Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
Relator: | OLIVEIRA ABREU | ||
Descritores: | CONTRATO DE MÚTUO OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO NULIDADE POR FALTA DE FORMA LEGAL FORMALIDADES AD SUBSTANTIAM ÓNUS DE ALEGAÇÃO ÓNUS DA PROVA CAUSA DE PEDIR ABUSO DO DIREITO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA IMPUTAÇÃO DO CUMPRIMENTO JUROS | ||
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Data do Acordão: | 01/31/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / NULIDADE E ANULABILIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS. | ||
Doutrina: | - Antunes Varela, Das Obrigações em geral, 4ª edição, volume I, p. 131 ; Abuso do direito, Rio, 1982; - Castanheira Neves, Questão de facto - Questão de direito, volume I, p. 513 e ss.; - Fernando Augusto Cunha e Sá, Abuso do Direito, 1973, Lisboa, p. 164 a 188 e 454; - Jacinto Bastos, Notas ao Código Civil, volume 2, p. 103; - Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, p. 63; - Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, volume II, Tomo III, p. 226, 228, 230, 231 e 234; - Vaz Serra, Abuso do direito, Boletim do Ministério da Justiça nº. 85, p. 253 ; Revista da Legislação e Jurisprudência, ano 102º, p. 337. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 289.º, N.º 1. CÓDIGO PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º 4 E 639.º, N.º 1. | ||
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Sumário : | I. Cabe ao mutuante alegar e demonstrar o âmbito da respectiva obrigação contratual, qual seja, que emprestou dinheiro ao mutuário, sendo ónus deste a demonstração de que cumpriu a sua obrigação de restituir, acaso esteja demonstrado o empréstimo, a quantia mutuada. II. A necessidade de redução das declarações em escritura pública ou documento assinado pelo mutuário, nos termos da lei substantiva civil, torna este tipo de contrato um contrato solene, não podendo a prova ser efectuada senão por documento de valor idêntico, o que faz depender a validade do contrato de mútuo, a partir dos limites fixados na lei, de um requisito ad substantiam, determinando a respectiva nulidade, reconhecida que seja a ausência da forma externa prescrita na lei, impondo-se ao mutuário a restituir tudo quanto haja recebido do mutuante. III. Quando a causa petendi assenta no pressuposto da nulidade do negócio jurídico celebrado, por falta de forma, não faz sentido, sustentar o abuso de direito, e violação da boa-fé contratual, por parte dos Réus, mutuários, uma vez que foi o próprio Autor, mutuante que guisou a acção, sustentando a nulidade do mútuo, por falta de forma. IV. A restituição, por parte do mutuário, de tudo quanto haja recebido do mutuante, em caso de nulidade do mútuo, por falta de forma, deve ser enquadrada nos termos do art.º 289º n.º 1 do Código Civil, desconsiderando-se o instituto do enriquecimento sem causa, já que este assume carácter subsidiário a advir de falta de causa numa deslocação patrimonial, enquanto que, no caso, a restituição tem como fundamento uma nulidade do contrato de mútuo, por falta de forma. V. Demonstrada facticidade que se subsume juridicamente ao reconhecimento de que os mutuários, são possuidores de boa-fé, a restituição ao mutuante, deve considerar que as apuradas quantias já entregues pelos mutuários, a título de juros, devem ser imputadas no capital, uma vez injustificada qualquer importância, entregue a titulo de juros, sublinhando-se que a declaração de nulidade do mútuo oneroso atinge, necessariamente, a convenção de juros, importando também, e deste modo, que a exigida restituição abrange o capital ainda em falta, a calcular, uma vez subtraído ao valor do empréstimo, toda a demonstrada importância, entregue pelos mutuários ao mutuante, independentemente do titulo a que tenha sido feito, mormente a titulo de juros, devendo ser reconhecida a importância entregue a titulo de juros, como entrega, a titulo de capital. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO AA instaurou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra, BB e CC, pedindo a condenação destes no pagamento solidário da importância de €25.790,00, acrescida de juros de mora vincendos desde a data da citação. Articulou, com utilidade, ter celebrado com os Réus, dois contratos de mútuo, o primeiro no valor de €25.000,00, e o segundo no valor de €2.000,00, montantes que estes se obrigaram a restituir em prestações anuais, conforme a disponibilidade dos mesmos, o que não cumpriram, apenas lhe tendo restituído a quantia de €1.610,00, por conta do primeiro acordo. Por força da nulidade do primeiro contrato de mútuo, por vício de forma, não são devidos os juros de mora convencionados e apenas o capital mutuado e, quanto ao segundo contrato de mútuo existe nulidade quanto à convenção de juros, sendo apenas devidos à taxa legal de 4% ao ano. Regularmente citados, os Réus apresentaram contestação e deduziram pedido reconvencional, apenas aceitando ter efectuado o primeiro dos alegados contratos de mútuo, relativamente ao qual pagaram a quantia global de €32.865,00, por conta de juros e capital. Na sequência da alegação quanto ao montante pago, pediram que o Autor/Reconvindo seja condenado a restituir-lhes a quantia de €7.865,00 que entregaram indevidamente, já que os juros apenas poderiam ser calculados à taxa de 4% ao ano. O Autor/Reconvindo replicou, alegando que é falso que os Réus/Reconvintes tenham efectuado os pagamentos que alegam, embora aceite ter recebido destes, quantia que não sabe concretizar, a título de juros de mora, até ao ano de 2013. Mais alegou que os Réus/Reconvintes não podem pedir a devolução da quantia paga, porquanto isso configura abuso do direito. Admitido o pedido reconvencional, foi proferido despacho saneador, tendo-se fixado o objecto do litígio, dispensando-se a enunciação dos temas de prova. Calendarizada e realizada a audiência final, foi proferida decisão de facto e de direito, em cujo dispositivo se consignou: “Em face do exposto, e com os fundamentos de facto e de Direito supra exarados, decide-se: a) julgar a acção intentada por AA contra BB e CC parcialmente procedente, e, em consequência, declarar nulo, por vício de forma, o contrato de mútuo no montante de €25.000,OO celebrado entre o autor e os réus; b) absolver os réus do demais peticionado; c) julgar o pedido reconvencional deduzido por BB e CC contra AA parcialmente procedente e, em consequência, condeno este a restituir aos réus/reconvintes a quantia de €6.340,00, acrescida de juros de mora contados desde a notificação da reconvenção (23-06-2016) até efectivo e integral pagamento, à taxa legal de 4% ao ano. Custas a cargo de ambas as partes na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 18% para os réus/reconvintes e em 82% para o autor/reconvindo (artigo 527°, n.o1 e 2 do Código de Processo Civil).” Inconformado, o Autor/Reconvindo/AA recorreu de apelação, tendo o Tribunal a quo conhecido do interposto recurso, proferindo acórdão em cujo dispositivo foi consignado: “Pelo exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente e altera-se a sentença nestes termos: 1. Julga-se a acção parcialmente procedente e condenam-se os RR. a pagar ao A. a quantia de € 3 960,00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento; 2. Julga-se a reconvenção improcedente e absolve-se o A. do pedido reconvencional. Custas: 1. Na 1.ª instância: - da acção, por A. e RR. na proporção de vencido; - da reconvenção pelos RR.; 2. Na 2.ª instância, por Apelante e Apelados na proporção de vencido.” O Autor/Reconvindo/AA insurgiu-se contra a decisão proferida em 2.ª Instância, tendo interposto recurso de revista excepcional, (alínea c) do n.° 1, do art.º 672° do Código de Processo Civil), aduzindo as seguintes conclusões: “l.ª Os mutuários receberam aos 25/08/06, os 25.000,00€ que o recorrente lhes emprestou, por contrato verbal, importância que fizeram sua. 2.ª Sem questionarem por qualquer forma a validade do contrato e as obrigações dele decorrentes, os mutuários pagaram os juros convencionados até 2010 e, embora não na totalidade, continuaram a pagar juros até 2105. 3.ª Ao considerar que os juros pagos pelos mutuários constituem restituição (parcial) do capital mutuado, o douto Tribunal recorrido, violou o princípio da proibição do enriquecimento, constante do artigo 473º do CC, uma vez que faz cair apenas sobre o mutuante as consequências da nulidade formal, permitindo que os mutuários retirem proveitos do capital mutuado, à custa daquele. 4.ª Esse computo constitui, por outro lado, flagrante violação do princípio da proibição do abuso de direito, e da boa fé contratuais, constante do artigo 334º do CC, uma vez que, ao procederem ao pagamento dos juros convencionados durante quatro anos, sem questionarem a validade do contrato fizeram nascer no credor a convicção séria de que assim continuariam a fazer. 5.ª Deve, por isso, a douta decisão recorrida ser alterada, considerando como juros os juros efectivamente pagos pelos mutuários, e condenando estes a pagarem ao A. o capital com que se encontram enriquecidos, (23.390,00 €), fazendo com que essa decisão coincida com o entendimento levado ao douto acórdão fundamento, que proíbe os mutuários de extraírem da nulidade as consequências pretendidas, assim se fazendo a habitual e sã Justiça.” Foram apresentadas contra-alegações pelos Recorridos/Réus/BB e CC, nas quais, sem quaisquer conclusões, pugnam pela improcedência do interposto recurso, mantendo-se a decisão recorrida. Remetidos os autos à Formação, foi proferido acórdão, onde se concluiu: “Não se verificando a dupla conforme, falha o requisito fundamental que desencadeia a revista excepcional e a intervenção desta Formação, nos termos do art. 672º nº 3 do C.P.Civil. (…) Pelo exposto e de harmonia com o disposto no art. 672º n5 do mesmo diploma legal, remetam-se os autos à distribuição a fim de se possibilitar ao Conselheiro Relator o exame preliminar sobre a admissão da revista normal” Levado a cabo o exame preliminar sobre o recurso interposto, admite-se o mesmo, como de revista normal, preenchidos que estão os requisitos de que depende a respectiva admissibilidade, quais sejam, a legitimidade de quem recorre, ser a decisão proferida recorrível e ser o recurso interposto dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito. Foram colhidos os vistos. Cumpre decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO II. 1. A questão a resolver, recortada das alegações apresentadas pelo Recorrente/Autor/Reconvindo/AA consiste em saber se: (1) Considerando a facticidade demonstrada, a subsunção jurídica da mesma, deverá ser diversa da sentenciada, concretamente, a) resulta dos autos a violação do princípio da proibição do abuso de direito, e da boa-fé contratuais, uma vez que os mutuários, ao procederem ao pagamento dos juros convencionados durante quatro anos, sem questionarem a validade do contrato ajuizado, fizeram nascer no mutuante, credor, a convicção séria de que assim continuariam a fazer? b), outrossim, ao considerar que os juros pagos pelos mutuários constituem restituição (parcial) do capital mutuado, o acórdão recorrido, violou o princípio da proibição do enriquecimento sem justa causa, uma vez que faz cair apenas sobre o mutuante as consequências da nulidade formal do contrato ajuizado, permitindo que os mutuários retirem proveitos do capital mutuado, à custa daquele? II. 2. Da Matéria de Facto Factos considerados provados na sentença de 1ª Instância: “1. No dia 25-08-2006, AA, por acordo verbal, entregou a BB e CC, por solicitação destes, a quantia de € 25.000,00, com a condição de a mesma lhe ser restituída em prestações anuais, conforme as disponibilidades destes, acordando ainda que o empréstimo venceria juros anuais de 10%. 2. O acordo referido em 1 foi titulado por letra aceite por BB e CC. 3. DD e EE assinaram a letra referida em 2 no lugar do aceitante, mas pretenderam intervir como avalistas de BB e CC. 4. BB e CC entregaram a AA: a) em 15-08-2007, a quantia de € 800,00, para pagamento de capital e de € 2.500,00, para pagamento de juros; b) em 25-08-2008, a quantia de € 200,00, para pagamento de capital e de € 2.500,00, para pagamento de juros; c) em 30-08-2009, a quantia de € 610,00, para pagamento de capital e de € 2.500,00, para pagamento de juros; d) em data não concretamente apurada do ano de 2010, a quantia de € 1.000,00, para pagamento de capital e de € 2.500,00 para pagamento de juros; e) em data não concretamente apurada do ano de 2011, a quantia de € 3.800,00, para pagamento de capital e de € 2.500,00, para pagamento de juros; f) em data não concretamente apurada do ano de 2012, a quantia de € 500,00, para pagamento de capital e de € 2.500,00, para pagamento de juros; g) em data não concretamente apurada do ano de 2013, a quantia de € 5.000,00, para pagamento de capital e de € 2.500,00, para pagamento de juros; h) em data não concretamente apurada do ano de 2014, a quantia de € 700,00 para pagamento de juros; i) em 06-09-2015, a quantia de € 1.230,00 para pagamento de juros; 5. BB e CC foram citados em 12-05-2016. 6. AA foi notificado da contestação/reconvenção em 23-06-2016. Factos considerados não provados: A. No ano de 2009, em data que não sabe precisar, o autor emprestou mais € 2.000,00 aos réus. B. Para titular o empréstimo, lhe assinaram nova letra desse valor. C. Empréstimo esse que deveria ser pago aos 25-10-2009 e que deveria pagar juros à taxa de 10% ao ano. D. BB e CC entregaram a AA: a) no ano de 2012, para além da quantia referida em 4. f), a quantia de € 1.500,00 para pagamento de capital. b) no ano de 2014, para além da referida em 4. i), a quantia de € 25,00 para pagamento de juros.” Reapreciada a decisão de facto, a Relação decidiu: “Assim, altera-se a redacção das alíneas d), e), f) e g) do facto 4, por forma a que delas fique apenas a constar a entrada de € 2 500,00 de juros. Resulta do atrás dito que os RR. entregaram ao A. € 1 610,00 de capital e € 19 430,00 de juros, num total de € 21 040,00.” II. 3. Do Direito O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recorrente/Autor/Reconvindo/AA, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjectivo civil - artºs. 635º, n.º 4, e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil. II. 3.1. Considerando a facticidade demonstrada, a subsunção jurídica da mesma, deverá ser diversa da sentenciada, concretamente, a) resulta dos autos a violação do princípio da proibição do abuso de direito, e da boa-fé contratuais, uma vez que os mutuários, ao procederem ao pagamento dos juros convencionados durante quatro anos, sem questionarem a validade do contrato ajuizado, fizeram nascer no mutuante, credor, a convicção séria de que assim continuariam a fazer? b), outrossim, ao considerar que os juros pagos pelos mutuários constituem restituição (parcial) do capital mutuado, o acórdão recorrido, violou o princípio da proibição do enriquecimento sem justa causa, uma vez que faz cair apenas sobre o mutuante as consequências da nulidade formal do contrato ajuizado, permitindo que os mutuários retirem proveitos do capital mutuado, à custa daquele? (1) Reapreciada a prova, foi alterada a decisão de facto, tendo o Tribunal recorrido, uma vez subsumidos juridicamente os factos adquiridos processualmente, concluído, no segmento decisório, pela parcial procedência da acção, consignando: “1. Julga-se a acção parcialmente procedente e condenam-se os RR. a pagar ao A. a quantia de €3.960,00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento; 2. Julga-se a reconvenção improcedente e absolve-se o A. do pedido reconvencional. Custas: 1. Na 1.ª instância: - da acção, por A. e RR. na proporção de vencido; - da reconvenção pelos RR.; 2. Na 2.ª instância, por Apelante e Apelados na proporção de vencido.” Ao cotejarmos o aresto escrutinado, não encontramos dificuldade em entender o iter cognitivo do Tribunal recorrido que decidiu com segurança. Assim, depois de problematizar as questões a conhecer - As questões suscitadas pelo Apelante são o erro na decisão da matéria de facto e o abuso do direito por parte dos RR., ao invocarem na reconvenção a nulidade do mútuo - sustentou o Tribunal recorrido: “Assim, altera-se a redacção das alíneas d), e), f) e g) do facto 4, por forma a que delas fique apenas a constar a entrada de €2.500,00 de juros. Resulta do atrás dito que os RR. entregaram ao A. €1.610,00 de capital e €19.430,00 de juros, num total de €21.040,00. Concorda-se com a sentença quando afirma que a declaração de nulidade do mútuo oneroso afecta a convenção de juros, pelo que as quantias entregues a este título devem ser imputadas no capital. Todavia, por força da alteração dos factos, os RR. têm ainda de pagar ao A. a quantia de €3960,00, não tendo este que lhes pagar qualquer quantia. Pelo que a reconvenção está votada ao fracasso.
A questão da impossibilidade da invocação pelos RR. da nulidade do mútuo por constituir abuso do direito não somente é injustificada, porque essa nulidade fora já invocada pelo A., como se revela ultrapassada pela improcedência da reconvenção. Pelo exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente e altera-se a sentença nestes termos:” Como já adiantamos, o Recorrente/Autor/AA, ao interpor a presente revista, sustentando a alteração do sentenciado, invoca não só, a violação do princípio da proibição do abuso de direito, e da boa-fé contratuais (uma vez que, segundo alega, os mutuários, ao procederem ao pagamento dos juros convencionados durante quatro anos, sem questionarem a validade do contrato ajuizado, fizeram nascer no mutuante, credor, a convicção séria de que assim continuariam a fazer), mas também a violação do princípio da proibição do enriquecimento sem justa causa (uma vez que, segundo alega, o Tribunal recorrido faz cair apenas sobre o mutuante as consequências da nulidade formal do contrato ajuizado, permitindo que os mutuários retirem proveitos do capital mutuado, à custa daquele), questões estas que, necessariamente se entrelaçam, conforme decorre do enquadramento jurídico adiante consignado. Vejamos. Nas relações negociais, os contraentes são inteiramente livres, tanto para contratar ou não contratar, como para fixar o conteúdo das relações contratuais que estabeleçam, desde que não haja lei imperativa, sustentada em normativos éticos e sociais, ou mesmo na segurança do comércio jurídico, ditame de ordem pública ou bons costumes que se oponham. A regra é, pois, a liberdade de fixação do conteúdo contratual com o alcance de que as partes são livres na configuração interna dos contratos que realizam – art.º 405º do Código Civil - . Acima de quaisquer elementos objectivos, o elemento fundamental a considerar é sempre constituído pela vontade das partes. A qualificação jurídica do negócio há-de resultar, em larga medida, do que tiver sido pretendido pelos contraentes. Estabelece o art.º 1142° do Código Civil “mútuo é o contrato pelo qual umas das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”. Com regulamentação prevenida no consignado art.º 1142º do Código Civil, este normativo do direito substantivo civil menciona três notas distintas e caracterizadoras do contrato de mútuo, legalmente tipificado, quais sejam, uma parte, designada mutuante, empresta certa coisa a outra, o mutuário; o objecto emprestado é dinheiro ou outra coisa fungível, e, por fim; o mutuário fica obrigado a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, sendo esta a matriz do contrato que nos ocupa, porque alegada e reconhecidamente celebrado entre partes. No contrato de mútuo, a entrega da coisa pelo mutuante ao mutuário filia-se só na confiança de que goza o mutuário e que serve de causa à entrega da coisa pelo mutuante, independentemente de qualquer outro negócio jurídico. Inventariados os factos demonstrados nos autos caberá observar, no tocante ao reconhecido negócio jurídico - contrato de mútuo - se exige a lei determinada figuração exterior prescrita para a respectiva declaração de vontade. Estamos, pois, remetidos para a questão dos negócios consensuais e negócios formais. A noção de forma dos negócios jurídicos, tal como costuma ser utilizada, pressupõe que para a validade da declaração negocial não admite a lei toda e qualquer acção idónea para exteriorizar o respectivo conteúdo de vontade. Pressupõe que a lei estatui certas limitações a tal respeito, que a declaração de vontade negocial só tem eficácia quando realizada através de certo tipo de comportamento. Este formalismo cifra-se praticamente na exigência de documento, com mais ou menos requisitos e solenidade, neste sentido, Professor. Manuel de Andrade, apud, Teoria Geral da Relação Jurídica, volume II, páginas 141 e seguintes. A propósito, estatui o art.º 1143º do Código Civil que “o contrato de mútuo de valor superior a €20.000,00 (vinte mil euros) só é válido se for celebrado por escritura pública e o de valor superior a €2.000,00 (dois mil euros), se o for por documento assinado pelo mutuário.” Assim, as consignadas declarações de vontade só têm eficácia quando, por força do normativo citado - art.º 1143º do Código Civil - forem realizadas através de documento assinado pelo mutuário. Nos termos do art.º 220º do Código Civil “a declaração negocial que careça de forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei”. O citado preceito, consagra explicitamente como regra, a solução que considera as formalidades legais da declaração como formalidades “ad substantiam”, isto é, formalidades exigidas sob pena de nulidade do negócio. Sublinhamos que a necessidade de redução das declarações em escritura pública ou documento assinado pelo mutuário, nos termos enunciados, torna este tipo de contrato um contrato solene, não podendo a prova ser efectuada senão por documento de valor idêntico, o que faz depender a validade do contrato de mútuo, a partir dos limites fixados na lei, de um requisito ad substantiam – artºs. 364º, ex vi art.º 219º, ambos do Código Civil. O contrato de mútuo que traduz a alegada relação subjacente, sem a forma externa prescrita por lei é nulo, sendo que a nulidade, não só não dispensa, como obriga o mutuário a restituir tudo quanto haja recebido do mutuante - artºs, 1143º; 220° e 289°, todos do Código Civil - . Relembra-se a este respeito (restituição do que se haja recebido do mutuante), o consignado no Assento n°. 4/95, de 28 de Março de 1995, publicado no Diário da República n.º 114/95, I série A, de 17 de Maio de 1995, hoje com valor de acórdão de uniformização de jurisprudência em que concluiu: “Quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade do negócio jurídico invocado como pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com o fundamento no n.º 1 do art. 289º do Código Civil”, importando que, conhecendo-se da nulidade de um contrato que interfere no pedido formulado, não deve o Tribunal limitar-se a afirmar a existência de tal vício; terá ainda de extrair as consequências que lhe são inerentes e que derivem da lei. Subsumida a facticidade adquirida processualmente, o negócio jurídico ajuizado, é, reconhecidamente um contrato de mútuo, porém, nulo por falta de forma legalmente exigida, importando apreciar se há, como sustenta o Recorrente/Autor, violação do princípio da proibição do abuso de direito, e da boa-fé contratuais, uma vez que, segundo invoca o Recorrente/Autor, os Réus, mutuários, ao procederem ao pagamento dos juros convencionados durante quatro anos, sem questionarem a validade do contrato ajuizado, fizeram nascer no Autor, mutuante, a convicção séria de que assim continuariam a fazer. Breves considerações sobre a figura do abuso de direito. Estabelece o art.º 334º do Código Civil que é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. Há abuso de direito quando um comportamento, aparentando ser o exercício de um direito, se traduz na não realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumento e na negação de interesses sensíveis de outrem, neste sentido, Fernando Augusto Cunha e Sá, apud, Abuso do Direito, 1973, Lisboa, págs. 164 a 188. O Conselheiro Jacinto Bastos, apud, Notas ao Código Civil, volume 2, página 103, refere que “a fórmula do direito substantivo civil - artº. 334º do Código Civil - abrange não só o exercício de um direito sem utilidade própria e só para prejudicar outrem, mas também o exercício de qualquer direito de forma anormal, quanto à sua intensidade de modo a comprometer o gozo dos direitos dos outros e a criar uma desproporção entre a utilidade do exercício do direito e as consequências que os outros têm de suportar.” A concepção adoptada de abuso do direito é a objectiva. Não é necessária a consciência de se excederem, com o seu exercício, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, basta que se excedam esses limites. Isto não significa, no entanto, que ao conceito de abuso do direito consagrado no art.º 334º do Código Civil sejam alheios factores subjectivos, como, por exemplo, a intenção com que o titular tenha agido. A consideração destes factores pode interessar, quer para determinar se houve ofensa da boa-fé ou dos bons costumes, quer para decidir se se exorbitou do fim social ou económico do direito, neste sentido, Professor Antunes Varela, apud, Das Obrigações em geral, 4ª edição, volume I, pagina 131. A nota típica do abuso do direito reside, por conseguinte, na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que ele deve ser exercido, neste sentido, Castanheira Neves, apud, Questão de facto - Questão de direito, volume I, páginas 513 e seguintes; Fernando Augusto Cunha de Sá, apud, ob. cit. páginas 454 e seguintes, Professor Antunes Varela, apud, Abuso do direito, Rio, 1982. Exige-se que o excesso cometido seja manifesto. Os tribunais só podem, pois, fiscalizar a moralidade dos actos praticados no exercício de direitos ou a sua conformidade com as razões sociais ou económicas que os legitimam, se houver manifesto abuso. É esta a lição de todos os autores e de todas as legislações. O Professor Manuel de Andrade refere-se aos direitos “exercidos em termos clamorosamente ofensivos da justiça” apud, Teoria Geral das Obrigações, página 63, e o Professor Vaz Serra refere-se, igualmente, à “clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante” apud, Abuso do direito, Boletim do Ministério da Justiça nº. 85, página 253, sendo que para determinar os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes, há que atender de modo especial às concepções ético-jurídicas dominantes na colectividade. Relativamente à figura do abuso de direito, e no que ao caso trazido a Juízo respeita (uma vez que o Recorrente/Autor sustenta que os Réus, mutuários, procederam ao pagamento dos juros convencionados durante quatro anos, sem questionarem a validade do contrato ajuizado, fazendo nascer no Autor/Recorrente, mutuante, a convicção séria de que assim continuariam a fazer), destacamos a figura do abuso de direito na modalidade de “venire contra factum proprium” - ou “Verwirkung” do direito alemão ou do instituto do direito inglês designado por “Stoppel” (impedimento) - o qual consubstancia impedir que uma pessoa adopte uma conduta contrária a uma sua anterior quando esta última tenha criado na contraparte um estado de confiança legitimo. Atendendo a este quadro normativo e doutrinal, cumpre conjugá-lo, não só, com a facticidade adquirida processualmente, mas também, e desde logo, com o modo como a demanda foi balizada pelo Autor, ora Recorrente, cuidando de apreciar a petição inicial apresentada em Juízo, colhendo daí os factos jurídicos donde emerge a pretensão jurídica formulada, outrossim, importa cotejar a defesa esgrimida, consignada na contestação apresentada, e, no caso em apreço, a própria reconvenção deduzida. Escrutinada a presente demanda, anotamos, desde logo, ao confrontar a petição inicial apresentada em Juízo, que a acção foi delineada pelo Autor/AA, ao consignar os factos jurídicos donde emerge a pretensão jurídica (para o que aqui interessa - a restituição ao Autor do valor de €23.390,00 [considerado a entrega de €1.610,00 a descontar ao valor emprestado de €25.000,00]), na circunstância de o empréstimo não ter sido formalizado, encerrando vício de forma, importando a sua nulidade, que o Autor/AA, ora Recorrente invoca. A causa petendi assenta no pressuposto da nulidade do negócio jurídico celebrado, por falta de forma. Daqui decorre, não fazer sentido, salvo o devido respeito por opinião contrária, como o faz o Recorrente/Autor, sustentar o abuso de direito, e violação da boa-fé contratual, por parte dos Réus, mutuários, quando foi o próprio Autor/AA, ora Recorrente que guisou a acção, sustentando a nulidade do negócio jurídico articulado, por falta de forma, sendo certo que os Réus, mutuários, reconheceram, na defesa apresentada, apenas e só, ter procedido ao pagamento de capital e juros convencionados, que alegadamente ultrapassou o valor do empréstimo, reclamando, por isso, a restituição do excesso, em reconvenção, sem questionarem a validade do contrato articulado, donde se colhe que, se foi posta em crise a convicção séria do Autor, mutuante, de que os mutuários assim continuariam a cumprir o negócio outorgado, tal deveu-se ao próprio Autor, mutuante, ao demandar os Réus, mutuários, nos termos enunciados. Os Réus/BB e CC, tão pouco exerceram qualquer direito traduzido na invocação da nulidade, por falta de forma, do negócio jurídico outorgado com os Autores, ora Recorrentes, pelo que, na ausência deste pressuposto - exercício de um direito - não se pode equacionar, qualquer abuso no seu exercício. Da facticidade demonstrada, conquanto se reconheça juridicamente, que os factos apurados encerram um negócio jurídico nulo, por falta de forma, não podemos afirmar que os Réus, mutuários, porque só alegaram ter restituído ao Autor, mutuante um valor que excedeu o “emprestado”, embora não o tivesse demonstrado nos autos, tenham exercício qualquer direito sem utilidade própria e só para prejudicar o Autor, mutuante, donde, este Tribunal ad quem (reconhecendo-se que só pode fiscalizar a moralidade dos actos praticados no exercício de direitos ou a sua conformidade com as razões sociais ou económicas que os legitimam), conclui que não houve qualquer exercício do direito, e muito menos abusivo, por parte dos Réus/BB e CC. Ademais, na decorrência apodíctica do que fica dito, não divisamos, qualquer acção adoptada pelos Réus, mutuários, contrária a uma sua anterior, quando esta última tenha criado no Autor, mutuante, um estado de confiança legítimo, uma convicção séria de que os Réus, mutuários cumpririam o negócio jurídico outorgado. Tudo visto, este Tribunal ad quem, não reconhece o invocado abuso do direito, por parte dos Réus, mutuários. Resolvida, esta questão, e para cabal conhecimento do interposto recurso de revista, impõe-se conhecer se o Tribunal recorrido, ao considerar que os juros pagos pelos Réus, mutuários, constituem restituição (parcial) do capital mutuado, violou o princípio da proibição do enriquecimento sem justa causa, uma vez que faz cair apenas sobre o mutuante as consequências da nulidade formal do contrato ajuizado, permitindo que os mutuários retirem proveitos do capital mutuado, à custa daquele. Atentemos. Estabelece o art.º 473º n.º 1 do Código Civil “Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”, acrescentando o n.º 2 do referido artigo que “A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial, por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.” A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos, quais sejam, a existência de um enriquecimento; sem causa justificativa; e à custa de quem requer a restituição. Como escreveu o Professor Vaz Serra, apud, Revista da Legislação e Jurisprudência, ano 102º, página 337 nota 2 “o enriquecimento consiste numa melhoria da situação patrimonial do obrigado a restituir, representando a diferença entre o estado actual do seu património e o estado em que ele se encontraria se não tivesse tido lugar a deslocação, sem causa, de valores”. O enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista, podendo traduzir-se, quer num aumento do activo patrimonial, quer no uso ou consumo de coisa alheia ou no exercício de direito alheio.
A doutrina tradicional alude ainda a um outro requisito para haver lugar à obrigação de restituição, qual seja, será necessário que o enriquecimento seja obtido imediatamente à custa daquele que se arroga o direito à restituição. É o requisito do carácter imediato da deslocação patrimonial ou, como por alguns é designado, da unicidade (ou unidade) do facto de enriquecimento. O Professor Menezes Cordeiro, apud, Tratado de Direito Civil Português, volume II, Tomo III, páginas 226, 228, 230, 231 e 234, a propósito dos requisitos gerais deste instituto, referindo-se ao enriquecimento e depois de elencar as situações em que ele pode traduzir-se, escreveu que, dado estarmos no campo do direito das obrigações “o instituto do enriquecimento só pode ser activado quando algo transite de uma pessoa para a outra.” Referindo-se ao empobrecimento, depois de referir que ele pode traduzir-se nas figuras inversas às apontadas a propósito do enriquecimento e que lhe basta o dano em abstracto, acrescentou, no entanto, que era necessária “a deslocação patrimonial ou o acervo de vantagens que se destinariam ao empobrecido mas que, mercê do fenómeno em estudo, surgem na esfera do enriquecido.” Quanto à relação entre o enriquecimento e o empobrecimento defende que ela deve existir, por decorrer da expressão “à custa de outrem”, a qual tem utilidade desde que seja devidamente integrada, devendo ser entendida como “uma proposição específica de enriquecimento sem causa, que exprime uma relação entre os futuros credores da obrigação de restituir o enriquecimento e o devedor da mesma.” Defende ainda, o Professor Menezes Cordeiro, apud, ob. Cit., volume II, Tomo III, página 234, que daquela expressão deriva a necessidade da imediação entre o enriquecimento de uma das partes e o empobrecimento da outra e que a relação entre o enriquecido e o empobrecido deve ser directa, na medida em que, e nas palavras daquele Autor, “Um certo enriquecimento pressupõe uma precisa relação jurídica (logicamente) entre dois sujeitos. Essa relação é determinada por um juízo de valor…”, o qual “vai ter por base a ideia fecunda do conteúdo da destinação.” Relembramos que o que está em causa nos presentes autos, reconhecida que está a nulidade do outorgado contrato de mútuo, por falta de forma, é saber em que termos se processa a restituição devida pelos Réus, mutuários, ao Autor, mutuante, sustentando o Recorrente/Autor que o Tribunal recorrido, ao considerar que os juros pagos pelos mutuários constituem restituição (parcial) do capital mutuado, permite que os mutuários retirem proveitos do capital mutuado, à custa do mutuante, ao arrepio do princípio da proibição do enriquecimento sem justa causa. A propósito da restituição do que se haja recebido do mutuante, nos casos de nulidade do mútuo por falta de forma, sublinhamos que a nossa Jurisprudência vem sufragando o entendimento vertido no já consignado Assento n°. 4/95, de 28 de Março de 1995, publicado no Diário da República n.º 114/95, I série A de 17 de Maio de 1995, hoje com valor de acórdão de uniformização de jurisprudência, cujo conteúdo nos permitimos aqui reiterar: “Quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade do negócio jurídico invocado como pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com o fundamento no n.º 1 do art. 289º do Código Civil”, importando, assim, que, conhecendo-se da nulidade de um contrato que interfere no pedido formulado, não deve o Tribunal limitar-se a afirmar a existência de tal vício; terá ainda de extrair as consequências que lhe são inerentes e que derivem da lei, colhendo-se do enquadramento jurídico aduzido no aludido Assento n°. 4/95, de 28 de Março de 1995, hoje com valor de acórdão de uniformização de jurisprudência, que o “que se pretende, seja válido ou nulo o negócio, é precisamente a restituição do que havia sido prestado, importando que a reposição das coisas no estado anterior, como determina o art.º 289º n.º 1 do Código Civil, seja levada a cabo nos precisos termos deste preceito, e não por recurso ao princípio do enriquecimento sem causa, já que este assume carácter subsidiário a advir de falta de causa numa deslocação patrimonial, enquanto que no caso em apreço isso se não verifica, antes estando patente uma nulidade de acto alicerçador do pedido de restituição, neste sentido, Conselheiro Mário Brito, apud, Código Civil Anotado, volume I, página 364.”
Afastada a falta de causa na ajuizada deslocação patrimonial, atinente ao contrato de mútuo, nulo por falta de forma, sendo antes, esta reconhecida nulidade, o fundamento do pedido de restituição, dever-se-á, ter em devida conta o art.º 289º n.º 1 do Código Civil, que estatui “Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”, cuidando também de considerar o n.º 3 do citado preceito substantivo civil ao consignar “É aplicável em qualquer dos casos previstos nos números anteriores, directamente ou por analogia, o disposto nos artigos 1269.º seguintes.” Assim, sendo, desconsiderado o instituto do enriquecimento sem causa, na restituição do que se haja recebido do mutuante, quando o mútuo é reconhecidamente nulo, por falta de forma, cujos termos o Recorrente/Autor, pretendia fazer valer, para infirmar o entendimento do Tribunal a quo que sustentou “a declaração de nulidade do mútuo oneroso afecta a convenção de juros, pelo que as quantias entregues a este título devem ser imputadas no capital”, remete-nos para que a bondade do entendimento perfilhado pelas Instâncias, quanto à restituição do que os Réus, mutuários, perceberam do Autor, mutuante, tenha de ser visto, à luz e com o fundamento, no n.º 1 do art.º 289º do Código Civil. Vejamos. Está adquirido processualmente que no dia 25 de Agosto de 2006, o Autor/AA, por acordo verbal, entregou aos Réus/BB e CC, por solicitação destes, a quantia de €25.000,00, com a condição de a mesma lhe ser restituída em prestações anuais, conforme as disponibilidades destes, acordando ainda que o empréstimo venceria juros anuais de 10%, sendo que o aludido acordo foi titulado por letra aceite pelos Réus/BB e CC que, entretanto, entregaram ao Autor/AA, a quantia de €1.610,00 de capital e €19.430,00 de juros, num total de €21.040,00. Ao Autor/AA, enquanto mutuante, incumbia alegar e provar o âmbito da obrigação contratual, qual seja, que emprestou o dinheiro aos mutuários, sendo ónus dos Réus/BB e CC, enquanto mutuários, reconhecido que foi o empréstimo de €25.000,00, a demonstração de que cumpriram a sua obrigação, traduzida na restituição da quantia mutuada, elidindo a presunção que lhes estava associada, o que de resto, não fizeram na íntegra, uma vez que ficou demonstrado nos autos que os Réus entregaram ao Autor €1.610,00, de capital e €19.430,00 de juros, num total de €21.040,00. Sublinhando que o reconhecimento da nulidade do contrato de mútuo, não só não dispensa, como obriga o mutuário a restituir tudo quanto haja recebido do mutuante, nos termos dos artºs, 1143º; 220°, 289° e 1269º e seguintes, todos do Código Civil, torna-se determinante perceber a natureza da posse dos Réus, mutuários, reputando-os, ou não, de possuidores de boa-fé, para daqui concluirmos se aos mutuários, conquanto tenham recebido o capital mutuado, no âmbito de um negócio jurídico - mútuo - nulo por falta de forma legal, não lhe era exigido o pagamento de frutos civis ou juros do dinheiro emprestado, nos termos da lei substantiva civil, concretamente o art.º 1270º do Código Civil, tornando-se legitimo, neste pressuposto de possuidores de boa-fé, considerar que os juros pagos pelos mutuários constituem restituição (parcial) do capital mutuado, reforçando a ideia de que a declaração de nulidade do ajuizado mútuo oneroso afecta a convenção de juros, donde as quantias entregues, a este título, devem ser imputadas no capital que importa restituir. Subsumidos os factos ao direito, distinguimos que os Réus, mutuários, estavam convencidos que, no momento da entrega do capital, não lesavam o direito do Autor, mutuante, sendo relevante a facticidade apurada no caso sub iudice, donde se colhe que os Réus, mutuários, à data do ajuizado empréstimo de €25.000,00, aceitaram uma letra de câmbio, para titular o dito empréstimo, ilidindo a posse de má-fé que poderia advir da circunstância de o ajuizado mútuo, ser nulo por falta de forma legal. Presumindo-se a posse não titulado, como de má-fé, temos de convir que sendo esta uma presunção iuris tantum, admitimos que a materialidade adquirida nos autos, é suficiente para a refutar, determinando, neste sentido, que os Réus, mutuários, enquanto possuidores de boa-fé, não estavam vinculados ao pagamento de juros, não sendo justificada a importância entregue ao Autor, mutuante, a esse titulo, pelo que, a demonstrada importância, enquanto juros ou frutos civis, tem, necessariamente, de ser considerada e imputada no capital emprestado, uma vez que o possuidor de boa-fé tem, nos termos do art.º 1270º do Código Civil, direito aos frutos civis ou juros do dinheiro emprestado, correspondentes ao período em que se mantém no estado de boa-fé, donde, declarada a ausência de fundamento para o pagamento de quaisquer juros, por parte dos Réus, mutuários, importa que a quantia entretanto paga, a esse titulo, deva ser reconhecida como entregue a titulo de capital. Ademais, não podemos deixar de acentuar que a declaração de nulidade do mútuo oneroso, atinge a convenção de juros, pelo que, também neste sentido, a restituição a operar nos termos do art.º 289º do Código Civil abrange o capital ainda em falta, a calcular uma vez subtraído ao valor do empréstimo, toda a demonstrada importância, entregue pelos Réus, mutuários, ao Autor/mutuante, independentemente do titulo que encerrou, mormente a titulo dos apelidados juros, conforme decidido pelo Tribunal a quo. Tudo visto, reconhecemos que bem andou o Tribunal recorrido, ao julgar parcialmente procedente e provada a presente acção, nos termos consignados no respectivo segmento decisório. Soçobram, assim, as conclusões trazidas à discussão neste Tribunal ad quem, pelo Recorrente/Autor/AA, nas suas alegações de revista, razão pela qual nenhuma censura merece o aresto sob escrutínio. IV. DECISÃO Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam em julgar improcedente o recurso interposto, e, consequentemente, nega-se a revista, mantendo-se na íntegra o acórdão recorrido. Custas pelo Recorrente/Autor/Reconvindo/AA. Notifique. Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 31 de Janeiro de 2019 Oliveira Abreu (Relator) Ilídio Sacarrão Martins Nuno Pinto Oliveira |