Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | RAMALHO PINTO | ||
| Descritores: | RECURSO DE REVISÃO DOCUMENTO ACÓRDÃO | ||
| Data do Acordão: | 10/19/2022 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
| Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO. | ||
| Sumário : |
I- Sobre os fundamentos do recurso de revisão, dispõe o art.º 696.º, al. c), do Código de Processo Civil, no que ao caso dos autos concerne, que a decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão quando se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida; II- Um acórdão não pode servir de fundamento a um recurso extraordinário de revisão, por não poder ser qualificado como um documento, para efeitos do disposto no artigo 696º, alínea c), do C.P.C; III- A interpretação de tal norma no sentido de que uma sentença ou acórdão não é um documento, para os referidos efeitos, não enferma de inconstitucionalidade. | ||
| Decisão Texto Integral: | Processo 6940/19.6T8PRT.P1.S1 Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
Nestes termos, entendendo não configurar a situação invocada fundamento de recurso de revisão à luz do art° 696° do Código de Processo Civil, indefere-se o mesmo. Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14.03.2022 foi decidido o seguinte: Custas a cargo da recorrente, fixando em 3 UC a taxa de justiça”. A Ré interpôs o presente recurso de revista, rematando com as seguintes conclusões: i) Visa-se com o presente recurso, discutir a bondade da interpretação que, da alínea c) do nº 1 do art. 672º do CPC, é feita pelo Venerando Tribunal a quo, de que uma sentença não pode ser considerada um documento para o efeito previsto na al. c) do artigo 696.º do CPC; ii) A Recorrente apresentou recurso extraordinário de revisão nos termos da alínea c) do artigo 696.º do CPC, juntando para o efeito sentença do Tribunal da Relação de Guimarães proferido a 8 de Março de 2021, transitada em julgado em 15 de Abril de 2021 – posterior portanto ao momento em que poderia ser usada nos presentes autos – e que condenou o Recorrido na prática de vários crimes. iii) Sentença onde ficou provada toda a factualidade que havia servido de motivação e suporte para a decisão da Recorrente de despedir com justa causa o Recorrido. iv) Ora, nos termos do artº 623º CPC, é inilidível para o arguido, em outro qualquer processo civil, a referida factualidade que fundamentou uma sua condenação criminal. v) Sendo estes factos apenas ilidíveis em relação a terceiros que não tenham participado no processo crime – ou seja, apenas a Recorrente poderia tentar ilidir os factos, mas não o faz e pelo contrário confirma e sempre afirmou que são verdadeiros. vi) Enuncia, a al. c) do artigo 696.º do CPC, que a decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida, requisitos que se verificam na situação em apreço, uma vez que a referida sentença transitada é posterior ao momento em que poderia ser usada nos autos, e a factualidade aí inilidivelmente provada derruba por si só a decisão que se visa rever. vii) Neste circunstancialismo, é inconstitucional a norma do artigo 696.º, al. c), do CPC, por violação do artigo 20.º, n.º 1 e 4, da CRP, quando interpretada no sentido de que nenhuma sentença é um documento, por se tratar de uma interpretação desproporcionada e afetadora do direito constitucional à tutela efetiva do direito e a um processo equitativo. viii) É claro que uma sentença não é um documento, mas a sua essência e alcance inscreve-se sempre num documento. ix) O douto acórdão recorrido violou, por errada interpretação o disposto na al. c) do artigo 696.º do CPC, desrespeitando, nessa tarefa interpretativa, os enunciados do artigo 9º do Código Civil. x) Deveria ter considerado que a certidão da sentença – pelo seu conteúdo e eficácia, ao fazer prova inilidível de factos que derrubam a sentença que se pretende rever – era um documento para o efeito previsto na al. c) do artigo 696.º do CPC, e, nessa medida, admitido o recurso extraordinário de revisão interposto. O Autor contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso. O Exmº Procurador-Geral Adjunto, junto deste Supremo Tribunal de Justiça, pronunciou-se no sentido de ser negada a revista. x Cumpre decidir. Tal como resulta das conclusões do recurso de revista interposto que delimitam o seu objecto, temos, como única questão a resolver, a de saber se uma sentença pode ser considerada um documento para efeitos do disposto no artigo 696.º, alínea c) do Código de Processo Civil. x Como factualidade relevante temos a descrita no relatório do presente acórdão. x - o direito: O Tribunal da Relação deliberou no sentido do indeferimento do recurso extraordinário de revisão, com o fundamento de uma sentença não poder ser considerada um documento para o efeito previsto na al. c) do artigo 696.º do CPC. A Ré – recorrente invoca para o recurso de revisão o trânsito em julgado, em 15 de Abril de 2021, da sentença proferida a 16 de Setembro de 2020 nos autos de processo comum com o nº 1567/18.... pelo Juiz ... do Juízo Local Criminal ... do Tribunal Judicial da Comarca ..., confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães por acórdão proferido aos 8 de Março de 2021, autos nos quais o aqui Autor foi arguido. Dispõe o artigo 627º do Novo Código de Processo Civil que as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos (n.º 1), sendo que os recursos são ordinários ou extraordinários, sendo ordinários os recursos de apelação e de revista e extraordinários o recurso para uniformização de jurisprudência e a revisão (n.º 2). Sobre os fundamentos do recurso de revisão, dispõe o art.º 696.º do Código de Processo Civil, no que ao caso dos autos concerne: “A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando: a) (…) b) (…) c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida”. A revisão de uma decisão transitada em julgado deverá ser algo de excepcional, sendo que a regra é que o caso julgado, a bem da segurança jurídica, torne a decisão indiscutível. Estando-se perante um recurso que é extraordinário e que existe precisamente para que o caso julgado possa ser ultrapassado, as exigências para a admissão do mesmo têm de ser particularmente cuidadas, para que não se faça da excepção a regra- cfr. Ac. deste Supremo Tribunal e secção social de 8/6/2021, proc. 15/10.0TTPRT-B.P1-B.S1 Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil – Almedina, 6.ª edição atualizada, pág. 559), na anotação à al. c) do art.º 696.º do Código de Processo Civil, afirma o seguinte: “A alínea c) integra um outro fundamento de revisão agora traduzido no relevo de documento que a parte desconhecia ou de que não pôde fazer uso e que se revele crucial para modificar a decisão em sentido mais favorável ao recorrente”. Não é despicienda a a observação da decisão de 1ª instância (cujo recurso não foi admitido), quando afirma que a alínea c) do artº 696º do atual Código de Processo Civil tem a mesma redação da al. c) do artº 771º do anterior Código de Processo Civil, não podendo entender-se que aquela veio englobar a situação prevista na alínea g) do mesmo artigo anterior Código de Processo Civil. Esta al. g) previa como fundamento de recurso de revisão uma decisão transitada em julgado quando fosse contrária a outra que constituísse caso julgado para as partes, formado anteriormente, sendo que o Código de Processo Civil actualmente vigente não prevê tal situação. De qualquer forma a decisão recorrida entendeu, como já se adiantou, que na noção de documento, para efeitos do disposto no artigo 696.º, alínea c) do CPC, não cabe o acto judicial “sentença”. “3. – No acórdão ora recorrido, proferido em 22.02.2021, escrevemos: “Nos termos do artigo 362.º - Noção -, do Código Civil (CC) “Prova documental é a que resulta de documento; diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto.”. Ora, a requerente não juntou documento definido nos termos do citado artigo 362,º do CC, mas “cópia da sentença proferida aos 16.09.2020 nos autos de processo Comum Singular com o nº de processo 1567/18.... do Juiz ... do Juízo Local Criminal ... do Tribunal Judicial da Comarca ..., no qual foi decidido condenar o arguido AA, A. e Recorrido nos presentes autos”, como elemento de prova para a alteração da decisão sobre a matéria de facto impugnada no âmbito do recurso de apelação apresentado nos presentes autos. Atento o disposto no artigo 152.º, n.º 2, do CPC. “Diz-se «sentença» o acto pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa” – fim de citação. Com a entrada em vigor do NCPC, o artigo 152.º, n.º 2, deve ser conjugado com o artigo 607.º que materializou alterações respeitantes à “sentença”, como acto que, após a audiência final, congrega tanto a decisão da matéria de facto, como a respectiva integração jurídica, por comparação com o que anteriormente emergia dos artigos 653º (decisão da matéria de facto) e 659º (sentença). Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume I, pág. 319, em anotação ao artigo 362.º do CC, escrevem: “A noção de documento do artigo 2420.º do Código de 1867 é consideravelmente ampliada. Além dos escritos a que esse preceito se refere, são ainda documentos uma fotografia, um disco gramofónico, uma fita cinematográfica, um desenho, uma planta, um simples sinal convencional, um marco divisório, etc. (cfr. art. 368.º). Essencial à noção de documento é a função representativa ou reconstitutiva do objecto. Uma pedra, um ramo de árvore ou quaisquer outras coisas naturais, não trabalhadas pelo homem, não são documentos na acepção legal. Podem ter interesse para a instrução do processo, mas constituirão objecto de um outro tipo de prova (a prova por apresentação de coisas móveis ou imóveis, por inspecção judicial, etc.).”. Terá ainda de ser um documento decisivo, dotado, em si mesmo, de uma força tal que possa conduzir o Juiz à persuasão de que, só através dele, a causa poderá ter solução diversa da que teve. O Acórdão deste Supremo de 9-12-04 não se encontra nas indicadas condições, pelo que não pode valer para o pretendido fim”. No mesmo sentido os seguintes acórdãos: “Uma sentença judicial ou um acórdão não pode qualificar-se como documento para o efeito da al. c) do art. 696.º do CPC”- Ac. de 17/11/2021, Recurso n.º 1078/18.6T8STB-A.E1.S1-A “Uma sentença (acórdão) não integra o conceito de “documento” para efeitos do recurso de revisão, previsto na al. c) do art. 696.º do CPC”- Ac. de 17/10/2019, Recurso n.º 2657/15.9T8LSB-Q.L1.S1; “Uma sentença judicial transitada em julgada não pode ser qualificada como “documento” em vista a fundar recurso de revisão nos termos do art. 696.º, al. c), do CPC”- Ac. de 21/02/2019, Revista n.º 2020/12.3TVLSB-A.L1.S1 E ainda os acórdãos de 20/12/2017, Revista n.º 392/2002.P1.S1-B , e de 16/10/2018, Revista n.º 16620/08.2YYLSB-D.L1.S1. A Recorrente invoca, na sua conclusão, a inconstitucionalidade da ”norma do artigo 696.º, al. c), do CPC, por violação do artigo 20.º, n.º 1 e 4, da CRP, quando interpretada no sentido de que nenhuma sentença é um documento, por se tratar de uma interpretação desproporcionada e afetadora do direito constitucional à tutela efetiva do direito e a um processo equitativo”. Como é bom de ver trata-se de afirmações vagas e genéricas, não devidamente desenvolvidas e fundamentadas. De qualquer forma deixamos aqui, por pertinentes, a considerações expostas no já citado acórdão desta secção de 8/6/2021: “O recorrente, invoca que o entendimento preconizado pelo Tribunal da Relação é inconstitucional e violador da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Não podemos concordar com tal entendimento, porquanto não só o direito ao recurso não é ilimitado, como o caso julgado tem um valor fundamental na ordem jurídica, que é assegurar a segurança e a paz jurídicas. Sem a possibilidade de se estabilizar de forma definitiva as decisões dos tribunais, elas perderiam todo o seu efeito e utilidade. Que valor terá uma decisão, já transitada em julgado, se puder ser objeto de nova revisão cada vez que uma parte insatisfeita e vencida alegar ter descoberto um novo documento que entende ser decisivo para a sorte da ação? Parece-nos que o instituto do recurso de revisão está construído dentro de apertadas e exigentes malhas, para que a Justiça material possa ser assegurada, em casos de erro clamoroso em face da descoberta de novos documentos. O recurso de revisão é um recurso extraordinário, para situações também elas extraordinárias. Como se refere no acórdão recorrido, o próprio Tribunal Constitucional já foi chamado a pronunciar-se diversas vezes, sendo que, como se afirmou no acórdão n.º 680/2015, de 10 de dezembro de 2015, publicado no Diário da República, Série II, de 28 de abril de 2016 e que aqui revisitamos: “O Tribunal Constitucional por diversas vezes reconheceu a proteção constitucional do caso julgado, alicerçando-a, quer no disposto no n.º 3 do artigo 282.º da Constituição, quer nos princípios da confiança e da segurança jurídicas, decorrentes da própria ideia de Estado de Direito Democrático (artigo 2.º da Constituição). Como, a este propósito, se lê no Acórdão n.º 301/2006, «[a] estabilidade das decisões judiciais exprime o valor do Direito e a subordinação do Estado e da sociedade ao seu Direito, diferentemente do que caracteriza o Estado autoritário que historicamente sempre concebeu instrumentos de anulação das sentenças (cf, por exemplo, FRIEDRICH CHRISTIAN SCHROEDER, Strafprozessrecht, 2.ª ed., 1997, p. 217)». (...) O Estado de direito é, também, um Estado de segurança. Por isso, dificilmente se conceberia o ordenamento de um Estado como este que não garantisse a estabilidade das decisões dos seus tribunais. Ao contrário da função legislativa, que, pela sua própria natureza, tem como característica essencial a autorrevisibilidade dos seus atos (nos limites da Constituição), a função jurisdicional, que o artigo 202.º da CRP define como sendo aquela que se destina a "assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos", a "reprimir a violação da legalidade democrática" e a "dirimir os conflitos de interesses públicos e privados", não pode deixar de ter como principal característica a tendencial estabilidade das suas decisões, esteio da paz jurídica. Por esse motivo, o artigo 282.º ressalvou, como derrogação à regra da eficácia ex tunc das declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, a intangibilidade do caso julgado, opondo assim ao valor negativo da inconstitucionalidade o valor positivo da questão já decidida pelo tribunal. (...) Ora, o recurso extraordinário de revisão de sentença constitui uma limitação ao caso julgado, ao permitir, em certos termos, a revisibilidade de decisões judiciais transitadas em julgado. Assim se compreende que o legislador, na conformação normativa deste tipo de recurso (aqui apenas relevando o recurso de revisão em matéria cível), estabeleça fundamentos precisos e taxativos para a respetiva interposição (assim o artigo 771.º, do anterior CPC) e limites temporais para o respetivo exercício (assim o artigo 772.º, idem), de modo a respeitar, na essência, o princípio da imodificabilidade das decisões dos tribunais insuscetíveis de recurso ordinário.” Note-se que o sumário do acórdão que acabámos de citar é o seguinte: “Não julga inconstitucional a norma contida no artigo 772.º, n.º 2, do anterior Código de Processo Civil, na parte em que estabelece um prazo de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão, e cujo decurso preclude a interposição do recurso extraordinário de revisão, com o sentido de «excluir totalmente a possibilidade de, através da realização de exames científicos, se obter a revisão de uma sentença que declarou a paternidade do réu com recurso a mera prova testemunhal».”. É de manter, assim, o acórdão recorrido. E não há que, contrariamente ao pretendido pelo Autor- recorrido, exercer qualquer censura sobre o comportamento processual da Ré- recorrente, dado que nada indicia que esta tenha ultrapassado o simples exercício desse direito que lhe assiste- o direito de recorrer- sendo que, também como é sabido, as legítimas dúvidas sobre a aplicação do direito não constituem, à partida, má-fé processual.
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