao trabalhador no contexto da relação de trabalho e ponderar a partir daí o reflexo dos mesmos na estabilidade daquela relação, como base do juízo de tolerabilidade da sua manutenção. A impossibilidade de manutenção da relação laboral deve ser apreciada no quadro da inexigibilidade com a ponderação de todos os interesses em presença, existindo sempre que a subsistência do contrato represente uma insuportável e injusta imposição ao empregador. Segundo MONTEIRO FERNANDES, «o que significa a referência legal à “impossibilidade prática” da subsistência da relação de trabalho – é que a continuidade da vinculação representaria (objetivamente) uma insuportável e injusta imposição ao empregador» e que «[n]as circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações (pessoais e patrimoniais) que ele supõe seria de molde a ferir de modo desmesurado e violento a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do empregador»[2]. M. do ROSÁRIO RAMALHO, debruçando-se sobre a construção jurisprudencial deste elemento da justa causa, afirma que «o requisito da impossibilidade de subsistência do vínculo laboral deve ser reconduzido à ideia de inexigibilidade, para a outra parte, da manutenção do contrato, e não apreciado como impossibilidade objetiva»; «a impossibilidade de subsistência do contrato de trabalho tem que ser impossibilidade prática, no sentido em que deve relacionar-se com o vínculo laboral em concreto»; «a impossibilidade de subsistência do contrato tem que ser imediata»[3].
Do mesmo modo, conforme se refere no Acórdão desta secção, de 12 de maio de 2016, proferido no processo n.º 44/10.4TTVRL.G1.S1, «podemos afirmar que, para a verificação da justa causa, não basta a mera existência dum dos comportamentos tipificados no nº 2 do referido artigo 351º, pois será sempre necessário que, para além disso, se possa concluir que a conduta do trabalhador provocou a rutura do contrato por se ter tornado impossível manter a relação laboral, impondo-se que a rutura seja irremediável em virtude de não haver outra sanção suscetível de sanar a crise contratual aberta com a conduta do trabalhador» e prossegue-se no referido acórdão considerando que «verificar-se-á a impossibilidade prática da subsistência da relação laboral quando se esteja perante uma situação de quebra de confiança do empregador, por o comportamento do trabalhador ser suscetível de criar no espírito daquele a dúvida sobre a idoneidade futura da sua conduta, estando portanto o conceito de justa causa ligado à ideia de inviabilidade do vínculo contratual, correspondendo a uma crise extrema e irreversível do contrato»[4].
Deve, contudo, ter-se presente, conforme se referiu no citado acórdão desta Secção de 12 de maio de 2016, proferido no processo n.º 44/10.4TTVRL.G1.S1, que «como a relação de trabalho tem vocação de perenidade, apenas se justificará o recurso à sanção expulsiva ou rescisória do contrato de trabalho, que o despedimento representa, quando se revelarem inadequadas para o caso as medidas conservatórias ou corretivas, de acordo com o princípio da proporcionalidade, constituindo portanto o despedimento, uma saída de recurso para as mais graves crises contratuais, o que implica que o uso de tal medida seja balanceado, face a cada caso concreto, com as restantes reações disciplinares disponíveis, no dizer de MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 11ª edição, Coimbra, págs. 553-554» e prosseguiu-se naquele aresto referindo que «donde ser de concluir que, sendo o despedimento a sanção disciplinar mais grave, só deve ser aplicada nos casos em que o comportamento do trabalhador seja de tal forma grave em si e pelas suas consequências que se revele inadequada a adoção de uma sanção corretiva ou conservatória da relação laboral, sendo portanto necessário que nenhum outro procedimento sancionatório se revele adequado a sanar a crise contratual aberta com a conduta do trabalhador»[5].
O princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 330.º do Código do Trabalho como parâmetro que deve enquadrar o sancionamento das infrações disciplinares, atenta a sua natureza de medidas restritivas de direitos que estas assumem e, portanto, sujeitas aos limites constitucionais decorrentes do artigo 18.º, n.º 2, da Lei Fundamental, tem sido objeto de uma profunda reflexão na jurisprudência do Tribunal Constitucional.
Referiu-se, com efeito sobre esse princípio no acórdão n.º 632/2008, de 23 de dezembro de 2008, o seguinte: «11. O que seja o conteúdo rigoroso da proporcionalidade, textualmente referida na parte final do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, é questão suficientemente tratada pela jurisprudência do Tribunal. Com efeito, e como se disse, por exemplo, no Acórdão n.º 634/93 (referido também no Acórdão n.º 187/2001), a ideia de proporção ou proibição do excesso – que, em Estado de direito, vincula as ações de todos os poderes públicos – refere-se fundamentalmente à necessidade de uma relação equilibrada entre meios e fins: as ações estaduais não devem, para realizar os seus fins, empregar meios que se cifrem, pelo seu peso, em encargos excessivos (e, portanto, não equilibrados) para as pessoas a quem se destinem. Dizer isto é, no entanto, dizer pouco. Como se escreveu no Acórdão n.º 187/2001 (ainda em desenvolvimento do Acórdão n.º 634/93): O princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); princípio da justa medida, ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adotar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).
A esta definição geral dos três subprincípios (em que se desdobra analiticamente o princípio da proporcionalidade) devem por agora ser acrescentadas, apenas, três precisões. A primeira diz respeito ao conteúdo exato a conferir ao terceiro teste enunciado, comummente designado pela jurisprudência e pela doutrina por proporcionalidade em sentido estrito ou critério da justa medida. O que aqui se mede, na verdade, é a relação concretamente existente entre a carga coativa decorrente da medida adotada e o peso específico do ganho de interesse público que com tal medida se visa alcançar. Ou, como se disse, ainda, no Acórdão n.º 187/2001, «[t]rata-se…de exigir que a intervenção, nos seus efeitos restritivos ou lesivos, se encontre numa relação “calibrada” – de justa medida – com os fins prosseguidos, o que exige uma ponderação, graduação e correspondência dos efeitos e das medidas possíveis». A segunda precisão a acrescentar é relativa à ordem lógica de aplicação dos três subprincípios, que se devem relacionar entre si segundo uma regra de precedência do mais abstrato perante o mais concreto, ou mais próximo (pelo seu conteúdo) da necessária avaliação das circunstâncias específicas do caso da vida que se aprecia. Quer isto dizer, exatamente, o seguinte: o teste da proporcionalidade inicia-se logicamente com o recurso ao subprincípio da adequação. Nele, apenas se afere se um certo meio é, em abstrato e enquanto meio típico, idóneo ou apto para a realização de um certo fim. A formulação de um juízo negativo acerca da adequação prejudica logicamente a necessidade de aplicação dos outros testes. No entanto, se se não concluir pela inadequação típica do meio ao fim, haverá em seguida que recorrer ao exame da exigibilidade, também conhecido por necessidade de escolha do meio mais benigno. É este um exame mais ‘fino’, ou mais próximo das especificidades do caso concreto: através dele se avalia a existência – ou inexistência –, na situação da vida, de várias possibilidades (igualmente idóneas) para a realização do fim pretendido, de forma a que se saiba se, in casu, foi escolhida, como devia, a possibilidade mais benigna ou menos onerosa para os particulares. Caso se chegue à conclusão de que tal não sucedeu – o que é sempre possível, já que pode haver medidas que, embora tidas por adequadas, se não venham a revelar no entanto necessárias ou exigíveis –, fica logicamente prejudicada a inevitabilidade de recurso ao último teste de proporcionalidade.» [6]
Importa, contudo, ter também presente, conforme refere MONTEIRO FERNANDES, que «“a confiança” não pode ser senão um modo de formular o “suporte psicológico» de que a relação de trabalho, enquanto relação duradoura, necessita para subsistir. Ao fazer apelo às ideias de confiança, a jurisprudência reflete a perceção desse elemento mas deriva, não raro, para a deformação consistente em se atribuir relevância absoluta e indiscriminada à “confiança pessoal” do empregador no trabalhador»[7].
2 – Resulta do artigo 128.º, n.º 1. al. f) do Código do Trabalho de 2009, que, sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve «guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócio». Consagra-se neste dispositivo o dever de lealdade que é um dos deveres acessórios autónomos da prestação principal e que onera o trabalhador no contexto da relação de trabalho. Ao dever de lealdade é reconhecida pela Doutrina uma dimensão ampla e uma dimensão restrita, concretizando-se esta nos deveres de não concorrência e de sigilo que são objeto de consagração expressa naquela norma. Em sentido amplo, o «dever de lealdade é o dever orientador geral da conduta do trabalhador no cumprimento do contrato», entroncando, por um lado, no dever geral de cumprimento pontual dos contratos, e, nesta perspetiva «não é mais do que a concretização laboral do princípio da boa fé, na sua aplicação ao cumprimento dos negócios jurídicos, tal como está vertido no artigo 762.º, n.º 2 do CC.»[8]. O dever de lealdade, nesta dimensão ampla, comporta ainda um duplo sentido que se materializa no «envolvimento pessoal do trabalhador no vínculo» e na «componente organizacional do contrato»[9]. O elemento «da pessoalidade explica que a lealdade do trabalhador no contrato seja, até certo ponto, uma lealdade pessoal, cuja quebra grave pode constituir motivo para a cessação do contrato. É este elemento de pessoalidade, traduzido na lealdade pessoal, que justifica por exemplo, o relevo de condutas extralaborais do trabalhador graves para efeito de configuração de uma situação de justa causa de despedimento, bem como o relevo da perda da confiança pessoal do empregador no trabalhador para o mesmo efeito». Por outro lado, «a componente organizacional do contrato de trabalho justifica que o dever de lealdade do trabalhador não se cifre apenas em regras de comportamento para com a contraparte mas também na exigência de um comportamento correto do ponto de vista dos interesses da organização»[10], dependendo, nesta segunda dimensão, o grau de intensidade do dever de lealdade e as consequências do seu incumprimento «do tipo de funções do trabalhador e da natureza do seu vínculo de trabalho em concreto»[11]. Conforme refere MONTEIRO FERNANDES, «o que pode dar-se por seguro é que o dever geral de lealdade tem uma faceta subjetiva que decorre da sua estreita relação com a permanência de confiança entre as partes (nos casos em que este elemento pode considerar-se suporte essencial de celebração do contrato e da continuidade das relações que nele se fundam)», sendo necessário «que a conduta do trabalhador não seja em si mesma, suscetível de destruir ou abalar tal confiança, isto é, capaz de criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele», sendo certo que «este traço do dever de lealdade é tanto mais acentuado quanto mais extensa for a (eventual) delegação de poderes no trabalhador e quanto maior for a atinência das funções exercidas à realização final do interesse do empregador»[12].
3 – No domínio da atividade bancária a relação de confiança entre o empregador e os seus trabalhadores situa-se a níveis elevados decorrentes da especificidade dos interesses em jogo, onde a imagem das entidades nele envolvidas junto dos seus clientes e uma gestão prudencial do crédito têm papel de relevo. Esta Secção tem-se debruçado inúmeras vezes sobre despedimentos ocorridos neste domínio, nomeadamente de trabalhadores com funções de gestão ao nível das agências bancárias. Assim, no acórdão desta secção de 22 de setembro de 2010, proferido na revista n.º 217/2002.L1.S1[13], referiu-se: «Este Supremo Tribunal tem vindo frequentemente a pronunciar-se sobre situações de despedimento de trabalhadores colocados em cargos de maior confiança na organização das entidades empregadoras, designadamente em casos que envolvem o trabalho de gerentes e sub-gerentes bancários: depois de considerar que o dever de lealdade é aí mais acentuado, por serem mais exigentes e qualificadas as funções atribuídas, tem vindo a concluir que a subsistência dessa confiança constitui o fundamento nuclear da subsistência do vínculo. A título de mero exemplo, convoca-se o Acórdão de 18/1/05 (Revista n.º 3157/04), de harmonia com o qual: - sendo a empregadora uma instituição bancária, a respetiva atividade assume transcendente relevância a nível interno e internacional, sendo objeto de fiscalização por banda dos bancos centrais, e cabendo-‑lhe, em boa medida, o papel de motor da economia e do desenvolvimento; - por via disso, os bancos necessitam de colaboradores de grande confiança, dinâmicos e com capacidade de iniciativa, o que necessariamente rejeita a adoção de esquemas ou procedimentos duvidosos e obscuros, à margem das boas práticas comerciais e de grave risco para as instituições que os acolhem. “Na verdade [discorre-se, por seu turno, no Acórdão de 4/3/2009 – Revista n.º 3535/08] exige-se dos trabalhadores bancários que assumam uma postura de inequívoca transparência e que exerçam as suas funções de forma idónea, leal e de plena boa fé, com respeito pelas disposições legais e pelas normas emanadas dos respetivos Conselhos de Administração, de forma a preservar a imagem dos bancos empregadores enquanto instituições ...”».
A orientação subjacente àquele acórdão foi mantida ainda recentemente no acórdão desta Secção de 23 de novembro de 2011, proferido na revista n.º 318/07.1TTFAR.E1.S1[14], de cujo sumário se destaca o seguinte: «III - Na atividade bancária, a exigência geral de boa fé na execução dos contratos assume um especial significado e reveste-se por isso de particular acuidade pois a relação juslaboral pressupõe a integridade, lealdade de cooperação e absoluta confiança da/na pessoa contratada. IV - É de afirmar a justa causa do despedimento, atenta a quebra da relação de confiança, quando está demonstrado que o A., à revelia das regras que conhecia perfeitamente por força do exercício das suas funções, alterou, sucessivamente, os plafonds dos cartões de crédito que lhe estavam afetos, sem a devida autorização hierárquica, com movimentações cruzadas entre duas contas bancárias de que era titular, em inobservância das correspondentes normas procedimentais de controlo instituídas pela R., consubstanciando-se, assim, uma conduta fora da imperativa transparência exigível no comportamento do trabalhador bancário, não sendo de relevar, na concretização do juízo subsumível à noção de justa causa, os montantes dos valores monetários em causa, a reposição dos eventuais prejuízos, ou mesmo a sua inverificação real».
4 – Resulta do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 128.º do Código do Trabalho de 2009, que o trabalhador deve «cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes à execução e disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias». Este dispositivo consagra o dever de obediência que é um dos deveres acessórios mais importantes do trabalhador, sendo um dos corolários da subordinação jurídica que caracteriza a situação do trabalhador no contexto da relação de trabalho e o reverso do poder de conformação da prestação de trabalho que caracteriza a posição do empregador. Tal como refere MARIA do ROSÁRIO PALMA RAMALHO, «em termos extensivos, este dever envolve o cumprimento das ordens e instruções do empregador «respeitantes à execução ou disciplina no trabalho (…)», pelo que «o trabalhador deve obediência não apenas às diretrizes do empregador sobre o modo de desenvolvimento da sua atividade laboral (ou seja, o poder diretivo), mas também às diretrizes emanadas do poder disciplinar prescritivo, em matéria de organização da empresa, de comportamento no seu seio, de segurança, higiene e saúde no trabalho, ou outras»[15].
Por outro lado, resulta da alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo 128.º do Código do Trabalho de 2009, que o trabalhador deve «realizar o trabalho com zelo e diligência», dispositivo que consagra como sendo mais um dever do trabalhador, o dever de zelo. O zelo colocado no cumprimento da prestação de trabalho reflete-se sobre a forma como o mesmo é prestado, permitindo aferir se há ou não cumprimento integral da prestação, ou seja, se a atividade prestada preenche ou não os objetivos que dela se esperam no contexto da atividade prosseguida pelo destinatário da prestação, a entidade empregadora. «A falta de zelo e a negligência têm de ser aferidas por parâmetros objetivos, segundo o padrão do bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, variando em função da atividade a desenvolver»[16].
IV
1 - As instâncias dividiram-se relativamente à resposta que deram à questão que constitui o objeto do presente recurso. A 1.ª instância considerou que tal sanção era desproporcional relativamente à factualidade dada como provada e à real dimensão dos interesses do empregador lesados pela conduta da Autora. Na sentença proferida o tribunal interroga-se sobre se «sem qualquer prejuízo apurado, sem qualquer segurança de que tenha havido uma atuação desconforme à vontade dos depositantes, unicamente porque o procedimento interno não foi observado, será proporcional a sanção mais grave», e invocando a orientação assumida no acórdão desta Secção de 17 de dezembro de 2014, proferido no processo n.º 723/12.1TTMTS.P1.S1[17], veio a responder negativamente a essa questão. A decisão recorrida orientou-se em sentido diverso.
Com efeito, o acórdão sintetizou os factos relevantes para a aferição da existência de justa causa do despedimento da Autora nos seguintes termos: «Operações bancárias realizadas pela Autora - No período em que exerceu funções de gerente no balcão de ..., a autora realizou diversas operações bancárias descritas nos seguintes pontos dos factos assentes: 4, 5, 6, 8, 10, 12, 16, 17, 18, 24, 30, 31, 33, 34, 36, 37, 39, 43 e 87. - Tais operações consistiram em transferências a débito de contas de familiares em que a autora era a beneficiária (por crédito na sua conta), sem que os originais dos documentos relativos a tais movimentos bancários se mostrassem assinados por esses familiares, tendo os mesmos sido encontrados nos cadernos A4 que a autora usava, antes da sua transferência, como cadernos de rascunho; consistiram, também, em levantamentos de caixa e transferências por débito das contas do cliente CC, sem que os originais de algumas dessas transações bancárias estivessem assinados pelo cliente, tendo sido encontrados nos mencionados cadernos de rascunho. A autora também procedeu a uma nova adesão aos canais diretos para este cliente, anulando a adesão anterior. - Para a realização de algumas destas operações bancárias, a autora utilizou, de forma voluntária e consciente, as credenciais (user e password) dos seus subordinados e colegas de balcão que conhecia com fundamento na confiança que tem de existir numa equipa de trabalho. Algumas das credenciais destes trabalhadores foram utilizadas quando os mesmos já tinham feito “Log off” do sistema e registado a sua saída do balcão. - Em 4 de julho de 2014, os familiares da trabalhadora dirigiram-se aos escritórios do réu e afirmaram ser não só conhecedores dos movimentos realizados nas suas contas, como também que os mesmos haviam sido expressamente solicitados e autorizados e disponibilizaram-se para ratificar por escrito essas mesmas operações, o que fizeram, assinando a declaração para o efeito. - o cliente CC era acompanhado preferencialmente pela autora em que depositava total confiança, pedindo-lhe conselhos. Este cliente, à semelhança de outros clientes do banco não queria receber os extratos mensais da sua conta em suporte físico e que eram enviados pelo correio, pelo que pediu expressamente que os movimentos que efetuava na sua conta fossem apontados numa folha por quem os realizava. Por tal motivo, quem efetuava o registo manuscrito era o trabalhador a quem a operação havia sido solicitada, continuando a ser este o procedimento mesmo após a transferência da autora para o balcão de ...-.... O cliente tinha em seu poder, manuscrito por vários elementos da agência e também pela autora, o que correspondia a uma folha de papel do BANCO BB e um quadro de tipo Excel onde estavam anotados alguns movimentos processados na conta de depósitos à ordem, mas não os levantamentos de caixa feitos a partir da mesma, assim como as transferências feitas visando tais levantamentos. - A autora foi gestora deste cliente, que tinha 91 anos de idade, até à sua saída do balcão de ....» Partindo deste núcleo de factos, o tribunal debruçou-se sobre se os mesmos integravam ou não justa causa de despedimento, nos seguintes termos: «E apreciando o acervo de factos assentes, julgamos estar demonstrado que a trabalhadora assumiu deliberadamente condutas que constituem infrações disciplinares. A trabalhadora movimentou contas de familiares quando tal era vedado por norma interna NCA/0009/2006 (facto 62) e utilizou, por diversas vezes, as credenciais dos seus colegas e subordinados de balcão, desobedecendo ao ponto 5.4 da norma interna NS 0003/2009. Com tais comportamentos, desrespeitou o dever de obediência previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 128.º do Código do Trabalho. A conduta assumida pela trabalhadora também é reveladora de uma evidente violação do dever que sobre a mesma recaía de realizar o seu trabalho com zelo e diligência - alínea c) do normativo referido. A autora era a representante do banco demandado no balcão de ..., tinha competências de gestão e era a superior hierárquica de todos os colaboradores desse balcão, pelo que a responsabilidade acrescida derivada da sua posição e funções exigia que a mesma fosse a primeira a realizar um trabalho diligente, organizado, seguro e exemplar, o que manifestamente não sucedeu quer pela desobediência deliberada às normas internas do banco quer pela não obtenção das necessárias assinaturas dos documentos que suportavam as operações bancárias de levantamentos e transferências que realizou nas contas dos seus familiares e do cliente CC».
Tendo concluído que a conduta da Autora era violadora dos mencionados deveres de obediência e de zelo no exercício das suas funções, o Tribunal considerou que a aquela conduta não era violadora do dever de honestidade e lealdade, o que lhe era imputado pela empregadora, nos seguintes termos: «Ora, no caso concreto, não resultou provado que através das operações bancárias realizadas pela autora esta se tenha apropriado indevidamente de qualquer quantia monetária. A mera circunstância do cliente CC ter afirmado ao gerente LL que acreditava que tinha mais dinheiro na conta, não é suficiente para se concluir que por via das operações bancárias que realizou, a autora se aproveitou da sua posição funcional e da absoluta confiança que o cliente tinha em relação a si para ficar com dinheiro do cliente. Também não logrou o recorrente demonstrar que tais movimentos bancários, não obstante, alguns deles, não tivessem suportados por documentos assinados pelos titulares das contas, não tivessem sido autorizados pelos mesmos. Os familiares da trabalhadora, tendo-‑se dirigido aos escritórios da ré, afirmaram não só ter conhecimento das operações realizadas nas suas contas, como também que as mesmas haviam sido expressamente solicitadas e autorizadas, tendo assinado uma declaração a ratificar tais operações. A conduta apurada da trabalhadora não foi desonesta, falsa, contrária aos interesses do empregador, enquanto instituição financeira inserida no mercado. Pelo exposto, considerando que competia ao recorrente demonstrar a alegada violação do dever acessório previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 128º do Código do Trabalho, julgamos que o conjunto de factos assentes não é bastante para considerar violado o dever de honestidade e lealdade.» Seguidamente a decisão recorrida considerou igualmente que «a conduta assumida pela trabalhadora recorrida viola, porém, a cláusula 34.º, n.º, alínea b) do ACT para o setor bancário por a mesma não ter exercido de forma diligente as suas funções, segundo as normas e instruções recebidas e com observância das regras legais e usuais da deontologia da profissão e das relações de trabalho, por ter tido intervenção em operações de constas de familiares em que era diretamente interessada, ter utilizado credenciais pessoais (user e password) de colaboradores do banco, seus subordinados.»
2 - Finalmente a decisão recorrida veio a orientar-se no sentido da existência de justa causa de despedimento, com base no seguinte: «Importa agora apreciar se o comportamento infrator impossibilitou a sobrevivência da relação laboral. Para tanto, a impossibilidade do vínculo laboral deve ser apreciada tendo em consideração todos os interesses que estão na base da relação contratual, existindo sempre que a manutenção do contrato constitua uma insuportável e injusta imposição do empregador (cf. – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/03/2016, P. 695/03.3TTGMR.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt) Estamos perante uma gerente bancária que representa o banco empregador no balcão que gere (...). No exercício das funções para as quais estava contratada competia-lhe executar a gestão comercial e administrativa do estabelecimento, tendo para o efeito competência hierárquica e funcional que lhe foi delegada (cf. ACT para o setor bancário). Face às funções de responsabilidade desempenhadas e ao grau de hierarquia atribuído, é manifesto que o cargo em causa correspondia a uma função de confiança, sendo a autora, no balcão em causa, a face visível e acessível da complexa organização de uma entidade bancária. Deste modo, para além da relação de confiança que tem de existir em qualquer vínculo laboral, o contrato de trabalho em causa visava o exercício de uma função de especial confiança. Conforme anteriormente referido, a trabalhadora desobedeceu a ordens e instruções do empregador respeitantes à execução e disciplina do trabalho, violando nomeadamente normas deontológicas e não realizou o trabalho com o zelo e diligência que lhe eram exigidos. A conduta global assumida pela trabalhadora, no nosso entender, é grave e censurável e “rompeu” irremediavelmente a ligação/relação que se havia constituído para uma determinada finalidade. O desrespeito revelado pelas ordens e disciplina impostas pelo empregador e o exercício irresponsável de um cargo tão importante na carreira bancária, durante alguns anos, colocou necessariamente em causa a idoneidade da autora para o futuro desempenho das suas funções. Não é exigível e constitui uma insuportável e injusta imposição ao empregador manter, em sua representação, à frente de qualquer balcão, numa função de confiança, com responsabilidades hierárquicas sobre outros colaboradores, uma trabalhadora que foi a primeira a prevaricar, reiteradamente, durante alguns anos. Para a concreta situação dos autos, tomando em consideração o comportamento infrator e o cargo exercido, a antiguidade da trabalhadora e a factualidade descrita no ponto 70, não tem peso suficiente para afastar a aplicação da sanção expulsiva. Em suma, inexiste outra sanção suscetível de sanar a crise contratual aberta pelo comportamento deliberadamente assumido pela trabalhadora. Destarte, verificam-se claramente no caso sub judice, cumulativamente, os requisitos supra enunciados para a existência de justa causa de despedimento. Por conseguinte, apenas resta afirmar que julgamos verificada a justa causa de despedimento, invocada pela empregadora, pelo que a sanção aplicada se mostra válida e legal.»
3 - Analisada globalmente a conduta imputada à Autora, tal como a mesma emerge da matéria de facto dada como provada, ressalta a realização de operações bancárias, relativamente a familiares e a um cliente do banco sem que se tivesse munido de documento que titulasse tais operações devidamente assinado pelos clientes em causa. Decorre ainda da matéria de facto dada como provada, a realização de algumas dessas operações com utilização de user names e passwords de outros trabalhadores da agência, seus subordinados, em alguns casos quando aqueles já tinham feito o log out do sistema informático. No caso dos familiares, tais operações foram realizadas em contravenção de diretiva interna específica nesse sentido. Não se provou que aquelas operações tenham sido realizadas contra a vontade dos titulares das contas e, no caso dos familiares, estes ratificaram mesmo tais operações. Não se provou igualmente que a Autora tenha desviado em proveito próprio os quantitativos movimentados e que o Banco Réu tenha sofrido qualquer prejuízo em consequência da atuação da Autora.
Num cenário destes tem cabimento a dúvida colocada pelo tribunal de 1.ª instância sobre se o despedimento aplicado pelo Banco Réu à Autora se mostra proporcionalmente adequado à «gravidade da infração e à culpabilidade do infrator», conforme determina o n.º 1 do artigo 330.º do Código do Trabalho.
A sanção de despedimento foi aplicada à Autora pelo empregador com base em factualidade que não se provou integralmente no presente processo. Com efeito, decorre do ponto n.º 1 da matéria de facto dada como provada, que «a Autora, no procedimento disciplinar contra ela deduzido, foi acusada de no exercício das suas funções de Gerente do Balcão de ... de: Gravíssima violação dos princípios mais elementares à ética e deontologia profissionais e às normas de conduta; Movimentar abusivamente contas de clientes e apropriação de fundos; Abuso de confiança e; Conflito de interesse» e do ponto n.º 67 que «no exercício das suas funções de gerente da agência de ..., a A. foi acusada, esquematicamente: de violação de princípios éticos e deontológicos e de normas de conduta; de movimentar abusivamente contas de clientes e de apropriação de fundos; de abuso de confiança e de conflito de interesses».
Da factualidade dada como provada nada resulta relativamente à apropriação de fundos e a abusos de confiança, elementos que teriam um grande relevo relativamente à demonstração da violação do dever de lealdade e à quebra da relação de confiança entre as partes. Resta de seguro a violação das normas internas relativamente ao funcionamento da instituição bancária, quer no que se refere à utilização de paswords e user names de outros trabalhadores, quer na realização de operações bancárias relativamente a familiares, e a omissão de documentação nos termos internamente definidos das operações realizadas, nomeadamente, na obtenção de assinatura do titular da conta no documento de suporte à operação. A falta de obtenção da assinatura dos titulares das contas nos documentos que titulam as operações realizadas integra uma clara violação do dever de zelo que poderia ter criado risco de prejuízos para o Banco Réu, se as operações não fossem ratificadas, ou se se viesse a provar que ocorreram contra a vontade dos respetivos titulares, o que não aconteceu.
Para além desses factos, conforme decorre da matéria de facto dada como provada, a Autora desempenhava as funções de gerente da agência do Banco Réu de .... De acordo com o conteúdo funcional da categoria de gerente, resultante do ACT respetivo[18], gerente é o «trabalhador que, no exercício da competência hierárquica e funcional que lhe foi superiormente delegada, tem por função a gestão comercial e administrativa de um estabelecimento». Incumbia, deste modo, à Autora gerir o estabelecimento bancário que lhe foi confiado, o que tem implícita não apenas a obrigação de cumprimento da normatividade interna relativamente ao respetivo funcionamento, mas também a obrigação de impor aos seus subordinados o respetivo cumprimento. A desobediência e o incumprimento do dever de zelo manifestados pela conduta da Autora agravam-se por força da específica qualidade de gerente que lhe exigia outra forma de agir no quadro da prossecução de interesses que o seu empregador lhe confiou. A Autora não só desrespeitou a normatividade interna relativamente ao funcionamento da atividade prosseguida, mas, para além disso, alheou-se do reflexo do incumprimento dessa normatividade sobre os seus subordinados e do seu dever de lhes impor o cumprimento da mesma disciplina.
A conduta da Autora põe claramente em causa a confiança que o Banco Réu nela depositou quando a nomeou para o desempenho das funções de gerente, funções que, pela sua natureza e pelo relevo dos interesses confiados, exigem da parte do Banco um nível de confiança elevado no trabalhador designado para as desempenhar. Na verdade, a Autora demonstrou um menor zelo no cumprimento dos seus deveres e um desrespeito claro pelas suas obrigações e criou, pela omissão de cumprimento daqueles deveres, uma situação de perigo para os interesses do Banco que poderia ter sido demandado pelos clientes cujas contas foram movimentadas pela Autora nas condições referidas. Esta forma de agir quebrou de modo irremediável a relação de confiança que é a base em que assenta a relação de trabalho, pelo que não é legítimo impor ao empregador a manutenção daquela relação. Ponderada a dimensão dos interesses do empregador lesados pela conduta da Autora, o que exprime a ilicitude daquela conduta, atenta a culpa evidenciada por esta conduta, a exprimir uma menor sensibilidade ao dever de agir em conformidade com a normatividade interna e de a fazer cumprir com zelo, acautelando por esta forma a normalidade de funcionamento do estabelecimento, e ponderando também o período de tempo em que a conduta da Autora se manteve, considera-se que a sanção de despedimento é proporcionalmente adequada.
V
Em face do exposto, acorda-se em negar a revista e em confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Junta-se sumário do acórdão.
Lisboa, 22 de fevereiro de 2017.
Leones Dantas - Relator
Ana Luísa Geraldes
Ribeiro Cardoso
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Proc. n.º 4614/14.3T8VIS.C2.S1 (Revista) 4.ª Secção
Sumário
Bancário Justa causa de despedimento Dever de lealdade Dever de obediência Dever de zelo
1.º – A noção de justa causa de despedimento, consagrada no artigo 351.º, n.º 1, do Código de Trabalho de 2009, pressupõe um comportamento culposo do trabalhador, violador de deveres estruturantes da relação de trabalho, que pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral; 2.º – Na atividade bancária, a exigência geral de boa-fé na execução dos contratos assume um especial significado e reveste-se por isso de particular acuidade pois a relação juslaboral pressupõe a integridade, lealdade de cooperação e absoluta confiança da/na pessoa contratada; 3.º – Viola os deveres de obediência e zelo, consagrados nas alíneas d) e c), do n.º1 e no n.º 2 do artigo 128.º, do mesmo Código do Trabalho, o trabalhador responsável pela gestão de agência bancária que realiza operações bancárias com clientes da agência que gere, alguns deles seus familiares, utilizando user names e passwords de outros trabalhadores da agência e não obtendo a assinatura dos mesmos clientes nos documentos que titulam as operações realizadas. 4.º - A conduta descrita no número anterior, face à especificidade das funções de gerente, quebra de forma irreparável a relação de confiança entre as partes tornando inexigível a sua manutenção e integra, por tal motivo, justa causa de despedimento.
Data do acórdão: 22 de fevereiro de 2017 Leones Dantas (relator) Ana Luísa Geraldes Ribeiro Cardoso _______________________________________________________ |