Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | SOUSA FONTE | ||
Descritores: | ATENUANTE CONFISSÃO MEDIDA CONCRETA DA PENA TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES | ||
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Data do Acordão: | 11/07/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA DIREITO PROCESSUAL PENAL - ACTOS PROCESSUAIS/ FORMA DOS ACTOS E SUA DOCUMENTAÇÃO - RECURSOS | ||
Doutrina: | - Eduardo Correia, Direito Criminal, II, Reimpressão (1968), 387. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 729º, Nº 2 E 722º, Nº 3. CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 99.º, NºS 1 E 2, 432º, NºS 1-C) E 2. CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, Nº 1, 50.º, 71.º. DL N.° 15/93, DE 22-1: - ARTIGO 21.º. | ||
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Sumário : | I - A relevância atenuativa da confissão é determinada por razões de política criminal, traduzindo-se em facilitar a acção da justiça.
II - A confissão tem um valor atenuativo muito reduzido ou mesmo nulo quando o arguido foi preso em flagrante delito a transportar droga e na posse de dinheiro, sem que se veja em que medida a acção da justiça foi facilitada pela confissão. III - O grau de ilicitude da conduta do arguido, traduzido na apreciável quantidade de droga transportada por via aérea (6,195 g de haxixe e 2997,750 g de heroína), o seu passado criminal e as elevadas exigências de prevenção geral e especial, tanto de ressocialização como de intimidação, atento o modelo de vida que vinha seguindo em liberdade, levam a considerar que não merece censura a pena aplicada de 5 anos e 4 meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente do art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:
1. O arguido AA, nascido em …/…/19…, em Lisboa-Campo Grande e residente na Rua ..., Lote … r/c …., ..., Lisboa, solteiro, filho de BB e de CC, respondeu no processo em epígrafe, perante o Tribunal Colectivo do 1º Juízo de Ponta Delgada, sob a acusação de ter praticado um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº 21º, nº 1, do DL 15/93, de 22/1 e foi condenado, como autor do referido crime, na pena de cinco anos e quatro meses de prisão.
2. Inconformado, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por se tratar de decisão condenatória proferida por aquele Tribunal que visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, se declarou incompetente e competente o Supremo Tribunal de Justiça, atento o disposto no artº 432º, nºs 1-c) e 2, do CPP. Culminou a sua motivação com as seguintes conclusões que transcrevemos: «1. O douto Acórdão recorrido violou o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 71º do Código Penal porquanto a medida concreta da pena que foi aplicada ao recorrente é exagerada face aos factos que devem ser dados como provados e à culpa que transparece da actividade do recorrente. 2. As condições pessoais do recorrente à data da prática dos factos: o ser responsável pela sobrevivência de um agregado familiar numeroso (nove pessoas, três das quais menores); o estar desemprego e a doença de que padece permitem-nos concluir que a capacidade daquele pautar a sua conduta pelo respeito das normas, recusando a prática de factos típicos como forma de responder aos condicionalismos da sua vida, encontrava-se diminuída. 3. Esta maior exposição do recorrente à atracção pelo rendimento que a função de correio de droga significaria diminui a culpa daquele, de modo tal que fundamenta a aplicação de uma pena próxima do limite mínimo que a lei prevê. 4. Acresce a estas circunstâncias, o facto de o recorrente ter confessado na íntegra a prática dos factos que se deram como provados, o que demonstra uma atitude autocrítica e reveladora de um genuíno arrependimento. 5. A pena adequada à realização da prevenção geral e especial tem, por isso, de se situar num ponto muito próximo do limite mínimo da moldura penal, ou seja, nunca superior aos cinco anos. 6. A ser fixada a pena de prisão do recorrente nos cinco anos, como supra se defende, deverão V.ª Exas. suspender a execução da mesma nos termos do disposto no nº 1 do artigo 50º do Código Penal, uma vez que o comportamento do recorrente após os factos, nomeadamente desde que se encontra em prisão preventiva, demonstra uma verdadeira mudança de atitude do recorrente. 7. Esta mudança de atitude permite formular um juízo de prognose favorável no sentido de que a mera ameaça do cumprimento efectivo da pena de prisão será suficiente para o recorrente, com o cumprimento de um regime [de] prova adequado à situação, pautar a sua conduta futura de acordo com o Direito, abandonando, definitivamente, o consumo de produtos estupefacientes e quaisquer outras actividades ilícitas. Termos em que devem V. Exas. revogar o acórdão recorrido substituindo-o por outro que condenado o recorrente pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artigo 21º do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, numa pena, não superior a cinco anos de prisão, devendo ser a mesma suspensa na sua execução, com sujeição do recorrente a um regime de prova que garanta um tratamento eficaz da toxicodependência».
Respondeu a Senhora Procuradora da República que concluiu que «o recurso apenas expressa o desconforto do recorrente pelas penas a que foi sujeito e a expectativa de obter benevolência do tribunal», devendo, por isso, ser-lhe negado provimento.
No Supremo Tribunal de Justiça, o Senhor Procurador-geral Adjunto emitiu parecer em que, depois de rebater os concretos fundamentos do recurso, concluiu que «situando-se a quantificação da pena dentro dos parâmetros legais, a intervenção correctiva do STJ só se justificará em casos muito limitados, nomeadamente em que aquela, não obstante, se mostre desproporcionada ou desconforme às regras da experiência e da vida (…), que se afigura não acontecer no caso». Por isso, continua, também claudica a pretensão da suspensão da sua execução.
Cumprido o disposto no artº 417º, nº 2, do CPP, o Arguido nada disse.
3. Tudo visto, cumpre apreciar e decidir:
3.1. São as conclusões que definem o objecto do recurso – artº 412º, nº 1, do CPP. Como evidenciam as conclusões transcritas, o Arguido efectivamente só discute matéria de direito – a medida e a espécie da pena – e o recurso vem interposto de um acórdão final do Tribunal Colectivo de Ponta Delgada que aplicou pena de prisão superior a 5 anos. Face ao disposto no artº 432º, nºs 1-c) e 2, do CPP, é incontestável que é o Supremo Tribunal de Justiça o competente para conhecer do recurso. Sem embargo, há que notar que o Tribunal da Relação de Lisboa, porque situado hierarquicamente num plano inferior ao do Supremo Tribunal de Justiça, exorbitou da sua competência ao julgar este Tribunal o competente para o recurso.
3.2. Posto isto, vejamos qual a decisão do Tribunal Colectivo sobre a matéria de facto. É do seguinte teor: «1 Factos provados A) No dia …….2011, pelas 8:35, AA chegou ao aeroporto de Ponta Delgada, proveniente da ilha Terceira, no voo .... No "trolley" que transportava trazia: no bolso frontal de umas calças de ganga 700€; no bolso interior do "trolley" 6,195 gr de haxixe com um grau de pureza de 19,4% e que poderia ser dividido em 25 doses individuais; dentro da carteira pessoal, 160€; dentro de uma mala mais pequena preta, fechada com um cadeado, 3 embalagens envoltas em fita adesiva castanha, compostas, cada uma, por 2 placas envoltas no mesmo tipo de fita, cada uma delas acondicionadas num saco plástico transparente, contendo 6 placas de heroína com o peso líquido de 2997,750 gr e com um grau de pureza de 13,8% e que podiam ser divididas em 4139 doses individuais. Iria receber 1000€ pelo transporte, sendo que aqueles 860€ já eram parte de tal pagamento. AA conhecia a natureza do produto que transportou, quis agir como descrito para o introduzir na Ilha, ciente que a sua conduta era punida por lei. B) AA tem 32 anos de idade. Oriundo de uma família de precária condição socioeconómica. Aos 16 anos de idade iniciou o consumo de haxixe em termos lúdicos. Ingressou no sistema de ensino em idade própria. Durante a frequência do 9° ano de escolaridade, com cerca de 15 anos de idade decidiu abandonar os estudos, começando a trabalhar com o pai na venda de castanhas e gelados, exercendo posteriormente diversas actividades laborais. Ao nível da saúde, aos 20 anos de idade foi-lhe diagnosticado um problema ao nível da circulação sanguínea nos membros inferiores, úlceras varicosas. Aos 24 anos de idade, faleceu o pai do arguido, passando este a assumir-se como figura substitutiva do pai ao nível da responsabilidade da gestão do agregado familiar, da autoridade e do apoio económico. Está desempregado desde Outubro de 2010, desempenhando alguns trabalhos esporádicos. À data dos factos integrava o agregado familiar de origem, composto pela mãe, 4 irmãos, cunhada e 3 sobrinhos. Em meio prisional, mantêm um comportamento adequado, estando sem consumos aditivos. Encontra-se acompanhado por médico, uma vez que o seu estado de saúde agravou. Tende a comportamentos impulsivos e agressivos quando se mostra frustrado e tende a justificar os seus comportamentos com factores que lhe são externos. Já foi anteriormente condenado: em 11.3.2010, pela prática de 1 crime de resistência e coacção sobre funcionário, praticado em 6.10.2003, na pena de 6 meses de prisão suspensa por 1 ano; em 20.10.2010, pela prática de 1 crime de ofensa à integridade física grave, praticado em 1.9.2009, na pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução com regime de prova. Atualmente está preso preventivamente à ordem do juiz titular do presente processo. Admitiu na íntegra os factos de que vinha acusado. 2. Factos não provados Com interesse à decisão da causa não ficaram por provar nenhuns factos».
3.3. O objecto do recurso cinge-se, como já vimos, – à medida da pena, que o Recorrente considera «manifestamente exagerada, face à culpa … e aos factos praticados» e entende dever ser fixada «muito próximo do limite mínimo da moldura penal, nunca superior a cinco anos de prisão, e – à sua espécie, que o Recorrente pretende seja uma pena substitutiva, concretamente a suspensão da execução da prisão, com regime de prova. 3.3.1. Quanto à medida da pena: O Tribunal Colectivo justificou a pena de 5 anos e 4 meses de prisão que aplicou ao Arguido nos seguintes termos telegráficos que transcrevemos: «§ 2 Motivos de Direito. … Neste particular [quanto à determinação da sanção], importa valorar como agravante da responsabilidade a assacar-lhe, o ter agido com dolo directo a significativa quantidade de heroína que transportou e quis introduzir na ilha, a especial potencialidade danosa dessa droga, susceptível de lesar a saúde de número indeterminado de consumidores, e bem assim os seus antecedentes criminais, tudo moderado, apenas, pela pronta confissão dos factos, integral e sem reservas. Nestes termos, julgamos adequada a pena de 5 anos e 4 meses de prisão, que se fixa nos termos conjugados dos artigos 40º nº 1 e 71º, do C.P…» (sublinhado nosso). Por sua vez, o Arguido para justificar aquela primeira pretensão, sobrevaloriza a) «as motivações que levaram à prática dos factos» – isto é, a responsabilidade pela sobrevivência de um agregado familiar numeroso (nove pessoas, três das quais menores); o desemprego e a doença de que padece – que, diz, permitem concluir que «a [sua] capacidade… [para] pautar a sua conduta pelo respeito das normas, recusando a prática de factos típicos como forma de responder aos condicionalismos da sua vida, encontrava-se diminuída», diminuindo, por isso, o seu grau de culpa; b) a confissão integral dos factos, que « demonstra uma atitude autocrítica e reveladora de um genuíno arrependimento.
Pois bem.
O acórdão recorrido não refere as alegadas «motivações que levaram o Arguido à prática dos factos» como circunstância ponderada na determinação da medida da pena. Em nossa opinião, com razão porque a matéria de facto não estabelece qualquer relação de causalidade entre essas «motivações» e a prática do crime. De resto, se está provado que, à data dos factos, o Arguido integrava o agregado familiar de origem, composto pela mãe, 4 irmãos, cunhada e 3 sobrinhos, já constitui mera especulação, como tal irrelevante para o efeito pretendido, afirmar sem qualquer apoio nos factos, que era o responsável pela sobrevivência desse conjunto de pessoas, para depois a partir daí pretender atenuar a sua responsabilidade criminal. O que vem provado é algo de diferente: que após a morte do pai, o Arguido se assumiu como seu substituto «ao nível da responsabilidade da gestão do agregado familiar, da autoridade e do apoio económico». Do mesmo modo, quanto à doença de que padece, por não estar provado que seja incapacitante para o trabalho ou para a angariação honesta de meios de subsistência ou sequer justificadora de uma «maior exposição … à atracção pelo rendimento que a função de correio de droga» pode proporcionar. Aliás, se os tribunais não podem olvidar o momento difícil, em termos económicos e sociais, que uma grande parte da população portuguesa vive no presente, de modo algum podem caucionar comportamentos como o do Arguido que contribuem decisivamente para uma maior conflitualidade e desestrutura social. Quanto à confissão: É verdade, por outro lado, que o Arguido «admitiu na integra os factos de que vinha acusado» (último período da alínea B) dos “Factos Provados) ”, o que deve ser entendido como confissão integral sem reservas dos mesmos factos, como refere o despacho do Senhor Juiz-presidente ditado para a acta da audiência de julgamento de fls. 202 e segs., considerando o disposto no artº 99º, nºs 1 e 2, do CPP, conjugado com os arts. 729º, nº 2 e 722º, nº 3, do CPC. Mas o Arguido foi preso em flagrante delito do transporte da droga e da posse do dinheiro. E, como já ensinava Eduardo Correia[1] «não deve ter nenhum significado a confissão do criminoso preso em flagrante delito e, duma maneira geral, em todos os casos em que se lhe torna claro que a prova está feita por outros meios». De resto, se a relevância atenuativa da confissão é determinada por razões de política criminal, traduzindo-se em facilitar a acção da justiça, não vemos, de acordo com os factos provados, já se vê, em que medida a acção da justiça foi facilitada, no caso, pela confissão do Arguido, limitada como foi aos elementos do tipo e à contrapartida económica que percebeu pelo serviço prestado não se sabe a quem, os “donos da droga”. Pelo exposto, temos de convir que a confissão também não se pode considerar indiciadora de uma não solidariedade com o facto ou de arrependimento, ainda para mais «genuíno», sincero e activo. A confissão tem, assim, neste caso, valor atenuativo muito reduzido, para não dizer mesmo nulo. Por outro lado, considerando: – o grau de ilicitude da conduta do Arguido, traduzido na apreciável quantidade de droga transportada, na sua «potencialidade danosa» e no elevado número de potenciais consumidores; – o seu passado criminal; – a consciência plena que tinha da natureza criminosa dos factos que decidiu praticar; – as elevadas exigências de prevenção geral e especial, tanto de ressocialização como de intimidação, atento o modelo de vida que, em liberdade, vinha seguindo e a própria postura perante os factos (cfr. designadamente o antepenúltimo parágrafo da alínea B) dos “Factos Provados”, entendemos que a pena aplicada – de 5 anos e 4 meses de prisão – não merece censura por se situar dentro dos parâmetros habituais para casos semelhantes.
3.3.2. A conclusão acabada de tirar prejudica a apreciação da pretendida suspensão da execução da pena, visto o disposto no artº 50º do CPenal.
4. Nesta conformidade, acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso e, assim, em confirmar o acórdão recorrido. Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC’s
Lisboa, 7 de Novembro de 2012
Sousa Fonte (Relator) Santos Cabral Processado e revisto pelo Relator __________________________ |