Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3495/19.5T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO SAMÕES
Descritores: CONTRATO DE MANDATO
EXECUÇÃO
ACEITAÇÃO TÁCITA
SILÊNCIO
FALTA DE DISCRIMINAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 02/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA E ANULADO O ACÓRDÃO RECORRIDO PARA FIXAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. A aprovação tácita prevista no art.º 1163.º do Código Civil pressupõe a comunicação da execução ou inexecução do mandato, por parte do mandatário, e o silêncio do mandante.

II. O silêncio só pode valer como declaração negocial para os efeitos do art.º 1163.º do Código Civil quando se verifiquem os pressupostos nele indicados.

III. A cessação da prestação do serviço pelo mandatário com o fim do contrato de empreitada celebrado com o empreiteiro não impede que se apurem os factos relativos à execução anterior do mandato e à comunicação da sua eventual inexecução por parte do mandatário ao mandante, a fim de poder provocar a sua aprovação tácita nos termos do artigo 1163.º do Código Civil ou a sua não aprovação expressa.

IV. A inexistência de quaisquer factos provados impossibilita o STJ de apreciar questões de direito pois, em regra, não conhece de facto e porque não pode substituir-se ao tribunal recorrido.

Decisão Texto Integral: Processo n.º 3495/19.5T8PRT.P1.S1[1]

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Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção[2]:


I. Relatório

AA instaurou, em 12/2/2019, acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra A400 − Projetistas e Consultores de Engenharia, Lda., ambos melhor identificados nos autos, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de 124.305,00 € (cento e vinte e quatro mil, trezentos e cinco euros), acrescida de juros de mora, desde a data da citação.

Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte:

. Em 15/3/2006, o Autor celebrou com a Ré um contrato de gestão, coordenação e fiscalização da obra de construção de uma moradia, tendo esta R. assumido a respetiva responsabilidade por todas as fases do processo: a de projeto, a de consultas e de contratação e a fase da obra.

. Do projeto de licenciamento constava como técnico responsável pela direção técnica da obra o Eng. BB, ….. da Ré.

. Em 31/10/2008, foi lavrado auto de recepção provisória.

. Em 23/01/2009, o Autor deslocou-se à moradia em causa e deparou com uma inundação e com diversas deficiências, tendo solicitado ao Instituto da Soldadura da Qualidade a inspeção ao imóvel, de que resultou relatório descrevendo as diversas deficiências.

. A sociedade empreiteira EDITRAVANCA, encarregada da realização da obra, que a Ré deveria acompanhar, não reparou os aludidos defeitos, o que implicou que o Autor tivesse despendido € 41.091,95 em obras urgentes.

. O A. instaurou acção contra aquela empreiteira, mas esta não pagou a quantia em que ali foi condenada, acabando por ser declarada insolvente e encerrado o processo.

. Por sua vez, a Ré omitiu os deveres de acompanhamento da obra, não analisando os métodos de construção/execução, não verificando o cumprimento dos programas de trabalho da empreitada, não detetando as causas dos defeitos e não conformidades, não assegurando o padrão de qualidade definido nos diversos projetos, não fiscalizando as operações executadas pelo empreiteiro, sendo a R. responsável pelos prejuízos que advieram ao Autor.

A Ré contestou, por excepção e impugnação. Invocou a sua ilegitimidade, o caso julgado, a caducidade do direito do Autor e a aprovação tácita da sua actuação por parte daquele. E alegou, em síntese, que o Autor e a esposa acompanharam o desenvolvimento da gestão e fiscalização por parte da Ré; que a Ré cumpriu a prestação a que estava obrigada; a qualidade da obra é um reflexo das opções estéticas e das escolhas e aplicação dos materiais que o Autor e sua esposa impuseram a par do orçamento mínimo que dispuseram para a obra. Concluiu pela improcedência da acção pedindo a condenação do Autor como litigante de má fé.

O Autor pronunciou-se pela improcedência das excepções deduzidas.

Na fase do saneamento, em 26/6/2019 foram julgadas improcedentes as excepções da ilegitimidade e do caso julgado e, conhecendo do mérito, foi a acção julgada improcedente e a Ré absolvida do pedido, bem como foi o Autor absolvido do pedido de condenação como litigante de má fé.

Inconformado, o Autor interpôs recurso de apelação que o Tribunal da Relação …, por acórdão de 19/5/2020, aprovado por unanimidade, julgou improcedente, confirmando a sentença recorrida.           

Ainda irresignado, o Autor interpôs recurso de revista excepcional, a qual foi admitida pela Formação, por douto acórdão de 19 de Janeiro de 2021, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 672.º do CPC.

O Autor/recorrente apresentou as respectivas alegações com as conclusões que aqui se transcrevem, na parte que pode relevar para a matéria ainda em causa:

«I – A decisão recorrida não deve manter-se, pois consubstancia uma solução que não consagra a justa aplicação das normas e princípios jurídicos competentes.

IV - As instâncias decidiram a questão ao arrepio do entendimento uniforme da jurisprudência e da doutrina (efeito reparador).

V - De acordo com a sentença proferida pelo Juízo Central Cível … - confirmada pelo Tribunal da Relação …. - foi a acção julgada totalmente improcedente, na medida em que ambas as instâncias entenderam que o Recorrente renunciou à indemnização na medida em que deram a conduta da Recorrida aprovada por meio do silêncio do Recorrente.

VI - Sucede, porém, que as duas instâncias decidiram em clara violação do disposto nos artigos 218º., 1161º. nº. 1 c) e 1163º. do Código Civil e ao arrepio das mais consolidadas doutrina e jurisprudência.

VII - Pires de Lima e Antunes Varela salientam que a obrigação prevista na alínea c) do nº. 1 do artigo 1161º., ou seja, a comunicação (ao mandante, com prontidão, a execução do mandato ou, se o não tiver executado, a razão por que assim procedeu) tem “efeitos importantes quanto às relações entre as duas partes (cfr. art. 1163º.)”.

VIII - Em anotação ao artigo 1163º. Cód. Civil, os aludidos autores esclarecem a consequência que pode decorrer do cumprimento da obrigação de comunicação: “Como vimos (cfr. anotação ao art. 1161º.), o mandatário é obrigado a comunicar ao mandante a execução ou inexecução do mandato. A falta de cumprimento desta obrigação torna o mandatário, nos termos gerais, responsável pelos prejuízos; o seu cumprimento, porém, pode ter as consequências previstas neste artigo 1163º.: decorrido o prazo dentro do qual o mandante, segundo os usos (cfr. art. 3º.) ou, na falta destes, de acordo com a natureza do assunto, devia pronunciar-se e não se pronunciou, considera-se aprovado o mandato, mesmo que o mandatário haja excedido os seus poderes ou desrespeitado as instruções recebidas.” (…)

IX - “Esta aprovação da conduta do mandatário só vale quando se verifiquem os requisitos indicados: É necessária, em primeiro lugar, a comunicação da execução ou inexecução do mandato, feita, como diz a lei (art. 1161º., alínea c)), com prontidão. É necessário, em segundo lugar, o silêncio do mandante, ou seja, como diz o Código italiano, il retardo del mandante a rispondere, por tempo superior ao fixado pelos usos ou resultante da natureza do assunto.” (…)

X - “Este é um caso, pois, em que, nos termos do artigo 218º., a lei atribui ao silêncio o valor de uma declaração negocial. Parece ser esta, de facto, a melhor reconstituição do pensamento legislativo subjacente ao artigo 1163º., e não aquela que veja na aceitação da conduta do mandatário a consequência da caducidade do direito que o mandante tinha de reagir contra o não cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação da outra parte.” (in Código Civil Anotado, volume II, Coimbra Editora, Limitada, 1968, pág. 479).

XI - O Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão datado de 31/05/2005, publicado in www.dgsi.pt, refere que: “E, no mandato, a lei atribui ao silêncio o valor de declaração negocial apenas no contexto do art. 1163: "comunicada a execução ou inexecução do mandato, o silêncio do mandante por tempo superior àquele em que teria de pronunciar-se, segundo os usos ou, na falta destes, de acordo com a natureza do assunto, vale como aprovação da conduta do mandatário..."Mas esta "aprovação" só vale quando se verifiquem os pressupostos indicados: é necessário, para tal, "em primeiro lugar, a comunicação da execução ou inexecução do mandato, feita como diz a lei (art. 1161, c), com prontidão", sendo este um dos casos em que, "nos termos do art. 218, a lei atribui ao silêncio o valor de uma declaração negocial." "Fora das hipóteses previstas no art. 218, diz Inocêncio Galvão Teles, o silêncio não tem qualquer valor jurídico, não valendo como aceitação. Nomeadamente não são admissíveis neste domínio as presunções do julgador (presumptiones hominis)."

XII - E no acórdão do Supremo Tribunal Justiça datado de 03/04/2003, publicado em www.dgsi.pt, esclarece-se que: “É visível que a alínea c) do artº 1161º, do Código Civil, regula a obrigação do mandatário comunicar ao mandante, com prontidão, a execução ou inexecução do mandato. Na sequência, o artº 1163º, regula o valor do silêncio do mandante como aprovação da conduta do mandatário, após aquela comunicação por este.”

XIII - O Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão datado de 15/07/2019, determina que a aprovação do mandato nos termos do artigo 1163º. do Código Civil “só vale quando se verifiquem os pressupostos indicados: é necessário, para tal, "em primeiro lugar, a comunicação da execução ou inexecução do mandato, feita como diz a lei (art. 1161, c), com prontidão", sendo este um dos casos em que, "nos termos do art. 218, a lei atribui ao silêncio o valor de uma declaração negocial.”. - acessível in www.dgsi.pt.

XIV - No mesmo sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 23/04/2015, que esclarece que: “a norma invocada (1163) aplica-se à situação prevista na alínea c) do artigo 1161 do C.C. em que incumbe ao mandatário comunicar, com prontidão, a execução do mandato ou, se o não tiver executado, a razão por que o não fez. Se o mandante, face à comunicação do mandatário nada disser, durante um período considerado razoável, dentro dos usos, é considerado ratificado o mandato, isto é, aprovada a sua conduta.”.

XV - “A aprovação tácita do mandato prevista no artigo 1163º. do Código Civil exige a comunicação imposta na alínea c) do artigo 1161º. do mesmo Código.” - vd. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16/06/1994, cujo sumário está publicado in www.dgsi.pt.

XVI - O acórdão recorrido, perante o facto de não ter havido comunicação do mandatário – referindo, até que “não tinha sentido a comunicação a que alude a alínea c) do artigo 1161º.” – entendeu que “não se encontra fundamento para tratar de modo diferente as situações em que o mandatário comunicou a execução ou a inexecução do mandato daquelas em que tal comunicação está dispensada por efeito de acto do mandante que fez cessar o contrato cuja execução a mandatária devia fiscalizar”.

XVII - Afigura-se ao Recorrente que o acórdão em causa colide frontalmente com o disposto no artigo 218º. do Cód. Civil, ao atribuir valor ao silêncio – admitindo-se, por cautela de patrocínio, que o Autor esteve em silêncio – em hipótese não contemplada na letra da lei!

XVIII - É que a lei (artigo 1163º. Cód. Civil) expressamente refere “comunicada a execução ou inexecução”, porque, justamente, ligada à obrigação do mandatário prevista no artigo 1161º. c) de comunicar ao mandante, com prontidão, a execução ou inexecução do mandato.

XIX - Esta questão envolve a importância da sua apreciação pelo Tribunal ad quem sobretudo em virtude da projecção desta em situações fácticas futuras idênticas, tendo em vista o efeito reparador a que alude Abrantes Geraldes.

XX - Impõe-se, ainda, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça para efeitos de apreciação do conceito “silêncio”, o que assume extrema relevância no comércio jurídico.

XXI - De facto, as duas instâncias fazem equivaler ao silêncio todos os casos em que não há expressa manifestação – neste caso de desaprovação – o que não se aceita!

XXII - O Recorrente não se manteve em silêncio, já que dirigiu diversas comunicações à Recorrida - factos principais da fundamentação, constantes dos pontos 32, 33, 34 e 35 da sentença - pronunciando-se expressamente no sentido da desaprovação da conduta da Recorrida.

XXIII - Estamos, indubitavelmente, perante uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito: o silêncio pode existir quando se manifesta uma “perplexidade” (nas palavras do Tribunal da Relação) ou “desagrado” (nas palavras do Juízo Central Cível …..)?

….

XXVIII - O legislador entende como necessária a comunicação, tanto mais que o artigo 1163º. se inicia com “comunicada a execução ou inexecução do mandato”.

XXIX - Admitir que possa ocorrer aprovação silente do mandato sem que haja prévia comunicação do mandatário, como erradamente fez o Tribunal a quo, é fazer da primeira parte do artigo 1163º. do Código Civil letra morta!

XXX - Importa referir que o tempo de silêncio relevante só começa a correr depois de o mandatário ter cumprido a sua obrigação de comunicar ao mandante a execução ou inexecução do mandato, pelo que, também neste aspecto a sentença recorrida efectuou uma interpretação contra legem, já que considerou que o início do prazo do silêncio se deve fixar no termo do contrato.

XXXI - Por conseguinte, na falta de comunicação, o silêncio do mandante não tem qualquer valor declarativo.

XXXII - A decisão recorrida retirou conclusão que a lei não permite, pois admitiu que não existiu comunicação (entendeu mesmo ser de afastar essa obrigação em virtude da natureza do contrato em causa), mas considerou ser de aplicar a segunda parte do artigo 1163º. do Código Civil, dando assim, por aprovada a conduta da Recorrida pelo Recorrente, no que constitui errada interpretação deste preceito, que exige a prévia comunicação da execução ou inexecução do mandato pelo mandatário.

XXXIII - Não tendo a Recorrida comunicado ao Recorrente a execução ou inexecução do serviço, nem sequer se iniciou o prazo para que o Recorrente se pudesse pronunciar, pelo que não pode dar-se como verificada a aceitação tácita por parte do Recorrente.

XXXIV - O Recorrente não se manteve em silêncio, já que dirigiu diversas comunicações à Recorrida, pronunciando-se expressamente no sentido da desaprovação da conduta da Recorrida:

a) mensagem de correio electrónico enviada pela companheira do Recorrente ao Sr. Eng. DD, …. da Recorrida, em 16/12/2008 (Doc. nº. 36 com a petição inicial):

“Agora, com certeza vai entender melhor, porque a Editravanca nunca quis esvaziar a piscina; e gostaria Eng. DD, de lhe dizer ainda, que o Eng. EE, na recepção provisória da casa, me pressionou no sentido de aprovar a piscina, sem ser esvaziada.

Gostaria do seu comentário; como foi isto possível, numa empresa como a A400???”

b) mensagem de correio electrónico que o Recorrente enviou à Recorrida em 27/01/2009 (Doc. nº. 14 com a petição inicial):

“Enviei à Editravanca o e-mail cuja cópia anexo e para o qual remeto.

Solicito a V. pronta intervenção no sentido de nos ser transmitido o V. parecer quanto ao referido no ponto b) do referido e-mail, ou seja quanto ao apuramento exaustivo das causas globais de todas as demais anomalias que se prendam com a entrada de água na casa e com as deficiências eléctricas e nos seja rapidamente apresentado o seu plano de reparação e eliminação. Tal terá de ser feito com a máxima urgência, dada a invernia que se faz sentir e sob pena de os danos se tornarem cada vez maiores - afigura-se-nos suficiente o prazo de 10 dias para tal situação ser avaliada, de forma a poderem seguidamente ser tomadas as necessárias providências de reparação.

Se esta situação não ficar clarificada dentro do referido prazo, sem haver razão justificada para tal, serei forçado a pedir a terceiros uma peritagem a toda a obra, tendo em vista encontrar a origem dos defeitos e os devidos responsáveis.

Quero acreditar que a A400 fez uma fiscalização e acompanhamento sério da obra, mas não consigo entender como tal é possível, atendendo à situação alarmante agora verificada. Na verdade, a obra só foi entregue à Editravanca porque contamos com o V. apoio profissional, devidamente contratualizado, nomeadamente para o solucionamento de questões técnicas surgidas em obra e para a sua fiscalização global.”

XXXV - Resulta das comunicações ora transcritas que o Recorrente desaprovou expressamente a conduta da Recorrida, sendo que estas comunicações cumprem a função de pronúncia de desaprovação.

XXXVI - É inquestionável que o Recorrente falou, desaprovando expressamente a conduta da Recorrida.

XXXVII - O Recorrente não se manteve em silêncio, não tendo ocorrido qualquer renúncia ao direito de indemnização contra a aqui Recorrida.

XXXVIII - Mais estranha é a solução dada pelo acórdão recorrido, quando, ao avaliar as transcritas comunicações enviadas pelo Recorrente à Recorrida, conta a partir das mesmas um prazo de cinco anos, quando, na realidade deveria ter aplicado o prazo de prescrição ordinário de 20 anos previsto no artigo 309º. do Cód. Civil.

XXXIX - A decisão recorrida violou as normas e princípios jurídicos constantes dos artigos 217º., 218º., 309º., 1161º. nº. 1 c) e 1163º. Do Código Civil, porquanto os mesmos não foram interpretados e aplicados com o sentido versado nas considerações anteriores.

Termos em que o presente recurso deve merecer provimento e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, ordenando-se o prosseguimento dos autos, com todas as consequências legais.

Assim se fará, inteira,

J U S T I Ç A

A recorrida contra-alegou, pugnando pela confirmação do acórdão recorrido.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.
As questões que cumpre agora conhecer, tendo em consideração o douto acórdão da Formação que admitiu o recurso de revista excepcional, o qual delimita os poderes cognitivos desta conferência julgadora[3], e que, de resto, considerou aquelas que tinham sido suscitadas pelo recorrente nas conclusões que apresentou, consistem em saber:
1. se, para a aplicação do estatuído no art.º 1163.º do CC, é imprescindível que tenha sido comunicada a execução ou inexecução do mandato pelo mandatário;
2. e qual é o alcance do conceito de silêncio, como declaração negocial, para os efeitos do mesmo normativo conjugado com o disposto no artigo 218.º do CC.

II. Fundamentação

1. De facto

As instâncias limitaram-se a elencar os seguintes factos, sem os considerar provados:

FACTOS PRINCIPAIS ALEGADOS PELO AUTOR

1.º − O autor, AA, é dono do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial …. sob o n.º ……..

2.º − A ré, A400 − Projetistas e Consultores de Engenharia, Lda. (adiante, A400), tem por objeto social a atividade de, designadamente, consultoria de engenharia, fiscalização e gestão de obras, e gestão da qualidade de empreendimentos de construção.

3.º − EDITRAVANCA − Sociedade de Construções, Lda. (adiante, EDITRAVANCA), dedicava-se, entre 2005 e 2008, à atividade de construção civil.

4.º − Em 6 de março de 2006, o autor e EDITRAVANCA subscreveram o documento intitulado CONTRATO DE EMPREITADA, junto de fls. 87 v. a 89, que aqui se dá por transcrito, tendo em vista a construção pela segunda das fundações e das estruturas de uma moradia a implantar no referido prédio do autor.

5.º − Terminada a obra de fundações e estruturas, o autor adjudicou verbalmente à EDITRAVANCA a realização da restante obra de construção da referida moradia.

6.º − Em 12 de agosto de 2008, o autor e EDITRAVANCA subscreveram o documento intitulado TRANSAÇÃO E CONTRATO DE EMPREITADA, junto de fls. 89 v. a 95 v., que aqui se dá por transcrito, no qual consta, na clausula segunda, n.º 5, “até agora a empreitada decorreu com base num contrato não reduzido a escrito na sua globalidade, tendo sido objeto de adjudicações verbais, as partes neste momento optaram por dar forma escrita ao presente acordo, para confirmação da parte da obra que se encontra por iniciar e cuja adjudicação aqui se regista, para poder ser feita a conclusão integral da empreitada, definir o preço em falta, bem como para fixar um prazo definitivo para conclusão da mesma e demais condições associadas”.

7.º − Nessa data foi elaborada listagem de trabalhos em falta, constante do Anexo II do referido documento.

8.º − Em 31 de outubro de 2008, foi lavrado auto de receção provisória da referida obra executada pela EDITRAVANCA, conforme documento junto a fls. 96, do qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito: “realizada a vistoria, foi constatado pelos presentes que:

a. parte dos trabalhos contidos na empreitada não apresentam defeitos aparentes, pelo que, nessa medida, se dão com bem elaborados e concluídos nesta data, procedendo-se à sua receção provisória;

b. outra parte, cuja descrição consta do mapa anexo para o qual se remete, não está em condições de ser rececionada, pelas razões neste momento verificadas na obra pelos presentes e descritas no mapa, sendo os mesmos recusados pelo dono da obra.

Assim a obra é recebida provisoriamente em toda a sua extensão com exceção dos trabalhos, materiais ou equipamentos devidamente discriminados no mapa anexo, os quais serão objeto de conclusão, reparação ou substituição pelo empreiteiro até ao dia 7 de Novembro de 2008”.

9.º − Em 17 de novembro de 2008, o autor e a EDITRAVANCA subscreveram documento intitulado TRANSAÇÃO E DECLARAÇÃO DE QUITAÇÃO, junto de fls. 97 v. a 98 v., do qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

2 − A SEGUNDA CONTRATANTE não cumpriu o prazo acordado para a entrega da parte final da obra, sendo certo que na presente data ainda se encontram por efetuar alguns trabalhos e reparações, devidamente descritos no último auto de receção provisória da obra.

(…)

4 − Nesta data as partes acordaram em pôr termo à relação contratual existente entre ambas, dirimindo qualquer conflito do mesmo decorrente, da seguinte forma:

a) a SEGUNDA CONTRAENTE não efetuará os trabalhos em falta descritos no último auto de receção provisória da obra, datado de 7 de Novembro de 2008, dando por encerrados os seus trabalhos na obra supra referida e, assim, a mesma por entregue com a redução de trabalhos que resulta do referido auto:

b) feito o cômputo dos trabalhos em falta, conjugado com o valor das multas que o PRIMEIRO CONTRAENTE tem direito a exigir, tudo ponderado e negociado, é fixado um crédito global e definitivo da SEGUNDA CONTRAENTE a favor do Primeiro, no montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), nada mais podendo ser exigido pela empreiteira ao dono da obra a qualquer título.

(…)

6 – A SEGUNDA CONTRAENTE declara que já não tem na obra nenhum material ou equipamento, pelo que tudo o que aí se encontra pertence ao PRIMEIRO CONTRAENTE.

7 − Durante o período de garantia, cujo prazo se conta a partir da data da assinatura do último Auto de Receção Provisória, ou seja a partir de 7 de Novembro de 2008, o Empreiteiro é obrigado a fazer, imediatamente e à sua conta, as substituições de materiais ou equipamentos e a executar todos os trabalhos de reparação que sejam indispensáveis para assegurar a perfeição e o normal uso da totalidade dos elementos de construção objeto da Empreitada.

8 − No fim do período de garantia, far-se-á uma vistoria à construção objeto da empreitada e, se não houver motivo para quaisquer reclamações, será lavrado um Auto de Receção Definitiva assinado pelo Dono da Obra e pelo Empreiteiro, bem como pela fiscalização se o Dono da Obra o pretender”.

O incumprimento do contrato de empreitada pela EDITRAVANCA

10.º − A obra executada pela EDITRAVANCA apresentava e, ou, apresenta as seguintes patologias:

a. patologias descritas nos artigos 33.º a 35.º e 41.º, que aqui se dão por transcritos;

b. patologias descritas nos artigos 44.º a 57.º, que aqui se dão por transcritos;

c. patologias descritas nos artigos 59.º a 77.º, que aqui se dão por transcritos;

d. patologias descritas nos artigos 78.º e 79.º, que aqui se dão por transcritos;

e. patologias descritas nos artigos 81.º 82.º, que aqui se dão por transcritos;

f. patologias descritas nos artigos 83.º a 85.º, que aqui se dão por transcritos;

g. patologias descritas nos artigos 87.º e 88.º, que aqui se dão por transcritos.

11.º − Em 27 de janeiro de 2009, o autor remeteu à EDITRAVANCA a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 102 v. e 103 v., que aqui se dá por transcrita, denunciando e reclamando a reparação de vícios de construção entretanto manifestados, bem como a deteção de todas as demais anomalias com infiltrações de água e deficiências elétricas.

12.º − A empreiteira nada fez, tendo o autor suportado os custos de uma reparação urgente e de uma inspeção pericial à construção realizada pela EDITRAVANCA

13.º − Em 9 de junho de 2009, o autor remeteu à EDITRAVANCA a carta cuja cópia se encontra junta de fls. 168 v. a 169 v., que aqui se dá por transcrita, denunciando e reclamando a reparação de vícios de construção entretanto manifestados.

14.º − Como a EDITRAVANCA não procedeu à eliminação dos defeitos, o autor contratou terceiros para o efeito, gastando a quantia de € 41.091,95.

15.º − No ano de 2009, o autor intentou uma ação judicial a EDITRAVANCA, à qual foi atribuído o nº 188/09……, peticionando fosse a empreiteira condenada no pagamento da quantia de € 41.312,95, bem como a eliminar os vícios da obra subsistentes.

16.º − Em 14 de março de 2014, esta ação foi julgada parcialmente procedente, conforme documento junto de fls. 199 a 223 v., que aqui se dá por transcrito, sendo a EDITRAVANCA condenada a:

“a) Proceder à reparação no prazo de 30 dias, das deficiências referidas nos pontos (…) da matéria de facto provada;

b) Pagar ao autor a quantia de € 41 312,95 (quarenta e um mil trezentos e doze euros e noventa e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora (…)”.

17.º − O autor instaurou contra a EDITRAVANCA ação executiva para execução da condenação no pagamento desta quantia.

18.º − No ano de 2015, o autor requereu a declaração de insolvência da EDITRAVANCA, sendo atribuída à ação instaurada o n.º 59/15… .

19.º − Em 3 de fevereiro de 2015, nesta ação, foi declarada a insolvência da EDITRAVANCA

20.º − Em 21 de maio de 2015, foi publicado o encerramento do processo de insolvência da EDITRAVANCA, por insuficiência da massa insolvente.

21.º − O autor não recebeu qualquer quantia da EDITRAVANCA, não tendo esta reparado nenhum dos defeitos referidos no ponto 10.º − factos considerados.

A prestação de serviço adjudicada à ré

22.º − Em 15 de março de 2006, autor e ré subscreveram o documento intitulado PROPOSTA DE PREÇO PARA GESTÃO, COORDENAÇÃO E FISCALIZAÇÃO – CASA DR. AA, junto de fls. 39 v. a 54, tendo em vista a gestão, coordenação e fiscalização da obra de construção de uma moradia a implantar no referido prédio do autor.

23.º − Neste documento consta, além do mais que aqui se dá por transcrito, na parte “A – CONDIÇÕES TÉCNICAS”:

“1 – Âmbito da Prestação de Serviços e Tarefas Fundamentais

1.1 – A presente proposta de prestação de serviços refere-se à gestão, coordenação e fiscalização da empreitada de construção de uma moradia unifamiliar localizada na vila de ….

1.2 – Consideram-se como tarefas mais significativas da prestação de serviços da presente proposta as seguintes:

a) Direção técnica de empreendimento (designada por área funcional A)

I – Fornecer mensalmente todos os dados estatísticos recolhidos em obra.

II − Elaborar mensalmente relatórios pormenorizados a submeter ao Dono da Obra contendo todas as análises, informações, pareceres, recomendações e contratos decorrentes da sua atuação no âmbito das Áreas Funcionais B a F.

III − Participar e secretariar reuniões com o D.O. que permitam a análise do andamento dos trabalhos da obra e das ações desenvolvidas pelo adjudicatário.

IV − Propor, participar e secretariar reuniões com o empreiteiro, com o autor do projeto ou com outras entidades, direta ou indiretamente ligadas à obra, a fim de analisar os trabalhos em curso, esclarecer dúvidas, estudar alterações ou identificar e encaminhar problemas a resolver.

V − Preparar, acompanhar ou conduzir todas as visitas à obra julgadas convenientes pelo Dono da Obra.

VI − Acompanhamento, análise e medição de todos os avanços ocorridos na realização da obra, sendo o seu relato mensal.

VII − Atualização das estimativas das matrizes de consumos unitários, a fim de estarem disponíveis sempre que houver necessidade de as utilizar, designadamente para verificar a orçamentação de trabalhos não previstos, mas essenciais à realização da obra.

VIII − Fornecimento de todos estes elementos (dados de avanço e estatísticas de consumo).

IX − Análise e informação, em termos conclusivos, dos planos de trabalhos propostos pelo empreiteiro e eventuais alterações.

b) Análise, acompanhamento e coordenação do desenvolvimento dos projetos (designada por área funcional B)

I − Análise e verificação do cumprimento do Programa do Empreendimento no que diz respeito à funcionalidade, qualidade e custos.

II − Acompanhamento e atuação no sentido de garantir os prazos de execução das diversas fases dos projetos.

III − Verificação da coordenação dos projetos.

IV − Verificação do grau de detalhe do plano de orçamento e lista de medições.

c) Fiscalização, Controle e Calendarização da Obra (designada por área funcional C)

I − Verificação do desenvolvimento da obra em termos dos planos de trabalhos aprovados.

II − Identificar e caracterizar os principais desvios verificados, propondo, fundamentadamente, as ações necessárias à sua compensação − parcial ou total-ou à sua eliminação futura.

III − Atualização das estimativas de tempos para os trabalhos ainda não realizados, tendo em conta as estatísticas efetivamente verificadas no decurso dos trabalhos já realizados.

IV − Atualização periódica dos cronogramas financeiros previsionais do empreiteiro.

d) Controle de Qualidade (designada por área funcional D)

I − Elaborar todas as recomendações julgadas convenientes com o fim de melhorar a qualidade de execução.

II − Verificar o cumprimento das condições estabelecidas no contrato de que o presente anexo faz parte integrante.

III − Apreciar e informar sobre o plano do estaleiro do empreiteiro, incluindo a montagem e respetivas instalações provisórias.

IV − Apreciar e informar os planos de mobilização do empreiteiro, no que concerne a mão-de-obra, equipamento e materiais.

V − Dar parecer sobre as análises e contratos efetuados pelo empreiteiro no que Tribunal respeita aos materiais, e equipamentos e processos a utilizar em obra, recorrendo sempre que julgue como necessário elou o D.O. assim o entenda a ensaios de controlo em laboratório oficial (LNEC, preferencialmente).

VI − Analisar a qualidade dos materiais, equipamentos e processos utilizados, pelo empreiteiro em obra, recorrendo sempre que julgue como necessário e/ou o D.O. assim o entenda a ensaios de controlo em laboratório oficial (LNEC, preferencialmente).

VII − Fiscalizar as operações executadas pelo empreiteiro e verificar a qualidade dos equipamentos utilizados.

VIII − Verificar a implantação das partes integrantes da obra e sua geometria ao longo da sua realização.

IX − Controlar a qualificação profissional e o nível de comportamento profissional dos meios humanos intervenientes.

e) Controle das Condições de Segurança (designada por área funcional E)

I − Acompanhar e controlar todas as condições de segurança com que se desenvolvem os trabalhos da obra, propondo atempadamente todas as medidas julgadas pertinentes.

f) Controle Administrativo da Obra (designada por área funcional F)

I − Proceder às medições dos trabalhos executados mensalmente e necessários à elaboração dos autos de medição da obra e informar sobre reclamações eventualmente

II − Medir e controlar os trabalhos realizados, a mais e a menos, e proceder à estimação dos seus valores orçamentais, utilizando as matrizes de consumos já referidas.

III − Determinar, com base em I, II os pagamentos devidos ao empreiteiro.

IV − Elaborar a conta-corrente da obra, segundo as normas legais em vigor, devendo o respetivo Plano de Contas ser submetido à aprovação da D.O.

V − Controlar e apreciar todas as faturas emitidas pelo empreiteiro, devendo propor à D.O. a sua satisfação ou a sua rejeição.

VI − Elaborar previsões mensais, a submeter à D.O. sobre a evolução mais provável no que respeita a pagamentos a efetuar ao empreiteiro e consequentes “cash-f1ows”.

2 – Trabalhos Objeto da Proposta

2.1 − Fase Inicial − Arranque dos Trabalhos

2.1.0 − Introdução

a) O objetivo desta fase será estabelecerem-se em pormenor as regras porque se rege o empreendimento (Programa do Empreendimento), as regras de articulação e de responsabilidades entre os diversos intervenientes do processo (Manual de Procedimentos), e em fixarem-se datas que possibilitem a elaboração de um programa genérico de atividades (Planeamento Geral do Empreendimento).

(…)

c) Não será nunca demasiado chamar a atenção para a importância das duas primeiras fases do empreendimento (…) que pode garantir com um máximo de segurança os dois objetivos básicos do Dono da Obra, para a seleção da equipa de Gestão, Coordenação e Fiscalização.

i) Ter um empreendimento com alto nível de qualidade.

ii) Ter um empreendimento realizado no tempo previsto e segundo os valores estimados.

d) Não se passará à segunda fase de “Projeto” sem que os seguintes documentos da 1.ª fase estejam definitivamente aprovados pelo Dono da Obra em todos os seus aspetos:

− Programa do Empreendimento

− Manual de Procedimentos

− Planeamento Geral do Empreendimento

(…)

2.2 − Fase de Projeto

a) É incumbência da A400:

Em relação aos projetos:

− análise dos projetos tomando como referência o Programa do Empreendimento aprovado;

− verificação de que o projeto está constituído de modo a não oferecer grandes dúvidas

durante a obra e a garantir uma variação tendo em conta a adjudicação;

− verificação da coordenação dos projetos;

− verificação do grau de detalhe do Plano de Orçamento e Lista de Medições;

− relatório da análise e eventual aprovação elou notas para projetistas.

(…)

2.3 − Fase de Consultas, Contratação

2.3.0 − Introdução.

a) A atividade da A400, lerá por objetivo fiscalizar os trabalhos e atividades dos diversos intervenientes na construção e ainda na supervisão e controlo da execução do contrato de empreitada e fornecimentos, em termos de qualidade, prazos e custos.

b) Durante esta fase de Obra a A400 realizara a administração financeira da Obra, organizando a respetiva conta-corrente.

c) Esta fase de Obra pode-se considerar dividida em 3 (três) sub-fases:

− Preparação e Lançamento da Construção

− Construção (Obra propriamente dita)

− Pós-Construção (fase que decorre entre a Receção Provisória e a Receção Definitiva).

2.3.1 − Consultas

(…)

2.3.2 − Contratação

a) A A400 procederá (…) à análise comparativa das propostas [empreitada], elaborando um parecer técnico-financeiro sobre a adjudicação.

b) (…) Compete à A400 a promoção de reuniões com os empreiteiro/fornecedores, projetistas e com o D.O. para promover os referidos acertos, bem assim como preparar as minutas dos contratos de empreitada.

c) (…).

2.4 − Fase de Obra

2.4.1 − Preparação e Lançamento da Construção

2.4.2 − Construção

a) Durante esta sub-fase serão desenvolvidos em especial as seguintes atividades pela A400:

2.4.2.1 − Controlo da segurança e higiene no trabalho

(…)

2.4.2.2 − Implantação da Obra

Será da exclusiva responsabilidade da A400 o controlo e verificação da implantação da obra, de acordo com as referências necessárias fornecidas ao empreiteiro, com a presença do Dono da Obra e dos respetivos projetistas.

2.4.2.3 − Programas de Trabalhos

Será da exclusiva responsabilidade da A400 o controlo e verificação do cumprimento dos programas de trabalho da empreitada e fornecimentos.

2.4.2.4 − Planeamento

(…)

2.4.2.5 − Controlo de Qualidade

1 − Objetivos da Missão Relativa à Qualidade

Os objetivos de intervenção ao nível da Qualidade são basicamente os seguintes:

(…)

− detetar o mais cedo possível, as causas de eventuais defeitos e não conformidades, assim como encontrar soluções para essas situações;

(…)

− Assegurar o cumprimento por parte de todos os intervenientes do padrão de qualidade definido nos diversos projetos (…).

2 − Conteúdo da Missão

(…)

2.4.2.6 − Controlo do andamento dos trabalhos

O Controlo do andamento dos trabalhos far-se-á tendo em conta as seguintes tarefas:

(…)

− a elaboração de relatórios mensais da evolução das obra (…).

(…)

− acompanhamento da realização dos ensaios de receção das instalações, equipamentos e sistemas.

(…)

2.4.2.7 − Controlo Contabilístico da obra

(…)

Por razões de responsabilidades geral e de disciplina da obra observar-se-ão as disposições seguintes: informação escrita da A400

(…)

2.4.2.8 − Fase de Licenciamento da Construção

(…)

2.4.2.9 − Receção Provisória

A receção provisória da empreitada e a elaboração dos respetivos autos, serão da exclusiva responsabilidade da A400.

A A400 verificará ainda se a receção provisória é acompanhada da entrega das devidas garantias, declarações, recibos, chaves, manuais e instruções de manutenção e funcionamento dos equipamentos.

Na receção provisória estarão presentes o Dono da Obra e respetivos projetistas.

2.4.3 – Pós-Construção

a) Nesta sub-fase a A400 desenvolverá pelo menos as seguintes atividades:

− acompanhamento e tratamento das reclamações apresentadas durante o período de garantia, estabelecendo as causas e aprovando e/ou impondo as ações a desenvolver e seu tempo de execução (tendo em conta o funcionamento do empreendimento); (…)

− controlar o cumprimento das correções de todas as anomalias ou imperfeições desde a receção provisória até à receção definitiva;

− proceder à receção definitiva em conjunto com o Dono da Obra e respetivos projetistas.

(…)

3 − Equipa de Gestão, Coordenação e Fiscalização

3.0 − Introdução

(…)

3.1 − Organigrama da Equipa

(…)

c) Genericamente para cada uma das áreas/funções atrás referidas, poder-se-á descrever:

Diretor de Obra: é o elemento da Equipa da A400 que é responsável pelo empreendimento no tocante às suas infraestruturas. (…)

Coordenador: (…).

Controlador de Qualidade: é o elemento da Equipa que tem por funções controlar o grau de qual1dade dos projetos, bem como o da execução dos trabalhos, de modo a obter-se em produto final de qualidade integrada: qualidade da conceção associada à qualidade da execução. (…).

Controlador da Segurança e Higiene: (…).

Fiscalização: é o conjunto de técnicos que representam o Diretor da Obra na fiscalização, por parte do Dono da Obra. do cumprimento de todas as condições que fazem parte integrante dos documentos contratuais, aditamentos e informações escritas.

Controlador de Planeamento: (…).

Controlador de Custos: (…).

3.2 − Constituição da Equipa de Coordenação e Fiscalização

a) (…) Prevê-se duas visitas semanais de um fiscal na obra de pelo menos 1 horas por visita. (…).

(…)

6.2 – Intervenções depois da receção provisória

Após a receção provisória das obras a condução das instalações e o relacionamento com o empreiteiro é da competência do Dono da Obra, exceto no tocante a assuntos

que estejam indicados no documento da receção provisória, como sendo imperfeições e/ou anomalias e/ou em observação. Compete, contudo, à A400 supervisionar a forma como aquele relacionamento está a ser efetivado (verificação do livro de ocorrências;

pagamentos de chamadas indevidas; cumprimento de rotinas, etc.) alertando para o facto o próprio Dono da Obra”.

24.º − No mesmo documento consta, além do mais que aqui se dá por transcrito, na parte “B – CONDIÇÕES COMERCIAIS”:

“1.0 – CÁLCULO DE HONORÁRIOS

Tendo em conta o valor estimado da obra de 300.000,00 € considerou-se um valor fixo e não reversível durante o período de execução da obra de 4,5% relativamente ao valor estimado, ou seja, 13.500,00 € + Iva.

25.º − A ré elaborou ou mandou elaborar para a referida obra os projetos de especialidade, designadamente os de estruturas e fundações, comportamento térmico (conforme documento datado de 1 de agosto de 2005, junto a fls. 57, que aqui se dá por transcrito), acústico (conforme documento datado de 1 de agosto de 2005, junto a fls. 66, que aqui se dá por transcrito), abastecimento de água, rede de drenagem de águas residuais e de pluviais, rede de abastecimento de gás, instalações e equipamentos elétricos, instalações telefónicas, ventilação e aquecimento central e aspiração central.

26.º − No projeto de licenciamento municipal consta como técnico responsável pela direção técnica da obra BB, ….. da Ré.

27.º − A ré organizou o concurso para adjudicação da empreitada, tendo indicado ao autor a adjudicação da empreitada à sociedade EDITRAVANCA.

28.º − A ré elaborou a minuta do documento intitulado CONTRATO DE EMPREITADA, referido no ponto 4.º − factos considerados.

29.º − O autor entregou à ré a quantia de € 13.500,00 (mais IVA), com intenção de liquidar os honorários referidos no ponto 24.º − factos considerados.

O alegado incumprimento do contrato de prestação de serviço pela ré

30.º − Com vista à satisfação dos termos do documento PROPOSTA DE PREÇO PARA GESTÃO, COORDENAÇÃO E FISCALIZAÇÃO – CASA DR. AA, a ré:

a. não analisou os métodos e processos de construção/execução propostos pelo empreiteiro;

b. não confirmou que o empreiteiro havia estudado e compreendido perfeitamente os projetos;

c. não verificou o cumprimento dos programas de trabalho da empreitada;

d. não detetou as causas dos defeitos e não conformidades;

e. não assegurou o cumprimento por parte de todos os intervenientes do padrão de qualidade definido nos diversos projetos;

f. não fiscalizou as operações executadas pelo empreiteiro;

g. não identificou os desvios que se verificaram;

h. não promoveu ações tendentes à sua compensação ou eliminação;

i. descurou a análise dos materiais, equipamentos e processos utilizados na obra;

j. não garantiu o cumprimento dos prazos de execução das diversas fases dos projetos;

k. não realizou duas visitas semanais à obra, com a duração não inferior a uma hora por visita

l. não elaborou relatórios mensais da evolução das obras;

m. não forneceu mensalmente todos os dados e estatísticas recolhidos na obra;

n. não elaborou relatórios pormenorizados contendo todas as análises, informações, pareceres, recomendações e contratos decorrentes da sua atuação;

o. pouco acompanhou a execução da empreitada, fazendo-o, sobretudo por telemóvel.

31.º − A utilização de vidro simples na caixilharia das salas da moradia é desadequada, devendo ser aplicado um vidro duplo com película térmica e com um diferente fator solar.

32.º − Em 26 de maio de 2008, a companheira do autor remeteu à ré a mensagem de correio eletrónico junta a fls. 323, com o assunto “reunião obra …..”, onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

Gostaríamos que nos dessem soluções para este problema, e saber de quem é a responsabilidade? (…)

Ficamos com a sensação que a fiscalização desta casa foi feita com pouco rigor, não havendo inclusivamente actas e escritos, nos quais nos possamos apoiar”.

33.º − Em 3 de julho de 2008, o autor remeteu à ré uma mensagem de correio eletrónico com o conteúdo do documento junto a fls. 231 v., onde consta, além do mais que se dá por transcrito:

Como é do seu conhecimento, a obra em questão, está parada há bastante tempo, verificando-se que a Editravanca nela não tem tido pessoal a trabalhar, situação para a qual não há qualquer justificação. Está já com um atraso significativo que nos causa sérios prejuízos e muito nos desagrada, como já manifestamos, quer à fiscalização, quer à C...... nomeadamente na ultima reunião ocorrida nas V. instalações”.

34.º − Em 16 de dezembro de 2008, a companheira do autor remeteu à ré a mensagem de correio eletrónico junta a fls. 232 v. (enviada para o endereço de correio eletrónico de F......), com o assunto “segurança da piscina / Quinta ….”, a qual não mereceu qualquer resposta ou atuação por parte da ré, onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

Agora, com certeza, vai entender melhor, porque a Editravaca nunca quis esvaziar a piscina; e gostaria Eng. DD, de lhe dizer ainda, que o Eng. EE, na receção provisória da casa, me pressionou no sentido de aprovar a piscina, sem ser esvaziada.

Gostaria do seu comentário; como foi isto possível, numa empresa como a A400???”.

35.º − Em 27 de janeiro de 2009, o autor remeteu à ré uma mensagem de correio eletrónico comunicando os defeitos denunciados à EDITRAVANCA, referidos no ponto 11.º − factos considerados −, junta a fls. 104 e 105, onde consta, além do mais que se dá por transcrito:

Enviei à Editravanca o e-mail cuja cópia anexo e para o qual remeto.

Solicito a V. pronta intervenção no sentido de nos ser transmitido o V. parecer quanto ao referido no ponto b) do referido e-mail, ou seja quanto ao apuramento exaustivo das causas globais de todas as demais anomalias que se prendam com a entrada de água na casa e com as deficiências eléctricas e nos seja rapidamente apresentado o seu plano de reparação e eliminação. Tal terá de ser feito com a máxima urgência, dada a invernia que se faz sentir e sob pena de os danos se tornarem cada vez maiores − afigura-se-nos suficiente o prazo de 10 dias para tal situação ser avaliada, de forma a poderem seguidamente ser tomadas as necessárias providências de reparação.

Se esta situação não ficar clarificada dentro do referido prazo, sem haver razão justificada para tal, serei forçado a pedir a terceiros uma peritagem a toda a obra, tendo em vista encontrar a origem dos defeitos e os devidos responsáveis. Quero acreditar que a A400 fez uma fiscalização e acompanhamento sério da obra, mas não consigo entender como é tal passivei, atendendo à situação alarmante agora verificada. Na verdade, a obra só foi entregue à Editravanca porque contamos com o V. apoio profissional, devidamente contratualizado, nomeadamente para o solucionamento de questões técnicas surgidas em obra e para a sua fiscalização global.

Fico a aguardar o V. contacto”.

36.º − Em 17 de fevereiro de 2009, a ré enviou à EDITRAVANCA a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 106, que aqui se dá por transcrita, reportando os defeitos que haviam sido elencados pelo autor e solicitando a sua eliminação.

37.° - A ré nada mais fez a respeito dos defeitos denunciados pelo autor, não acompanhando nem tratando as reclamações apresentadas durante o período de garantia, nem controlando o cumprimento das correções das anomalias detetadas.

38.° - Em face da ausência de resposta da ré, o autor diligenciou pelo apuramento das causas e desenvolveu ações tendentes à eliminação dos defeitos manifestados, sem o acompanhamento da ré.

39.° - Na eliminação dos defeitos denunciados à EDITRAVANCA, o autor despendeu:

Valor (€)
Intervenção
41.313,95Realização das obras urgentes de reparação de defeitos manifestados
15.836,25Desmontagem e remoção da caixilharia
5.227,50Reparações na casa das máquinas e reparação da porta de entrada
62.377,70
Total

4EDITRAVANCA impõe as seguintes intervenções:

Valor (€)
Intervenção
6.160,00Reparação do teto da sala
4.950,00Reparação de fissuras e pintar todas as paredes e tectos da casa com duas demãos de tinta
3.200,00Substituição de três portas meia-madeira, substituição de seis portas em MDF hidrófugo e substituição de seis painéis
14.310,00
Total (ao qual acresce IVA)

41.° - Com realização de perícias destinadas a detetar os defeitos da obra realizada pela à EDITRAVANCA e a diagnosticar as suas causas, o autor despendeu:

Valor (€)
Ator do relatório
2.076,00 ISQ - Instituto de Soldadura e Qualidade
2.250,00G....... - Consultoria e Projetos de Engenharia, L.da
4.326,00
Total

42.º − Em resultado da conduta da ré, o autor, durante mais de dez anos:

a. sentiu-se emocionalmente abalado e desgastado, angustiado, perturbado, ansioso, desconcentrado, aborrecido, incomodado, revoltado, desgostoso, intranquilo e desconfortável;

b. teve muitas discussões com a sua companheira por causa dos problemas da obra e dinheiro investido;

c. despendeu muito tempo em deslocações a P......., deixando de ter tempo disponível para descansar, estar com a família e amigos, e de ir de férias;

d. não pôde celebrar o seu 50.º aniversário na moradia em questão;

e. encontrou-se privado do uso da moradia;

f. gastou com a construção da moradia mais do dobro do valor previsto inicialmente;

g. viu perturbada a sua possibilidade de gozar a moradia.


2. De direito

2.1 Da necessidade de comunicação da execução ou inexecução do mandato pelo mandatário para aplicação do estatuído no art.º 1163.º do Código Civil

Para melhor enquadramento da questão decidenda, não há como transcrever aqui excertos do acórdão da Formação que admitiu a revista excepcional, a qual, por sua vez, transcreveu trechos das decisões das instâncias, nos seguintes termos:

“Ora, no caso presente, está em causa, em primeira linha, a questão da aplicação do disposto no artigo 1163.° do CC, sendo entendimento das instâncias, de forma convergente, que, tendo o A., como dono da obra, tomado a iniciativa de pôr termo à empreitada a cargo da sociedade EDITRAVANCA, mediante acordo com esta, cessando, por isso, também a atividade de acompanhamento e fiscalização da obra, por parte da R., não fazia sentido que esta comunicasse ao A. a execução ou inexecução do respetivo mandato, o que não obstava a que se aplicasse, ainda assim, o preceituado no referido artigo 1163.º, de modo a considerar o subsequente silêncio do A. como aprovação da anterior conduta da R., enquanto mandatária. A esse propósito, na sentença da 1.ª instância, foi considerado o seguinte:

«Resulta dos factos alegados que o serviço que se resolve no acompanhamento fiscalizador da construção (e mesmo na direção técnica desta) cessa, por natureza, necessariamente, com o fim da construção. Outra atividade (subsequente) pode ser considerada - como a veiculação da denúncia de vícios que se manifestaram ulteriormente -; mas esta outra atividade não se confunde com a fiscalização da construção.

O acompanhamento fiscalizador da construção não é uma atividade (um serviço) que se possa desenvolver para além de um momento totalmente controlado pelo dono da obra, ou deste conhecido, quer seja ele a aceitação, quer seja a cessação da execução da empreitada por outra causa (como a revogação do contrato).

Comunicar é dar a conhecer, isto é, informar que cessou a atividade do mandatário (do prestador de serviço). Ora, em contratos de prestação de serviço como o vertente, é desprovido de sentido sustentar-se que o prestador do serviço (mandatário) deve dar a conhecer ao adjudicante (mandante) um facto deste necessariamente conhecido; com maior propriedade se dirá que é ao adjudicante (mandante) que cabe comunicar ao prestador do serviço (mandatário) que cessaram as suas funções - quer porque aceitou a obra, quer porque revogou o contrato de empreitada, por exemplo.

E de admitir a existência deste dever nos casos de cessão de funções anterior ao termo da empreitada fiscalizada (designadamente, para os efeitos e procedimentos previstos no regime jurídico da urbanização e da edificação e no Código dos Contratos Públicos); não assim nos casos em que o serviço de acompanhamento fiscalizador da construção cessa como consequência do termo da execução empreitada (conhecido e promovido pelo dono da obra).

Em suma, na prestação de serviço de acompanhamento fiscalizador de uma atividade cujo fim (conclusão desta) determina o fim daquela prestação, cabendo ao adjudicante determinar o termo de tal atividade, não há lugar à comunicação da conclusão da prestação de serviço ao adjudicante, quando a este coube a iniciativa de terminar a atividade fiscalizada ou deste encerramento teve necessariamente conhecimento. No entanto, dispensada que fica a comunicação do fim da prestação do serviço, nem por isso fica o adjudicante liberto do seu dever de se pronunciar no sentido de aprovar, ou não, a gestão realizada (att. 1163.° do Cód. Civil)»

Nessa esteira, no acórdão recorrido, foi dada a seguinte fundamentação:

«O contrato celebrado entre o Autor e a Ré respeitava à “gestão, coordenação e fiscalização da empreitada de construção de uma moradia unifamiliar (...).

O contrato de empreitada que a Ré devia fiscalizar cessou por acordo entre o dono da obra e a sociedade empreiteira. Como certeiramente se observou na sentença, “(...) o serviço que se resolve no acompanhamento fiscalizador da construção (e mesmo na direção técnica   desta) cessa, por natureza, necessariamente, com o  fim da construção.

“O acompanhamento fiscalizador da construção não é uma atividade (um serviço) que se possa desenvolver para além de um momento totalmente controlado pelo dono da obra, ou deste conhecido, quer seja ele a aceitação, quer seja a cessação da execução da empreitada por outra causa (como a revogação do contrato) (...)

Na sentença recorrida considerou-se aplicável ao caso o artigo 1163º do C. Civil, que estatui:

"Comunicada a execução ou inexecução do mandato, o silêncio do mandante por tempo superior àquele em que teria de pronunciar-se segundo os usos ou, na falta destes, de acordo com a natureza do assunto, vale como aprovação da conduta do mandatário, ainda que este haja excedido os limites do mandato ou desrespeitado as instruções do mandante, salvo acordo em contrário."

Sustenta o apelante a inaplicabilidade daquela norma por faltar a “prévia comunicação do mandatário” (conclusão VII).

Aquela comunicação destina-se a dar cumprimento à obrigação imposta ao mandatário pela alínea c) do artigo 1161º, de comunicar ao mandante, com prontidão, a execução do mandato ou, se o não tiver executado, a razão por que assim procedeu. A imposição daquela obrigação destina-se a que o mandante possa conhecer, a todo o momento, quer a actividade do mandatário, para a poder acompanhar, quer a sua própria posição jurídica em relação a terceiros, com quem, em nome dele, tenha contratado o mandatário (Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, vol. II, 1986, anotação nº 4 ao art. 1161º, pág. 715).

No caso dos autos, tendo cessado por acordo celebrado entre o dono da obra e o empreiteiro a empreitada que a mandatária devia fiscalizar, não tinha sentido a comunicação a que alude a alínea c) do artigo 1161º. Ainda aqui se acompanha a argumentação desenvolvido na sentença: “Em suma, na prestação de serviço de acompanhamento fiscalizador de uma atividade cujo fim (conclusão desta) determina o fim daquela prestação, cabendo ao adjudicante determinar o termo de tal atividade, não há lugar à comunicação da conclusão da prestação de serviço ao adjudicante, quando a este coube a iniciativa de terminar a atividade fiscalizada ou deste encerramento teve necessariamente conhecimento.

Não se encontra fundamento para tratar de modo diferente as situações em que o mandatário comunicou a execução ou a inexecução do mandato daquelas em que tal comunicação está dispensada por efeito de acto do mandante que fez cessar o contrato cuja execução a mandatária devia fiscalizar. Assim sendo, a situação dos autos cai na previsão do artigo 1163°. Visando a fiscalização exercida pela Ré a execução de uma empreitada tendo por objecto a construção de uma moradia, o tempo a considerar para silêncio relevante do mandante/dono da obra é o previsto no n° 1 do artigo 1225º do C. Civil: 5 anos.

(...)

Flui do exposto que se considera aprovada a conduta da Ré, o que implica a renúncia a indemnização por danos devidos a culpa do mandatário (A. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, XII, 2018, pág. 594).»

Todavia, sustenta o A. que este entendimento vai ao “arrepio” do uniformemente seguido pela jurisprudência e doutrina no sentido de que o estatuído no artigo 1163.º do CC requer, necessariamente, que o mandatário tenha comunicado ao mandante a execução ou inexecução do mandato nos termos da alínea c) do artigo 1161.º do mesmo Código, sendo assim essa comunicação um pressuposto essencial para conferir ao subsequente silêncio do mandante o valor negocial de aprovação tácita da execução do mandato.

É certo que uma tal linha de orientação supõe que incida sobre o mandatário o dever de fazer aquela comunicação nos termos consignados na alínea c) do artigo 1161.º, dever esse que as instâncias consideraram não existir, no caso, pelo facto de o próprio mandante ter posto termo à empreitada mediante acordo com a sociedade empreiteira, cessando desse modo também a atividade conexa de acompanhamento e fiscalização por parte da R..

Dir-se-ia assim que não se trataria de uma questão eminentemente jurídica, mas antes sediada na ponderação das circunstâncias concretas do caso em apreço.

No entanto, não deixa de versar sobre uma situação algo invulgar que acabou por conduzir a uma espécie de uma interpretação extensiva teleológica do artigo 1163.º do CC em termos de se ajuizar sobre a aplicação deste normativo a situações ali não expressamente previstas, mais precisamente quando, como no caso dos autos, se considere não existir o dever de comunicação da execução ou inexecução do mandato.

Ora a cessação da empreitada foi acordada entre o A. e a sociedade empreiteira, daí se inferindo também o termo do contrato de mandato celebrado entre o A. e a R..

Esse acordo de cessação da empreitada terá emergido pelo facto de não ter sido cumprido o prazo acordado para a entrega da parte final da obra, havendo trabalhos em falta e existirem várias patologias, como se alcança dos pontos 9.º a 14.º dos factos dados como provados.

A par disso, o A. sustenta que também a R. incumpriu os seus deveres contratuais no acompanhamento e fiscalização da obra.

Sucede que o dever de comunicação a que se refere a alínea c) do artigo 1161.º do CC tem em vista não apenas habilitar o mandante a prosseguir com a atividade respeitante à execução do mandato, mas também proporcionar-lhe o conhecimento das razões pelas quais o mandatário não lhe deu cabal execução como estava obrigado, em ordem a poder exigir-lhe a correspondente indemnização pelo prejuízo sofrido, nos termos do artigo 1167.°, alínea d), do CC.

Assim, se aqui só estivesse em causa o prosseguimento do mandato, uma vez que o próprio mandante tomou a iniciativa de o fazer cessar por virtude da cessação da empreitada com ele conexa, certamente não faria sentido que o mandatário comunicasse ao mandante o termo da execução do mandato.

Porém, o que está em causa nesta ação é a alegada anterior inexecução do mandato, por parte da R., e que bem poderá não ser alcançada ou esbatida por efeito da cessação da empreitada levada a cabo pelo dono da obra e mandante.

Ou seja, ainda que o A. tenha posto fim à empreitada por acordo com a empreiteira, no contexto acima descrito, poderá o mesmo ter interesse em saber em que termos é que a R. mandatária executou o mandato até essa altura com vista a aprovar ou não tal execução anterior ou então a responsabilizar aquela mandatária pelo não cumprimento integral dessa execução, como, de resto, pretende.”

É nesta perspectiva que terá interesse “saber em que medida é que a R. mandatária tinha o dever de comunicar ao A. mandante a execução anterior do mandato de modo a poder provocar a sua aprovação tácita nos termos do artigo 1163.º do CC ou a sua não aprovação expressa.”

Na verdade, a alínea c) do art.º 1161.º do Código Civil impõe ao mandatário o dever de comunicar ao mandante não só a execução do mandato, mas também, em caso de não execução, as razões por que assim procedeu, informações essas que são de capital relevância para o mandante[4].

Só com essa comunicação é possível dar relevo ao silêncio nos termos do art.º 1163.º do Código Civil, pois a aprovação tácita nele prevista pressupõe, em primeiro lugar, a comunicação da execução ou inexecução do mandato, feita com prontidão, como diz o citado art.º 1161.º, al. c), e, em segundo lugar, o silêncio do mandante. A aprovação da conduta do mandatário, nos termos do referido art.º 1163.º “só vale quando se verifiquem os requisitos indicados”.[5]

A cessação da prestação do serviço pela Ré com o fim do contrato de empreitada não impede que se apurem os factos relativos à execução anterior do mandato e à comunicação da sua eventual inexecução por parte da mandatária ao A. mandante, a fim de poder provocar a sua aprovação tácita nos termos do artigo 1163.º do Código Civil ou a sua não aprovação expressa, contrariamente ao entendido pelas instâncias.

Aquele dever de comunicação “tem em vista não apenas habilitar o mandante a prosseguir com a atividade respeitante à execução do mandato, mas também proporcionar-lhe o conhecimento das razões pelas quais o mandatário não lhe deu cabal execução como estava obrigado, em ordem a poder exigir-lhe a correspondente indemnização pelo prejuízo sofrido, nos termos do artigo 1167.º, alínea d), do CC”, como bem se salientou no acórdão da Formação, com o qual concordamos.

E, no caso, não é despiciendo, porquanto o autor sustenta que a ré incumpriu os seus deveres contratuais no acompanhamento e fiscalização da obra.

Por outro lado, como se escreveu no acórdão da Formação, “Não deixa de ser, de certo modo e aparentemente, incongruente entender que a R. mandatária não tinha o dever de fazer tal comunicação, mas depois considerar que o silêncio do mandante, subsequente à cessação da empreitada, em relação à execução do mandato, valia como aprovação tácita daquela execução nos termos do artigo 1163.º do CC.

De todo o modo, o que se afigura aqui inovador é considerar que, não ocorrendo dever de comunicação por parte do mandatário, ainda assim o mandante não fica dispensado de se pronunciar nos termos e para os efeitos da 2.ª parte do artigo 1163.º do CC, valendo o seu silêncio como aprovação tácita da execução do mandato, em vez de se buscar uma solução alternativa estribada não no mero silêncio negocial mas em declaração tácita deduzida de factos que, com toda a probabilidade, a revelem, nos termos do artigo 217.° do CC.

Neste conspecto, a opção entre o silêncio negocial e a declaração tácita mostra-se relevante para efeitos de ajuizar sobre o momento em que se deve ter por verificada, porventura, a aprovação tácita do mandato e, por consequência, a renúncia ao direito de indemnização por danos sofridos pelo mandante ao abrigo do disposto no artº 469.º do CC, tal como foi considerado pelas instâncias; ou então sobre a preclusão desse direito com o esgotamento de um prazo de cinco anos idêntico ao previsto, em sede do regime da empreitada, no artigo 1225.º, n.º 1, do mesmo Código.

Cremos, pois, estar perante uma situação factualmente complexa e juridicamente problemática, envolvendo uma conjugação do disposto nos artigos 1161.º, alínea c), e 1163.º do CC, que pode incluir a questão não linear da aplicação extensiva deste último normativo, para mais tendo em vista a pretensão indemnizatória do A..”

Seja como for, estamos impossibilitados de enfrentar e decidir a questão, aqui e agora, porquanto não foram dados como provados quaisquer factos, ao arrepio do disposto no art.º 607.º, n.º 3, do CPC, visto que os elencados supra são os meramente alegados pelo autor, alguns dos quais foram impugnados, porque este Supremo Tribunal apenas decide de direito e não sobre matéria de facto, salvo os casos excepcionais previstos no n.º 3 do art.º 674.º do CPC, que não ocorrem no presente caso como é manifesto, e porque não funciona aqui a regra da substituição do tribunal recorrido (cfr. art.º 679.º do CPC).


2.2. Do alcance do silêncio como declaração negocial para efeitos de aprovação tácita da execução ou inexecução do mandato

Vem também suscitada a questão relativo à interpretação legal do conceito de silêncio para os efeitos dos art.ºs 218.º e 1163.º, ambos do Código Civil.

No acórdão recorrido e na linha do entendimento adoptado na 1.ª instância, foi considerado o seguinte:

«Alega o apelante que “(…) não se manteve em silêncio, já que dirigiu diversas comunicações à Recorrida, pronunciando-se expressamente no sentido da desaprovação da conduta da Recorrida”. Em apoio daquela alegação invoca: a mensagem de correio electrónico enviada pela companheira do Recorrente ao Sr. Eng. DD, ….. da Recorrida, em 16/12/2008 (doc. reproduzido a fls. 232, v°); a mensagem de correio electrónico que o Autor enviou à Ré em 27/01/2009 (documento reproduzido a fls. 104, vº).

Na primeira daquelas comunicações alude-se a deficiências na moradia. Mas já no auto de recepção provisória, datado de 31-10-2008, se referia que parte dos trabalhos contidos na empreitada “não está em condições de ser recepcionada, pelas razões neste momento verificadas na obra pelos presentes e descritas no mapa (...).” Segue-se uma listagem de anomalias (fls. 97).

Na parte final da mesma comunicação, perguntava a companheira do Autor: “Gostaria do seu comentário; como foi isto possível, numa empresa como a A400???” No email de 27 de Janeiro de 2009, informava o Autor que tinha enviado à “Editravanca” o mail que juntava (reproduzido a fls. 105). Em seguida solicitava a intervenção da ora Ré quanto ao apuramento exaustivo das causas globais de todas as demais anomalias que se prendam com a entrada de água, concedendo um prazo de 10 dias para que a situação fosse avaliada de forma a serem tomadas as necessárias providências de reparação. Mais adiante escrevia “Quero acreditar que a A400 fez uma fiscalização e acompanhamento sério da obra, mas não consigo entender como é tal possível, atendendo à situação alarmante agora verificada.

“Concluía: “Fico a aguardar o V. contacto.”

Ambas as referidas comunicações aludem a deficiências na moradia. Mas já na recepção provisória - anterior à primeira daquelas comunicações - eram conhecidas deficiências, tendo sido elaborada uma lista com 24 anomalias (fls. 97). E em 17 de Fevereiro de 2009 a ora Autora remeteu uma carta A “Editravanca, S.A.” a solicitar a intervenção desta para “rectificação das anomalias já detectadas na casa do Autor” (doc. fls. 106).

Das mencionadas comunicações (de 16/12/2008 e 27/01/2009) sobressai alguma perplexidade relativamente à existência das anomalias. Mas não resulta das mesmas que o Autor “desaprovou expressamente a conduta da Recorrida” (conclusão XIII). Ainda que se conte o prazo de 5 anos a partir da segunda daquelas comunicações, à data da instauração da acção já tinha decorrido.»

 No acórdão da Formação, escreveu-se a este propósito:

 “Também aqui se coloca a questão de saber qual o alcance a dar aos descritos comportamentos do A. como mandante na perspetiva da caracterização do silêncio negocial, nomeadamente em função da natureza dos assuntos em apreço.”

E acrescentou-se que se trata “de questão conexa com a questão anterior e que, por isso, não deve ser dela dissociada”.

Assim, pela mesma razão estamos impossibilitados de a apreciar agora.

Os comportamentos que podem servir de suporte à declaração negocial tácita integram matéria de facto, que só pode ser fixada pelas instâncias. E o silêncio subsequente a essa declaração apenas pode ser apreciado após a fixação dos respectivos factos.

Faltando os factos provados, é óbvio que não pode resolver-se a questão de direito, em sede de interpretação, segundo os critérios acolhidos pelo art.º 236.º do Código Civil ou pelo art.º 234.º do mesmo diploma que regula a dispensa da declaração de aceitação.

Ainda assim, podemos adiantar, citando Menezes Cordeiro[6], o qual, por sua vez, acompanhou Minervini, quando explica, em face do texto legal italiano correspondente ao mencionado art.º 1163.º, que não há um problema de caducidade, mas antes um relevo do silêncio[7]. Quanto ao resto, «não há usos sobre o tempo necessário para aprovar ou recusar o exercício de determinado mandato» e «o tempo requerido, “de acordo com a natureza do contrato” é inexcogitável».

Ainda que se considere que este é um caso em que, nos termos do art.º 218.º do Código Civil, “a lei atribui ao silêncio o valor de uma declaração negocial”, como entendem Pires de Lima e Antunes Varela[8], o silêncio só pode valer como tal nos exactos termos previstos no art.º 1163.º do mesmo Código.

A “aprovação” ali prevista só vale quando se verifiquem os pressupostos nele indicados, acima referidos, sendo necessário, para tal, em primeiro lugar, a comunicação da execução ou inexecução do mandato, feita como diz a lei [art.º 1161.º, al. c)], com prontidão.

“Fora das hipóteses previstas no art.º 218º, diz Inocêncio Galvão Teles, o silêncio não tem qualquer valor jurídico, não valendo como aceitação. Nomeadamente não são admissíveis neste domínio as presunções do julgador (presumptiones hominis).”[9]

E não valendo o silêncio como aceitação, também não se pode verificar a aceitação tácita que pressupõe a dispensabilidade da aceitação (cfr. art.º 234.º do Código Civil).

Como diz Galvão Teles[10], em bom rigor não pode falar-se de dispensa de aceitação porque a aceitação é sempre necessária, apresentando-se, então, como declaração tácita no contexto do art.º 217.º, n.º 1, parte final.

Neste sentido decidiu, o acórdão deste Supremo Tribunal de 31/5/2005, proferido no processo n.º 05B1411[11], donde foram extraídas as citações acabadas de efectuar.

Ora, inexistindo factos provados, não é possível extrair deles qual o alcance a dar ao comportamento do autor como mandante na perspetiva da caracterização do silêncio negocial.

Impõe-se, por isso, mais do que ampliar a matéria de facto, nos termos e para os efeitos previstos no disposto no n.º 3 do art.º 682.º do CPC, pois não pode ampliar-se aquilo que não existe, mandar proceder a novo julgamento da causa, se possível pelos mesmos juízes que intervieram no primeiro julgamento, como manda o n.º 1 do art.º 683.º do mesmo Código, sem prejuízo de o tribunal recorrido poder mandar baixar o processo à 1.ª instância para integral cumprimento do determinado, a fim de serem discriminados os factos provados, nos termos do art.º 607.º, n.º 3, do mesmo diploma, e proceder ao seu enquadramento jurídico na perspectiva atrás definida.

Destarte, pelas razões expostas, o recurso merece provimento, não podendo manter-se o acórdão recorrido, devendo os autos prosseguir, nos termos e para os efeitos supra referidos.


Sumário:

1. A aprovação tácita prevista no art.º 1163.º do Código Civil pressupõe a comunicação da execução ou inexecução do mandato, por parte do mandatário, e o silêncio do mandante.

2. O silêncio só pode valer como declaração negocial para os efeitos do art.º 1163.º do Código Civil quando se verifiquem os pressupostos nele indicados.

3. A cessação da prestação do serviço pelo mandatário com o fim do contrato de empreitada celebrado com o empreiteiro não impede que se apurem os factos relativos à execução anterior do mandato e à comunicação da sua eventual inexecução por parte do mandatário ao mandante, a fim de poder provocar a sua aprovação tácita nos termos do artigo 1163.º do Código Civil ou a sua não aprovação expressa.

4. A inexistência de quaisquer factos provados impossibilita o STJ de apreciar questões de direito pois, em regra, não conhece de facto e porque não pode substituir-se ao tribunal recorrido.

III. Decisão

Por tudo o exposto, acorda-se em conceder a revista, revogar o acórdão recorrido e ordenar o prosseguimento dos autos para que sejam apurados e discriminados os factos provados e seja feito o seu enquadramento jurídico nos termos referidos supra, devendo os autos baixar à Relação para assim se determinar novo julgamento da causa, como se deixou dito.


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Custas pela parte vencida a final.

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Lisboa, 23 de Fevereiro de 2021

Nos termos do art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem voto de conformidade dos Ex.mos Juízes Conselheiros Adjuntos que não podem assinar.

Fernando Augusto Samões (Relator, que assina digitalmente)

Maria João Vaz Tomé (1.ª Adjunta)

António José Moura de Magalhães (2.º Adjunto)

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[1] Do Tribunal Judicial da Comarca  …. – Juízo Central Cível ... – Juiz ….
[2] Relator: Fernando Samões
1.º Adjunto: Juíza Conselheira Dr.ª Maria João Vaz Tomé
2.º Adjunto: Juiz Conselheiro Dr. António Magalhães
[3] Neste sentido, vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Abril de 2019, proferido no processo n.º 622/08.1TVPRT.P2.S1, e os arestos nele citados, bem como o nosso de 19/6/2019, processo n.º 2100/11.2T2AGD-A.P2.S2, entre outros.
[4] António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, tomo XII, Almedina, 2018, págs. 583-584.
[5] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume II, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1981, pág. 636.
[6] Na obra, por nós, já referida, pág. 592.
[7] Gustavo Minervini, Il mandato, la comissione, la spedizione, 1.ª ed., 1957, n.º 69 (167).
[8] Obra citada, pág. 637.
[9] Manual dos Contratos em Geral, pág. 130.
[10] Ob. cit., pág. 250.
[11] Acessível no respectivo sítio, em www.dgsi.pt.