Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | PEREIRA MADEIRA | ||
Descritores: | ROUBO TENTATIVA VALOR INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA | ||
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Nº do Documento: | SJ200402190001635 | ||
Data do Acordão: | 02/19/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | ORDENADA A BAIXA DO PROCESSO. | ||
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Sumário : | I - A tentativa de roubo - art.ºs 210.°, n.° 1 e 2, al. b) , 22.°, 23.°, e 73.° do C. Penal, ainda com referência ao art.º 204.°, n.° 2, al. f) , do Código Penal - implica que a coisa objecto da tentativa não seja, ao menos, «de diminuto valor», já que, a sê-lo, não há lugar à qualificação, tal como emerge do n.º 3 do artigo 204.º do mesmo Código. II - Isto significa que não é possível ao tribunal levar avante a condenação pelo referido crime sem averiguar, efectivamente, qual o valor do alvo da tentativa. III - Não o tendo o tribunal recorrido diligenciado nesse sentido, a decisão padece do vício de insuficiência a que alude o artigo 410.º, n.º 2, a), do CPP, uma vez que não foi esgotado, como deve ser sempre, o thema probandum postulado pelo objecto do processo emergente da acusação, e que, ao contrário do que muitas vezes se julga, não se cinge, com rigor milimétrico, às meras palavras, muitas vezes incorrectamente tidas por sacramentais, do libelo ou da pronúncia se for caso disso, antes, aos confins mais alargados do tema jurídico - o «objecto do processo» - que aquela peça processual define e condiciona, é certo, mas não impedindo, de modo algum, o imprescindível enriquecimento da sentença com os contributos emergentes da discussão da causa que é, naturalmente, uma fonte potencialmente tão rica de pormenores que acusação alguma, como peça forense sintética que é por excelência, consegue antecipar na sua real dimensão. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. Em processo comum com intervenção do colectivo, foi deduzida acusação pública contra A, B, e C, todos devidamente identificados, sendo os dois primeiros cidadãos brasileiros. Imputou a prática, a cada um, em autoria material e concurso efectivo, de um crime de roubo agravado, previsto e punível pelo art.º 210°, n° 1 e 2, al. b) , com referência ao art.º 204°, n° 2, al. f) , ambos do Código Penal, e de quatro crimes de sequestro, previstos e puníveis pelo art.º 158°, n° 1, do mesmo Código. Os arguidos A e B solicitaram o apoio judiciário na modalidade de isenção do pagamento de custas e taxas devidas na pendência do processo, o que lhes foi deferido. Efectuado o julgamento veio a ser proferida sentença em que, na procedência da acusação, além do mais, foi decidido: Como autores materiais de um crime roubo agravado, previsto e punível pelo art.º 210°, n° 1 e 2, al. b) , do C. Penal, com referência ao art.º 204°, n° 2, al. f) , do mesmo diploma, condenar cada um dos arguidos na pena de quatro anos de prisão. E como autores materiais de um crime roubo agravado, na forma tentada, previsto e punível pelos art.ºs 210°, n° 1 e 2, al. b) , 22°, 23°, e 73° do C. Penal, ainda com referência ao art.º 204°, n° 2, al. f), do mesmo diploma, condenar cada um dos arguidos na pena de um ano e seis meses de prisão. Absolvê-los arguidos da prática dos quatro crimes de sequestro, previstos e puníveis pelo art.º 158°, n° 1, do C. Penal, que lhes foram imputados na acusação. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares, foi cada um dos arguidos condenado na pena única de quatro anos e seis meses de prisão. Mais foi condenado cada um dos arguidos AAV WJO na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de cinco anos. Inconformados, recorrem agora ao Supremo Tribunal de Justiça os três condenados, delimitando assim conclusivamente os respectivos objectos da impugnação: 1. O arguido C: 1- Nenhum factor relativo à natureza e amplitude da participação do recorrente na prática dos crimes que lhe são imputados mereceu a devida apreciação por parte do tribunal a quo; à revelia do preceituado no artigo 72.º do Código Penal. 2- A agravação do crime de roubo e da tentativa de roubo foi determinada à revelia do pressuposto previsto no n.º 4 do artigo 204.º do mesmo diploma.. 3- A pena aplicada ao recorrente é manifestamente desproporcionada face aos fundamentos legais invocados e à personalidade e conduta do mesmo antes e depois dos actos que consubstanciam o processo. 4- Assim, atentos os fundamentos para a atenuação especial da pena, entender-se-á como correcta e adequada à prova produzida e aos fundamentos do acórdão, a aplicação de uma pena de prisão não superior a dois anos, suspensa por igual período. 2. O arguido B 1º O recorrente foi condenado pela prática, em autoria material de um crime de roubo agravado consumado e outro de roubo agravado na forma tentada, ex vi o disposto pelos artigos 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b) e 204.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, al. f), todos do Código Penal, numa pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão. 2º Ocorre que a pena de prisão fixada demonstra-se desproporcional no confronto do disposto pelo art.º 40.º, n.º 1, do Código Penal, nomeadamente quanto à reintegração do agente na sociedade. 3º A matéria de facto dada como provada indica que o recorrente possuía emprego, vivia com a irmã, está regularmente em Portugal desde o mês de Março do ano de 2001, é pessoa respeitada no seu meio e tem emprego garantido. 4º Mesmo assim, foi-lhe aplicada uma pena acessória de expulsão do território nacional. 5º Como consequência, o recorrente nunca poderá obter qualquer medida de flexibilização de sua pena, conforme foi referenciado por ocasião do julgamento do recurso n.º 3222/2003, 5ª Secção, em 23/10/2003, por este mesmo Supremo Tribunal de Justiça, rogata maxima venia. 6º Por isto, a satisfatória reintegração social do ora recorrente somente ocorrerá, com alguma eficácia, no seu país de origem. 7º Assim, o douto acórdão recorrido violou o disposto pelo artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal ao não interpreta-lo favoravelmente à pessoa do recorrente, entendendo-se ser suficiente uma pena única de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução, ex vi o art.º 50.º, n.º 1, do Código Penal. 8º Principalmente porque o recorrente provou que possuía uma vida perfeitamente normal e produtiva antes de cometer o seu erro e, ainda, que o mesmo não fazia da prática de roubo um seu modo de vida. 9º Segundo o Professor Figueiredo Dias, «Na avaliação da personalidade - unitária - do agente releverá, sobretudo, a questão de se saber se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma "carreira") criminosa, ou tão só a uma ocasionalidade que não radica na personalidade» (Conforme Figueiredo Dias, em "Direito Penal Português - Parte Geral - As Consequências Jurídicas do Crime", Ed. Aequitas, Editorial Notícias, 1993, páginas 283 e seguintes). 10º Pelo que, salvo o devido respeito, a simples censura do facto e a ameaça de prisão, bem como o tempo de prisão preventiva já sofrido, realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, uma vez que, de per si, afasta o recorrente da prática de novos crimes e, igualmente, estabiliza contrafacticamente as expectativas comunitárias na validade da norma penal violada. 11º Por outro lado, mesmo que não se reconhecesse a possibilidade de ser reduzida a pena de prisão para 3 (três) anos, suspensa na sua execução, a mesma deveria, no mínimo, salvo o devido respeito, a título subsidiário, ser então fixada abaixo dos 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão. Nestes termos, requer, salvo o devido respeito, seja dado provimento ao presente recurso para: A) - seja revogado o douto acórdão recorrido e fixada a pena única de prisão em 3 (três) anos e, ainda, suspensa na sua execução, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, ou; B) - caso não seja este o douto entendimento de Vossas Excelências, seja, em carácter subsidiário, revogado o douto acórdão recorrido, para se fixar a medida da pena única em concreto, abaixo dos 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão. 3. O arguido A 1.° O recorrente foi condenado pela prática, em autoria material de um crime de roubo agravado consumado e outro de roubo agravado na forma tentada, ex. vi o disposto pelos artigos 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b) e 204.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, al. f), todos do Código Penal, numa pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão. 2.° Sucede que a pena de prisão fixada se demonstra bastante desproporcional no que concerne ao confronto do disposto pelo art.º 40.º, n.º 1, do Código Penal, nomeadamente quanto à reintegração do agente na sociedade. 3.° A matéria de facto dada como provada indica que o recorrente possuía emprego. 4.° Vivia com a companheira e duas primas. 5.° Encontra-se devidamente legalizado em Portugal com visto de trabalho. 6.° No caso de aplicação de pena suspensa continuará a ter trabalho garantido pela entidade patronal. 7.° Encontra-se socialmente integrado. 8.° Tendo-lhe sido aplicada uma pena acessória de expulsão do território nacional. 9.° Como consequência, o recorrente nunca poderá obter qualquer medida de flexibilização de sua pena. 10.° Por isto, a satisfatória reintegração social do ora recorrente somente poderá ocorrer, com alguma eficácia, no seu país de origem. 11.° Sendo mais difícil a sua integração no seu pais de origem do que em Portugal, dado que em Portugal tem emprego garantido e no seu País de origem não sabe o que o espera. 12.° Assim, o douto acórdão recorrido violou o disposto pelo artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal ao não interpreta-lo favoravelmente ao recorrente, entendendo-se ser suficiente uma pena única de três anos de prisão, suspensa na sua execução, ex vi o art.º 50.º, n.º 1, do Código Penal. 13.° Principalmente porque o recorrente provou que possuía uma vida perfeitamente normal e produtiva antes de cometer o seu único erro. 14.° Não fazendo da prática de roubo o seu modo de vida. 15° Segundo o Professor Figueiredo Dias, «Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de se saber se o conjunto dos fados é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma "carreira criminosa, ou tão só a uma ocasionalidade que não radica na personalidade" (Conforme Figueiredo Dias, em "Direito Penal Português - Parte Geral - As Consequências Jurídicas do Crime", Ed. Aequitas, Editorial Notícias, 1993, páginas 283 e seguintes) 16.° Pelo que, salvo o devido respeito, a simples censura do facto e a ameaça de prisão, bem como o tempo de prisão preventiva já sofrido, realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, uma vez que, de per si, afasta o recorrente da prática de novos crimes e, igualmente, estabiliza contrafacticamente as expectativas comunitárias na validade da norma penal violada. 17.° Por outro lado, mesmo que não se reconhecesse a possibilidade de ser reduzida a pena de prisão para 3 três anos, suspensa na sua execução, a mesma deveria, no mínimo, salvo o devido respeito, a título subsidiário, ser então fixada abaixo dos 4 quatro anos e 6 seis meses de prisão. Assim, porque foi violado um dos princípios básicos e elementares do nosso Direito Penal, deve ser dado provimento ao presente recurso e a decisão recorrida ser substituída por uma outra, nomeadamente: 1) - ser revogado o douto acórdão recorrido e fixada a pena única de prisão em três anos e, ainda, suspensa na sua execução, nos termos do artigo 50.º, n.º 1 , do Código Penal, ou; 2) - caso não seja este o douto entendimento de Vossas Excelências requer-se que em carácter subsidiário seja revogado o douto acórdão recorrido, para se fixar a medida da pena única em concreto, abaixo dos quatro anos e seis meses de prisão. Respondeu o MP junto do tribunal recorrido em defesa do julgado. Subidos os autos, suscitou o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, no seu visto, a questão preliminar de a matéria de facto estar viciada por insuficiência - art.º 410.º, n.º 2, a) do CPP - já que o tribunal nada disse nem nada investigou no sentido de averiguar qual o valor que existiria na caixa registadora do estabelecimento assaltado, para efeitos de qualificação do n.º 2, b), do artigo 210.º do Código Penal, pois, na dúvida sobre esse valor terá que operar o princípio processual in dubio pro reo, impondo-se a desqualificação. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 daquele diploma adjectivo, apenas o recorrente C veio afirmar a sua adesão à posição assumida pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto. No despacho preliminar do relator foi assumido o ponto de vista expresso naquela vista preliminar do Ministério Público. Daí que os autos tenham vindo À conferência. 2. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Vejamos antes de mais, os factos dados como provados no tribunal recorrido. Provou-se que: Em Outubro de 2002, os três arguidos decidiram, dirigirem-se a um restaurante, armados, e aí assaltarem o mesmo e as pessoas que encontrassem, a fim de despojá-las dos bens e dos valores da sua pertença de que fossem portadoras, cientes de que agiam sem consentimento e em prejuízo dessas pessoas mas com o intuito de fazerem deles os bens e os valores que assim obtivessem. Em execução de tal plano, no dia 9 de Outubro de 2002, pelas 22.10 horas, os arguidos dirigiram-se para as proximidades do restaurante "....", explorado por D, sito no parque de estacionamento da Praia de Carcavelos, Cascais, no carro de marca "Fiat", modelo "Tempra", de matrícula n° AU, pertencente ao arguido C. Aí chegados, este entregou aos outros dois arguidos as pistolas adiante referidas, da sua pertença, e ficou no interior da viatura, de atalaia e pronto para pôr o carro em andamento de modo a os três fugirem da zona. Os arguidos A e B apearam-se e entraram no restaurante, sentaram-se a uma mesa, encomendaram bebidas e ficaram a observar enquanto aguardavam um momento que lhes parecesse oportuno para intervirem. No estabelecimento encontravam-se, para além destes dois arguidos, a gerente D e E, sentados a uma mesa, e os empregados F, em serviço à cozinha, e G, de serviço às mesas. O arguido A levava com ele a pistola de salva de marca "Valtro", modelo "Mini 8" , de calibre 8 mm, examinada a fls. 219, e o arguido B, por sua vez, ia munido da pistola de marca "Astra F.T.", modelo "GT28" e 6,35 mm de calibre, examinada a fls. 291, resultante da transformação duma arma de alarme de 8 mm e agora apta a deflagrar munições de fogo real, com três munições em bom estado de funcionamento, estando uma na câmara pronta a deflagrar, e dum punhal com 22 cm de lâmina que transportava entalado à cintura. Como os arguidos sabiam, a pistola e o punhal que o arguido B detinha eram aptos a causar as mais graves lesões na saúde, e atirar a vida, das pessoas contra as quais fossem usados. O arguido B empunhou essa pistola, apontou-a à cabeça do empregado de mesa G, gritou "Isto é um assalto!", ou expressão de teor semelhante, agarrou-lhe num dos braços e torceu-lho para trás, após o que lhe ordenou que abrisse a caixa registadora do estabelecimento e encaminhou-o para a zona onde essa caixa se situa, zona onde igualmente apontou a pistola ao empregado F que aí se encontrava. O arguido A, por sua vez, empunhou a pistola de salva de que ia munido, apontou-os às duas pessoas que estavam sentadas à mesa e disse-lhes "Isto é um assalto, passa o dinheiro! ", ou outra expressão de sentido equivalente. Em seguida retirou de cima da mesa o telefone móvel de marca "Motorola" com o valor de € 250,00 pertencente a E e umas chaves do carro de D, artigos que guardou e fez seus. O arguido A apercebeu-se então de que E tinha a sua carteira no bolso traseiro das calças e, mantendo as armas apontadas às pessoas, ordenou-lhe que lhe entregasse tudo de que ali dispunha. Consoante os assaltantes visavam, E entendeu que se lhes opusesse seria ferido, ou morto, pelo que decidiu não se opor e colocou sobre a mesa os bens e valores de que era portador. O arguido tirou-lhe a carteira de cabedal, com o valor de € 50,00, que continha um conjunto de notas europeias correntes no valor de € 45,00, uma nota portuguesa anteriormente corrente de Esc. 1.000$00, os documentos pessoais de E, nomeadamente bilhete de identidade, carta de condução e documentos do seu carro, cartão de contribuinte, cartão de beneficiário da Caixa Geral de Aposentações, três cartões de crédito dos bancos BPI, CGD e Nova Rede e dois cartões de débito dos bancos BPI e Nova Rede. Entretanto o arguido B, sempre de pistola em punho, mantinha F e G imobilizados. O arguido A encaminhou-se para a porta de saída do restaurante afim de fugir e levar com ele os bens e valores de que se apoderara, para não ser responsabilizado pelos seus actos, e abandonou as instalações. Entretanto os empregados do restaurante F e G decidiram opor-se aos actos do arguido B, dirigiram-se-lhe e envolveram-se em pancadaria. No decurso da luta a pistola e o punhal caíram ao solo e o arguido B, desarmado, foi agarrado. O arguido A, ao sair do restaurante e apercebendo-se disto, decidiu resgatar o seu acompanhante. Sempre com a pistola empunhada e puxando atrás a culatra, o arguido dirigiu-se a F e a G, gritou "Solta o gajo...solta o gajo!" ou outra expressão de teor semelhante. Por esse modo obrigou-os a soltarem o arguido B à liberdade. Os arguidos A e B lançaram- se então em fuga. O arguido A correu para o carro onde o arguido C aguardava e puseram-se ambos em fuga. O arguido B fugiu a pé. Na fuga deixaram cair o telefone móvel de E, que depois foi recuperado e devolvido ao dono, e igualmente caíram ao chão o telefone móvel da marca "Nokia" e modelo "5110" pertencente ao arguido B e os óculos de sol que este envergava. Os arguidos sabiam que as descritas condutas lhes estavam vedadas pela Lei e que lhes eram socialmente censuradas, não obstante o que se determinaram livre e conscientemente. O arguido A tem o 2° grau de ensino do Brasil, auferia cerca de € 1.200,00 por mês, vivia com a mulher e mais familiares, e nunca terá respondido em processo crime. Vive há três anos em Portugal, com visto de trabalho, tem emprego garantido, é pessoa respeitada no seu meio. O arguido B tem a 4.ª série de ensino do Brasil, auferia cerca de € 1.000,00 por mês, vivia com a irmã, e nunca terá respondido em processo crime. Vive em Portugal desde 6 de Março de 2001, com visto de trabalho, tem emprego garantido, é pessoa respeitada no seu meio. O arguido C tem o 12.° ano, estuda na Escola de Pesca, Marinha e Comércio, vive com os pais, e nunca terá respondido em processo crime. Não se provou: - Em que data e local os arguidos combinaram o assalto ao restaurante. - Que o arguido A fosse portador de outra arma. - Que o arguido A tenha tirado e guardado uma bolsa de tabaco em pele da pertença de D. - Que os arguidos visassem privar de liberdade as quatro pessoas que se encontravam no restaurante. - Que o arguido A tenha batido com a pistola na cara de F, causando-lhe um hematoma. - Que os arguidos estivessem fortemente embriagados e tivesse havido qualquer combinação prévia. - Que o arguido A tivesse tentado excluir-se da decisão de assaltar o restaurante, tendo entrado no mesmo apenas para pagar a conta dos amigos e assim se vendo envolvido. Com esta matéria de facto considerou o tribunal, como se viu, estar verificada a prática pelos arguidos do crime de roubo agravado, previsto e punível pelo art.º 210.°, n.° 1 e 2. al. b), do C. Penal, com referência ao disposto no art.º 204.º, n.° 2, al. f) , do mesmo diploma, «tal como da acusação consta», e ainda um crime de roubo qualificado, na forma tentada, previsto e punível pelas mesmas disposições legais e ainda pelos art.ºs 22.°, 23.°, e 73.° do C. Penal. Porém, o certo é que, na verdade, nada se disse nem no acórdão se vislumbra, nomeadamente dos factos não provados, que tenha sido, sequer, indagado, qual o valor que se encontrava guardado, de momento, na caixa registadora ou que os condenados se propunham alcançar. Ora, a tentativa de roubo por que os arguidos foram condenados no tribunal recorrido na pena parcelar de um ano e seis meses de prisão cada um - ut art.ºs 210.°, n.° 1 e 2, al. b) , 22.°, 23.°, e 73.° do C. Penal, ainda com referência ao art.º 204.°, n.° 2, al. f), do Código Penal - implica que a coisa objecto da tentativa não seja, ao menos, «de diminuto valor», já que, a sê-lo, não há lugar à qualificação, tal como emerge do n.º 3 do artigo 204.º do mesmo Código. Isto significa que o tribunal recorrido não podia ter deixado de averiguar, efectivamente, qual o valor do alvo da tentativa, tal como defende o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal. Se o tivesse conseguido e o resultado fosse de ter como diferente do de «valor diminuto», então a decisão proferida estaria ao abrigo de qualquer censura. Se pelo contrário, o resultado apontasse para valor qualificável de «diminuto», então estaria errada a condenação, pois, como se viu, em tal caso não poderia funcionar a qualificação levada em conta para a levar a cabo. Enfim, se o tivesse tentado, mas não lograsse qualquer resultado ou se depois da diligência ficasse na dúvida, os princípios processuais penais em matéria de prova ter-lhe-iam indicado o caminho a seguir. O que não podia era chegar a uma conclusão jurídica sem ter presente a real dimensão do facto em que ela deveria assentar, ou seja, no caso, o valor alvo da tentativa de roubo. Esta omissão vem a significar, no fim de contas, que o tribunal recorrido proferiu decisão com insuficiência de factos que a apoiassem, que os factos provados não suportam com firmeza a decisão tomada, o que, por outras palavras leva a ter a matéria de facto como enferma do vício a que alude o artigo 410.º, n.º 2, a), do Código de Processo Penal, uma vez que não foi esgotado, como deve ser sempre, o thema probandum postulado pelo objecto do processo emergente da acusação, e que, ao contrário do que muitas vezes se julga, não se cinge, com rigor milimétrico, às meras palavras, muitas vezes incorrectamente tidas por sacramentais, do libelo ou da pronúncia se for caso disso, antes, aos confins mais alargados do tema jurídico - o objecto do processo - que aquela peça processual define e condiciona, é certo, mas apenas nas suas linhas mestras, não impedindo, de modo algum, o enriquecimento da sentença com os contributos emergentes da discussão da causa que é naturalmente uma fonte potencialmente tão rica de pormenores que acusação alguma, como peça forense sintética que é por excelência, consegue antecipar na sua real dimensão. Tanto basta para concluir que procede inteiramente a mencionada questão preliminar suscitada pelo Ex.mo Procurador Geral-Adjunto, no tocante ao apontado vício da matéria de facto, cumprindo anular parcialmente o julgamento e reenviar o processo para o tribunal a que alude o artigo 426-A do Código de Processo Penal, para que, ali, outro seja efectuado, agora com vista a completar os dados de facto que o caso reclama, em conformidade com o exposto. 3. Termos em que se decide ao abrigo do disposto no artigo 426.º, n.º 1, do CPP, reenviando o processo, nos apontados termos, deste modo ficando prejudicado, por ora, o conhecimento do objecto dos recursos. Sem tributação. Lisboa, 19 de Fevereiro de 2004 Pereira Madeira Santos Carvalho Costa Mortágua |