Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
150/06.0TACDR.P1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: SOUSA FONTE
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
ALÇADA DO TRIBUNAL
APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DIREITO AO RECURSO
DUPLA CONFORME
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
PENA SUSPENSA
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
REJEIÇÃO DE RECURSO
SUCUMBÊNCIA
TRIBUNAL SINGULAR
Data do Acordão: 10/30/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADOS OS RECURSOS
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / TRAMITAÇÃO / RECURSO PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
Doutrina:
- José António Barreiros, Sistema e Estrutura do Processo Penal Português, I, p. 189.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 400.º, N.ºS 1, ALÍNEA E), 2 E 3, 414.º, N.º 2 E 432.º, N.º 1, ALÍNEA B).
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 4.º E 721.º, N.º 3.
LEI DE ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS (LOFTJ): - ARTIGO 24.º, N.º 1.
DL N.º 303/2007, DE 24-08: - ARTIGOS 5.º, 11.º, N.º 1 E 12.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA N.º 1/2002;
- DE 15-03-2012, PROCESSOS N.º 870/07.1GTABF.E1.S1;
- DE 29-03-2012, PROCESSOS N.º 334/04.5IDPRT.P1.S1.
Sumário :
I - O impugnado acórdão da Relação foi proferido em recurso e aplicou ao arguido uma pena não privativa da liberdade (2 anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 anos). Como assim, não é susceptível de recurso para o STJ, por força das disposições combinadas dos arts. 414.º, n.º 2, 432.º, n.º 1, al. b), e 400.º, n.º 1, al. e), do CPP.
II - A irrecorribilidade do acórdão da Relação resulta também da circunstância da decisão sobre que recaiu ter sido proferida por tribunal singular, que, como o STJ tem decidido de forma uniforme, apenas é susceptível de um grau de recurso.
III - Nos termos do n.º 2 do art. 400.º do CPP, introduzido pela Reforma de 1998 (Lei 59/98, de 25-08), o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.
IV - Nos termos do n.º 1 do art. 24.º da LOFTJ, com a redacção que lhe foi dada pelo art. 5.º do DL 303/2007, de 24-08, em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de € 30 000.
V - O DL 303/2007 entrou em vigor no dia 01-01-2008, embora as suas disposições não se apliquem aos processos pendentes naquela data (arts. 12.º, n.º 1, e 11.º, n.º 1).
VI - São, assim, pressupostos da recorribilidade da parte da decisão que recaia sobre a questão cível, o valor do pedido, a alçada do tribunal recorrido e o valor da sucumbência.
VII - Acresce que o n.º 3 do art. 400.º do CPP, com a Reforma de 2007, veio estabelecer, contrariando o AFJ 1/2002, que, mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil.
VIII - Como se pretendeu alinhar o regime do recurso da questão cível com o regime do processo civil, deve ter-se em conta, por força do art. 4.º do CPC, as normas do CPC que regem a sua admissibilidade, particularmente o n.º 3 do art. 721.º, que estabelece que não é admissível revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que com diferente fundamento, a decisão da 1.ª instância.
IX - Como o Tribunal da Relação confirmou integralmente, por unanimidade, a decisão da 1.ª instância, não é admissível recurso do acórdão impugnado quanto à questão cível.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

            1. Relatório

           

1.1. Na comarca de Castro Daire, perante o Tribunal singular, respondeu, com outros, no processo em epígrafe, o arguido AA, nascido no dia 11 de Setembro de 1978 em G…, C… D…, filho de BB e de CC, solteiro, técnico de contas, residente na Av. do C…, nº x, G…, C… D…,

     que, pela sentença de fls. 1535 e segs., proferida em 24.01.2012, foi absolvido da prática de um crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, p. e p. pelo artigo 36º, nºs 1-a) a c), 2, 3, 5-a) e 8-b), do Decreto Lei 28/84, de 20 de Janeiro e dos pedidos de indemnização civil deduzidos pelos demandantes Junta de Freguesia de Gosende e Estado Português (IFADAP).

1.2. A assistente Junta de Freguesia de Gosende interpôs recurso dessa sentença para o Tribunal da Relação que, pelo acórdão de fls. 1708 e segs., de 10.04.2013, decidiu, no que interessa:

                a) condenar o arguido AA, pela prática, em co-autoria material do referido crime, na pena de 2 anos de prisão;

            b) condenar o mesmo Arguido na pena acessória de restituição ao IFADAP da quantia de €95.149,74;

            c) suspender a execução daquela pena de prisão pelo período de 2 anos;

d) manter, no mais, a sentença recorrida.

1.3. Inconformados, recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça a Junta de Freguesia e o arguido AA.

1.3.1. A Junta de Freguesia retirou da motivação as seguintes conclusões que transcrevemos:

«O Tribunal de 1.ª Instância absolveu os arguidos dos crimes de que vinham acusados e, consequentemente, invocando esta absolvição criminal absolveu-os também do pedido de indemnização civil formulado pela assistente, aqui Recorrente, uma vez que este dependia daquele.

O Venerando Tribunal da Relação do Porto, com base no Recurso apresentado pela assistente, aqui Recorrente, não obstante o MP do Tribunal "a quo " pugnar pela manutenção da decisão, modificou a decisão do Tribunal de 1ª instância e condenou os arguidos numa pena suspensa de 2 anos de prisão; condena os arguidos também a restituir ao IFADAP a quantia 95.149,74€.

O Venerando Tribunal da Relação do Porto não atendeu aos factos que foram dados como provados e que fundamentavam, em caso de condenação dos arguidos, o pedido de indemnização requerido pela assistente, aqui Recorrente.

Nomeadamente:

                4ª “15. Logo após o trânsito em julgado da decisão que declarou o Conselho Directivo como inexistente e declarou nulos todos os actos praticados, o I.F.A.D.A.P. suspendeu o pagamento das prestações acordadas, exigindo imediatamente a devolução de todas as quantias, o que não foi feitos pelos arguidos até apresente data; "

Aqui ficou provado o Conselho Directivo, constituído pelos arguidos, é inexistente e foram declarados nulos todos os actos praticados.

                "16. Com a actuação descrita supra durante os anos de 2001 a 2005, os arguidos, ao invocarem legitimidade para representar os baldios daquela freguesia através daquele documento cujo conteúdo sabiam ser falso, agiram de forma concertada para ludibriar quer as pessoas daquela freguesia quer terceiros, incluindo entidades públicas e privadas de forma a que pensassem que o Conselho Directivo por eles criado era a única entidade que estava legitimada para representar os compartes e administrar os baldios de Gosende, sabendo que tal era falso "

Deste facto provado, resulta claro que os arguidos, invocando a legitimidade que não possuíam, ludibriaram, inclusive, entidades públicas, como são os Tribunais, e, entre outros, intentaram acções judiciais, não obstante, posteriormente, tais actos terem sido declarados nulos, por inexistência do Conselho Directivo, como atrás se provou.

                "28. Em 23/04/2003, a assistente foi notificada da instauração pelo Conselho Directivo dos Baldios da Freguesia de Gosende do procedimento de injunção, com o n.º 11/2003, deste Tribunal, para pagamento da quantia de €80.695,35, proveniente da pretensa venda de inertes (3000m3 de saibro), relativamente ao qual aquela deduziu oposição”

Ficou, deste modo, provado que a aqui Recorrente foi obrigada a constituir mandatário judicial para se defender das ilegítimas, senão mesmo inexistentes, pretensões do Conselho dos Baldios da Freguesia de Gosende, ilegalmente constituído pelos aqui arguidos, tendo a Recorrente que custear os honorários do mandatário.

                "29. O Conselho Directivo dos Baldios da Freguesia de Gosende intentou contra a assistente uma acção executiva, para cobrança do montante de 14.040.000$00, vindo o incidente de embargos de terceiro de executada intentados por esta ser julgados procedentes, determinando-se o arquivamento dos autos de execução "

A Assistente, aqui Recorrente, mais uma vez confrontados com a actuação dolosa do Conselho Directivo, actuação esta posteriormente julgada nula, foi obrigada a constituir mandatário para se defender judicialmente contra uma execução de sensivelmente 70.000,00€, contra si intentada, tendo que custear os honorários do seu mandatário.

                "30. No processo executivo acima referido, a assistente foi notificada em 10/04/2002, pela Caixa Geral de Depósitos, da penhora do saldo da sua conta bancária n.º xxxx/xxxxxx/xxx, no montante de €51.618,72 (cinquenta e um mil, seiscentos e dezoito euros e setenta e dois cêntimos), vindo o levantamento da penhora a ser determinado por decisão do Tribunal, proferida em Fevereiro de 2003;"

Ficou aqui indubitavelmente provado que a assistente, aqui Recorrente, ficou com a sua única conta bancária penhorada por um período de 10 meses, em virtude da actuação dos arguidos a qual veio, posteriormente, a ser declarada nula, bem como inexistente o dito Conselho Directivo que intentou tal acção judicial, sendo claro e evidente que tal penhora causou prejuízo à aqui Recorrente, não podendo dispor livremente do seu dinheiro.

Mais comprova este facto que a assistente, aqui Recorrente, estava representada por mandatário judicial, ao qual teve que pagar os respetivos honorários.

                "31. O Conselho Directivo dos Baldios da Freguesia de Gosende interpôs recurso da sentença proferida no processo nº 128/2002 para o Venerando Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do qual a assistente apresentou as suas contra-alegações em 166 páginas de formato A4, vindo a ser negado provimento àquele recurso "

Mais uma vez, ficou provado o trabalho do mandatário da assistente, aqui Recorrente, ao contra-alegar no Recurso interposto pelos arguidos, tendo a aqui Recorrente que custear os honorários do mandatário, não obstante a inexistência e actuação nula posteriormente proferidas.

                10º "32. Para representação da assistente nas acções e recurso supra referidos e para orientação jurídica das posições por aquela assumidas, contitui[u] seus advogados os Drs. DD, EE e FF, que escolheram como escritório central o escritório do primeiro, sito na Rua B..., n. ° XXX-X, em Lisboa;

                33. A assistente pagou aos Advogados supra identificados a conta global de €10.787,67, com IVA incluído”;

Nestes dois factos dados como provados, a Assistente, aqui Recorrente, provou, sem qualquer oposição dos arguidos ou quem quer que fosse, a identidade dos advogados que constituiu e o valor que lhes pagou, 10.787,67€, para a defender das actuações ilegais do Conselho Directivo, formado pelos arguidos, autores nas dita acções judiciais, destinadas a ludibriar entidade públicas e privadas, Conselho Directivo que foi julgado inexistente, bem como declarados nulos todos os actos praticados.

                11ª Não obstante o inequívoco direito que a aqui Recorrente tem em ser indemnizada, acrescenta a aqui Recorrente que no seu pedido cível nem sequer requereu a indemnização pelos honorários pagos ao seu mandatário relativamente aos presentes autos, em 1ª instância, na qual os arguidos foram absolvidos;

Não requereu a indemnização pelos honorários pagos ao seu mandatário relativamente aos presentes autos, relativo ao Recurso em 2ª instância, no qual os arguidos foram condenados pela prática do crime de que vinha acusados;

Não requereu a indemnização pelos honorários pagos ao seu mandatário relativamente aos presentes autos, relativo ao presente Recurso perante o STJ, em 3ª instância, no qual requer a condenação dos arguidos na indemnização dos prejuízos que lhe causaram, com a sua conduta dolosa e declarada nula, no uso de uma legitimidade declarada inexistente, enquanto Conselho Directivo dos Baldios da Freguesia de Gosende.

                12ª "34. Os fornecedores da assistente sofreram demora no pagamento dos seus serviços e os membros da Junta de Freguesia no pagamento dos vencimentos e senhas de presença;

                35. A Junta de Freguesia deixou de poder emitir os P1 aos compartes dos baldios para estes poderem beneficiar dos apoios comunitários, ao gado e à superfície;"

Resulta destes factos dados como provados que a Junta de Freguesia, assistente e aqui Recorrente que os seus fornecedores sofreram demora no pagamento dos seus serviços (cerca de um ano), quer os membros da Junta que suportaram também estoicamente a demora no pagamento dos vencimentos e das suas senhas de presença.

                13ª Acontece que esta falta de verbas monetárias da Assistente, aqui Recorrente, por via da penhora das suas fontes de rendimento, levou a que o prestígio, bom nome e impoluta gestão da Junta de Freguesia, que sempre se verificaram e só nesta altura soçobraram (em face da carência total de fundos), fossem profundamente atingidos.

                14ª Com efeito, além do atraso no pagamento a que se fez referência a Junta de Freguesia deixou de poder emitir os P1 aos compartes dos baldios para estes poderem beneficiar dos apoios comunitários, ao gado e à superfície.

                15ª Desta feita, muito embora a personalidade dos membros da Junta, aqui Recorrente, fosse uma garantia das suas promessas não deixou que corressem boatos em que se dizia que a Junta de Freguesia e a sua gestão já não tinham crédito nem valimento e que, por isso, a sua morte política era eminente.

Designadamente, os membros da Junta, aqui Recorrente, eram acoimados de "ladrões", "vigaristas", "incompetentes" e "que possivelmente só estavam ao serviço da Junta para enriquecer, uma vez que [só] assim se justificava a falta de pagamento do que era devido e a omissão dos P1's aos compartes".

                16ª Deste modo, verifica-se uma total incoerência do Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, na aplicação do Direito, aos factos dados como provados, nomeadamente na conclusão que faz a fls. 1744:

O Tribunal "a quo" absolveu os arguidos do pedido de indemnização civil formulado pelo assistente, por ter considerado que não foi possível "apurar a correspondência entre os valores pagos pela assistente aos respectivos advogados e os concretos processos judiciais em que também interveio o pretenso Conselho Directivo" (fls. 1574). Considerou ainda que "não se comprovou igualmente o nexo de causalidade entre aquela conduta ilícita e culposa dos demandados e os danos reclamados pela demandante nestes autos " (fls. 1574).

A nosso ver, o Tribunal recorrido tem toda a razão. "

                17ª Como acima se referiu, no ponto 1. e 2., o Tribunal de 1ª instância tem razão quando absolveu os arguidos do pedido de indemnização cível após os ter absolvido dos crimes de que vinham acusados, alegando que os danos reclamados pela Assistente no seu pedido cível só poderiam ser ressarcidos caso o comportamento dos arguidos fosse considerado ilícito.

                18ª No entanto, ao considerar ilícito o comportamento dos arguidos, como fez no Acórdão que agora se recorre, o Venerando Tribunal da Relação do Porto, não poderia ter "subscrito" a decisão do Tribunal de 1ª instância, por com ela ser controvertido, relativamente ao pedido de indemnização cível da aqui Recorrente, violando a Lei substantiva que obriga o lesante a indemnizar o lesado.

                19ª Efetivamente, como acima de demonstrou, foi a conduta ilícita dos arguidos, agora verificada pelo Tribunal da Relação do Porto, que causou os prejuízos reclamados pela assistente, aqui Recorrente, nomeadamente os elencados no seu pedido de indemnização civil, nos arts. 23.° e seguintes, no qual reclamou danos patrimoniais, no montante de 10.787,67€, provados por documentos incontestados e contantes dos factos provados, e danos não patrimoniais, no montante de 50.000,00€, tudo acrescido de juros desde a citação.

                20ª Consequentemente, considerando a decisão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão ora recorrido, que condena os arguidos pelo crime de que vinham acusados, numa pena suspensa de 2 anos de prisão; condena os arguidos também a restituir ao IFADAP a quantia 95.149,74€ e tendo em vista o que se preceitua nos arts. 483°, 487°, 563° e 496°, todos do Cód. Civil e art. 75° e seguintes do Cód. Processo Penal, deveriam ter sido também os arguidos condenados, solidariamente, a pagar à assistente, aqui Recorrente, o montante global de 60.787,67 € (sessenta mil, setecentos e oitenta e sete euros e sessenta e sete cêntimos), mais juros a partir da citação, a título de indemnização civil, atenta a conduta criminosa praticada.

                21ª Não o tendo feito, o douto Tribunal "a quo" violou por errada aplicação e interpretação o consignado nos arts. 483°, 487°, 563° e 496°, todos do Cód. Civil e art. 75° e seguintes do Cód. Processo Penal.

                Nos termos expostos e nos mais de Direito que V. Exas. suprirão, para que seja feita uma melhor aplicação do direito à conduta ilícita dos arguidos, deve [o] presente Acórdão ser revogado e substituído por outro que condene também os arguidos no pedido de indemnização civil deduzido pela Assistente».

1.3.2. O arguido AA apresentou a motivação de fls. 1827 e segs. sem ter formulado conclusões.

Requereu a realização de audiência «sobre o objecto do presente recurso, a incidir sobre a interpretação a retirar do artº 36º do DL nº 28/84, de 20/01, quer a constante do Douto Acórdão recorrido como aquela que decorre da presente motivação, e bem assim sobre os vícios do n.° 2 do art. 410.°, do C.P.Penal, e ainda da inconstitucionalidade da referida norma do art. 36.°, do DL n.° 36.°[quis seguramente escrever “DL nº 28/84”] , de 20/01, por violação de várias normas da C.R.Portuguesa».

1.4. Os recursos foram recebidos pelo despacho de fls. 1847, para subirem «imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo».

 A Senhora Procuradora-geral Adjunta do Tribunal da Relação, na resposta ao recurso interposto pelo arguido AA (fls. 1851), seguindo jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que citou, suscitou a questão prévia da inadmissibilidade desse recurso porque «o Tribunal da Relação encerra, … , o ciclo do julgamento das decisões proferidas por tribunal singular», e concluiu pela sua rejeição.

1.5. Recebido o processo no Supremo Tribunal de Justiça, a Senhora Procuradora-geral Adjunta emitiu o parecer de fls. 1861 e segs. em que reiterou a mesma questão prévia, agora com invocação da alínea e) do nº 1 do artº 400º, do CPP.

E considerou que o recurso da Junta de Freguesia de Gosende também era de rejeitar por força da alínea e) daquele mesmo preceito, já que o acórdão da Relação confirmou a absolvição dos Arguido (entendemos, naturalmente, como “absolvição” do pedido civil, a única questão que constitui o objecto deste recurso).

Cumprido o disposto no artº 417º, nº 2, do CPP, os interessados nada disseram.

2. Decisão

2.1. Questão prévia da irrecorribilidade dos recursos.

2.1.1. Quanto ao recurso interposto pelo arguido AA

2.1.1.1. A sentença da 1ª instância foi proferida em 24.01.2012;

O acórdão recorrido, em data naturalmente posterior, em 12.04.2013.

Uma e outro foram, pois, proferidos depois de 15 de Setembro de 2007, data em que entrou em vigor a Reforma do CPP protagonizada pela Lei 48/2007, de 29 de Agosto.

Entretanto outras alterações foram introduzidas no CPP, designadamente pelo DL 34/2008, de 26 de Fevereiro e pelas Leis 52/2008, de 28 de Agosto, 115/2009, de 12 de Outubro e 26/2010, de 30 de Outubro, que não têm que ser aqui consideradas por terem deixado incólume o regime dos recursos, a fase processual relevante, como a seguir se dirá. Já não assim, no entanto, a Lei 20/2013, de 21.02.2013 que entrou em vigor em 21 de Março seguinte, antes portanto da prolação do acórdão recorrido. Mas também ela não releva para o nosso caso porque deixou imodificada a norma da alínea e) do nº 1 do artº 400º no segmento que interessa ao caso sub judice – o que determina a irrecorribilidade dos acórdãos da relação, proferidos em recurso, que apliquem pena não privativa da liberdade.   

De qualquer modo, também esta alteração não teria de ser aqui ponderada, uma vez que, para efeitos da conjugação do regime dos recursos com o artº 5º, nº 2, alínea a), do CPP, o regime aplicável é o que vigorar na data em que pela primeira vez se verificaram no processo, em concreto, os pressupostos do exercício do direito ao recurso – cfr. fundamentação do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 4/2009, de 18.02.2009, DR., 1ª Série, de 19 de Março. 

Com efeito – e continuamos a louvar-nos na fundamentação deste Acórdão – «anteriormente à decisão final sobre o objecto do processo, no termo da fase do julgamento em 1ª Instância, não estão concretizados, nem se sabe se processualmente vão existir, os pressupostos do exercício do direito ao recurso que, como direito a recorrer de «decisão desfavorável», concreto e efectivo, apenas com aquele acto ganha existência e consistência processual… [;] o momento relevante do ponto de vista do titular do direito ao recurso só pode ser, assim, coincidente com o momento em que é proferida a decisão de que se pretende recorrer, pois é esta que contém e fixa os elementos determinantes para a formulação do juízo de interessado sobre o direito e o exercício do direito de recorrer….».

O regime aqui aplicável é, portanto, o estabelecido pela Lei 48/2007, por ser o que vigorava na data em que foi proferida a decisão da 1ª instância, pois, insistimos, é nesse momento que «se configura o exercício do direito de dela recorrer, no pressuposto de que só depois de conhecida a decisão final surge na esfera jurídica dos sujeitos processuais por ela afectados, na decorrência de um abstracto direito constitucional ao recurso, o concreto “direito material” em determinado prazo, deste ou daquele recurso ordinário ou extraordinário» (José António Barreiros, “Sistema e Estrutura do Processo Penal Português, I, 189, citado na fundamentação do mesmo Acórdão).

2.1.1.2. As Excelentíssimas Magistradas do Ministério Público do Tribunal da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça afirmam a irrecorribilidade do acórdão do Tribunal da Relação com fundamentos não coincidentes, como vimos: a primeira, com o argumento de que as decisões proferidas por tribunal singular são insusceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça; a segunda, com o disposto na alínea e) do nº 1 do artº 400º, conjugado com a alínea b) do nº 1 do artº 432º, ambos do CPP – o acórdão não é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça porque aplicou ao Recorrente uma pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período. Isto é, na lógica do preceito convocado, o acórdão do Tribunal da Relação, proferido que foi em recurso, aplicou ao Recorrente pena não privativa da liberdade.

Pois bem.

Qualquer dos argumentos é pertinente e conduz, de facto, à rejeição do recurso interposto pelo arguido AA.

Realmente,

2.1.1.2.1. a pena de prisão é, a par da pena de multa, uma das penas principais estabelecidas no Código Penal que, em determinadas condições, pode ser substituída por outro tipo de reacção criminal.

Como ensina Figueiredo Dias – “… As Consequências Jurídicas do Crime” (1993), 329 e segs. – é “de longe dominante” na doutrina portuguesa a concepção das penas de substituição como verdadeiras penas autónomas.

O mesmo Autor agrupava as penas de substituição, em função das suas especificidades próprias, em três grandes classes, entre as quais, no que para aqui interessa, as penas de substituição em sentido próprio e as penas de substituição detentivas.

As da primeira classe são caracterizadas por um duplo requisito: terem carácter não institucional ou não detentivo, isto é, serem cumpridas em liberdade e pressuporem a prévia determinação da medida da pena de prisão.

Na segunda categoria incluem-se formas especiais de cumprimento ou execução da pena de prisão, cumpridas «intramuros».

Integra no primeiro grupo, como a mais importante, entre nós, das penas de substituição, a pena de suspensão da execução da prisão que, diz o Mestre, «não representa um simples incidente, ou mesmo só uma modificação, da execução da pena, mas antes uma pena autónoma e portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição».     

O regime legal dos arts. 50º e segs. do CPenal corrobora inteiramente esta concepção. Nem se esgrima, em contrário, com o artº 56º, porquanto se trata aí de uma forma extrema, de ultima ratio, do cumprimento da pena de suspensão da execução da prisão, como de resto também acontece com a pena de multa (cfr. artº 49º) que ninguém duvidará ser, apesar disso, uma pena não privativa da liberdade.

            Concluímos, assim, que o acórdão do Tribunal da Relação do Porto impugnado pelo Recorrente foi proferido em recurso e aplicou pena não privativa da liberdade.

Como assim, não é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça por força das disposições combinadas dos arts. 414º, nº 2, 432º, nº 1, alínea b) e 400º nº 1, alínea e), do CPP.

O despacho do Senhor Desembargador que admitiu o recurso não vincula este Tribunal – artº 414º, nº 3, do CPP.

Não sendo admissível, o recurso tem de ser agora rejeitado – artº 420º, nº 1, alínea b), do CPP

(No mesmo sentido, cfr. o Acórdão de 29.03.2012; Pº nº 334/04.5IDPRT.P1.S1, por nós subscrito, invocado, de resto, no parecer da Senhora Procuradora-geral Adjunta).

2.1.1.2.2. Mas a irrecorribilidade do acórdão da Relação resulta também da circunstância de a decisão sobre que recaiu ter sido proferida por tribunal singular a qual, como vem sendo decidido de forma uniforme e constante pelo Supremo Tribunal de Justiça, apenas é susceptível de um grau de recurso (cfr., por exemplo, os Acórdãos de 19.03.09, Pº nº 383/09-3ª e de 06.03.2013, Pº 195/10.5GCFIG. C1. S1-3ª e a fundamentação do Acórdão de Fixação de Jurisprudência de 9 do corrente, ainda não publicado no Diário da República).

Este o motivo por que, apesar de a motivação do recurso interposto pelo arguido AA não conter conclusões, o Relator não lhe dirigiu, por razões de economia processual, o convite previsto no nº 3 do artº 417º do CPP.

Do mesmo modo, porque está excluído o conhecimento do objecto do recurso, também ficou prejudicada a realização da requerida audiência (cfr. arts. 419, nº 3, alínea a), 420º e 421º, do CPP.

2.1.2. Quanto ao recurso da Junta de Freguesia

O objecto deste recurso restringe-se à impugnação da absolvição dos Arguidos/demandados do pedido civil.

Vejamos os factos processualmente relevantes para apreciar a questão prévia:

- o pedido foi deduzido em 15.04.2009 (fls. 380);

- a decisão da 1ª Instância foi proferida em 24.01.2012;

            - a Demandante pediu que os Demandados fossem condenados a pagar-lhe €60.787,67, acrescidos de juros de mora (fls. 388);

            - o acórdão recorrido foi proferido em 10.04.2013,

            - confirmou, sem voto de vencido, a decisão da 1ª Instância e,

            - fundamentando a decisão de confirmação da absolvição do pedido, disse:

                «O Tribunal “a quo” absolveu os arguidos do pedido de indemnização civil formulado pela assistente, por ter considerado que não foi possível “apurar a correspondência entre os valores pagos pela assistente aos respectivos advogados e os concretos processos judiciais em que também interveio o pretenso Conselho Directivo” (fls. 1574). Considerou ainda que “não se comprovou igualmente o nexo de causalidade entre aquela específica conduta ilícita e culposa dos demandados e os danos reclamados pela demandante nestes autos” (fls. 1574).

                A nosso ver, o Tribunal recorrido tem toda a razão.

                Os factos ilícitos acima referidos traduziram-se na obtenção fraudulenta de um subsídio, tendo os arguidos assumido uma qualidade que não detinham. Ora, não está provado que os gastos com advogados – ponto 33 – tenham sido utilizados em processos relacionados com aquele comportamento ilícito. Os danos referidos no art. 34 não foram sofridos pela demandante (mas pelos seu fornecedores), não se tendo provado sequer em que medida o atraso nos pagamentos causou prejuízo à demandante. O mesmo se diga do facto provado no ponto 35, onde, a haver dano, o mesmo não se localiza na esfera jurídica da Junta de Freguesia, mas nos “compartes dos baldios”.

                Nestes termos, deve manter-se, nesta parte, a decisão recorrida».

            Acolheu, pois, integralmente, nesta parte, a fundamentação da sentença da 1ª Instância.

            Pois bem.

            Estamos perante um pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime que, por força do princípio da adesão imposto pelo artº 71º do CPP, foi deduzido no processo penal aberto em consequência da prática desse mesmo crime.

            Nestes casos, como diz, por exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.12.2011, Pº nº 53/04.2IDAVR.P1.S1 da 5ª Secção, coexistem, no mesmo processo, em sentido material, duas acções: uma penal, iniciada, em regra, com a abertura do inquérito; outra civil, cujo início coincide com a dedução do pedido, o equivalente à petição inicial.

            Ora, nos termos do nº 2 do artº 400º do CPP, introduzido pela Reforma de 1998 (Lei 59/98, de 25 de Agosto), o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.

            Nos termos do nº 1 do artº 24º da Lei 3/99, de 13 de Janeiro (LOFTJ), com a redacção que lhe foi dada pelo artº 5º do DL 303/2007, de 24 de Agosto, em matéria cível, a alçada dos tribunais da relação é de €30.000,00.

            E o nº 3 do mesmo artigo esclarece que a admissibilidade dos recursos por efeito da alçada é regulada pela lei em vigor ao tempo em que foi instaurada a acção.

            Aquele DL 303/2007 entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2008, embora as suas disposições não se aplicassem aos processos pendentes naquela data – seus arts. 12º, nº 1 e 11º, nº 1.

            Como vimos, a Demandante instaurou a sua acção em 15.04.2009 – a data em que deduziu o seu pedido –, quando já estava em vigor a citada norma da LOFTJ. Por isso que a admissibilidade do recurso, enquanto condicionada pela alçada, é por ela aferida e, como assim, seria admissível.

            Mas, insistimos, o pedido de indemnização cível foi deduzido em 15 de Abril de 2009.

            São-lhe aplicáveis, pois, as normas processuais penais relativas ao regime dos recursos, decorrentes designadamente da Reforma de 2007, em vigor desde 15.09.2007.

            Já vimos atrás quais os pressupostos da recorribilidade da parte da decisão que recaia sobre a questão cível: o valor do pedido, a alçada do tribunal recorrido e o valor da sucumbência. Acresce que o nº 3 do artº 400º veio estabelecer, contrariando, assim, a doutrina do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 1/2002, que, mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença/acórdão relativa à indemnização civil.

            Este apelo a requisitos próprios do processo civil e à autonomização referidos vem sendo entendido, na sequência, de resto, dos trabalhos preparatórios daquela Reforma, como tendo sido intenção do legislador «alinhar o regime do recurso da questão cível com o regime do processo civil, estabelecendo que as possibilidades de recurso do pedido de indemnização civil são as mesmas, independentemente da acção civil aderir ao processo penal ou de ser proposta e seguir autonomamente como processo civil».

            Mas se essas possibilidades são as mesmas, então terá de se ter também em linha de conta, desde logo por força do artº 4º do CPP, as normas do CPC que regem sobre a admissibilidade do recurso de revista (Cfr., neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25.01.2012, Pº nº 360/06.0PTSTB e de 22.06.2011, Pº nº 444/06.4TASEI e jurisprudência neles citada).

            Ora, nos termos do artº 721º nº 3 do CPC de 1961, com a redacção que lhe foi dada pelo acima referido DL 303/2007, não é admissível revista do acórdão da relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que com diferente fundamento, a decisão da 1ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.

            No caso sub judice o Tribunal da Relação do Porto confirmou, por unanimidade, a decisão do Tribunal da 1ª instância no que toca ao pedido em foco.

            E, no recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, a Recorrente nada alegou que possa ser interpretado como cumprimento do ónus imposto pelo nº 2 do artº 721º-A – o que, só por si, ditaria a rejeição de uma pretensa «revista excepcional».

            Se, como já dissemos, o DL 303/2007 entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2008, se as suas disposições apenas se aplicam aos processos iniciados depois dessa data e se a dedução do pedido civil lhe é posterior, então, também por esta razão, o recurso, no segmento em análise, não é admissível, por aplicação do nº 3 do artº 721º do CPC1961, com a consequente rejeição, nos termos dos arts. 420º, nº 1, alínea b) e 414º, nº 2, também atrás citados (Cfr., no mesmo sentido, o Acórdão de 15.03.2012, Pº Nº 870/07.1GTABF.E1.S1).

Certo que, entretanto, no dia 1 de Setembro último, mais propriamente, entrou em vigor o novo CPC, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho cujo artº 671º, nº 3, correspondente ao anterior artº 721º, nº 3, difere deste no ponto em que ressalva do regime da dupla conforme os casos em que há sempre recurso, independentemente do valor do pedido e da sucumbência, e aqueles em que, apesar da confirmação, sem voto de vencido, a fundamentação do acórdão da relação for “essencialmente diferente”.

Independentemente da polémica sobre a aplicação no tempo do novo CPC em matéria de recursos[1], o interposto pela Assistente/demandante sempre seria inadmissível face ao artº 671º nº 3 do CPC2013 porquanto, (a) a fundamentação do acórdão da Relação acolheu integralmente a do acórdão da 1ª Instância, nada lhe tendo, aliás, acrescentado, como atrás anotamos; (b) o nº 2 do artº 672º mantém a doutrina do nº 2 do anterior artº 721º-A sobre o ónus que impende sobre o recorrente de alegar a verificação das circunstâncias que autorizam excepcionalmente a revista, mesmo no caso de dupla conforme); (c) não está em causa nem vem alegada qualquer circunstância susceptível de enquadramento no nº 2 do artº 629 do mesmo Código.      

3. Nesta conformidade, acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar, por serem inadmissíveis, os recursos interpostos do acórdão do Tribunal da Relação do Porto pelo arguido AA – este, ao abrigo do disposto nos arts. 414º, nº 2, 432º, nº 1, alínea b) e 400º nº 1, alínea e), do CPP – e pela demandante Junta de Freguesia de Gosende – agora, ao abrigo do disposto nos arts. 4º e 400º, nº 3, do CPP, 721º, nº 3 e 721º-A, nº 2, do CPP1961 ou 671º, nº 2 e 672º, nº 2, do CPC2013.

Custas pelos Recorrentes, fixando-se a taxa de Justiça em 7 (sete) UC’s, a cargo de cada um.

Cada um dos Recorrentes pagará, ainda, a soma de 5 (cinco) UC’s, por força do disposto no artº 420º, nº 3, do CPP.

Lisboa, 30 de Outubro de 2013

Processado e revisto pelo Relator 

Sousa Fonte (Relator)

Santos Cabral



[1] João Correia, Paulo Pimenta e Sérgio Castanheira, no seu “Introdução ao Estudo e à Aplicação do Código de Processo Civil de 2013”, afirmam, a fls. 118, que, «em sede de recursos, o regime do novo código é aplicável a todas as decisões proferidas após a sua entrada em vigor, o que se estende a decisões proferidas em processos instaurados antes de 1/1/2008, aqui com excepção da solução contida no nº 3 do art. 671º (art. 7º.1)».
   Segundo esta doutrina, o novo Código não seria aplicável ao nosso caso, porque a decisão, seja a da 1ª Instância, seja a do Tribunal da Relação, são anteriores a 1 de Setembro de 2013.
   Por sua vez, António Beça Pereira, em “Interpretação do disposto nos artigos 5º a 7º nº 1 da Lei 41/2013, …, para Efeitos de Recursos”, folha policopiada, datada de 09.09.2013, divergindo da posição que diz Abrantes Geraldes sustentar em ”Recursos no Novo Código de Processo Civil” – a de que o recurso de decisões proferidas até 31 de Agosto de 2013, nos processos instaurados depois de 1 de Janeiro de 2008 [é o nosso caso], «seguem o regime aprovado pelo Dec. Lei nº 303/07», ou seja, não se lhes aplica o disposto no novo Código de Processo Civil – conclui que «aos recursos das decisões proferidas até 31 de Agosto de 2013 nos processos instaurados depois de 1 de Janeiro de 2008, inexiste um regime transitório, pelo que se aplica o princípio enunciado nos artigos 5º e 6º, o mesmo é dizer que se aplicam as normas do [novo] Código de Processo Civil, sem prejuízo da validade dos actos que, até àquela data, foram praticados em conformidade com a lei processual que vigorava no momento da sua prática… Só assim não será se, porventura, no novo regime se reduzir ou eliminar um concreto direito que a parte tinha, caso em que não poderá deixar de se aplicar, pontualmente, à semelhança da ressalva que se fez, no nº 1 do artº 7º [da lei preambular], quanto ao disposto no nº 3 do artº 671º, relativamente às acções instauradas antes de 1 de Janeiro de 2008, a lei velha».
    Uma vez que o novo CPC alargou as possibilidades de recorrer de revista, pois, como se diz no texto, ressalvou do regime da dupla conforme os acórdãos da relação que, embora confirmativos da decisão da 1ª Instância, assentem em fundamentação “essencialmente diferente”, então, parece que ao caso sub judice se aplicaria o Novo Código.
   Também Armindo Ribeiro Mendes em “A Regulamentação dos Recursos no Futuro Código de Processo Civil”, texto que lhe serviu de base a uma exposição oral feita no CEJ, em 16.04.2013, conclui, fls. 30, que «parece equilibrado o regime do art. 7º, excluindo da aplicação retrospectiva apenas o sistema da dupla conforme na revista .     
   Não temos conhecimento de qualquer decisão do Supremo Tribunal de Justiça sobre a questão.