Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
Relator: | SÉRGIO POÇAS | ||
Descritores: | BASE INSTRUTÓRIA MATÉRIA DE FACTO MATÉRIA DE DIREITO DESPACHO SANEADOR PROPRIEDADE HORIZONTAL DIREITO DE PROPRIEDADE USUCAPIÃO PARTES COMUNS | ||
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Data do Acordão: | 12/18/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA EM PARTE | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - DIREITOS REAIS - DIREITO DE PROPRIEDADE. DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / AUDIÊNCIA PRELIMINAR - RECURSOS. | ||
Doutrina: | - Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Anotado, vol. III, p.222. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1417.º, 1419.º. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 511.º, N.º1, 729.º, N.º3. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 13/12/2007, PROC. 07A 3023, EM WWW.DGSI.PT . ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: -DE 20/11/2007 E DE 20/05/2010, ACESSÍVEIS EM WWW.DGSI.PT . | ||
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Sumário : | I - Seja na selecção dos factos assentes, seja na selecção dos factos controvertidos, o juiz deve ter em conta todos os factos relevantes segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito e não apenas os factos que relevam para a solução da questão de direito que tem como aplicável. II - Assim, na fase do despacho saneador, não pode o juiz decidir de acordo com os factos então assentes e que tem por suficientes para a solução jurídica que considera correcta, desprezando factos ainda controvertidos e relevantes para uma solução jurídica diversa sustentada por parte da jurisprudência. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório AA e mulher, BB, intentaram a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra CC, DD e mulher, EE, FF e marido, GG e HH e mulher, II, pedindo a condenação dos Réus a reconhecerem o direito dos Autores, na qualidade de proprietários e em execução do acordo havido com os demais condóminos que ao tempo o eram do mesmo prédio, a integrarem o espaço acima referido na fracção B, considerando-se alterado o título constitutivo da propriedade horizontal ou autorizando-se o Autor a outorgar a correspondente escritura rectificativa, com a inerente actualização do registo predial e, subsidiariamente, pediram que seja reconhecido, incluindo para efeitos de registo, a afectação do mesmo espaço ao uso exclusivo da fracção B, como se desta faça parte, alegando, em síntese: - São donos das fracções autónomas designadas pelas letras A, B, D e H, correspondentes a loja com saída para a via pública, rés-do-chão esquerdo, .. andar esquerdo e ...ndar esquerdo do prédio sito na Rua......, n.° ... e ...., em Lisboa, que foi construído e pertenceu à Sociedade de C......, Lda., de que o Autor e um seu irmão eram os únicos sócios, sendo os Réus os proprietários, respectivamente, do 1.° andar direito, 2.° andar direito, 2.° andar esquerdo e terceiro andar esquerdo, a que correspondem as fracções C, E, F e G do mesmo prédio. - Na sua composição inicial o dito prédio compreendia um espaço destinado a habitação da porteira, que era composto por uma casa assoalhada, cozinha, casa de banho e logradouro, que ficou a ser parte comum, quando foi constituída a propriedade horizontal. - Porém, em 1980, a sociedade anterior proprietária obteve dos restantes condóminos o acordo para prescindirem da existência e serviços da porteira, com vista à inclusão das instalações que lhe seriam destinadas na fracção correspondente ao rés do chão esquerdo, até aí constituído apenas por uma divisão e sanitários, passando este a fins habitacionais. - A Câmara Municipal de Lisboa autorizou a eliminação das ditas instalações da porteira e integração na fracção do rés-do-chão esquerdo, a qual passou a ser utilizada para habitação e a ter a sua actual configuração, com duas divisões assoalhadas, cozinha, casa de banho, despensa e logradouro. No entanto, o título de propriedade horizontal não foi actualizado e os Autores não lograram obter dos restantes condóminos, os ora Réus, a deliberação necessária para esse efeito. Os Réus contestaram, alegando que nunca os anteriores proprietários acederam a renunciar à casa da porteira enquanto bem comum, sendo certo que caso o acordo alegado pelos Autores existisse, o mesmo não vincularia os actuais proprietários Por outro lado, a qualidade de bem comum da casa da porteira impede a sua aquisição por usucapião, o que não se altera pelo facto de os Autores terem obtido licença camarária, pois esta não interfere com a propriedade, sendo certo que o título constitutivo da propriedade horizontal não pode ser alterado por meio de sentença, pois o recurso ao instituto do suprimento do consentimento é excepcional e não é admissível nesta matéria. E concluíram pela improcedência da acção e, em reconvenção, pediram o reconhecimento do seu direito de compropriedade sobre a casa da porteira, condenando-se os Autores a eliminarem a ligação da mesma à fracção B e na sua restituição aos ora Autores, bem como na cessação do uso de habitação dado à fracção B. Replicaram os Autores, pugnando pela improcedência da reconvenção. Realizou-se uma audiência preliminar, no âmbito da qual se comunicou às partes a intenção de conhecer imediatamente do mérito da causa, tendo-lhes sido concedido, a seu pedido, um prazo para alegarem, o que fizeram. E, por se considerar que os autos permitiam conhecer imediatamente o pedido, sem necessidade de mais provas, foi proferida o respectivo saneador-sentença. Parte decisória: "Por todo o exposto, julga-se a acção totalmente improcedente, absolvendo-se os Réus de todo o pedido. Julga-se a reconvenção procedente e, em consequência: a)Reconhecem-se os Réus/reconvintes como comproprietários das dependências destinadas ao uso e habitação da porteira, que se localizam no rés-do-chão do prédio urbano sito na Rua Eng° ........, n°s ..... e ......, em Lisboa e se compõem de uma casa assoalhada, cozinha, casa de banho e logradouro; b)Condenam-se os Autores/reconvindos a reconhecer tal direito e a restituir aos primeiros as ditas dependências destinadas ao uso e habitação da porteira, eliminando a ligação existente com a fracção "B" e a utilização desta para finalidade diversa da definida no título constitutivo da propriedade horizontal. " Desta sentença vieram os Autores interpor o recurso de Apelação para o Tribunal da Relação. Neste Tribunal foi negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida. Inconformados, os autores recorrem agora para o STJ, concluindo da forma seguinte: A - Autores e Réus são únicos e actuais condóminos do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua.... ........, n°s .......-.... em Lisboa. B - No ano de 1980, a ante possuidora e construtora desse prédio, "Sociedade de C......, Lda", da qual o Autor Marido era sócio gerente, obteve de todos os restantes condóminos e dos então inquilinos a concordância para supressão da porteira e consequente eliminação das instalações a esta destinadas, com o seu subsequente licenciamento para habitação. C - Na sequência dessa anuência, a predita sociedade requereu à Câmara Municipal de Lisboa a integração daquelas instalações na fracção B do imóvel, obra que foi autorizada em 12-01-1982 e licenciada em 15-03-1982. D - Uma vez concretizada a referida junção, com ligação interna dos dois espaços e supressão de uma das portas de acesso para a escada, foi em 23-06-1982 passada para a recém ampliada fracção B licença de utilização para habitação. E - Com essa nova configuração - ou seja, incluindo já a mencionada "casa da porteira" - a mesma fracção foi, através do ora Autor, arrendada em 02-06-1986, pela mencionada ante proprietária, que desde logo se assumiu como única proprietária dela, ao ainda hoje seu inquilino. F - Em 29-05-991 os Autores adquiriram a propriedade da referida fracção B por efeito de dissolução e partilha da supra identificada sociedade, mantiveram integralmente o arrendamento acima indicado e desde então até ao presente não só têm recebido e feito suas todas as respectivas rendas, como em tudo o mais passaram e continuam a agir como reais proprietários que se consideram também das antigas dependências da porteira que a fracção absorveu. G - A inclusão dessas dependências na fracção B do prédio, o seu arrendamento e a assunção da respectiva propriedade, tanto por parte da ante possuidora como dos Autores, sempre foi e é do pleno conhecimento e implícito consentimento dos demais condóminos, quer dos que hoje o são quer dos anteriores, nunca nenhum deles, antes da posição assumida neste processo, tendo oposto quaisquer reservas ou manifestado fosse de que modo fosse a sua oposição a essa situação. H - Nestas circunstâncias, e pois que os Autores mantêm, por mais de 20 anos seguidos, e com exclusão de quaisquer terceiros (nestes incluídos todos os demais condóminos), a posse efectiva e em nome próprio das instalações inicialmente destinadas ao uso e habitação de porteira, têm o direito de reclamar, como fazem, a aquisição a seu favor a aquisição da correspondente propriedade, por força da usucapião entretanto consumada. I - Embora as mencionadas dependências figurem como parte comum no título constitutivo da propriedade horizontal, estando como tal sujeitas ao regime de compropriedade, isso não as eximia de serem objecto daquele efeito legal, uma vez que se nunca se enquadraram nas que são imperativamente comuns e desde que a posse dos Autores sobre elas revestisse, como sempre sucedeu, as características da inversão do título. J - Por outro lado, a recusa dos Réus em nesse sentido alterarem o título da propriedade horizontal do prédio, não pode sobrepor-se ao fundamento legal da aquisição da propriedade accionado pelos Autores através da presente demanda. K - Até porque a condição de unanimidade dos condóminos exigida por lei para modificação do título constitutivo da propriedade horizontal só vigora se e para quando essa alteração se processe por via negocial. L - Obviamente, nada impede que havendo outro fundamento legal e bastante - e a usucapião é um deles - a alteração do título da propriedade horizontal seja decretada por sentença judicial. M - Tendo a situação descrita (supra, A a H) perdurado, com toda a normalidade e em completa boa fé dos Autores durante mais de 30 anos, com anuência expressa por parte de uns (que já o não são), e implícita por outros (ou sejam os actuais) dos restantes condóminos, a atitude que, contra esse precedente os Réus vieram assumir nesta acção, deduzindo aqui uma pretensão contrária ao que sempre deram a entender, e como isso antagónica de todas as expectativas que deixaram criar, reconduz-se afinal ao assinalado "venire contra factum proprium" e representa uma violação grosseira do princípio da confiança que importa salvaguardar numa base de protecção jurídico-legal da boa fé negocial N - Logo, o pedido reconvencional formulado pelos Réus constitui bem assim um caracterizado abuso de direito que a Lei não consente, o que só por si, se mais não fora - e é - determinaria o seu completo e inevitável colapso. O - No caso desse Venerando Tribunal a ter por pertinente - como aos Recorrentes se afigura - e a não entenda suficientemente comprovada, deve mandar ampliar a matéria de facto, ao abrigo do n° 3 do artigo 729° CPC, de modo a compreender a enunciada nos n°s 18°. 21° e 24° da petição. P - Seja como for, a justa decisão da lide passa peia procedência da acção e improcedência da reconvenção. Q - Decidindo em contrário, o acórdão recorrido não respeitou, por erros de interpretação e aplicação, o disposto nas disposições combinadas dos supra citados preceitos de Lei (artigos 1287° e segs., 1.287°, 1.296°, 1.406°, 1.420°, 1.421°, 1.422°-A, 1.424° e 334°, todos do actual Código Civil), pelo que , na linha da presente alegação, deve ser revogado Para que assim, se faça Justiça Houve contra-alegações, onde se sustenta a manutenção do decidido, e que foram igual modo devidamente ponderadas. Foi admitida a revista excepcional pela Formação a que se refere o nº 3 do artigo 721º do CPC. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Sem prejuízo do conhecimento oficioso que em determinadas situações se impõe ao tribunal, o objecto e âmbito do recurso são dados pelas conclusões extraídas das alegações (artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC[1]). Nas conclusões, o recorrente - de forma clara e sintética, mas completa – resume os fundamentos de facto e de direito do recurso interposto. Face ao exposto e às conclusões formuladas importa resolver: a) se os factos seleccionados abrangem todas as soluções plausíveis da questão de direito; b) se, a responder-se afirmativamente à questão anterior, a concreta parte comum do prédio (instalações da casa da porteira) pode ser adquirida por usucapião pelos autores; c) se os réus actuam em abuso de direito.
II.I. De Facto Na decisão recorrida considerou-se, com base nas posições expressas pelas partes nos articulados e documentos juntos, a seguinte factualidade: 1) O prédio urbano sito na Rua Eng° ........, n°s .... e ....A, em Lisboa, foi construído (tendo ficado concluído em 1976) e pertenceu anteriormente à "Sociedade de C......, Lda", da qual o A. marido e um seu Irmão, já falecido, eram os únicos sócios. 2) Por efeito da dissolução e partilha dessa sociedade, operada em 29/05/1991, foi transmitida aos AA. a titularidade do direito de propriedade da loja com saída própria para a via publica, rés-do-chão esquerdo, primeiro andar esquerdo e terceiro andar esquerdo do mencionado imóvel, que em regime de propriedade horizontal correspondem às fracções autónomas designadas pelas letras A, B, D e H (cfr. a certidão do teor da descrição e inscrições em vigor de fls. 31 a 42). 3) Tendo-os adquirido por compra, os RR. são proprietários, a 1ª do primeiro andar direito, os 2°s do segundo andar direito, os 3°s do segundo andar esquerdo e os 4°s do terceiro andar direito, que respectivamente integram as fracções autónomas designadas pelas letras C, E, F e G daquele prédio (cfr. o mesmo documento). 4) Consta do título constitutivo da propriedade horizontal - escritura pública outorgada em 8 de Novembro de 1976 de fls. 29 a 31 do Livro n° 218-C, do então 15º Cartório Notarial de Lisboa - a permilagem das referidas fracções é de 17%° para a A, de 5%° para a B e de 13%° para as C a H (cfr. o documento de fls. 10 a 14, que se reproduz). 5) O indicado imóvel encontra-se inscrito na respectiva matriz predial, com discriminação exacta da actual composição de cada uma das suas fracções, indicação do seu valor patrimonial e identificação do titular, sob o artigo 259 NIP da freguesia da Ameixoeira e concelho de Lisboa (cfr. os documentos de fls. 15 a 30). 6) Também o mesmo prédio e todas as fracções que o constituem, supra identificadas, se encontram devidamente descritos e a aquisição da sua propriedade inscrita a favor dos AA e dos RR a quem respectivamente pertencem, na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, onde consta com o n° 712 da freguesia da Ameixoeira/Lisboa (cfr. O documento de fls. 31 a 42). 7) Na escritura de constituição da propriedade horizontal consignou-se: «Que o prédio é constituído pelas fracções autónomas a seguir individualizadas pelas letras A (...); B – rés-do-chão, destinado a escritório ou "atelier", composto de uma divisão e sanitários (...); C (...); D (...); E (...); F (...); G (...); H (...). «Que são comuns a todas as fracções, excepto à designada pela letra "A", a entrada principal, vestíbulo e escada geral; e que são comuns a todas elas as restantes partes do prédio não individualizadas, incluindo as dependências destinadas ao uso e habitação da porteira, que se localizam no rés-do-chão e se compõem de uma casa assoalhada, cozinha, casa de banho e logradouro» (cfr. fls. 13). 8) Em 1980, a sociedade acima mencionada requereu à Câmara Municipal de Lisboa, a dispensa de porteira e a consequente eliminação das instalações destinadas à habitação desta, com integração das mesmas na fracção correspondente ao rés-do-chão esquerdo do prédio e o seu subsequente licenciamento para habitação. 9) Essa obra foi autorizada pelos competentes Serviços Municipais, em 12/01/1982, licenciada em 15/03/1982 e logo levada a efeito - após desmontagem de uma porta e abertura de outra -, tendo sido vistoriada e passada a Licença de Utilização, para habitação, n° 123/U/1982, em 23/06/1982 (cfr. o documento de fls. 43 a 45). 10) Desde então a fracção autónoma B, correspondente ao rés-do-chão esquerdo do imóvel, passou a ficar unida às dependências destinadas ao uso e habitação da porteira, e a ser utilizada para habitação como um espaço unitário de duas divisões assoalhadas, cozinha, casa de banho, despensa e logradouro. 11) Os RR. recusam-se a alterar o título de propriedade horizontal, no sentido de o rectificarem em conformidade com a utilização daquela Fracção B do prédio. 12) Essa fracção passou a estar arrendada para habitação a JJ e como tal permanece, recebendo os AA. as correspondentes rendas (cfr. o documento de fls. 46, que se dá por reproduzido).
1. Da in/suficiência dos factos seleccionados, suporte da decisão Dispõe o nº1 do artigo 511º: «O juiz, ao fixar a base instrutória, selecciona a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida» Ou seja, quer na selecção dos factos assentes, quer na selecção dos factos controvertidos, o juiz deve ter em conta todos os factos relevantes segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito e não apenas os factos que relevam para a solução da questão de direito que tem como aplicável. A Base Instrutória, no respeito da matéria alegada, como é evidente, deve permitir a discussão ampla da matéria de facto de modo a que seja possível encontrar para o caso, tal como emerge do julgamento da matéria de facto, a solução de direito que decida com justiça. Nos termos da lei, a BI não deve apertar a discussão a uma única solução da questão de direito (que afinal pode não ser a adequada), mas a outras que se mostrem legalmente plausíveis, como já se disse. Como ensina o Prof. Alberto dos Reis [2] quando trata a questão que nos ocupa: « Tudo isto mostra que o juiz não deve, na elaboração do questionário, adstringir-se a determinada solução jurídica do pleito; há-de formular os quesitos que permitam qualquer solução plausível». O caso: Como nos parece indubitável, a questão da usucapião de parte comum, parte presuntivamente comum e não imperativamente comum, esclareça-se, poder levar ou não à modificação do título de constituição da propriedade horizontal, como o próprio processo mostra, não obtém uma solução pacífica na jurisprudência, o que não é não é de surpreender, face à redacção dos artigos 1417º e nº 1 do 1419º, ambos do CC. Assim se a 1ª instância e a Relação[3], nestes autos (como se disse no relatório, foi admitida a revista excepcional), arredaram a possibilidade, com argumentação ponderada, da modificação do título de constituição da propriedade horizontal com base na usucapião; já nomeadamente nos acórdãos juntos pelo recorrente do Tribunal da Relação de Lisboa de 20/11/2007 (relatora, Desembargadora Rosa Ribeiro Coelho) e de 20/05/2010 (relator, o então Desembargador e actualmente Cons. Carlos Valverde),[4] acessíveis na internet onde se defende, igualmente em ponderada argumentação, aquela possibilidade. Ou seja, claramente os factos alegados relativos à verificação da usucapião são, no presente caso, relevantes para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito. Então a questão é: os factos considerados no saneador-sentença são suficientes para concluir pela usucapião da parte comum em causa pelos autores e assim decidir pela sua relevância ou irrelevância para o destino do pleito? A resposta é, salvo o devido respeito, negativa. Aliás os recorrentes já teriam admitido este entendimento, como é claro na conclusão O. Na verdade, no seguimento da defesa da usucapião alegam: «No caso desse Venerando Tribunal a ter por pertinente - como aos Recorrentes se afigura - e a não entenda suficientemente comprovada, deve mandar ampliar a matéria de facto, ao abrigo do n° 3 do artigo 729° CPC, de modo a compreender a enunciada nos n°s 18°. 21° e 24° da petição[5] (sublinhado nosso) Efectivamente a matéria de facto provada acima transcrita nos pontos 10º a 12º é insuficiente para caracterizar o corpus e o animus da posse boa para usucapião. Como se reconhecerá, daquela matéria não resulta claro que os autores passassem a actuar como verdadeiros donos da referida casa da porteira à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, nomeadamente dos restantes condóminos. Ou seja, a factualidade já assente não é bastante para integrar os requisitos da publicidade e da pacificidade, devendo a mesma recolher-se dos articulados, por se tratar de matéria controvertida. Também nestes se deverá colher a factualidade alegada e controvertida integradora da boa fé na aquisição da situação possessória. No entanto, sendo assim as coisas, face ao conteúdo da petição inicial é possível a discussão sobre se se verificam ou não os factos caracterizadores daquele instituto. Atente-se no conteúdo da petição inicial, nomeadamente nos artigos especificados pelos autores e acima referidos. Discutida e decidida tal matéria, competirá então, mas só então, analisando os factos todos, em sede de direito, ponderar a questão da im/possibilidade de com base na usucapião de modificação do título de constituição da propriedade horizontal. Como resulta nítido do disposto no nº 3 do artigo 729º, o STJ, em casos como o presente, pode/deve ordenar o prosseguimento dos autos, com a organização da Base Instrutória, devendo nela ser incluída a matéria de facto nos termos acima referidos. Na verdade (pese embora o conteúdo dos articulados), a matéria de facto considerada na decisão é insuficiente para a ponderação de todas as soluções plausíveis de direito e assim deve ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito que se mostre adequada. Face ao decidido fica prejudicado o conhecimento das restantes questões. III. Decisão Com os fundamentos expostos, dando-se parcial revista, anula-se o acórdão recorrido e ordena-se a ampliação da matéria de facto de forma a abarcar a matéria de facto controvertida supra enunciada, devendo para tanto proceder-se à condensação da factualidade relevante para a boa decisão da causa de acordo com as diversas soluções plausíveis das questões de direito, discriminando-se os factos assentes, dos controvertidos, estes últimos integrantes da base instrutória o prosseguimento dos autos com a realização da Base Instrutória. Custas a fixar a final. Em Lisboa, 18 de Dezembro de 2012 Sérgio Poças (Relator) * Granja da Fonseca Silva Gonçalves ________________________
[1] Doravante, se o contrário não for dito os preceitos legais indicados integram o Código de Processo Civil |