Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
160/17.1GBLGS.E1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO (CRIMINAL)
Relator: RAUL BORGES
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
CONFERÊNCIA
FURTO QUALIFICADO
DUPLA CONFORME
MEDIDA DA PENA
PENA ÚNICA
VALOR PATRIMONIAL
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 05/20/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I – O sistema jurídico-penal português consagrou o sistema de pena conjunta para o concurso de crimes, verificados que sejam os pressupostos do artigo 77.º (conhecimento imediato, directo, em simultâneo, em sede de julgamento, emergente de concurso real e efectivo de factos coevos, obviamente, não objecto de julgamento anterior, constantes de uma acusação que definiu e engloba o acervo fáctico proposto a julgamento), ou do artigo 78.º do Código Penal (conhecimento superveniente de factos coevos daqueles, já objecto de julgamento, com decisão transitada em julgado e com penas definitivas).

II – A medida da pena unitária a atribuir em sede de cúmulo jurídico reveste-se de uma especificidade própria. Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal, mais ampla, abrangente, com maior latitude da atribuída a cada um dos crimes. Por outro, tem lugar, porque se trata de uma nova pena, final, de síntese, correspondente a um novo ilícito e a uma nova culpa (agora culpa pelos factos em relação), uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do artigo 71.º do Código Penal.

III – Constitui posição sedimentada e segura neste Supremo Tribunal de Justiça a de nestes casos estarmos perante uma especial necessidade de fundamentação, na decorrência do que dispõem o artigo 71.º, n.º 3, do Código Penal, e os artigos 97.º, n.º 5 e 375.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, em aplicação do comando constitucional ínsito no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, onde se proclama que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.

IV – Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, unificado, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso

V – Perante concurso de crimes e de penas, há que atender ao conjunto de todos os factos cometidos pelo arguido, de modo a surpreenderem-se, ou não, conexões entre os diversos comportamentos ajuizados, através duma visão ou imagem global do facto, encarado na sua dimensão e expressão global, tendo em conta o que ressalta do contexto factual narrado e atender ao fio condutor presente na repetição criminosa, procurando estabelecer uma relação desses factos com a personalidade do agente, tendo-se em conta a caracterização desta, com sua projecção nos crimes praticados; enfim, há que proceder a uma ponderação da personalidade do agente e correlação desta com os concretos factos ajuizados, a uma análise da função e da interdependência entre os dois elementos do binómio, não sendo despicienda a consideração da natureza dos crimes em causa, da verificação ou não de identidade dos bens jurídicos violados, até porque o modelo acolhido é o de prevenção, de protecção de bens jurídicos.

VI – Todo este trabalho de análise global se justifica tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto de factos praticados pelo(a) condenado(a) é a expressão de uma tendência criminosa, isto é, se significará já a expressão de algum pendor para uma “carreira”, ou se, diversamente, a feridente repetição comportamental dos valores estabelecidos emergirá antes e apenas de factores meramente ocasionais”.

VII – Por outro lado, na confecção da pena conjunta, há que ter presentes os princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso.   

VIII – A preocupação de proporcionalidade a que importa atender resulta do limite intransponível absoluto dos 25 anos de prisão estabelecido no n.º 2 do artigo 77.º do Código Penal. É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, face à grande criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras.

IX – Com a fixação da pena conjunta não se visa re-sancionar o agente pelos factos de per si considerados, isoladamente, mas antes procurar uma “sanção de síntese”, na perspectiva da avaliação da conduta total, na sua dimensão, gravidade e sentido global, da sua inserção no pleno da conformação das circunstâncias reais, concretas, vivenciadas e específicas de determinado ciclo de vida do(a) arguido(a) em que foram cometidos vários crimes.

X – A pena única deve reflectir a razão de proporcionalidade entre as penas parcelares e a dimensão global do ilícito, na ponderação e valoração comparativas com outras situações objecto de apreciação, em que a dimensão global do ilícito se apresenta mais intensa.

XI – A pena conjunta visa corresponder ao sancionamento de um determinado trecho de vida do arguido condenado por pluralidade de infracções. Há que valorar o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do recorrente, em todas as suas facetas.

XII – Na elaboração da pena conjunta impõe-se fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, em ordem a adequar a medida da pena à personalidade que nos factos se revelou.

XIII – Importa ter em conta a natureza e diversidade ou igualdade/similitude dos bens jurídicos tutelados, ou seja, a dimensão de lesividade da actuação global do arguido.

XIV – Antes do mais, atentemos nos concretos contornos a ter presentes na determinação/configuração, em primeira linha, da dimensão dos bens jurídicos ofendidos/violados – artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal –, objectivando, de seguida, no concreto caso, a intensidade das ofensas com causação apontada à múltipla conduta do recorrente.

XV – Sendo uma das finalidades das penas, incluindo a unitária, segundo o artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, na versão da terceira alteração, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, a tutela dos bens jurídicos, definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que, necessariamente, ter em atenção o bem jurídico tutelado no tipo legal ora posto em causa, ou seja, no crime de furto qualificado.

XVI – Para José de Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II (Artigos 202.º a 307.º), Coimbra Editora, 1999, o bem jurídico protegido no tipo legal ora em causa, é a propriedade, salientando que o bem jurídico propriedade se deve ver como a especial relação de facto sobre a coisa – poder de facto sobre a coisa –, tutelando-se, dessa maneira, a detenção ou mera posse como disponibilidade material da coisa, como disponibilidade da fruição das utilidades da coisa com um mínimo de representação jurídica, sendo a coisa, móvel, alheia e com valor patrimonial - §§ 18, 21, 24, 26 e 29, págs. 29, 30, 32, 33 e 34, adiantando no § 56, pág. 44, que o valor patrimonial da coisa constitui um elemento implícito do tipo legal de crime de furto.

XVII – A propósito do furto qualificado, afirma no § 8, pág. 58, que aqui o bem jurídico protegido se apresenta, não como na formulação linear da protecção de uma específica realidade patrimonial, como acontece no chamado furto simples, mas antes na defesa de um bem jurídico formalmente poliédrico ou multifacetado”.

XVIII – Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II (Artigos 202.º a 307.º), Coimbra Editora, 1999, afirma em anotação ao artigo 205.º, no § 2, pág. 94, distinguindo-se do abuso de confiança em que o bem jurídico protegido é exclusivamente a propriedade, no furto protege-se a propriedade, mas protege-se também e simultaneamente a incolumidade da posse ou detenção de uma coisa móvel, o que oferece, em definitivo, um carácter complexo ao objecto da tutela.

XIX – Para Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 3.ª edição actualizada, Novembro de 2015, nota 2, pág. 793, o bem jurídico protegido pela incriminação é a propriedade, incluindo a posse e a detenção legítimas. O conceito penal de “propriedade” inclui o poder de disposição sobre a coisa, com fruição das utilidades da mesma.

XX – Para Victor Sá Pereira, Código Penal, Livros Horizonte, 1988, em anotação ao artigo 296.º do Código Penal de 1982, pág. 331, afirma. “O furto não é mais um delito de simples subtracção (de coisa alheia ou do valor de coisa alheia). É um crime de apropriação, que atinge o património mediante ofensa da propriedade”.

A coisa subtraída e apropriada tem de ser alheia. Não importa, todavia, que esteja determinado ou seja determinável o seu dono ou detentor; mas há-de tratar-se de coisa inserida na propriedade de alguém. Não há furto, com efeito, de res nullius, de res dereclicta e de res commune omnium”.

XXI – Para José António Barreiros, Crimes contra o património, Universidade Lusíada, 1996, pág.20, versando o Código Penal na versão de 1995, “O furto é um crime uniofensivo, pois agride apenas um bem jurídico, no caso a propriedade, a qual é um valor protegido pela Constituição e pelas Convenções protectoras dos direitos do Homem (…). As coisas não são o bem jurídico tutelado pela criminalização do furto, antes o mero objecto da acção no que a estes crimes respeita.

No furto o bem jurídico atingido - e que a lei quer proteger – é a propriedade, embora haja furto mesmo que não se saiba quem é o proprietário da coisa e até estando a coisa furtada entregue a um mero detentor”.

XXII – Da caracterização específica do crime de furto deriva que há que ter em conta, em cada caso concreto, a extensão da lesão, o grau de lesividade, o quantum do prejuízo patrimonial causado.

XXIII – No crime de furto, tendo em vista descortinar na densificação da ilicitude, a extensão da lesão, o grau de lesividade do património atingido, a medida do prejuízo causado, é fundamental ter em conta o valor patrimonial do bem objecto de apropriação.

XXIV – O valor patrimonial da coisa móvel alheia (elemento implícito do tipo legal de crime de furto, segundo Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, §§ 26 e 56, a págs. 33 e 44), como o da coisa roubada, ou apropriada em sede de crime de roubo, não pode deixar, obviamente, de ser tomada em atenção, embora neste caso possa ser neutralizado pelo grau da violência ou da ameaça exercida pelo agente contra a vítima. (A este respeito cfr. os acórdãos por nós relatados, de 23-02-2011, processo n.º 250/10.1PDAMD.S1; de 31-03-2011, processo n.º 169/09.9SYLSB; de 13-04-2011, processo n.º 918/09.5JAPRT.S1; de 11-05-2011, processo n.º 1040/06.1PSLSB.S1, de 31-01-2012, processo n.º 2381/07.6PAPTM.E1.S1 e de 9-05-2018, processo n.º 671/15.3PDCSC.L1.S1).

XXV – Para Teresa Beleza, Os crimes contra a propriedade, pág. 235, o conceito de valor é estranho ao tipo base do furto.

XXVI – Actualmente, mantém-se em vigor o valor da UC (Unidade de conta) vigente em 2019, conforme estabelece o artigo 210.º da Lei n.º 2/2020, de 31 de Março (Orçamento do Estado para 2020), publicada no Diário da República, 1.ª série, de 31-03-2020. Tal valor é de 102,00 €, que se tem mantido inalterado desde 20 de Abril de 2009, data da entrada em vigor do Regulamento das Custas Processuais.   

XXVII – Pretendendo-se com a punição do furto a tutela da propriedade, estando em causa bens com um determinado valor de mercado (e não se tendo aqui em conta o estimativo), a intensidade da agressão ao património variará de acordo com o valor objectivo dos bens de que o proprietário é desapossado, sendo diverso o grau de lesividade consoante esse valor e daí o legislador distinguir entre o valor diminuto, o elevado e o consideravelmente elevado - artigo 204.º, n.º 1, a), n.º 2, a) e n.º 4”.

XXVIII – No caso presente, a punição foi idêntica – 3 anos e 6 meses de prisão –, aplicando-se uma única pena para todos e cada um dos furtos qualificados cometidos pelo recorrente, independentemente da natureza e do valor dos bens apropriados.

XXIX – Sendo dez dos furtos consumados cometidos pelo recorrente qualificados pela alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º do Código Penal, nestes cinco casos com bens e valores compreendidos entre 800,00 € e 150,00 €, os furtos tiveram exactamente a mesma punição que nos outros cinco casos, em que foram apropriados bens e valores mais elevados, compreendidos entre 1. 220,00 € e 3.430,00 €, sempre fora do conceito de valor elevado.

XXX – Nos exemplos dados as diferenças de valor dos bens vão de 150 euros a 3.430 euros, sendo a punição exactamente a mesma em qualquer das situações, sem se ter em consideração a única variável, presente no plano quantitativo, atenta a omnipresença da mesma qualificativa, o que não deixa de ter um efeito expansionista na moldura penal ao nível do limite máximo, que poderá conduzir a naturais reflexos na confecção da pena conjunta. Nos três furtos qualificados tentados, com indefinição do valor patrimonial, mas ultrapassando o valor diminuto, foi aplicada a mesma pena.

XXXI – Apreciando a conduta global do recorrente, é evidente a estreita conexão entre todos os catorze crimes, com assalto a residências, executadas em conjunção, com DR por quatro ocasiões e nos restantes episódios com a intervenção de CT, atendendo a que se está perante um manifesto caso de pluriocasionalidade, sem qualquer assomo de tendência criminosa, sendo o presente conjunto ora apreciado a primeira incursão do recorrente em crime de furto. Na expressão do acórdão da primeira instância, “o recorrente N não tem “ficha” no domínio do furto”.

XXXII – O recorrente dedicou-se a esta actividade ora apreciada na sequência de encerramento de um café que explorava com a companheira por o proprietário do prédio pretender vender o edifício, no final de 2017, e por dívidas acumuladas com a exploração do mesmo. 

XXXIII – A medida concreta de uma pena aplicada a um arguido não se afere pela medida concreta da pena aplicada a outro arguido. A culpa é pessoal e intransmissível.

XXXIV – Concatenados todos os elementos disponíveis, há que indagar se a facticidade dada por provada no seu conjunto permite formular um juízo específico sobre a personalidade do recorrente que ultrapasse a avaliação que se manifesta pela própria natureza dos factos praticados, evidenciando-se alguma tendência radicada na personalidade, ou seja, que o ilícito global, seja produto de tendência criminosa, ou antes correspondendo no singular contexto ora apreciado, a um conjunto de factos praticados em determinado período temporal, restando a expressão de uma mera ocasionalidade procurada pelo arguido.

XXXV – A facticidade provada não permite, no presente caso, formular um juízo específico sobre a personalidade do recorrente que ultrapassa a avaliação que se manifesta pela própria natureza dos factos praticados, atenta a natureza e grau de gravidade das infracções por que responde, e muito embora não se mostrando provada personalidade por tendência, ou seja, que o ilícito global seja produto de tendência criminosa do arguido, certo é que a pluriocasionalidade foi procurada.

XXXVI – Por todo o exposto, tendo em conta a moldura penal cabível de três anos e seis meses a vinte e cinco anos de prisão, ponderando todos os elementos supra mencionados, tendo o acórdão recorrido feito uso de um factor de compressão de cerca de 1/3, entende-se justificar-se intervenção correctiva, fixando a pena conjunta em oito anos de prisão, que se considera como equilibrada e adequada, respeitando os critérios legais enunciados, está conforme com a necessidade de tutela do bem jurídico violado, mostra-se ajustada à culpa da recorrente pelo facto global praticado e responde às necessidades de prevenção especial, não afrontando os princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas – artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa – nem as regras da experiência, antes se mostrando adequada e proporcional à defesa do ordenamento jurídico, e não ultrapassa a medida da culpa do recorrente.

Decisão Texto Integral:
No âmbito do processo comum, com intervenção de Tribunal Colectivo, com o número 160/17.1GBLGS, do Juízo Central Criminal de … – Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de …, foram submetidos a julgamento os arguidos:

AA, natural da freguesia de …., …, nascido em 18-05-1978, agente …, detido em 23 de Maio de 2018 e sujeito a prisão preventiva a 25 de Maio de 2018, por despacho judicial de fls. 807, conforme FP 1.48, encontrando-se preso preventivamente, à ordem deste processo, no Estabelecimento Prisional …, para onde foi transferido definitivamente, conforme fls. 2563 do 8.º volume;

BB;

CC;

DD;

EE;

FF.



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Realizado o julgamento, ao longo de seis sessões, na última, em 28-02-2019, foi ditado para a acta despacho de alteração não substancial dos factos em relação a alguns deles, conforme a acta de fls. 2450 a 2453.

      

Por acórdão do Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal de … – Juiz 2, da Comarca de …, datado de 7 de Março de 2019, depositado em 11-03-2019, conforme declaração de depósito de fls. 2553, foram julgados parcialmente procedentes, a acusação e o pedido de indemnização civil, e, em consequência, foi deliberado:

1 – Condenar o arguido AA pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de:

1.1 – 10 (dez) crimes de furto qualificado dos artigos 203.º e 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, por cada um deles (dos NUIPC´s 160/17.1…, 423/17.6…, 256/17.0…, 25/18.0…, 30/18.6…, 45/18.4…, 240/18.6…, 84/18.5…, 112/18.4…, 6/18.3…);

1.2 – 1 (um) crime de furto qualificado dos artigos 203.º e 204.º, n.º 1, alínea f), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão (do NUIPC 306/17.0…);

1.3 – Pela prática, em co-autoria e na forma tentada, de 3 (três) crimes de furto qualificado dos artigos 203.º e 204.º, n.º 2, alínea e), e 22.º e 23.º do Código Penal, na pena, especialmente atenuada, de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, por cada um deles (dos NUIPC´s 6/18.3…, 84/18.5…, 40/18.3…);

1.4 – Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares foi fixada a pena única de 13 (treze) anos de prisão;

2 – Condenar o arguido BB pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de:

2.1 – 10 (dez) crimes de furto qualificado dos arts. 203º e 204º nº 2 - e) do Código Penal,  na pena de 3 (três) anos de prisão, por cada um deles (dos NUIPC´s 160/17.1…, 423/17.6…, 256/17.0…, 25/18.0…, 30/18.6…, 45/18.4…, 240/18.6…, 84/18.5…, 122/18.1…, 6/18.3…);

2.2 – 1 (um) crime de furto qualificado dos arts. 203º e 204º nº 1 - f) do Código Penal,  na pena de 1(um) ano e 6 (seis) meses de prisão (do NUIPC 306/17.0…);

2.3 – pela prática, em co-autoria e na forma tentada, de 3 (três) crimes de furto qualificado dos arts. 203º e 204º nº 2 - e) e 22 e 23º do Código Penal,  na pena, especialmente atenuada,  de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, por cada um deles (dos NUIPC´s 6/18.3…, 84/18.5…, 40/18.3…);

2.4 – Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares foi fixada a pena única de 10 (dez) anos de prisão;

3 – Condenar a arguida CC pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de:

3.1 – 5 (cinco) crimes de furto qualificado dos arts. 203º e 204º nº 2 - e) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão, por cada um deles (dos NUIPC´s 25/18.0…, 30/18.6…, 84/18.5…, 112/18.4…, 6/18.3…);

3.2 – pela prática, em co-autoria e na forma tentada,  de 2 (dois) crimes de furto qualificado, p. e p. e 204º nº 2 - e) e 22 e 23º do Código Penal,  na pena, especialmente atenuada,  de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, por cada um deles (dos NUIPC´s 6/18.3…, 40/18.3…);

3.3 – Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares foi fixada a pena única de 7 (sete) anos de prisão;

4 – Condenar DD pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de 1 (um) crime de furto qualificado dos arts. 203º e 204º nº 2 - e) do Código Penal,  na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa por igual período,  sob condição do pagamento da quantia de €1.220,00 (mil duzentos e vinte euros) a GG, a pagar no prazo de um ano após trânsito, e a deduzir do montante da indemnização civil (NUIPC 112/18.4…);

5 – Condenar EE pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de 1 (um) crime de furto qualificado dos arts. 203º e 204º nº 2 - e) do Código Penal,  na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa por igual período, e em regime de prova (NUIPC 122/18.1…);

6 – Condenar FF pela prática de 1 (um) crime de receptação do art. 231º, nº 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão, suspensa por igual período e sob condição do pagamento da quantia de € 1.000,00 (mil euros), a comprovar nos autos no mesmo prazo, à IPSS Casa da Nossa Senhora da Conceição, em …;

7 – Declarar extinto, por desistência, o procedimento criminal do NUIPC 52/18.1…;

8 – Absolver os arguidos dos restantes crimes por que vinham acusados;

9 – Manter a medida de coacção de prisão preventiva dos arguidos AA e BB e de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica da arguida CC, por se manterem inalterados os pressupostos que determinaram a respectiva aplicação a 25/5/2018, na sequência da sua detenção a 23/2/2015;

10 – Condenar os arguidos/demandados, AA, CC e DD, solidariamente, a pagarem ao demandante GG, a quantia de €3.054,36 (três mil e cinquenta e quatro euros e trinta e seis cêntimos), sendo €2.054,36 (dois mil e cinquenta e quatro euros e trinta e seis cêntimos) a título de indemnização por danos patrimoniais, e €1.000,00 (mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais.



***



Inconformados com o assim deliberado, recorreram para o Tribunal da Relação de Évora, os arguidos AA, BB, CC e DD.



***



Por acórdão do Tribunal da Relação de Évora, 1.ª Secção, de 24 de Setembro de 2019, constante de fls. 2513 a 2587, do 10.º volume, foi deliberado:

 

“a) Julgar parcialmente procedentes os recursos interpostos por AA, BB e CC e em consequência mantém-se o acórdão recorrido, quanto às penas parcelares aplicadas em relação a cada um dos crimes cometidos pelos arguidos e quanto às penas únicas, altera-se o acórdão recorrido e por isso, vão os arguidos condenados:

- AA na pena única de 11 (onze) anos de prisão.

- BB a pena única de 8 (oito) anos de prisão.

- CC na pena única de 6 (seis) anos de prisão.

b) Julgar o recurso interposto pelo arguido DD parcialmente procedente, quanto à alteração da redacção da alínea d) do NUIPC 112/18.4… – apenso P - que passa a ser a seguinte: “d. um fio de ouro de homem, no valor de 500,00 pertencente ao pai de GG” e em relação ao montante da condição da suspensão da pena.

No mais, mantém-se a condenação do arguido DD pela prática em co-autoria e na forma consumada, de (um) crime de furto qualificado dos arts. 203º e 204º nº 2 al. e)  na pena de 3 (três) anos de prisão suspensa por igual período, sob a condição de pagar a quantia de € 720,00 (setecentos e vinte euros) a GG, no prazo de um ano e a deduzir no montante do pedido cível.

c) Quanto ao recurso do pedido cível interposto pelo arguido DD rejeita-se o mesmo mas, pelas razões acima referidas, subtrai-se á quantia arbitrada ao demandante a quantia de € 500,00, equivalente ao valor do fio de ouro, pertencente ao pai do demandante.

Quanto ao mais, mantem-se o acórdão recorrido.

Custas cíveis por demandante e demandado na proporção do vencimento decaimento”.



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Inconformado com o deliberado, o arguido AA interpôs recurso para este Supremo Tribunal, a fls. 2597, apresentando a motivação de fls. 2599 a 2607, que remata com as seguintes conclusões (em transcrição integral, incluindo realces):


“Vem o presente Recurso interposto do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação da Évora, que condenou o arguido e aqui recorrente, e depois de operado o cúmulo jurídico das penas parcelares, na pena única de 11 (treze) anos de prisão;

A. O Recorrente vem pugnar que a pena única de 11 (onze) anos que lhe foi aplicada seja alterada e diminuída.

B. Veio o Tribunal da Relação de Évora no douto acórdão a fls. 73 referir e em apertada síntese que as penas únicas fixadas pelo Tribunal de 1.ª Instância algo excessivas e veio a aplicar como justas e adequadas as seguintes penas a aplicar aos arguidos;

- A AA (e aqui recorrente) a pena de 11 (onze) anos de prisão;

- A BB a pena de 8 (oito) anos de prisão.

- À arguida CC a pena de 6 (seis) anos de prisão.

C. Por outra banda, no douto Parecer emitido pelo Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto a fls (…) junto do Tribunal da Relação de Évora, é referido que “sou do entendimento de que o acórdão recorrido dever ser mantido, reduzindo-se embora a duração da pena de prisão aplicada ao arguido em cúmulo jurídico por ser excessivamente pesada, cumprindo-se assim o desígnio e a ratio processual que presidiu à criação do instituto da pena única de prisão em casos de concurso.”

D. Como sabemos a prevenção e culpa são critérios gerais a atender na fixação da medida concreta da pena, reflectindo a primeira a necessidade comunitária da punição do caso concreto, e constituindo a segunda, dirigida ao agente do crime, o limite às exigências de prevenção, e portanto e em consequência, o limite máximo da pena.

E. A medida da pena resultará da medida da necessidade da tutela dos bens jurídicos no caso concreto, ou seja, da tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada, conjugada pela necessidade de prevenção especial, constituindo a culpa o limite inultrapassável da pena.

F. Por outra banda, na escolha concreta da pena (no momento da sua determinação/fixação/individualização) o Juiz a Quo e havendo arguidos com situações processuais em todo semelhantes, deve dar cumprimento ao princípio constitucional da igualdade, o que neste caso parece não ter de todo acontecido, já que, perante dois arguidos com uma situação processual igual, quanto ao número de crimes em que em conjunto participaram, (inclusive o arguido BB acaba por ser condenado num maior numero de crimes que o aqui recorrente) acaba por um deles, o arguido BB vir a ser condenado numa pena de 8 anos, e o aqui recorrente, condenado numa pena de 11 anos.

G. Ora tal facto, e que resultou numa diferenciação ao nível da condenação por banda do arguido AA e do arguido BB, denota que a pena a aplicada ao arguido AA já é e só por si é excessiva, desproporcional, desnecessária e desadequada, e quando comparada com a pena aplicada ao arguido BB, torna-se ainda mais excessiva, desproporcional desnecessária e desadequada, sendo pois, assim, violadora do artigo 13.º e artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 40.º do Código Penal.

H. A presente alegação para que a pena concreta seja alterada e diminuída resulta de uma evidência, que incide sobre a concreta atuações dos 2 arguidos, AA e BB, nos factos que foram apreciados pelo Tribunal a Quo.

I. Pois se aproximarmos a nossa visão, atenção e cuidado na análise do grau de participação dos arguidos AA e BB é fácil de constatar que os níveis de participação, envolvimento e de comprometimento de cada um, com a prática delituosa, são os mesmos, não se justificando que a diferenciação das penas assente apenas naquilo que o acórdão da Relação de Evora menciona; “ ponderado em conjunto os factos, a sua relacionação com a personalidade dos arguidos, o grau de ilicitude dos factos e a sua culpa, o facto de serem primários, os arguidos CC e BB; circunstâncias de relevo tendo em conta a idade dos mesmos, respectivamente quarenta e dezoito anos, à data dos factos e as exigências de prevenção geral e especial, consideramos as penas únicas fixadas algo excessivas e como justas e adequadas, as seguintes penas aplicar aos arguidos;

- A AA (e aqui recorrente) a pena de 11 (onze) anos de prisão;

- A BB a pena de 8 (oito) anos de prisão.

- À arguida CC a pena de 6 (seis) anos de prisão.” Fim de citação .- fls. 73 do acórdão recorrido

J. Ora sendo a mesma a participação, envolvimento e respectivo grau de comprometimento de cada um dos arguidos AA e BB na prática delituosa, parece-nos que é evidente, que deveria haver uma menor diferenciação nas penas únicas concretas que foram aplicadas a cada um destes arguidos.

L. O arguido e aqui recorrente reconhece que o seu registo criminal acaba por o penalizar em relação ao arguido BB (que é primário), mas acresce e ao contrário do arguido BB, o aqui recorrente tem responsabilidades parentais que merecem ser atendidas e que não terão sido tidas em devida conta pelo Tribunal a Quo, aquando da determinação da medida da pena.

M. Por outro lado, de toda a prova carreada para o processo não se pode concluir que “ o arguido AA influenciou o arguido BB a dedicar-se a prática de furtos” já que em momento algum tal premissa foi corroborada ou provada.

N. Por isso, e salvo o devido respeito, não pode servir de base, o entendimento que perpassa o acórdão da Relação de Évora que as penas aplicadas ao arguido AA e ao arguido BB quando comparadas não serem excessivas, já que no entendimento do acórdão agora recorrido, terá sido que o aqui recorrente a influenciar o arguido BB a dedicar-se à prática de furtos, pelo facto de ser mais velho e do seu passado criminal. 

O. Ora, sopesada toda a prova produzida e analisada, tal conclusão sobre a influência exercida pelo arguido AA sobre o arguido BB, não se encontra estribada em qualquer prova carreada para os autos. (quer das declarações prestadas pelos arguidos em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, bem como, das declarações prestadas em sede de julgamento, e ainda de toda a abundante prova feita em julgamento.

P. Por estes motivos e por outros que V. Exas possam ainda indagar o arguido e aqui recorrente, entende, e salvo o devido respeito que é muito pelo acórdão recorrido, que a pena única fixada (11 anos) é ainda excessivamente pesada, e se comparada com o outro arguido, BB (8 anos), então tal excesso torna-se ainda mais gritante.

Q. Tal facto, a grande diferenciação no “quantum” das penas únicas aplicadas aos dois arguidos é, na perspectiva do aqui recorrente, violadora do artigo 13.º da CRP, o que se invoca para todos os efeitos legais por violação deste princípio constitucional.

R. Posto isto, pugna o aqui recorrente, que tudo analisado, ponderado e apreciado criticamente, por V. Exas que em sede de cúmulo jurídico deverá ser revista e diminuída a pena única a ser aplicada ao aqui recorrente, AA.

T) Posto isto, pugna o aqui recorrente, que tudo analisado, ponderado e apreciado criticamente, por V. Exas que deverá ser revista e diminuída a pena única a ser aplicada ao arguido e aqui recorrente

Decidindo na linha do exposto, farão V. Exas a costumada e esperada Justiça”.

  


***


O recurso foi admitido por despacho de fls. 2610.

***


O Exmo. Procurador - Geral Adjunto junto do Tribunal da Relação de Évora apresentou a resposta de fls. 2615/2616, nestes termos:  

 A – O arguido ora recorrente foi condenado em primeira instância a 13 anos de prisão, em pena aplicada em cúmulo jurídico de todas as penas dos crimes por si cometidos.

B – O acórdão ora recorrido reformulou a pena aplicada ao ora recorrente reduzindo-a para 11 anos de prisão.

C – O ora recorrente defende em síntese que a pena agora aplicada continua a ser excessivamente pesada, pugnando por uma redução da mesma.

D – Não tenho qualquer oposição de princípio a que tal pretensão seja satisfeita, mantendo o entendimento de que o instituto que criou a pena única de prisão em caso de concurso estabelece justamente que a ponderação sobre a pena razoável, a menor possível, como pretendia Beccaria, se impõe como questão central do direito penal.

Em Conclusão

Não tenho oposição a que o Acórdão recorrido possa ser alterado no sentido pretendido pelo recorrente. (Realce do texto).


***


A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal emitiu douto parecer, de fls. 2624 a 2627, nos termos que se transcrevem: 

«3. Do parecer

O arguido/recorrente alega, em síntese:

i) “serem os mesmos os níveis de participação, envolvimento e comprometimento  com a prática delituosa, do ora recorrente e do co-arguido BB, este último condenado na pena única de 8 anos de prisão, não se justificando a diferenciação de tal medida da pena”;

ii) reconhece que o registo criminal do recorrente “acaba por o penalizar em relação ao arguido BB (que é primário), mas ao contrário deste, o recorrente tem responsabilidades parentais que não terão sido  tidas em devida conta, por parte do tribunal a quo;

iii) não poder concluir-se que “o arguido AA influenciou o arguido BB a dedicar-se á prática de furtos”, já que em momento algum tal premissa foi corroborada ou provada”.

Relativamente à última alegação do recorrente, importará salientar a fundamentação aduzida a fls. 2582/2583 do acórdão:

“Da prova produzida nomeadamente das declarações do próprio e das do co-arguido AA resulta, como consta da decisão recorrida, que o arguido BB “é um jovem permeável a ser influenciado por más decisões, sem qualquer controle, ou apoio, parental ou familiar, factores que permitiram que abandonasse o trabalho e a vida em familiar, para ficar a pernoitar em casa do arguido AA, como ambos foi declarado, a troco de participar exclusivamente da prática de furtos (… )

Estando tal fundamentação estribada em valoração de prova produzida, a impugnação da mesma teria de ter ocorrido em sede de recurso que o recorrente interpôs para o TRE, estando fora do âmbito de cognição do Supremo Tribunal de Justiça a apreciação de impugnação de matéria de facto, não se vendo que o acórdão do TRE padeça de qualquer dos vícios de decisão elevados no nº 2 do art. 410º do CPP. 

Relativamente à segunda alegação do recorrente, salientar-se-á de novo a fundamentação aduzida a fls. 2581 do acórdão do TRE : “ a circunstância do arguido AA ter responsabilidades parentais […….] não atenua a responsabilidade do arguido, uma vez que devia ter pensado nos filhos e família antes de se dedicar à prática dos furtos, como forma de obter bens alheios, de forma fácil e sem grande esforço. Por outro lado, o arguido AA influenciou o arguido BB a dedicar-se à prática de furtos, e o seu passado criminal não se compara com o deste, que é primário e com a idade de dezoito anos, pelo que não lhe assiste razão a alegar que as penas que lhe foram aplicadas, quando comparadas com as do arguido BB são excessivas.”

Já no tocante à valoração dos antecedentes criminais do recorrente AA, descrita a fls. 2544 do acórdão do TRE, afigura-se ser ponderar que:

- por factos ocorridos em 2004, o arguido foi condenado pela prática  de crime de condução sem habilitação legal, em pena de multa, já declarada extinta;

- por factos ocorridos em 2005, foi condenado pelo prática de crime de corrupção ativa para ato ilícito, sendo condenado na pena de 1 ano de prisão, suspensa por igual período;

- por factos de 2009, foi condenado pela prática de crime de condução sem habilitação legal em pena de multa, já extinta.

- por factos ocorridos em 2015, foi condenado pela prática de crime de condução sem habilitação legal, em pena de multa, já declarada extinta,

- por factos de 2016 foi condenado pela prática de um crime de violação de domicílio ou perturbação da vida privada, na pena de multa de 100 dias à taxa diária de 6 euros.

Afigura-se ser de salientar que os factos delituosos ocorridos em 2004, 2005 e 2009, decorridos que estão mais de10 anos sobre a data da prática dos factos, foram sancionados com penas de multa, já declaradas extintas, assumindo maior gravidade a condenação pelo crime de corrupção, em pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução.

Por factos mais recentes, de 2015 e 2016, o ora recorrente foi condenado em duas penas de multa.

Os antecedentes criminais descritos mostram, a nosso ver, um nível de criminalidade de grau médio-baixo por parte do recorrente, tendo o mesmo sido condenado em quatro penas de multa e numa pena de um ano de prisão, suspensa na sua execução (pela prática de crime de corrupção), esta última por factos ocorridos em 2005, ou seja, há 15 anos.

Atento tal circunstancialismo e a consideração aduzida a fls. 2585 do acórdão do TRE de “crer-se que o conjunto dos factos não é reconduzível a uma tendência criminosa dos arguidos”, nos termos do art. 77 º do CP, tendo em consideração “a imagem global do facto”, afigura-se que a medida da pena única se deveria fixar em 10 anos de prisão».


***



Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrente silenciou.


***


Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos do disposto no artigo 411.º, n.º 5, do Código de Processo Penal. 

***


Como é jurisprudência assente e pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (neste sentido, Acórdão do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995, proferido no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no Diário da República, I Série – A, n.º 298, de 28 de Dezembro de 1995, e BMJ n.º 450, pág. 72, que no âmbito do sistema de revista alargada fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”, bem como o Acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 10/2005, de 20 de Outubro de 2005, publicado no Diário da República, Série I-A, de 7 de Dezembro de 2005, em cuja fundamentação se refere que a indagação dos vícios faz-se “no uso de um poder-dever, vinculadamente, de fundar uma decisão de direito numa escorreita matéria de facto”) e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do Código de Processo Penal – é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.

 

Como assinalava o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Junho de 1996, proferido no processo n.º 118/96, in BMJ n.º 458, pág. 98, as conclusões destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer das pessoais razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e devem conter, por isso, um resumo claro e preciso das razões do pedido, sendo estas que delimitam o âmbito do recurso.

As conclusões deverão conter apenas a enunciação concisa e clara dos fundamentos de facto e de direito das teses perfilhadas na motivação (assim, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1998, proferido no processo n.º 53/98-3.ª Secção, in BMJ n.º 475, pág. 502).

E como referia o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Março de 1998, processo n.º 1444/97, da 3.ª Secção, in BMJ n.º 475, págs. 480/8, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo de se pronunciar sobre questões de conhecimento oficioso; as conclusões servem para resumir a matéria tratada no texto da motivação.


***



Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir. 


***


 

Questão proposta a reapreciação

 

Tendo em vista as conclusões da motivação apresentada, onde o recorrente sintetiza as razões de discordância com o decidido, é a seguinte a questão a apreciar:


Questão Única – Determinação da medida da pena única – Conclusões A a T.

     


****



Apreciando. Fundamentação de facto.


Factos Provados


Foi dada como provada a seguinte matéria de facto, que é de ter-se por imodificável e definitivamente assente, já que da leitura do texto da decisão, por si só considerado, ou em conjugação com as regras de experiência comum, não emerge a ocorrência de qualquer vício decisório ou nulidade de conhecimento oficioso, mostrando-se a peça expurgada de insuficiências, erros de apreciação ou contradições que se revelem ostensivos, sendo o acervo fáctico adquirido suficiente para a decisão, coerente, sem contradição, congruente, harmonioso, e devidamente fundamentado.

Acresce que o ora acórdão recorrido não acolheu a pretensão de alteração de matéria de facto por que pugnou o recorrente no anterior recurso.


Nota – Vão em letra menor os factos que respeitem exclusivamente aos arguidos não recorrentes.


NUIPC 160/17.1…


1.1 De acordo com plano previamente gizado, no dia 17/09/2017, enquanto BB se manteve de vigia no exterior, AA subiu à janela traseira da residência sita na Rua … – …, n.º …, …, e introduziu-se na propriedade de HH, e dali retirou os seguintes bens no valor global de €3.430,00, que fizeram seus contra a vontade do legítimo proprietário:

a. Fio de ouro grosso e grande no valor de 250€;

b. Fio de ouro com bolas e pauzinhos no valor de 200€;

c. Fio de ouro normal no valor de 200€;

d. Fio de ouro com a Sagrada Família no valor de 150€;

e. Pulseira grande e grossa em ouro no valor de 400€;

f. Pulseira com bolas e pauzinhos em ouro no valor de 150€;

g. Pulseira com laços em ouro no valor de 150€;

h. Pulseira de malha trabalhada em ouro no valor de 200€;

i. Par de brincos com golfinhos em ouro no valor de 70€;

j. Anel grande em ouro no valor de 300€;

k. Anel com uma pedra preta em ouro no valor de 100€;

l. Anel as 7 escravas em ouro no valor de 120€;

m. Anel com uma pedra vermelha em ouro no valor de 100€;

n. Anel com uma estrala em ouro no valor de 120€;

o. Anel trabalhado em ouro no valor de 150€;

p. Aliança de homem em ouro no valor de 180€;

q. Anel de homem em ouro no valor de 200€;

r. Anel em prata com uma menina no valor de 70€;

s. Medalha meia libra em ouro no valor de 100€;

t. Medalha uma ferradura em ouro no valor de 70€;

u. Medalha em coração com a letra P em ouro no valor de 40€;

v. Medalha com peixes em ouro no valor de 60€;

w. Medalha em boneca com o nome Rita em ouro no valor de 50€;

x. uma pistola de defesa Pietro Beretta no valor de 120 euros.


NUIPC 423/17.6… – apenso F


1.2 - De acordo com plano previamente gizado, pelas 17h30min do dia 08/11/2017, AA e BB dirigiram-se à residência sita na Senhora …, na …, onde, enquanto BB se manteve de vigia no exterior, AA trepou à janela do quarto da residência, onde se introduziu vindo a retirar e fazer deles, contra a vontade da legítima proprietária, II, portátil da marca Sony, modelo Vaio, no valor de €399,20.


NUIPC 306/17.0… - apenso D


1.3 De acordo com plano previamente gizado, entre as 09h00min e as 14h30min do dia 15/11/2017, AA e BB, dirigiram-se à residência sita na Rua …, n.º…, em …, …, onde, enquanto BB se manteve de vigia no exterior, AA se introduziu na residência, através de uma porta lateral, e de lá retirou um fio em ouro amarelo, com o valor de €200,00, e uma pulseira em ouro, no valor de €150,00, bens no valor global de €350,00, contra a vontade da legítima proprietária, JJ.


NUIPC 256/17.0… – apenso B


1.4 Novamente, conforme plano conjunto previamente gizado, entre as 13h30min e as 20h40min do dia 29/11/2017, na altura em que decorria o funeral do marido da ofendida, AA e BB dirigiram-se à residência sita no …, …, … .

1.5 Ali chegados, enquanto BB se manteve de vigia no exterior, AA abriu a porta com instrumento não concretamente apurado, e introduziu-se naquela residência e de lá retirou os seguintes bens, no valor global de € 2.310,00, contra a vontade da legítima proprietária KK:

a. 1 fio e pulseira em ouro em bolinhas pequenas no valor de 200€;

b. 1 par de brincos (argolas) em ouro torcidas no valor de 80€;

c. 1 par de brincos (argolas) em ouro lisa no valor de 80€;

d. 2 pares de brincos em ouro feitos com corvina no valor de 50€;

e. 1 anel de ouro branco com pedra roxa no valor de 50€;

f. 1 anel de ouro com 3 escravas no valor de 100€;

g. 1 anel de ouro com um pequeno efeito em cima no valor de 100€;

h. 1 anel tipo aliança com pedrinhas no valor de 200€;

i. 1 anel de ouro com 2 relevos na parte superior no valor de 50€;

j. 3 pulseiras em ouro com inscrições de lembranças dos padrinhos no valor de 150€;

k. 1 par de argolas pequenas em ouro liso de menina no valor de 100€;

l. 1 fio de ouro curto com efeito torcido com uma bola no valor de 100€;

m. 1 fio e uma pulseira de ouro em corrente de homem com uma placa signo peixe no valor de 200€;

n. 1 anel de ouro com uma pedra vermelha rectangular no valor de 50€;

o. 1 anel de ouro liso e antigo, para homem no valor de 50€;

p. 1 anel de ouro de homem com a parte superior redonda lisa no valor de 50€;

q. 1 fio curto com uma bolinha no meio e um par de brincos iguais à bolinha do fio no valor de 150€;

r. 1 fio e uma pulseira em ouro iguais com argolas em forma oval no valor de 200€;

s. 1 fio em ouro antigo com uma chapinha com a letra C no valor de 100€;

t. 1 pulseira com argolas ovais a encaixar uma nas outra com o fecho largo em ouro no valor de 200€;

u. 1 par de brincos de ouro com pedras vermelhas e uns pêndulos no valor de 50€;         


NUIPC 25/18.0… - apenso C


1.6 De acordo com plano gizado por todos, entre as 11h e as 13h30min do dia 03/02/2018, AA, CC e BB, dirigiram-se à residência sita na Travessa …, no …, na altura em que decorria o funeral da tia do ofendido, que ali residira.

1.7 Chegados ao local, CC manteve a vigilância no interior do veículo …-…-TM e, enquanto BB se manteve de vigia no exterior, AA logrou ali introduzir-se através da porta principal da residência cuja fechadura quebrou, e de lá retirar, fazendo-os seus, os seguintes objectos, no valor global de €1.500,00, contra a vontade do legítimo proprietário, LL:

a. Dois fios de ouro amarelo;

b. Um medalhão de ouro trabalhado em forma de coração com uma fotografia;

c. Uma pulseira em ouro;

d. Uma aliança em ouro;

e. Um anel em ouro amarelo;

f. Um par de brincos em ouro;

g. Um broche em ouro com pérolas brancas;


NUIPC 30/18.6… - apenso E


1.8 Novamente, no âmbito de plano previamente gizado, entre as 13h50m e as 14h35m do dia 05/03/2018, CC, AA e BB dirigiram-se à residência sita no …, …,

1.9 Ali chegados, enquanto CC mantinha vigia a partir do interior do veículo …-…-TM, BB e AA lograram introduzir-se naquela residência, através da porta que abriram usando instrumento não concretamente apurado, e de lá retiraram contra a vontade da legítima proprietária MM, os seguintes bens,

- anel em ouro com mistura de ouro branco com pérolas brilhantes

- anel em ouro com algum brilho,

- anel em ouro muito fino com uma pérola ao meio,

- fio de prata em corrente com duas medalhas a de baixo branca e em cima em prata com descrição “mamã do meu coração” gravada,

- fio de cordão, fino (malha), com uma cruz com brilho,

- fio com cordão preto com cruz ao meio,

- brincos em triângulo com pedrinhas pretas brancas e transparentes,

- brincos com bolas brancas e em volta cor de ouro,

- fio com três fios juntos, com fecho de íman, preto, prateado, e dourado,

-anel de prata com ondas,   

no valor de €500,00, e numerário de diverso valor facial, no valor de €300,00.


NUIPC 6/18.3… - apenso A

 

1.10 De acordo com plano previamente gizado, pelas 15h48min do dia 05/03/2018, AA, BB e CC dirigiram-se à residência sita no lote …, da Rua …, Urbanização …, em … .

1.11 Ali chegados, enquanto CC mantinha vigilância a partir do interior do veículo …-…-TM, AA e BB introduziram-se no interior do jardim daquela, trepando ao muro da residência, na qual forçaram uma janela que abriram, em ordem a aceder ao seu interior, o que não lograram conseguir, pese embora no respectivo interior se encontrassem diversos bens cujo valor global era superior a €102,00.

1.12 Após, dirigiram-se ao veículo …-…-TM, estacionado junto da Escola EB1 com CC no lugar do condutor, e abandonaram o local.


NUIPC 52/18.1… - apenso G


1.13 De acordo com plano previamente gizado, entre as 13h e as 14h do dia 07/03/2018, AA, BB e CC dirigiram-se à residência sita na Cx. postal n.º…, …, na … .

1.14 Ali chegados CC manteve vigilância a partir do interior do veículo …-…-TM, BB manteve vigilância a cerca de 400m da sobredita residência, e AA trepou até à janela existente nas traseiras da habitação e abriu a persiana, que se encontrava fechada, logrando introduzir-se na mencionada residência, e de lá retirar €100,00 contra a vontade do legítimo proprietário NN.

[Neste caso foi declarado extinto, por desistência, o procedimento criminal como consta do ponto 7 do dispositivo].


NUIPC 84/18.5… - apenso H


1.15 De acordo com plano previamente gizado, pelas 17h10min do dia 16/04/2018, BB e AA, dirigiram-se à residência sita na Urbanização …, Lote …, …, em … .

1.16 Ali chegados, enquanto AA mantinha vigilância no exterior, BB subiu à varanda do primeiro andar da sobredita residência e, através de uso de objecto, logrou abrir a varanda e introduzir-se no quarto, onde, com recurso a um martelo, tentou abrir um cofre que ali se encontrava, sem o conseguir, vindo ambos a abandonar o local.

1.17 No interior do sobredito cofre encontravam-se diversos objectos em ouro e dinheiro, de valor superior a €102,00, dos quais os arguidos se pretendiam apropriar, o que só não conseguiram por motivos alheios à sua vontade.


NUIPC 45/18.4… – Apenso Q


1.18 De acordo com plano previamente gizado, pelas 12h11min do dia 17/04/2018, AA e BB dirigiram-se à residência sita na Rua …, lote …, … e, ali chegados, através da janela da sala da sobredita residência, acederam ao seu interior e de lá retiraram os seguintes bens, no valor global de €2.500,00, contra a vontade do legítimo proprietário OO:

a. medalha de Nossa Senhora de Fátima;

b. um anel em ouro com uma pedra rosa choque;

c. um anel em ouro com uma pedra rosa choque;

d. um anel em ouro com uma pedra azul;

e. um anel em ouro com pedras pequeninas;

f. um fio em ouro fininho e com duas bolinhas na ponta;

g. um fio em ouro com pedras pequeninas;

h. um par de argolas em ouro trabalhadas de um dos lados e lisas do outro;

i. dois pares de brinco em ouro, simples;

j. uma pulseira de argolas, em ouro;

k. um pulseira em ouro simples;


NUIPC 240/18.6… - Apenso K


1.19 De acordo com plano previamente gizado, pelas 12H41min do dia 18/04/2018, AA e BB dirigiram-se à residência sita na Rua …, lote …, …, …, e, ali chegados, enquanto BB permanecia de vigia no exterior, AA, socorrendo-se de um pé de cabra, logrou abrir a janela que dá acesso à sala de jantar da residência, e acedeu ao respectivo interior, de onde retirou um fio Swarovski e quatro brincos cor de prata, no valor global de € 150,00, contra a vontade do legítimo proprietário PP, que fizeram seus.

1.20 Após, o arguido AA, através de contacto telefónico estabelecido para o n.º 93…7, utilizado por FF, combinou encontro com este arguido, que veio a realizar-se pelas 16h do mesmo dia, junto ao shopping …, sito em … .

1.21 Ali chegados, o arguido AA entregou aqueles bens ao arguido FF, que, em troca, entregou ao arguido AA, dinheiro, em quantia não concretamente apurada.


NUIPC 84/18.5… – apenso J


1.22 De acordo com plano previamente gizado, pelas 11h35min do dia 02/05/2018, CC, AA e BB dirigiram-se à residência sita na Travessa …, lote …, …, … .

1.23 Aí chegados, enquanto CC manteve vigilância a partir do veículo …-…-TM, para garantir a possibilidade de fuga rápida dos arguidos, e BB se manteve de vigilância nas imediações da residência, AA, com objecto não identificado, logrou abrir a janela da sala e introduzir-se no interior daquela, de onde retirou € 350,00 em dinheiro, contra a vontade da legítima proprietária, QQ.


NUIPC 112/18.4… – apenso P


1.24 Conforme plano previamente gizado, na noite do dia 05/05/2018, CC, AA e DD dirigiram-se à residência sita na Rua …, Lote …, …, em … .

1.25 Tal residência havia sido indicada por DD, pois este conhecia os veículos dos donos da residência e de alguns familiares, motivo pelo qual, na circunstância, se manteve na rua, em vigilância, enquanto CC também vigiava as imediações da residência a partir do interior do veículo …-…-TM.

1.26 AA trepou o muro que dá acesso à residência e, após ter quebrado a fechadura da porta principal, acabou por se introduzir no local através da janela, acedendo por essa via ao respectivo interior, de onde, contra a vontade do legítimo proprietário GG, retirou um cartão de crédito e uma lata branca e cor de rosa, contendo os seguintes bens no valor global de €1.220,00:

a. uma aliança de casamento que se abre em dois entrelaçado, em ouro, com o nome gravado “…” e data 18-12-1982, no valor de €400,00;

b. uma aliança de namoro, em ouro no valor €50.00;

c. uma pulseira de criança em ouro, no valor de €150,00;

d. um fio de ouro de homem, no valor de €500,00;

e. um pêndulo “corno” no valor de €30,00;

f. uma pulseira em prata, com a inscrição “GG” no valor de €30,00;

g. uma peça de prata com a inscrição O+, no valor de €10,00 e um fio de prata no valor de €50,00.


NUIPC 122/18.1… – Apenso I


1.27 Conforme plano previamente gizado, no dia 17/05/2018, pelas 13h30min, EE e BB, dirigiram-se à residência sita na Rua …, lote …, …, … .

1.28 Ali chegados, enquanto EE manteve vigia a partir do exterior da residência, BBa galgou o muro daquele e subiu a uma janela cujo trinco quebrou com recurso a um pé de cabra que consigo transportava, logrando, por esta via, aceder ao respectivo interior de onde veio a retirar os seguintes bens no valor global de €4.593,97, contra a vontade da legítima proprietária RR:

a. Estojo (mala em pele com fecho codificado) com Clarinete Buffet Crampon Sib Prestige 18/6 Prat (€3600,00);

b. Boquilha clarinete (€87,00);

c. Abracadeira de clarinete (€135,00);

d. PS4 PRO Black com comando e jogo Fifa 18 (€349,99)

e. Comando PS4 DS4 (€62,99);

f. Jogo PS4 Call of Duty (€59,00)

g. Computador Portátil ASUS F551 MAV-B (€299,99). 


NUIPC 40/18.3… – Apenso N


1.29 De acordo com plano previamente gizado, no dia 22/05/2018, pelas 13h30min, CC, AA e BB, dirigiram-se à residência sita no Sítio …, …, …, … .

1.30 Ali chegados, enquanto CC manteve vigilância a partir do veículo …-…-TM em ordem a garantir a possibilidade de fuga rápida dos arguidos caso surgissem terceiros, e AA aguardou no exterior, BB subiu a uma janela que dava acesso à sala de jantar da residência e, por essa via, introduziu-se no local, de onde não retirou quaisquer bens, por motivos não concretamente apurados mas alheios à sua vontade, sendo que no interior da referida residência se encontravam bens de valor superior a €102,00.


NUIPC 6/18.3… – Apenso L


1.31 De acordo com plano previamente gizado, pelas 12h45min do dia 23/05/2018, CC, AA e BB dirigiram-se à residência sita na …, lote …, em …, onde residem SS e TT.

1.32 Ali chegados, novamente CC manteve vigilância a partir do veículo …-…-TM, AA, manteve vigia a partir da rua, nas proximidades da urbanização, enquanto BB trepou à janela que dá acesso à cozinha da residência, cujo fecho quebrou com recurso a objecto metálico que consigo transportava, logrando, por essa via, aceder ao respectivo interior, de onde retirou os seguintes bens, no valor global de € 435,00, e £ 60,00, contra a vontade dos legítimos proprietários:

a. Brincos no valor de €50,00,

b. Caixa para jóias no valor de €50,00,

c. Pequeno fio de prata no valor de 20,00,

d. Fio de prata com cruz no valor de €20,00,

e. Carteira cor-de-rosa no valor de 20,00,

f. Carteira castanha no valor de €5,00,

g. Pulseira da marca Tiffany no valor de 150,00,

h. Uma carteira de pele, de cor castanha, de marca ASPINAL OF LONDON, no valor de €120,00, contendo no seu interior:

- um Cartão Mastercard, do Banco Jonh Lewis em nome de SS,

- um cartão Essex County Council, emitido em nome de SS,

- um cartão Visa do Banco Santander, em nome de SS,

- um cartão Mastercard, do Banco Jonh Lewis em nome de TT,

- um cartão Mastercard do Banco M&S Bank em nome de TT,

- Um cartão Boots em nome de TT,

- Uma nota do Banco de Inglaterra de 10 libras,

i. Quatro notas de 10 libras do banco de Inglaterra, perfazendo o total de 40 Libras,

j. Um (1) envelope branco com quinze (15) notas de 20 Libras,

k. Uma pulseira banhada a ouro com a descrição (925 Italy milor) no valor de €200,00.

1.33 Os bens descritos nas alíneas h) a k), foram apreendidos aos arguidos BB, AA, CC, na mesma data, por se encontrarem na sua posse e disponibilidade.

1.34 Aos 26/04/2018, o arguido AA combinou com o arguido FF, através do contacto telefónico estabelecido para o número 93…7, encontrar-se com este no estabelecimento comercial “Avalia …”, sito na Rua …, …, em …, que o arguido FF explorava.

1.35 Pelas 14h30min, do mesmo dia, CC e AA deslocaram-se ao mencionado estabelecimento, onde apenas AA entrou, vindo a sair pouco depois e a informar BB, que haviam sido “oitenta paus”.

1.36 Aos 11/05/2018, o arguido AA contactou via telefónica o arguido FF, com quem combinou encontro para venda dos bens subtraídos no estabelecimento comercial “G…”, sito na Rua …, em …, para onde se deslocaram.

1.37 Ali chegados, apenas o arguido AA se deslocou ao interior da gelataria, onde se encontrava o arguido FF, com o qual trocou algumas palavras e com quem se deslocou a local mais reservado do estabelecimento,

1.38 Após, o arguido AA abandonou o local e ingressou no veículo …-…-TM onde o aguardavam os arguidos CC e BB.

1.39 Aos 24/05/2018, o arguido FF foi interceptado na posse de telemóvel em que se encontrava introduzido o cartão SIM correspondente ao número 93…7.

1.40 No período das datas supra indicadas CC, AA e CC utilizavam a subtracção de bens alheios como forma de sustento e enriquecimento pessoal.

1.41 Os arguidos AA, BB, CC, DD e EE tiveram sempre o propósito concretizado de se introduzir nas residências respectivamente supra referidas e de lá retirarem e apropriarem-se de todos os bens facilmente transaccionáveis que encontrassem, nomeadamente, objectos em metais preciosos e dinheiro, fazendo-os seus, contra a vontade dos legítimos proprietários, bem sabendo que agiam sem o consentimento daqueles.

1.42 Também, quanto aos factos descritos em 1.10 e 1.11, 1.15 a 1.17, 1.29. a 1.30 os arguidos tiveram sempre o propósito de se introduzir nas residências supra referidas e de se apropriarem de todos os bens facilmente transaccionáveis que encontrassem no interior, nomeadamente, objectos em ouro e dinheiro, contra a vontade dos legítimos proprietários, fazendo-os seus, o que, no entanto, não lograram conseguir, por razões alheias à sua vontade.

1.43 O arguido FF dedicava-se, entre o mais, à exploração de estabelecimentos comerciais de compra de metais preciosos, tendo conhecimento e domínio sobre os métodos de controlo para a transferência de metais preciosos.

1.44 O arguido FF bem sabia que, na situação a que se alude em 1.19 a 1.21 supra, comprava bens que não foram adquiridos de forma legítima, visando única e exclusivamente obter vantagem económica que sabia ser ilegítima.

1.45 O arguido FF agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo ser a respectiva conduta proibida e punida por lei penal.

1.46 Os arguidos AA, BB, DD, CC e EE agiram entre si, nas circunstâncias supra, de forma concertada, livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.


Do Pedido de indemnização civil


1.47 Além do valor dos bens a que se alude em 1.26 supra, a reparação dos danos causados na janela e porta a que se alude em 1.25 importou ao demandante em €834,36. 

1.48 O arguido AA foi detido a 23/5/2018, e sujeito a prisão preventiva a 25/5/2018, por despacho judicial de fls. 807.

1.49 O arguido BB foi detido a 23/5/2018, e sujeito a prisão preventiva a 25/5/2018, por despacho judicial de fls. 807.

1.50 A arguida CC foi detida a 23/5/2018, e por despacho judicial de fls. 807, a 25/5/2015 foi sujeita à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com controlo electrónico de vigilância.

1.51 O arguido DD foi detido a 23/5/2018, e por despacho judicial de fls. 807, a 25/5/2015, foi sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com controlo electrónico de vigilância, que findou a 3/9/2018, por despacho de fls. 1688, em cumprimento do acórdão do TRE a fls. 68 do Apenso de recurso - Q.

1.52 O arguido BB não tem antecedentes criminais,

1.53 A arguida CC não tem antecedentes criminais.

1.54 O arguido DD não tem antecedentes criminais.

1.55 O arguido FF não tem antecedentes criminais.

1.56 O arguido AA já foi condenado:

- no proc. sumaríssimo 89/04.3… do 1º juízo do Tribunal Judicial de …, por decisão de 5/4/2005, transitada a 5/4/2005, pela prática, a 22/8/2004, de um crime de condução sem habilitação legal,  na pena de 100 dias de multa à taxa diária de €4,00, já declarada extinta.

- no proc. comum colectivo 835/04.5… do 1º juízo criminal de …, por decisão de 19/2/2009, transitada a 15/11/2010, pela prática, a --/--/2005, de um crime de corrupção activa para acto ilícito, na pena de 1 ano de prisão, suspensa por igual período.

- no proc. sumário 514/09.7… do Tribunal de …, J3, por decisão de 4/1/2010, transitada a 4/1/2010, pela prática, a 16/12/2009, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de €5,00, já declarada extinta pelo pagamento.

- no proc. sumário 83/15.9… do Tribunal de …, J2, por decisão de 24/2/2015, transitada a 26/3/2015, pela prática, a 24/2/2015, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 160 dias de multa à taxa diária de €5,00, já declarada extinta pelo pagamento.

 - no proc. comum singular 969/16.3… do Tribunal de …, J1, por decisão de 7/2/2018, transitada a 9/3/2018, pela prática, a 11/10/2016, de um crime de violação do domicílio ou perturbação da vida privada, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de €6,00.

1.57 O arguido AA tem 40 anos, à data dos factos coabitava com a companheira e uma filha comum de casal, com 6 anos de idade e a filha da companheira, com 16 anos de idade, num apartamento arrendado encontrando-se ambos desempregados, com subsídio de desemprego, abono das filhas e um prémio mensal, proveniente de um jogo. Natural de …, o seu processo educativo decorreu inserido num grupo familiar reconstituído e numeroso, destacando a transmissão de valores com alguma rigidez normativa. O pai, antigo militar …, ficou com deficiência física, trabalhou em biscates e a mãe teve trabalhos diversos, sendo avaliada como pouco desafogada a situação financeira da família. AA enquanto criança teve um diagnóstico de …, efetuou tratamento médico especializado que veio a descontinuar em jovem, por vontade própria. Pouco motivado para estudar, completou o 6º ano de escolaridade e saíu do ensino aos 15 anos, após situações de retenção. Começou por aproveitar os trabalhos sazonais na indústria hoteleira. Veio a interessar-se por assuntos associados à morte, privando com um patologista, seguindo-se a sua integração laboral como agente …, atividade que manteve cerca de 3 anos de forma descontínua; aos 26 anos prestava serviços para várias agências naquele ramo. Foi no âmbito deste contexto laboral que teve o primeiro envolvimento com o sistema judicial penal, acusado em co-autoria de um crime de corrupção ativa, no Proc. Nº 835/04.5…, do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de …, tendo sido condenado em pena de prisão suspensa. Na esfera pessoal destacou três relacionamentos afetivos: casou pela primeira vez aos 18 anos, divorciou-se em menos de um ano. Aos 20 anos teve outro relacionamento marital que durou cerca de 7 anos, do qual nasceram os dois filhos mais velhos de 17 anos e 14 anos de idade que vivem a cargo da mãe, em …, tendo sido mantida a relação de proximidade. Com a co-arguida CC iniciou um relacionamento com coabitação há cerca de 8 anos: viveram inicialmente no distrito de …, onde ambos trabalhavam tendo mudado para … há 4 anos reaproximando-se às suas referências familiares. Sem atividades organizadas nos tempos livres, centra os seus convívios com a família e amigos. AA retomou os contactos em … com algumas agências …, a quem prestava serviços ocasionais, ao mesmo tempo que procurava trabalho. A companheira, foi funcionária numa sapataria e após a transferência para …, ficou desempregada, integrando os trabalhos indicados pelo Centro de Emprego Local. No primeiro semestre de 2017 o arguido começou a explorar um café em … com o apoio da companheira. Neste local conheceu parte dos co-arguidos enquanto ali se deslocavam como clientes. Viria a encerrar o café no final de 2017, uma vez que o proprietário pretendia vender aquele espaço. Alegadamente com o encerramento desta atividade AA ficou com algumas dívidas face a compromissos que já tinha. É neste contexto de alguma desorganização económica que tende a posicionar-se nos factos , não se revendo na totalidade das acusações que lhe são atribuídos. Preso preventivamente desde 23-05-2018, apresenta reduzido sentido crítico, tendendo a atribuir a terceiros o seu envolvimento neste processo. Manifesta preocupação pelas repercussões na família, que tem vindo a censurar estas condutas, sendo de momento incapaz de perspectivar o futuro. Com a companheira, CC, o relacionamento conjugal apresentava indicadores de desgaste e tensão, com discussões frequentes, não valorizadas pelo sujeito. No presente a companheira cumpre a medida de coação em OPHVE em casa da mãe, no …, preserva contactos telefónicos regulares com AA. O par mantém uma preocupação acrescida com a filha mais nova, evitando que esta tenha conhecimento deste processo. Em meio familiar são atribuídos ao arguido hábitos de jogo, tendendo assim a desvalorizar e justificar eventuais fragilidades e comportamentos ilícitos do mesmo. Observa-se uma postura protecionista e desculpabilizadora por parte da mãe do arguido ….

1.58 A arguida CC tem 40 anos, e integra, desde que está em OPHVE, o agregado da progenitora, constituído pelo irmão mais velho e as suas duas filhas, beneficiando no seio do mesmo de um enquadramento familiar estável e normativo, onde sobressai a existência de afectividade e sentimentos de entre-ajuda. A situação socio-económica do núcleo familiar é equilibrada, encontrando-se a subsistência da arguida e das filhas a ser assegurada com os rendimentos provenientes da pensão de reforma da mãe e do salário do irmão que é empresário. À data dos factos, CC vivia maritalmente com o pai da sua filha mais nova, co-arguido no processo, numa habitação arrendada em …, onde residia também a sua filha mais velha, fruto de um relacionamento anterior. O casal iniciou o relacionamento em 2010, tendo residido cerca de 2 anos na zona do … até terem alterado a sua residência para … por motivos de ordem laboral. Na sua trajectória não se identificaram comportamentos disruptivos, tendo CC o 8º ano de escolaridade, abandonando a escola aos 16 anos de idade, por iniciativa própria. Em termos profissionais, há a referir 20 anos de trabalho numa sapataria em … e 3 anos em …, numa sapataria pertencente à mesma entidade patronal, onde se manteve até esta última loja fechar, tendo, nessa altura, negociado uma indemnização. Posteriormente, celebrou um contrato de 1 ano com a Câmara Municipal de …, tendo desempenhado funções de assistente operacional numa escola da zona. Em Março/Abril de 2017, CC e o companheiro (co-arguido) assumiram a exploração de um café em …, que fechou em Fevereiro de 2018, por o proprietário ter vendido o estabelecimento, tendo ambos ficado inativos. Contudo, a situação económica do agregado, foi descrita pela arguida como equilibrada, uma vez que ambos tinham subsídio de desemprego, que complementavam com 625 euros mensais a que tinham direito, por terem ganho um prémio no jogo de sorte da raspadinha e ainda os abonos das menores. A estruturação do seu quotidiano passava essencialmente por cuidar das filhas e da casa, mantendo também um convívio com o co-arguido BB, que conheceu como cliente do café e que por intermédio do seu companheiro passou a ser presença assídua no agregado, aspecto gerador de discussões entre o casal. CC apresentou-se como uma pessoa com hábitos e competências laborais, que manifesta capacidade de organização e com boas capacidades ao nível da comunicação. A arguida aparenta ter interiorizado valores e normas sociais, não se revendo num estilo de vida marginal, ainda que seja perceptível uma auto-estima diminuída e permeabilidade à influência do companheiro. A família tem-lhe prestado suporte psico-emocional e financeiro, encontrando-se mobilizada para apoiá-la uma vez que este acontecimento constituiu uma enorme surpresa para ambos na sequência de nunca terem tido conhecimento de comportamentos disruptivos por parte de CC. Em termos de projectos futuros, pretende manter-se a residir no agregado materno referindo ter perspectivas de trabalho num lar de idosos.

1.59 O arguido BB tem 19 anos, é o mais novo dos três filhos do casal progenitor. Tem cinco irmãos uterinos mais velhos, com idades atualmente compreendidas entre os 27 e os 38 anos de idade e um mais novo, com 12 anos de idade. Tem também dois irmãos consanguíneos com quem não estabeleceu qualquer relacionamento. A separação dos progenitores ocorreu quando o arguido tinha cerca de dois anos de idade e, desde essa altura, o arguido ficou aos cuidados da progenitora não tendo mantido contactos com o pai, referindo não ter qualquer recordação relativamente a este. Quando tinha cerca de treze anos de idade, a progenitora estabeleceu o relacionamento de união de facto com o atual companheiro, com quem BB estabeleceu um relacionamento próximo. O seu processo de desenvolvimento decorreu no seio de uma família de baixo estrato socioeconómico e cultural, mas organizada e que possibilitou a aquisição por parte do arguido de regras e normas socialmente ajustadas. O seu processo educativo ficou sobretudo a cargo da progenitora. Iniciou a frequência escolar em idade normativa, tendo concluído o 9º ano de escolaridade. Posteriormente iniciou um Curso de Cozinha que lhe daria equivalência ao 12º ano de escolaridade, do qual desistiu por, segundo refere, não ter gostado do curso (refere que, na altura, pretendia frequentar um curso de Restauração e Bar, mas como este não foi ministrado nas escolas da área de residência, ingressou no de cozinha). Simultaneamente, o arguido praticava ténis de mesa de forma estruturada, como atleta do “Sport …”, situação que se manteve até cerca dos 15 anos de idade. Após o abandono escolar, BB iniciou o seu percurso laboral, tendo trabalhado, durante cerca de um ano, num estabelecimento hoteleiro, como vigilante … . O arguido não apresenta anteriores contactos com o Sistema de Justiça e não existem indicadores de problemática aditiva. Anteriormente à prisão, o arguido integrava o agregado familiar da progenitora, composto por esta (55 anos), o padrasto (47 anos) e dois irmãos, R…(25 anos) e T…(12 anos). Os elementos adultos do agregado são laboralmente ativos (a mãe trabalha como … na Santa Casa da Misericórdia, o padrasto na construção civil e o irmão num …) e o irmão mais novo do arguido é estudante. A família habita um apartamento composto por quatro quartos, sala, cozinha e duas casas de banho, descrita como apresentando um mínimo de condições de habitabilidade e é referida uma situação económica equilibrada que permite assegurar a satisfação das necessidades básicas. À data, o arguido mantinha um relacionamento de namoro estável com uma jovem com quem habitualmente passava grande parte dos seus tempos livres que, na altura, padecia de doença do …, com necessidade de intervenção cirúrgica e tratamentos onerosos, situação que aparentemente teve um forte impacto no arguido. De referir que a jovem acabou por falecer vítima da doença já depois da prisão do arguido, situação que lhe causou sofrimento. Anteriormente à prisão, BB encontrava-se desempregado, mas estava prevista a sua inserção laboral, como repositor, em horário parcial e noturno. A progenitora descreve o arguido como um jovem afetuoso e com comportamento adequado no seio familiar e vicinal, referindo que o seu comportamento se alterou a partir da altura em que passou a frequentar um café então explorado por dois dos coarguidos, com quem estabeleceu um relacionamento de proximidade, chegando a pernoitar em casa destes. O arguido está preso preventivamente desde 25/05/2018 à ordem do presente processo. Encontra-se no Estabelecimento Prisional de … desde 15/06/2018. Da sua ficha biográfica consta ainda, como pendente, o processo n.º 561/15.0…, no qual está indiciado pela prática de crime de roubo, BB está a frequentar um Curso de Nível Secundário de … que o habilitará com o 12º ano de escolaridade. Inicialmente frequentou o programa “Grupo de Entrados” que se destina à estabilização comportamental e, a nível ocupacional participa nas atividades do Grupo de Voluntários “os Samaritanos”, de cariz religioso. A nível comportamental apresenta um percurso interno tendencialmente de acordo com as normas da instituição, apresentando registo de uma infração datada de 16/09/2018 ainda em fase de averiguações. O arguido tem recebido visitas semanais dos seus familiares, nomeadamente da progenitora e irmãos. A progenitora do arguido, não obstante apresentar uma atitude crítica relativamente ao comportamento do arguido, manifesta disponibilidade para o apoiar quer na presente situação, quer em caso de libertação. BB manifesta apreensão com o desfecho do presente processo, e em termos abstratos, revela capacidade de entendimento e juízo crítico sobre factos de natureza idêntica aos que lhe deram origem, reconhecendo a sua ilicitude e gravidade. A atual situação jurídico-penal não teve impacto negativo na situação familiar do jovem que mantém o apoio dos elementos da sua família de origem.

1.60 O arguido DD tem 42 anos à data dos factos vivia com a companheira e os descendentes que integram o grupo familiar, residiam em casa arrendada em … . DD trabalhava há 3 anos na … (empresa controlo de pragas) e a companheira trabalhava em hotelaria: a situação económica ainda que fosse estável exigia uma rigorosa gestão dos recursos face aos encargos do casal. O arguido era frequentador do café que dois dos coarguidos, AA e a companheira CC, exploravam, tendo igualmente angariado os mesmos como cliente da empresa … . Terá sido num contexto de má avaliação desorganização pessoal e financeira que o arguido veio a envolver-se no atual processo. Natural de …, DD é o mais novo de dois irmãos. Com a separação dos pais na sua infância, ficou a cargo da mãe, mantendo contactos com o pai. Na adolescência numa altura de reduzida motivação pelos estudos, mudou-se para … integrando o núcleo familiar paterno e começando a trabalhar em eletricidade com o progenitor. Voltou a fazer a sua vida profissional e pessoal no … onde se mantém até ao presente. Concluiu o 9º ano de escolaridade na idade própria, numa altura em que já começara a trabalhar. Já adulto retomou os estudos à noite, no regime de unidades capitalizáveis, no entanto não conseguiu completar o ensino secundário por dificuldades em conciliar com o horário laboral. Entre as suas experiências destacou o trabalho em eletricidade, a … hoteleira, jardinagem, manutenção de campos de golf. À data da sua detenção o arguido encontrava-se laboralmente ativo, na empresa já mencionada … . Constituiu agregado familiar com 24 anos, relacionamento afetivo que durou 12 anos, viria a divorciar-se. Tem dois filhos rapazes nascidos desta relação: um de 13 anos e outro com 8 anos idade, estão a cargo da mãe e são preservados os contactos e apoio aos filhos, recebe-os quinzenalmente aos fins-de-semana. Reconstituiu agregado familiar há cerca de 4 anos com K. R., segunda relação marital de ambos, avaliada como importante na estabilidade emocional do sujeito. O casal tem um filho em comum, um rapaz com mais de 1 ano. K. partilha a guarda da filha, B., que semanalmente fica em casa de cada um dos progenitores O casal valoriza a vinculação afetiva entre os elementos da fratria. O casal tem vivido em casa arrendada, o imóvel está a ser vendido, o que implica que tenham localizar alternativas a curto prazo. DD centra os tempos livres no convívio com a família, em contexto residencial. São- lhe atribuídas pela companheira boas competências no exercício parental. Perante o atual envolvimento judicial, tido como uma ocorrência inédita no percurso pessoal do sujeito, é vivenciado com sentido de autocrítica e censurabilidade pelo próprio e pelos familiares próximos. Em meio residencial existe conhecimento do sucedido, inexistindo conhecimento de hostilidade ostensiva face ao arguido. Este processo tem tido impacto na vida familiar, obrigando a reajustes à dinâmica entre os seus elementos, conforme foram sendo alteradas as medidas de coação aplicadas a DD: de prisão preventiva (em 25-05-2018), para Obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica entre 08-06-2018 e 03-09-2018, permitindo no presente que DD tenha retomado atividade laboral desde 16-10-2018 como … numa empresa de reboques: Reboques – …,. Lda.

1.61 A arguida EE tem 20 anos, à data dos factos como no presente, apresenta-se com um frágil suporte sócio-familiar.  há cerca de 3 anos que se mantém afastada da família de origem, procurando bastar-se sozinha.  por decisão própria desistiu da escola e saiu da casa da tia com quem vivia desde os 12 anos. Esta iniciativa foi coincidente com a relação de namoro com D D, filho do co-arguido no processo AA, em casa de quem viveu algum tempo. Atualmente vive com uma amiga na casa dos pais desta, em …, colaborando nas despesas comuns dentro das suas possibilidades. Não sabe a morada exata, referindo-se a esta situação habitacional como transitória. A morada constante dos autos é a casa da avó paterna, com que pouco se relaciona, usa-a para fins oficiais de receção de correspondência. Atualmente trabalha desde outubro/2018 como … num posto de abastecimento de combustível, com contrato por um ano. Aufere um vencimento aprox. de 600€, ao que é descontada penhora de dívida de 200€. EE foi fruto de um relacionamento circunstancial dos seus progenitores, com quem não viveu, sendo logo na altura em que nasceu entregue formalmente à guarda da avó materna, que assumiu os seus cuidados até aos 12 anos. A mãe era toxicodependente e afastou-se geograficamente. Com o pai e respetiva família de origem pouco se relacionou. Aos 12 anos a situação familiar da arguida sofreu um revés importante, associado à morte súbita da avó, vítima de AVC. A guarda da jovem foi então assumida por uma tia materna que se encontrava emigrada em …, conduzindo a que EE se tivesse mantido nesse país até aos 15 anos, quando se deu o regresso da tia para Portugal, continuando a assumir os seus cuidados. Terá frequentado a escola regularmente, quer em Portugal, quer em …, mas depois de regressar, numa altura em que frequentava o 11º ano, acabou por desistir, ao mesmo tempo que saiu de casa da tia e foi viver com o namorado. Do processo de desenvolvimento é relatada pela própria sintomatologia de hiperactividade desde idade precoce, que terão motivado os familiares a pedir ajuda especializada, tendo chegado a ser medicada, mas deixou há bastante tempo. Reconhece que mantém características de instabilidade comportamental, agitação e ansiedade, que nunca se predispôs a pedir ajuda terapêutica, mas que vai aliviando através da ingestão de substâncias como o tabaco ou o cannabis. Aparentemente toma a iniciativa e é proativa quanto ao trabalho, já tendo passado por experiências diversas, entre serviços de restauração, rececionista de um … e o atual trabalho de balcão. Embora muito empenhada em assegurar a sua própria independência, sobressaem indicadores de imaturidade e resolução atabalhoada de problemas e conflitos, colocando-se em situações de risco, como é o caso do processo em apreço. EE reconhece o carater negativo e o dano causado, embora tenda a desresponsabilizar-se pela situação de dificuldades que enfrentava na altura e a permeabilidade à influência de terceiros. Vivencia a situação com elevada ansiedade, pouco partilhando o seu problema com quem a possa ajudar, designadamente a tia, com quem pouco fala. A sua rede relacional cinge-se ao grupo de amigos, num registo de relações superficiais de partilha de atividades de lazer e diversão.

1.62 O arguido FF tem 49 anos, é natural de …, viveu na zona de …, era o mais velho de dois irmãos. Integrou um grupo familiar descrito como equilibrado e com suficientes recursos económicos provenientes da actividade empresarial do pai na … . Aos 13 anos com a morte acidental da mãe e do irmão mais novo, a dinâmica familiar alterou-se, reorganizando-se com o apoio da família alargada. Desmotivou-se pelos estudos que retomou mais tarde concluindo o 10º ano, numa fase em que já iniciara atividade laboral. Concluiu o curso de turismo na Escola Hoteleira … em 1996/97 e durante vários anos exerceu atividade como guia … . Casou aos 28 anos de idade, o relacionamento afetivo que mantém bem como as funções parentais, são valorizadas por si para o seu equilíbrio emocional. É pai de um jovem de 19 anos, estudante … . Centra seus interesses nos tempos livres junto do grupo familiar, apreciando viajar e ter alguma atividade desportiva, não estruturada. Reside desde 2004 com a família no …, no concelho de …, onde procurou investir trabalhando por conta própria inicialmente numa … e comércio de … . A crise económica sentida há cerca de 10 anos, obrigou-o a procurar reajustar-se às características e necessidade do mercado local, tendo mudado para gelatarias (em …), atividade exercida pela esposa, dedicando-se FF entretanto à compra e venda de ouro. Foi no contexto da sua permanência na cidade de …, onde tem uma loja, que conheceu o arguido AA. Face ao atual envolvimento judicial, tido em autorrelato como sendo uma ocorrência inédita no seu percurso vivencial, expressa-se em abstrato com noção do ilícito em causa. A sujeição a julgamento, tem suscitado apreensão no arguido. Sente que haverá algum impacto na sua atividade profissional, ponderando a médio prazo suspender este tido de atividade.

 


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Apreciando. Fundamentação de direito.

  

Questão única – Determinação da medida da pena única – Redução?


Como decorre do exposto nas conclusões A a T, o recorrente insurge-se contra a dimensão da pena única aplicada, fazendo comparação com a pena aplicada ao co-arguido BB, insurgindo-se contra a grande diferenciação no quantum da pena, sendo a situação processual de um e outro igual quanto ao número de crimes em que em conjunto participaram, o que considera violador do princípio constitucional da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, pugnando por que, sendo consideradas as suas responsabilidades parentais, seja revista e diminuída a pena única que lhe venha a ser aplicada.

O acórdão da Relação de Évora, não acolhendo a impugnação da matéria de facto aduzida nos recursos dos arguidos AA, CC e DD, confirmou a matéria de facto dada por provada, bem como a qualificação jurídica dos catorze crimes de furto qualificado, sendo três, na forma tentada, e as penas parcelares, verificando-se assim dupla conforme total nestas matérias. No que tange à medida da pena única, a pena de 13 anos de prisão aplicada na 1.ª instância, foi reduzida para 11 anos de prisão, ocorrendo dupla conforme in mellius.

Na sequência, as penas parcelares transitaram em julgado, sendo definitivas, do que resulta que a moldura penal do concurso é de 3 anos e 6 meses a 25 anos de prisão, pois que a soma material atinge os 42 anos.



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Estabelece, quanto a regras de punição do concurso de crimes, o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que operou a terceira alteração ao Código Penal, em vigor desde 1 de Outubro de 1995 (e inalterado pelas subsequentes quarenta e três modificações legislativas, operadas, nomeadamente, e mais recentemente, pelas Leis n.º 59/2007, de 4 de Setembro; n.º 61/2008, de 31 de Outubro; n.º 32/2010, de 2 de Setembro; n.º 40/2010, de 3 de Setembro; n.º 4/2011, de 16 de Fevereiro; n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro, Diário da República, 1.ª série, n.º 37, (29.ª alteração); n.º 60/2013, de 23 de Agosto, Diário da República, 1.ª série, n.º 162 (30.ª alteração), altera artigos 11.º e 160.º, rectificada na Declaração de Rectificação n.º 39/2013, in Diário da República, 1.ª série, n.º 192, de 4 de Outubro de 2013; Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto, Diário da República, 1.ª série, n.º 150 (31.ª alteração), altera artigo 316.º; Leis n.º 59/2014, de 26 de Agosto, Diário da República, 1.ª série, n.º 163 (32.ª alteração), altera artigo 132.º; n.º 69/2014, de 29 de Agosto, Diário da República, 1.ª série, n.º 166 (33.ª alteração), adita crimes contra animais de companhia; n.º 82/2014, de 30 de Dezembro, Diário da República, 1.ª série, n.º 251 (34.ª alteração), adita artigo 69.º-A; Lei Orgânica n.º 1/2015, de 8 de Janeiro; Leis n.º 30/2015, de 22 de Abril, Diário da República, 1.ª série, n.º 78 (35.ª alteração), rectificada na Declaração de Rectificação n.º 22/2015, in Diário da República, 1.ª série, n.º 100, de 25 de Maio de 2015; n.º 81/2015, de 3 de Agosto; n.º 83/2015, de 5 de Agosto; n.º 103/2015, de 24 de Agosto; n.º 110/2015, de 26 de Agosto (40.ª alteração); n.º 39/2016, de 19 de Dezembro; n.º 8/2017, de 3 de Março; n.º 30/2017, de 30 de Maio (43.ª alteração) - altera artigos 109.º a 112.º,127.º e 130.º; n.º 83/2017, de 18 de Agosto, alterando pelo artigo 186.º a redacção do artigo 368.º - A, sem menção de n.º de alteração, n.º 94/2017, de 23 de Agosto (44.ª alteração), n.º 16/2018, de 27 de Março, Diário da República, 1.ª série, n.º 61, (45.ª alteração), altera artigo 132.º,  e n.º 44/2018, de 9 de Agosto de 2018, Diário da República, 1.ª série, n.º 153, altera artigos 152.º, n.º 2 e 197.º]:

“Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

E nos termos do n.º 2, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

Segundo o n.º 3 “Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores”.

Estabelece o n.º 4: As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis.

      

Resulta do disposto no artigo 77.º, n.º 2, que no caso presente, como já dito, a moldura penal do concurso se situa entre o mínimo de 3 anos e 6 meses e o máximo de 25 anos de prisão.


O sistema jurídico-penal português consagrou o sistema de pena conjunta para o concurso de crimes, verificados que sejam os pressupostos do artigo 77.º (conhecimento imediato, directo, em simultâneo, em sede de julgamento, emergente de concurso real e efectivo de factos coevos, obviamente, não objecto de julgamento anterior, constantes de uma acusação que definiu e engloba o acervo fáctico proposto a julgamento), ou do artigo 78.º do Código Penal (conhecimento superveniente de factos coevos daqueles, já objecto de julgamento, com decisão transitada em julgado e com penas definitivas).


Conforme refere José de Faria Costa, in Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 3945, a págs. 326/327: “Seria redundante dizer-se que se prefere o sistema do cúmulo jurídico ao do material porque este último se revela de difícil exequibilidade, pois obrigaria o condenado ao cumprimento sucessivo das diferentes penas a que se chegou em cada uma das condenações. No entanto, embora esta razão seja inteiramente válida, aqueloutra pela qual o sistema do cúmulo jurídico se apresenta de maior justeza reside no facto de, com ele, se evitar que os factos penais ilícitos, após a aplicação das respectivas penas, ganhem uma gravidade exponencial porque vistos isoladamente ou compartimentados uns dos outros. Gravidade essa que, obviamente, se reflectirá, em um primeiro momento, em uma culpa igual ou proporcionalmente grave e, em momento posterior, em pena de igual dosimetria à culpa. Isto é, a culpa reportada a cada facto ganha (...) um efeito multiplicador. Como consequência do que se acabou de dizer, sendo a culpa relativa a cada facto ilícito-típico, tal redundará na ultrapassagem do limite da culpa (...) podemos concluir que só o sistema do cúmulo jurídico é susceptível de ser dogmaticamente justificável porque é através dele que obtemos a imagem global dos factos praticados e, bem assim, do seu igual desvalor global. Apenas efectuando (...) um exame dos factos em conjunto podemos perscrutar a ligação que os factos ilícitos isolados mantêm uns com os outros. Só através do cúmulo jurídico é possível, enfim, proceder à avaliação da personalidade do agente e, dessa maneira, perceber se se trata de alguém com tendências criminosas, ou se, ao invés, o agente está a viver uma conjuntura criminosa cuja razão de ser não radica na sua personalidade, mas antes em factores exógenos. (...) através do sistema do cúmulo jurídico a culpa é adequadamente valorada e, em consequência, a pena encontrada é, inquestionavelmente, mais justa”.



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A medida da pena unitária a atribuir em sede de cúmulo jurídico reveste-se de uma especificidade própria.

Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal, mais ampla, abrangente, com maior latitude da atribuída a cada um dos crimes.

Por outro, tem lugar, porque se trata de uma nova pena, final, de síntese, correspondente a um novo ilícito e a uma nova culpa (agora culpa pelos factos em relação), uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do artigo 71.º do Código Penal.

Constitui posição sedimentada e segura neste Supremo Tribunal de Justiça a de nestes casos estarmos perante uma especial necessidade de fundamentação, na decorrência do que dispõem o artigo 71.º, n.º 3, do Código Penal, e os artigos 97.º, n.º 5 e 375.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, em aplicação do comando constitucional ínsito no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, onde se proclama que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.

Como estabelece o artigo 71.º, n.º 3, do Código Penal “Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”, decorrendo, por seu turno, do artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão, e do disposto no artigo 375.º, n.º 1, do mesmo Código, que a sentença condenatória deve especificar os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.

Maia Gonçalves, in Código Penal Português Anotado e Comentado, 15.ª edição, pág. 277 (e a págs. 275 da 16.ª edição, de 2004, e pág. 295 da 18.ª edição, de 2007), a propósito do artigo 77.º, salientava que “na fixação da pena correspondente ao concurso entra como factor a personalidade do agente, a qual deve ser objecto de especial fundamentação na sentença. Ela é mesmo o aglutinador da pena aplicável aos vários crimes e tem, por força das coisas, carácter unitário”.

A punição do concurso efectivo de crimes funda as suas raízes na concepção da culpa como pressuposto da punição – não como reflexo do livre arbítrio ou decisão consciente da vontade pelo ilícito. Mas antes como censura ao agente pela não adequação da sua personalidade ao dever - ser jurídico penal.

Como acentua Figueiredo Dias em Liberdade, Culpa e Direito Penal, Coimbra Editora, 2.ª edição, 1983, págs. 183 a 185, “ (…) o substracto da culpa (…) não reside apenas nas qualidades do carácter do agente, ético-juridicamente relevantes, que se exprimem no facto, na sua totalidade todavia cindível (…). Reside sim na totalidade da personalidade do agente, ético-juridicamente relevante, que fundamenta o facto, e portanto também na liberdade pessoal e no uso que dela se fez, exteriorizadas naquilo a que chamamos a “atitude” da pessoa perante as exigências do dever ser. Daí que o juiz, ao emitir o juízo de culpa ou ao medir a pena, não possa furtar-se a uma compreensão da personalidade do delinquente, a fim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a sua desconformação em face da personalidade suposta pela ordem jurídico-penal. A medida desta desconformação constituirá a medida da censura pessoal que ao delinquente deve ser feita, e, assim, o critério essencial da medida da pena”.


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No que concerne à determinação da medida da pena única, deve ter-se em consideração a existência de um critério especial na determinação concreta da pena do concurso, segundo o qual serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso.

Como se lê em Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 420, págs. 290/1, estabelecida a moldura penal do concurso, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 72.º-1 (actual 71.º-1), um critério especial: o do artigo 78.º (actual 77.º), n.º 1, 2.ª parte, segundo o qual na determinação concreta da pena do concurso serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga logo a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso.

E no § 421, págs. 291/2, acentua o mesmo Autor que na busca da pena do concurso, “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”.

Acrescenta ainda: “De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.

Como se extrai do acórdão deste Supremo Tribunal de 6 de Maio de 2004, proferido no processo n.º 1401/04, da 5.ª Secção, in CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 191, a propósito dos critérios a atender na fundamentação da pena única, “Não se deve confundir a fundamentação que deve presidir à escolha e medida de cada uma das penas singularmente consideradas com aquela outra que a lei exige para a fixação, em cúmulo jurídico, da pena unitária, já que nesta o que releva e interessa considerar é, sobretudo, a globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente, de forma a aquilatar-se, fundamentalmente, se o conjunto dos factos traduz, nomeadamente, uma personalidade propensa ao crime, a dar indícios de projecto de uma carreira, ou é, antes, a expressão de uma pluriocasionalidade, que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido, mas antes numa conjunção de factores ocasionais, sem repercussão no futuro” – cfr. na esteira da posição do citado Autor, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 08-07-1998, in CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 246; de 24-02-1999, processo n.º 23/99-3.ª Secção; de 12-05-1999, processo n.º 406/99-3.ª; de 27-10-2004, processo n.º 1409/04-3.ª; de 20-01-2005, processo n.º 4322/04-5.ª Secção, in CJSTJ 2005, tomo I, pág. 178; de 17-03-2005, no processo n.º 754/05-5.ª; de 16-11-2005, in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 210; de 12-01-2006, no processo n.º 3202/05-5.ª; de 08-02-2006, no processo n.º 3794/05-3.ª; de 15-02-2006, no processo n.º 116/06-3.ª; de 22-02-2006, no processo n.º 112/06-3.ª; de 22-03-2006, no processo n.º 364/06-3.ª; de 04-10-2006, no processo n.º 2157/06-3.ª; de 21-11-2006, processo n.º 3126/06-3.ª Secção, in CJSTJ 2006, tomo 3, págs. 228-230 (a decisão que efectue o cúmulo jurídico não se pode reconduzir à invocação de fórmulas genéricas e sem significação concreta mas tem de demonstrar a relação de proporcionalidade que existe entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação dos factos e da personalidade. Ao omitir esta avaliação o tribunal a quo omitiu pronúncia sobre questão que tinha de apreciar, e decidir, o que determina a nulidade da respectiva decisão - artigo 379.º do Código de Processo Penal); de 24-01-2007, no processo n.º 3508/06-3.ª; de 25-01-2007, nos processos n.ºs 4338/06-5.ª e 4807/06-5.ª; de 28-02-2007, no processo n.º 3382/06-3.ª; de 01-03-2007, no processo n.º 11/07-5.ª; de 07-03-2007, no processo n.º 1928/07-3.ª; de 14-03-2007, no processo n.º 343/07-3.ª; de 28-03-2007, no processo n.º 333/07-3.ª; de 09-05-2007, nos processos n.ºs 1121/07-3.ª e 899/07-3.ª; de 24-05-2007, no processo n.º 1897/07-5.ª; de 29-05-2007, no processo n.º 1582/07-3.ª; de 12-09-2007, por nós relatado no processo n.º 2583/07-3.ª Secção (declarando a nulidade do acórdão por falta de fundamentação); de 24-10-2007, no processo nº 3238/07-3.ª; de 31-10-2007, no processo n.º 3280/07-3.ª; de 09-01-2008, processo n.º 3177/07-3.ª Secção, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181 (Na valoração da personalidade deve atender-se a se os factos são a expressão de uma inclinação, tendência ou mesmo carreira criminosa, ou delitos ocasionais, sem relação entre si. A autoria em série é factor de agravação dentro da moldura penal conjunta, enquanto a pluriocasionalidade, que não radica na personalidade, não tem esse efeito agravante); de 09-04-2008, no processo n.º 686/08-3.ª Secção (o acórdão ao efectuar o cúmulo jurídico das penas parcelares não elucida, porque não descreve, o raciocínio dos julgadores que orientou e decidiu a determinação da medida da pena do cúmulo); de 25-06-2008, no processo n.º 1774/08-3.ª; de 10-07-2008, por nós relatado no processo n.º 2193/08 (declarando a nulidade por omissão de pronúncia sobre a fundamentação da pena única); de 02-04-2009, por nós relatado no processo n.º 581/09-3.ªSecção, in CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 187 (concluindo pela verificação da nulidade arguida, a que faremos referência adiante); de 21-05-2009, processo n.º 2218/05.0GBABF.S1-3.ª Secção; de 29-10-2009, no processo n.º 18/06.0PELRA.C1.S1-5.ª Secção, in CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 224 (227); de 04-03-2010, no processo n.º 1757/08.6JDLSB.S1-5.ª Secção; de 10-11-2010, no processo n.º 23/08.1GAPTM-3.ª Secção.


Na expressão dos acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 20-02-2008, proferido no processo n.º 4733/07 e de 8-10-2008, no processo n.º 2858/08, desta 3.ª Secção, na formulação do cúmulo jurídico, o conjunto dos factos fornece a imagem global do facto, o grau de contrariedade à lei, a grandeza da sua ilicitude; já a personalidade revela-nos se o facto global exprime uma tendência, ou mesmo uma “carreira”, criminosa ou uma simples pluriocasionalidade.


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Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, unificado, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso - cfr., neste sentido, inter altera, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-03-2004, proferido no processo n.º 4431/03; de 20-01-2005, in CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 178; de 08-06-2006, processo n.º 1613/06 – 5.ª; de 07-12-2006, processo n.º 3191/06 – 5.ª; de 20-12-2006, processo n.º 3379/06-3.ª; de 18-04-2007, processo n.º 1032/07 – 3.ª; de 03-10-2007, processo n.º 2576/07-3.ª, in CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 198; de 09-01-2008, processo n.º 3177/07-3.ª, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181 (Na formação da pena conjunta é fundamental uma visão e valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares de modo a que a pena global reflicta a personalidade do autor e os factos individuais); de 06-02-2008, processo n.º 129/08-3.ª e da mesma data no processo n.º 3991/07-3.ª, este in CJSTJ 2008, tomo I, pág. 221; de 06-03-2008, processo n.º 2428/07 – 5.ª; de 13-03-2008, processo n.º 1016/07 – 5.ª; de 02-04-2008, processos n.º s 302/08 e 427/08, ambos da 3.ª Secção; de 09-04-2008, processo n.º 1011/08 – 5.ª; de 07-05-2008, processo n.º 294/08 – 3.ª; de 21-05-2008, processo n.º 414/08 – 5.ª; de 04-06-2008, processo n.º 1305/08 – 3.ª; de 25-09-2008, processo n.º 2891/08 – 3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 1309/08 – 3.ª; de 27-01-2009, processo n.º 4032/08 – 3.ª; de 29-04-2009, processo n.º 391/09 – 3.ª; de 14-05-2009, processo n.º 170/04.9PBVCT.S1 – 3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 50/06.3GAVFR.C1.S1 – 3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 577/06.7PCMTS.S1 – 3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 8253/06.1TDLSB-3.ª; de 25-06-2009, processo n.º 274/07.6TAACB.C1.S1-3.ª Secção, in CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 251, citando Eduardo Correia, Direito Criminal, Colecção Stadium, 1953, (A decisão que efectiva o cúmulo jurídico das penas parcelares necessariamente que terá de demonstrar fundamentando que foram avaliados o conjunto dos factos e a interacção destes com a personalidade); de 21-10-2009, processo n.º 360/08.5GEPTM.S1-3.ª; de 04-11-2009, processo n.º 296/08.0SYLSB.S1-3.ª; de 18-11-2009, processo n.º 702/08.3GDGDM.P1.S1-3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 490/07.0TAVVD-3.ª; de 10-12-2009, processo n.º 496/08.2GTABF.E1.S1-3.ª Secção (citado no acórdão de 23-06-2010, processo n.º 862/04.2PBMAI.S1-5.ª), ali se referindo: “Na determinação da pena única do concurso, o conjunto dos factos indica a gravidade do ilícito global, sendo decisiva a avaliação e conexão e o tipo de conexão que se verifique entre os factos concorrentes. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente importa, sobretudo, verificar se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira» criminosa), ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”; de 04-03-2010, no processo n.º 1757/08.6JDLSB.L1.S1-5.ª; de 10-03-2010, no processo n.º 492/07.7PBBJA.E1.S1-3.ª; de 18-03-2010, no processo n.º 160/06. 7GBBCL.G2.S1-5.ª; de 15-04-2010, no processo n.º 134/05.5PBVLG.S1-3.ª; de 28-04-2010, no processo n.º 260/07.6GEGMR.S1-3.ª; de 05-05-2010, no processo n.º 386/06.3SLSB.S1-3.ª; de 12-05-2010, no processo n.º 4/05.7TDACDV.S1-5.ª; de 27-05-2010, no processo n.º 708/05.4PCOER.L1.S1-5.ª; de 09-06-2010, processo n.º 493/07.5PRLSB-3.ª; de 23-06-2010, no processo n.º 666/06.8TABGC-K.S1-3.ª; de 20-10-2010, processo n.º 400/08.8SZLB.L1-3.ª; de 03-11-2010, no processo n.º 60/09.9JAAVR.C1.S1-3.ª; de 16-12-2010, processo n.º 893/05.5GASXL.L1.S1-3.ª; de 19-01-2011, processo n.º 6034/08.0TDPRT.P1.S1-3.ª; de 02-02-2011, processo n.º 217/08.0JELSB.S1-3.ª; de 31-01-2012, processo n.º 2381/07.6PAPTM.E1.S1-3.ª; de 12-09-2012, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1-3.ª e 2745/09.0TDLSB.L1.S1-3.ª; de 06-02-2013, processo n.º 639/10.6PBVIS.S1-3.ª; de 14-03-2013, processo n.º 224/09.5PAOLH.S1 e n.º 13/12.0SOLSB.S1, ambos desta Secção e do mesmo Relator; de 10-07-2013, processo n.º 413/06.4JAFAR.E2.S1-3.ª; de 12-09-2013, processo n.º 1445/09.6JAPRT.P1.S1-3.ª; de 04-06-2014, processo n.º 186/13.4GBETR.P1.S1-3.ª; de 17-12-2014, processo n.º 512/13.3PGLRS.L1.S1-3.ª; de 9-05-2018, processo n.º 671/15.3PDCSC.L1.S1-3.ª; de 18-09-2018, processo n.º 964/15.0PPPRT-A.S1-3.ª; de 12-12-2018, processo n.º 734/14.2PCLRS.S1-3.ª; de 9-01-2019, processo n.º 142/12.0GCSCD-A.S1-3.ª; de 15-01-2019, processo n.º 542/11.2GBABF.S2; de 9-05-2019, processo n.º 10/16.6PGPDL.S1; de 14-11-2019, processo n.º 1370/14.9GDSTB.E2.S1; de 27-11-2019, processo n.º 160/12.8GCSAT.S1 e de 22-04-2020, processo n.º 87/17.7SWLSB.1. L1.S1, igualmente da 3.ª Secção.

Como refere Cristina Líbano Monteiro, A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.º 1, págs. 151 a 166, o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente.

A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.


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Como referimos nos acórdãos de 20 de Janeiro de 2010, de 24 de Fevereiro de 2010, de 9 de Junho de 2010, de 10 de Novembro de 2010, de 2 de Fevereiro de 2011, de 18 de Janeiro de 2012, de 5 de Julho de 2012, de 12 de Setembro de 2012 (dois), de 22 de Maio de 2013, de 1 de Outubro de 2014 (dois), de 15 de Outubro de 2014, de 17 de Dezembro de 2014, de 29 de Abril de 2015, de 27 de Maio de 2015, de 9 de Julho de 2015, de 25 de Maio de 2016, de 16 de Junho de 2016, de 23 de Junho de 2016, de 7 (dois), de 13 de Julho de 2016, de 26 de Outubro de 2016, de 9 de Novembro de 2016, de 22 de Novembro de 2017, de 18 de Setembro de 2018, de 12 de Dezembro de 2018,

de 9 de Janeiro de 2019, de 9 de Maio de 2019, de 14 de Novembro de 2019, de 27 de Novembro de 2019 e de 22 de Abril de 2020, proferidos no processo n.º 392/02.7PFLRS.L1.S1, in CJSTJ 2010, tomo 1, pág. 191, processo n.º 655/02.1JAPRT.S1, processo n.º 493/07.5PRLSB-3.ª, processo n.º 23/08.1GAPTM.S1, processo n.º 994/10.8TBLGS.S1-3.ª, processo n.º 34/05.9PAVNG.S1, in CJSTJ 2012, tomo 1, pág. 209, processo n.º 246/11.6SAGRD, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1 e n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1, processo n.º 11/11.0GCVVC.S1 e processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S2, processo n.º 79/14.0JAFAR.S1, in CJSTJ 2014, tomo 3, págs. 191 a 199, processo n.º 512/13.6PGLRS.L1.S1, processo n.º 791/12.6GAALQ.L2.S1, processo n.º 173/08.4PFSNT-C.S1, processo n.º 19/07.0GAMNC.G2.S1, processo n.º 610/11.0GCPTM.E1.S1, processo n.º 2137/15.2T8EVR.S1, processo n.º 2361/09.7PAPTM.E3.S2, processos n.º 23/14. 2GBLSB.L2.S1 e n.º 541/09.4PDLRS-A.L1.S1, processo n.º 101/12.2SVLSB.S1, processo n.º 58/13.2PEVIS.C1.S1, processo n.º 587/14.0JAPRT.P1.S1, processo n.º 731/15.0JABRG.G1.S1, processo n.º 964/15.0PPPRT-A.S1, processo n.º 734/14.2PCLRS.S1, processo n.º 142/12.0GCSCD-A.S1, processo n.º 10/16.6PGPDL.S1, processo n.º 1370/14.9GDSTB.E2.S1, processo n.º 160/12.8GCSAT.S1 e processo n.º 87/17.7SWLSB.1.L1.S1:

“Perante concurso de crimes e de penas, há que atender ao conjunto de todos os factos cometidos pelo arguido, de modo a surpreenderem-se, ou não, conexões entre os diversos comportamentos ajuizados, através duma visão ou imagem global do facto, encarado na sua dimensão e expressão global, tendo em conta o que ressalta do contexto factual narrado e atender ao fio condutor presente na repetição criminosa, procurando estabelecer uma relação desses factos com a personalidade do agente, tendo-se em conta a caracterização desta, com sua projecção nos crimes praticados; enfim, há que proceder a uma ponderação da personalidade do agente e correlação desta com os concretos factos ajuizados, a uma análise da função e da interdependência entre os dois elementos do binómio, não sendo despicienda a consideração da natureza dos crimes em causa, da verificação ou não de identidade dos bens jurídicos violados, até porque o modelo acolhido é o de prevenção, de protecção de bens jurídicos.

Todo este trabalho de análise global se justifica tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto de factos praticados pelo(a) condenado(a) é a expressão de uma tendência criminosa, isto é, se significará já a expressão de algum pendor para uma “carreira”, ou se, diversamente, a feridente repetição comportamental dos valores estabelecidos emergirá antes e apenas de factores meramente ocasionais”.


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Por outro lado, na confecção da pena conjunta, há que ter presentes os princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso.

Cremos que nesta abordagem, há que ter em conta os critérios gerais da medida da pena contidos no artigo 71.º do Código Penal – exigências gerais de culpa e prevenção – em conjugação, a partir de 1 de Outubro de 1995, com a proclamação de princípios ínsita no artigo 40.º, atenta a necessidade de tutela dos bens jurídicos ofendidos e das finalidades das penas, incluída a conjunta, aqui acrescendo o critério especial fornecido pelo artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal - o que significa que este específico dever de fundamentação de uma pena conjunta, não pode estar dissociado da questão da adequação da pena à culpa concreta global, tendo em consideração por outra via, pontos de vista preventivos, sendo que, in casu, a ordem de grandeza de lesão dos bens jurídicos tutelados e sua extensão não fica demonstrada pela simples enunciação, sem mais, do tipo legal violado, o que passa pela sindicância do efectivo respeito pelo princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta.

Neste sentido, podem ver-se aplicações concretas nos acórdãos de 21-11-2006, proferido no processo n.º 3126/06-3.ª Secção, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 228 (a decisão que efectue o cúmulo jurídico não pode resumir-se à invocação de fórmulas genéricas; tem de demonstrar a relação de proporcionalidade entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação dos factos e a personalidade do arguido); de 14-05-2009, no processo n.º 170/04.9PBVCT.S1-3.ª; de 10-09-2009, no processo n.º 26/05.8SOLSB-A.S1-5.ª, seguido de perto pelo acórdão de 09-06-2010, no processo n.º 493/07.5PRLSB.S1-3.ª, ali se referindo que “Importa também referir que a preocupação de proporcionalidade a que importa atender, resulta ainda do limite intransponível absoluto, dos 25 anos de prisão, estabelecido no n.º 2 do art. 77.º do CP. É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras”; de 18-03-2010, no processo n.º 160/06. 7GBBCL.G2.S1-5.ª, onde se afirma, para além da necessidade de uma especial fundamentação, que “no sistema de pena conjunta, a fundamentação deve passar pela avaliação da conexão e do tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifica e pela avaliação da personalidade unitária do agente. Particularizando este segundo juízo - e para além dos aspectos habitualmente sublinhados, como a detecção de uma eventual tendência criminosa do agente ou de uma mera pluriocasionalidade que não radica  em qualidades desvaliosas da personalidade - o tribunal deve atender a considerações de exigibilidade  relativa e à análise da concreta necessidade de pena resultante da inter-relação dos vários ilícitos típicos”; de 15-04-2010, no processo n.º 134/05.5PBVLG.S1-3.ª; de 21-04-2010, no processo n.º 223/09.7TCLSB.L1.S1-3.ª; e do mesmo relator, de 28-04-2010, no processo n.º 4/06.0GACCH.E1.S1-3.ª Secção.


Com interesse para o caso, veja-se o acórdão de 28-04-2010, proferido no processo n.º 260/07.6GEGMR.S1-3.ª, relativamente a onze crimes de roubo simples a agências bancárias.

Como se refere no acórdão de 10-09-2009, processo n.º 26/05.8SOLSB-A.S1, da 5.ª Secção “a pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar o efeito “expansivo” sobre a parcelar mais grave, das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas. Ora, esse efeito “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos critérios da “imagem global do ilícito” e da personalidade do arguido. Proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar, em relação ao conjunto de todas elas.

No mesmo sentido, e do mesmo Relator, o acórdão de 09-07-2014, proferido no processo n.º 95/10.9GGODM.S1-5.ª Secção.

Se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fracção menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta. (Asserção repetida no acórdão do mesmo Relator, de 23-09-2009, no processo n.º 210/05.4GEPNF.S2 -5.ª Secção).

      

A preocupação de proporcionalidade a que importa atender resulta do limite intransponível absoluto dos 25 anos de prisão estabelecido no n.º 2 do artigo 77.º do Código Penal.


É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, face à grande criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras.

Como referimos no acórdão de 23-11-2010, proferido no processo n.º 93/10.2TCPRT.S1, versando incompletude da análise global do conjunto dos factos e sua relacionação com a personalidade do recorrente, “O acórdão recorrido não efectua uma ponderação em conjunto, interligada, integrada, quer da apreciação dos factos, de modo a poder avaliar-se globalmente a sua dimensão, intensidade, gravidade, alcance e consequências, quer da personalidade manifestada na sua prática, procurando caracterizar a personalidade emergente do conjunto das condutas, encaradas a juzante daquele processo circunscrito, de determinado pedaço de vida, de cerca de dois anos, na sua expressão mais continuada, agora em visão e apreciação global, de uma forma mais completa e abrangente, de modo a dar uma panorâmica de toda a actividade do arguido, indagando das suas inter relações, ligações e conexões, e por isso mesmo fornecendo uma visão mais compreensiva, em ordem a, a final, concluir sobre a sua motivação subjacente, se emergindo e sendo expressão de uma tendência criminosa, como manifestação de uma personalidade propensa ao crime, ou antes de mera pluriocasionalidade, fruto de reunião de circunstâncias, não oriunda, fundamentada ou radicada na personalidade.

O acórdão recorrido absteve-se de ponderar, de forma global e crítica, elementos importantes como a forma de actuação do condenado, a tipologia dos crimes cometidos, a homogeneidade ou heterogeneidade da natureza dos bens ofendidos, a relação de instrumentalidade entre as falsificações de documentos e as burlas subsequentes, o período temporal de actividade, o modo de vida do arguido ao tempo”.

Do mesmo modo nos acórdãos por nós relatados de 2-02-2011, processo n.º 994/10.8TBLGS.S1, de 24-03-2011, processo n.º 322/08.2TARGR.L1.S1, de 12-09-2012, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1 e n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1, de 17-10-2012, processo n.º 39/10.8PFBRG.S1, de 10-07-2013, processo n.º 413/06.4JAFAR.E2.S1, de 12-09-2013, processo n.º 1445/09.6JAPRT.P1.S1, de 1-10-2014, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S2, de 15-10-2014, processo n.º 735/10.0GARMR.S1, de 27-05-2015, processo n.º 173/08.48FSNT-C.S1; de 17-06-2015, processo n.º 161/12.6PBFAR.S1; de 09-07-2015, processo n.º 19/07.0GAMNC.G2.S1; de 09-09-2015, processo n.º 284/11.9GBPSR.E1.S1; de 2-03-2016, processo n.º 8/08.8GALHH.L1.S1; de 16-06-2016, processo n.º 2137/15.2T8EVR.S1; de 23-06-2016, processo n.º 2361/09.7PAPTM.E3.S2; de 7-07-2016, processo n.º 23/14.2GBLSB.L1.S1; de 7-09-2016, processo n.º 232/14.4JABRG.P1.S1 (homicídio qualificado e roubo agravado); de 14-09-2016, processo n.º 71/13.0JACBR.C1.S1 (tráfico de estupefacientes agravado); de 26-10-2016, processo n.º 58/13.2PEVIS.C1.S1 (tráfico de estupefacientes); de 9-11-2016, processo n.º 587/14.0JAPRT.P1.S1 (roubos e detenção de arma proibida); de 16-11-2016, processo n.º 747/10.3GAVNG-B.P1.S1; de 30-11-2016, processo n.º 804/08.6PCCSC.L1.S1; de 7-12-2016, processo n.º 137/08.8SNLSB-H.L1.S1; de 14-12-2016, processo n.º 952/14.3PHLRS.L1.S1 (violência doméstica); de 4-01-2017, processo n.º 6547/06.8SWLSB-H.P1.S1; de 9-05-2018, processo n.º 671/15.3PDCSC.L1.S1 (roubo e tráfico/consumo de estupefacientes) e de 18-09-2018, processo n.º 964/15.0PPPRT-A.S1; de 9-01-2019, processo n.º 142/12.0GCSCD-A.S1; de 23-01-2019, processo n.º 2121/17.1JAPRT.S1 (homicídio qualificado); de 9-05-2019, processo n.º 10/16.6PGPDL.S1 (furtos); de 14-11-2019, processo n.º 1370/14.9GDSTB.E2.S1; de 27-11-2019, processo n.º 160/12.8GCSAT.S1 e de 20-04-2020, processo n.º 87/17.7SWLSB.1.L1.S1: “A determinação da pena do concurso exige um exame crítico de ponderação conjunta sobre a conexão e interligação entre todos os factos praticados e a personalidade do seu autor, de forma a alcançar-se a valoração do ilícito global e entender-se a personalidade neles manifestada, de modo a concluir-se pela motivação que lhe subjaz, se emergente de uma tendência para delinquir, ou se se trata de mera ocasionalidade ou pluriocasionalidade não fundamentada na personalidade, tudo em ordem a demonstrar a adequação, justeza, e sobretudo, a proporcionalidade, entre a avaliação conjunta daqueles dois factores e a pena conjunta a aplicar e tendo em conta os princípios da necessidade da pena e da proibição de excesso.

Importará indagar se a repetição operou num quadro de execução homogéneo ou diferenciado, quais os modos de actuação, de modo a concluir se estamos face a indícios desvaliosos de tendência criminosa, ou se estamos no domínio de uma mera ocasionalidade ou pluriocasionalidade, tendo em vista configurar uma pena que seja proporcional à dimensão do crime global, pois ao novo ilícito global, a que corresponde uma nova culpa, caberá uma nova, outra, pena.

Com a fixação da pena conjunta não se visa re-sancionar o agente pelos factos de per si considerados, isoladamente, mas antes procurar uma “sanção de síntese”, na perspectiva da avaliação da conduta total, na sua dimensão, gravidade e sentido global, da sua inserção no pleno da conformação das circunstâncias reais, concretas, vivenciadas e específicas de determinado ciclo de vida do(a) arguido(a) em que foram cometidos vários crimes”.

Como se extrai dos acórdãos de 12-05-2010, processo n.º 4/05.7TACDV.S1-5.ª Secção e de 16-12-2010, no processo n.º 893/05.5GASXL.L1.S1-3.ª Secção, a pena única deve reflectir a razão de proporcionalidade entre as penas parcelares e a dimensão global do ilícito, na ponderação e valoração comparativas com outras situações objecto de apreciação, em que a dimensão global do ilícito se apresenta mais intensa.

Reportam ainda a ideia de proporcionalidade os acórdãos de 11-01-2012, processo n.º 131/09.1JBLSB.L1.-A.S1-3.ª; de 18-01-2012, processo n.º 34/05.9PAVNG.S1-3.ª (CJSTJ 2012, tomo 1, págs. 209 a 227); de 31-01-2012, processo n.º 2381/07.6PAPTM.E1.S1-3.ª; de 05-07-2012, processo n.º 246/11.6SAGRD.S1-3.ª e os supra referidos de 12-09-2012, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1-3.ª e n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1-3.ª; de 22-01-2013, processo n.º 651/04.4GAFLTG.S1-3.ª; de 27-02-2013, processo n.º 455/08.5GDPTM.S1-3.ª; de 22-05-2013, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1-3.ª; de 19-06-2013, processo n.º 515/06.7GBLLE.S1-3.ª; de 10-07-2013, processo n.º 413/06.4JAFAR.E2.S1-3.ª; de 12-09-2013, processo n.º 1445/09.6JAPRT.P1.S1-3.ª; de 26-09-2013, processo n.º 138/10.6GDPTM.S2-5.ª e de 3-10-2013, processo n.º 522/01.6TACBR.C3.S1-5.ª Secção, onde pode ler-se: «O equilíbrio entre os efeitos “expansivo” e “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos critérios da “imagem global do ilícito” e da “personalidade do arguido”»; de 24-09-2014, processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1-3.ª; de 1-10-2014, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S2-3.ª Secção.

Como se refere no acórdão de 2 de Maio de 2012, processo n.º 218/03.4JASTB.S1-3.ª, a formação da pena conjunta é uma solução para o problema de proporção resultante da integração das penas singulares numa única punição e o «restabelecimento do equilíbrio» entre crime isolado e pena singular, pelo que deve procurar-se que nas sucessivas operações de realização de cúmulo jurídico superveniente exista um critério uniforme de avaliação de tal proporcionalidade”.

Como se pode ler no acórdão de 21 de Junho de 2012, processo n.º 38/08.0GASLV.S1, “numa situação de concurso entre uma pena de grande gravidade e diversas penas de média e curta duração, este conjunto de penas tem de ser objecto de uma especial compressão para evitar uma pena excessiva e garantir uma proporcionalidade entre penas que correspondem a crimes de gravidade muito díspar; doutro modo, corre-se o risco de facilmente se poder atingir a pena máxima, a qual deverá ser reservada para as situações de concurso de várias penas muito graves”.

Focando a proporcionalidade na perspectiva das finalidades da pena, pode ver-se o acórdão de 27 de Junho de 2012, processo n.º 70/07.0JBLSB-D.S1-3.ª SEcção, onde consta: “A medida da pena única, respondendo num segundo momento também a exigências de prevenção geral, não pode deixar de ser perspectivada nos efeitos que possa ter no comportamento futuro do agente: a razão de proporcionalidade entre finalidades deve estar presente para não eliminar, pela duração, as possibilidades de ressocialização (embora de difícil prognóstico pelos antecedentes)”. (Sublinhados nossos).

Sobre os princípios da proporcionalidade, da proibição de excesso e da legalidade na elaboração de pena única pode ver-se o acórdão de 10-09-2014, processo n.º 455/08-3.ª, por nós citado no acórdão de 24-09-2014, proferido no processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1-3.ª.

Mais recentemente, podem ver-se os acórdãos de 20-02-2019, processo n.º 736/15.1SELSB-C – 3.ª Secção - No cúmulo jurídico de penas por conhecimento superveniente a personalidade revelada no cometimento dos factos, tem especial relevância para o estabelecimento e a compreensão da interconexão entre os diversos crimes do concurso “e, destarte se o mesmo tem propensão para o crime, ou se na realidade, estamos perante um conjunto de eventos criminosos episódicos”, sem estratificada desconformidade com a fidelidade ao direito. E de 11-07-2019, processo n.º 23259/18.2T8PRT.S1 - 3.ª Secção – Na determinação da pena única deve atender-se à globalidade do comportamento do arguido de modo a conseguir aferir-se, através da análise de todos os crimes praticados, qual o grau de culpa e personalidade, bem como percecionar a intensidade da ilicitude numa visão conjunta.


***



     Vistos os parâmetros a considerar na confecção da pena única, vejamos como no caso concreto fundamentou o acórdão recorrido.


       Revertendo ao caso concreto.


Vejamos como foi abordada a questão da determinação da medida da pena única e se foi ou não observado o critério especial, supra referido.

Sobre a questão da determinação da medida concreta da pena única, o acórdão recorrido abordou-a a fls. 2584/5, do jeito que segue:

 “Importa, agora proceder ao cúmulo das penas aplicadas aos arguidos AA, BB e CC nos termos do art. 77º do C.Penal.

A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (nº 2 do art. 77º do C.Penal).

Deste preceito resulta que as molduras a ter em conta são as seguintes:

- arguido AA: máximo de 25 anos, (o limite aritmético ascende a 42 anos e 8 meses), mínimo 3 anos e 6 meses

- arguido BB: máximo 25 anos, (o limite aritmético ascende a 35 anos e 6 meses), mínimo 3 anos.

- arguida CC: máximo 19 anos e 3 meses e mínimo de 3 anos e 3 meses.

A pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 71º, nº1, um critério especial: “na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”

Na determinação da pena concreta conjunta, importa, pois, averiguar sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, ou seja, reflectida nos factos, visto que estes, como resultado da vontade e actuação do delinquente, espelham a sua forma de pensar e o seu modo de ser, o seu temperamento, carácter e singularidade, tendo em vista uma visão unitária conjunta dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de uma tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura global penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele.

Como ensina o Professor Figueiredo Dias, em “Direito Penal Português, As Consequências jurídicas do Crime” 2005, p. 291)”: “Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade revelará sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão só a uma pluri-ocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização”.

Ponderando globalmente as circunstâncias atinentes aos crimes em causa, releva especialmente o período temporal em que os arguidos se dedicaram à prática de furtos, de Novembro de 2017 a Maio de 2018, que impressionam pelo número de crimes cometidos em tal período, a natureza dos crimes em que existe homogeneidade das condutas, em que os arguidos assaltam residências, tendo em vista essencialmente a subtração de bens para seu sustento e enriquecimento pessoal, em conjugação com a personalidade dos arguidos manifestada nos factos, cremos que o conjunto dos factos não é reconduzível a uma tendência criminosa dos arguidos.

As exigências de prevenção geral são elevadas, face à frequência com que ocorre este tipo de crimes e às consequências que resultam dos mesmos, assim como as de prevenção especial, face à personalidade dos arguidos demonstrada nos factos, que não respeitavam valores essenciais do viver em sociedade.

Ponderando em conjunto os factos, a sua relacionação com a personalidade dos arguidos, o grau de ilicitude dos factos e a sua culpa, o facto de serem primários, os arguidos CC e BB, circunstâncias de relevo tendo em conta a idade dos mesmos, respectivamente quarenta e dezoito anos de idade, à data dos factos e as exigências de prevenção geral e especial, consideramos as penas únicas fixadas algo excessivas e como justas e adequadas, as seguintes penas a aplicar aos arguidos:

- a AA a pena de 11 (onze) anos de prisão.

- a BB a pena 8 (oito) anos de prisão.

- à arguida CC 6 (seis) anos de prisão”.


Analisando.

   

A pena conjunta visa corresponder ao sancionamento de um determinado trecho de vida do arguido condenado por pluralidade de infracções.

Há que valorar o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do recorrente, em todas as suas facetas.

Ora, na elaboração da pena conjunta impõe-se fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, em ordem a adequar a medida da pena à personalidade que nos factos se revelou.

Importa ter em conta a natureza e diversidade ou igualdade/similitude dos bens jurídicos tutelados, ou seja, a dimensão de lesividade da actuação global do arguido.

Como se extrai dos acórdãos de 9-01-2008, processo n.º 3177/07, CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181, de 25-09-2008, processo n.º 2288/08 (a proporcionalidade da pena única, em função do ponto de vista preventivo geral e especial, é avaliada em função do bem jurídico protegido e violado; as penas têm de ser proporcionadas à transcendência social – mais que ao dano social – que assume a violação do bem jurídico cuja tutela interessa prever. O critério principal para valorar a proporção da intervenção penal é o da importância do bem jurídico protegido, porquanto a sua garantia é o principal fundamento daquela intervenção), de 22-01-2013, processo n.º 650/04.6GISNT.L1.S1, de 26-06-2013, processo n.º 267/06.0GAFZZ.S1 (e de novo acórdão de 10-09-2014, proferido no mesmo processo) e de 1-10-2014, processo n.º 471/11.0GAVNF.P1.S1, todos da 3.ª Secção, um dos critérios fundamentais em sede do sentido de culpa em relação ao conjunto dos factos, numa perspectiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, assumindo significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal em relação a bens patrimoniais.

E como referiu o supra citado acórdão de 27 de Junho de 2012, processo n.º 70/07.0JBLSB-D.S1-3.ª Secção, na pena única não pode deixar de ser perspectivado o efeito da pena sobre o comportamento futuro do agente em função da sua maior ou menor duração.

No mesmo sentido, podem ver-se os acórdãos de 22 de Janeiro de 2013, processo n.º 651/04.4GAFLG.S1-3.ª e de 4 de Julho de 2013, processo n.º 39/10.8JBLSB.L1.S1-3.ª sobre o ponto e, citando neste particular os acórdãos do mesmo Relator, de 9 de Fevereiro de 2011, processo n.º 19/05.5GAVNG.S1-3.ª e de 23 de Fevereiro de 2011, processo n.º 429/03. 2PALGS.S1-3.ª Secção.

No mesmo sentido ainda, o acórdão de 2 de Fevereiro de 2011, processo n.º 217/08.0JELSB.S1, igualmente da 3.ª Secção, citando expressamente Figueiredo Dias no passo assinalado supra (Consequências…, § 421, págs. 291/2).

E mais recentemente, os acórdãos de 08-01-2014, processo n.º 154/12.3GASSB.L1.S1, de 29-01-2014, processo n.º 629/12.4JACBR.C1.S1 e de 26-03-2014, processo n.º 316/09.0PGOER.S1, todos da 3.ª Secção.


Vejamos se no caso em reapreciação é de reduzir a pena única aplicada.


Antes do mais, atentemos nos concretos contornos a ter presentes na determinação/configuração, em primeira linha, da dimensão dos bens jurídicos ofendidos/violados – artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal –, objectivando, de seguida, no concreto caso, a intensidade das ofensas com causação apontada à múltipla conduta do recorrente.

Começando pelo princípio.

Sendo uma das finalidades das penas, incluindo a unitária, segundo o artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, na versão da terceira alteração, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, a tutela dos bens jurídicos, definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que, necessariamente, ter em atenção o bem jurídico tutelado no tipo legal ora posto em causa, ou seja, no crime de furto qualificado.


Como refere Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do Crime, Ed. Aequitas, 1993, pág. 127 “Aqui, pois, a protecção de bens jurídicos assume um significado prospectivo, que se traduz na tutela das expectativas da comunidade da manutenção (ou mesmo reforço) da vigência da norma infringida”.

  

Em causa estão catorze crimes de furto qualificado, três dos quais na forma tentada, havendo que versar o bem jurídico tutelado pelo tipo legal do furto, enunciando-se o que se expôs nos acórdãos de 9-01-2019, proferido no processo n.º 142/12.0GCSCD-A.S2, de 23-01-2019, processo n.º 2121/17.1JAPRT.S1, de 9-05-2019, proferido no processo n.º 10/16.6PGPDL.S1 e de 14-11-2019, proferido no processo n.º 1370/14.9GDSTB.E2-S1.


Para José de Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II (Artigos 202.º a 307.º), Coimbra Editora, 1999, o bem jurídico protegido no tipo legal ora em causa, é a propriedade, salientando que o bem jurídico propriedade se deve ver como a especial relação de facto sobre a coisa – poder de facto sobre a coisa –, tutelando-se, dessa maneira, a detenção ou mera posse como disponibilidade material da coisa, como disponibilidade da fruição das utilidades da coisa com um mínimo de representação jurídica, sendo a coisa, móvel, alheia e com valor patrimonial - §§ 18, 21, 24, 26 e 29, págs. 29, 30, 32, 33 e 34, adiantando no § 56, pág. 44, que o valor patrimonial da coisa constitui um elemento implícito do tipo legal de crime de furto.

Mais à frente, a propósito do furto qualificado, afirma no § 8, pág. 58, que aqui o bem jurídico protegido se apresenta, não como na formulação linear da protecção de uma específica realidade patrimonial, como acontece no chamado furto simples, mas antes na defesa de um bem jurídico formalmente poliédrico ou multifacetado”. (Realces do texto).


Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II (Artigos 202.º a 307.º), Coimbra Editora, 1999, afirma em anotação ao artigo 205.º, no § 2, pág. 94, distinguindo-se do abuso de confiança em que o bem jurídico protegido é exclusivamente a propriedade, no furto protege-se a propriedade, mas protege-se também e simultaneamente a incolumidade da posse ou detenção de uma coisa móvel, o que oferece, em definitivo, um carácter complexo ao objecto da tutela.

Para Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 3.ª edição actualizada, Novembro de 2015, nota 2, pág. 793, o bem jurídico protegido pela incriminação é a propriedade, incluindo a posse e a detenção legítimas. O conceito penal de “propriedade” inclui o poder de disposição sobre a coisa, com fruição das utilidades da mesma.


Para Victor Sá Pereira, Código Penal, Livros Horizonte, 1988, em anotação ao artigo 296.º do Código Penal de 1982, pág. 331, afirma. “O furto não é mais um delito de simples subtracção (de coisa alheia ou do valor de coisa alheia). É um crime de apropriação, que atinge o património mediante ofensa da propriedade”.

A coisa subtraída e apropriada tem de ser alheia. Não importa, todavia, que esteja determinado ou seja determinável o seu dono ou detentor; mas há-de tratar-se de coisa inserida na propriedade de alguém. Não há furto, com efeito, de res nullius, de res dereclicta e de res commune omnium”.

Para José António Barreiros, Crimes contra o património, Universidade Lusíada, 1996, pág.20, versando o Código Penal na versão de 1995, “O furto é um crime uniofensivo, pois agride apenas um bem jurídico, no caso a propriedade, a qual é um valor protegido pela Constituição e pelas Convenções protectoras dos direitos do Homem (…). As coisas não são o bem jurídico tutelado pela criminalização do furto, antes o mero objecto da acção no que a estes crimes respeita.

No furto o bem jurídico atingido - e que a lei quer proteger – é a propriedade, embora haja furto mesmo que não se saiba quem é o proprietário da coisa e até estando a coisa furtada entregue a um mero detentor”.

Da caracterização específica do crime de furto deriva que há que ter em conta, em cada caso concreto, a extensão da lesão, o grau de lesividade, o quantum do prejuízo patrimonial causado.

No crime de furto, tendo em vista descortinar na densificação da ilicitude, a extensão da lesão, o grau de lesividade do património atingido, a medida do prejuízo causado, é fundamental ter em conta o valor patrimonial do bem objecto de apropriação.

O valor patrimonial da coisa móvel alheia (elemento implícito do tipo legal de crime de furto, segundo Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, §§ 26 e 56, a págs. 33 e 44), como o da coisa roubada, ou apropriada em sede de crime de roubo, não pode deixar, obviamente, de ser tomada em atenção, embora neste caso possa ser neutralizado pelo grau da violência ou da ameaça exercida pelo agente contra a vítima. (A este respeito cfr. os acórdãos por nós relatados, de 23-02-2011, processo n.º 250/10.1PDAMD.S1; de 31-03-2011, processo n.º 169/09.9SYLSB; de 13-04-2011, processo n.º 918/09.5JAPRT.S1; de 11-05-2011, processo n.º 1040/06.1PSLSB.S1, de 31-01-2012, processo n.º 2381/07.6PAPTM.E1.S1 e de 9-05-2018, processo n.º 671/15.3PDCSC.L1.S1).

Para Teresa Beleza, Os crimes contra a propriedade, pág. 235, o conceito de valor é estranho ao tipo base do furto.

Sobre a agravante em função do valor da coisa subtraída, Frederico de Lacerda da Costa Pinto, em Aspectos da Tutela Penal do Património, Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal - 1995 (Conferências proferidas no Porto, em 30 e 31 de Outubro de 1995, em Lisboa, de 23 a 25 de Novembro de 1995, e no Funchal, em 2 de Maio de 1996), volume II, Centro de Estudos Judiciais, Lisboa, 1998, págs. 486 a 489, afirma: “a insistência na agravante em função do valor do objecto furtado não teve consagração pacífica na Comissão Revisora. Contra ela se objectou ser das agravantes mais dificilmente conciliáveis com o regime legal do dolo, que exige o conhecimento da mesma como condição da sua imputação ao agente (artigo 13.º do Código Penal). Pelo que a sua manutenção acabará por conduzir na prática judicial à aplicação automática da agravação, entenda-se, independentemente da consciência sobre o grau de valor do objecto. Noutros termos, como um caso de responsabilidade objectiva. Daí a proposta de Figueiredo Dias no sentido de que o valor funcionasse apenas como agravante concreta na determinação da medida da pena”. A motivação do agente permite negar o dolo da circunstância qualificadora, pelo que esta não pode ser imputada subjectivamente.


Evolução dos contornos do conceito de valor patrimonial, presente no crime de furto, mas também nos crimes de roubo, de burla, de dano, de infidelidade.


Esta abordagem justifica-se, e impõe-se, mesmo, a nosso ver, face aos valores apropriados pelo recorrente.

No domínio do Código Penal de 1886, imperava, no que respeita ao crime de furto, o esquema de modelo de escalões de valor pecuniário, em via directa, a determinar as molduras penais – artigos 421.º, 422.º, 423.º, 425.º, 427.º, 428.º e 430.º – o mesmo sucedendo no Decreto-Lei n.º 44.939, de 27 de Março de 1963, reportado a crimes de furto de veículos e furtum usus dos mesmos, uns e outros com as actualizações/elevações de montantes constantes dos artigos 1.º, 2.º e 4.º, da Lei n.º 27/81, de 22 de Agosto (neste caso os valores mínimos e máximos dos escalões penais do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 44.939 haviam sido elevados ao dobro pelo artigo 3.º da Lei n.º 2138, de 14 de Março de 1969) –, bem como no que tange ao crime de roubo, a regra geral de punição do roubo, constante do artigo 437.º, que, para além da punição autónoma dos tipos autónomos dos artigos 433.º a 436.º, a que eram alheias considerações acerca do valor da coisa apropriada, delas prescindindo, estabelecia que «Fora dos casos declarados nos artigos 433.º a 436.º, será aplicável a pena imediatamente superior à correspondente ao crime de furto, tendo em atenção o valor da coisa», retomando o critério da punição em função do “valor da coisa”.


A partir de 1 de Janeiro de 1983, com a entrada em vigor do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, a medida da punição deixou de depender directamente do valor da coisa furtada, salvo no caso de se tratar de coisa de valor consideravelmente elevado.

No que tange ao crime de furto, no Código Penal de 1982, para o conceito valor da coisa furtada não havia meio termo: a previsão normativa de então considerava duas vertentes colocadas nos extremos da qualificação, com junção de tal elemento “valor consideravelmente elevado”, e da desqualificação, ou “valor insignificante”.

No artigo 297.º, prevendo o furto qualificado, no n.º 1, alínea a), constava o “valor consideravelmente elevado”, igualmente previsto no n.º 3 do artigo 303.º do mesmo Código Penal, referente ao furto familiar.

Dispunha o n.º 3 do artigo 297.º: “Se a coisa for de insignificante valor, não haverá lugar à qualificação”.

A desqualificação era possível, obviamente, à luz das agravativas previstas nas alíneas b) a g) do n.º 1 e alíneas a) a h) do n.º 2.

Nesta versão pontificava o recurso a conceitos indeterminados, ou a cláusulas gerais de valor, ou a adopção de conceitos normativos, como neste plano o do artigo 298.º do Código Penal de 1982, todavia restrito a definição dos conceitos de arrombamento, escalamento e chaves falsas, deixando entretanto à jurisprudência a densificação do único reporte a dimensão patrimonial, na busca de um novo paradigma, como é o caso do recurso ao conceito de valor consideravelmente elevado, constante do artigo 297.º, n.º 1, alínea a), circunstância a qualificar o furto, e do n.º 3 do artigo 303.º, norma respeitante ao furto familiar, todavia, sem perder a qualificação de crime semi-público, e ainda por remissão, a norma aplicável presente no artigo 299.º, que previa o furto de coisa pertencente ao sector público ou cooperativo, em que os limites mínimo e máximo das penas previstas, não nos artigos anteriores, como diz expressamente (e erroneamente) o preceito, pois que o artigo 298.º cuida, apenas, em exclusivo, de definições legais, mas antes no igualmente imediato antecedente artigo 297.º, referentes ao furto qualificado, eram agravados até um terço – norma, por seu turno, aplicável ao crime de abuso de confiança, por via do n.º 3 do artigo 300.º e estando o valor consideravelmente elevado presente no crime de roubo, por força do n.º 5 do artigo 306.º, aplicável ao crime de violência depois de apropriação previsto no artigo 307.º, na burla, por força da aplicação do artigo 303.º (furto familiar) conforme o disposto no n.º 2 do artigo 313.º, na burla agravada, prevista no artigo 314.º, alínea c), referindo expressamente valor do prejuízo consideravelmente elevado, na burla relativa a seguros, prevista no artigo 315.º n.º 2, por reporte à alínea c) do artigo 314.º, na infidelidade, por força da aplicação do artigo 303.º, n.º 3 (furto familiar), conforme o disposto no n.º 2 do artigo 319.º.

A este nível, não será despiciendo convocar outros conceitos de valoração de ordem patrimonial, como o de «pequeno valor», presente nos artigos 301.º (Restituição), n.º 2, estando em causa a restituição do objecto do furto ou da apropriação ilícita ou reparação integral do prejuízo causado, sem dano ilegítimo de terceiro pelo agente, antes de instaurado o procedimento criminal, 302.º, n.º s 1 e 2, norma respeitante ao crime de furto por necessidade e formigueiro, no crime de dano, no sentido de atenuação, no artigo 310.º, n.º 2 “se o prejuízo for de pequeno valor”, e aplicável ao crime de burla, por força do artigo 313.º, n.º 2, ao remeter para o artigo 301.º; ao crime de burla relativa a seguros, por força do n.º 3 do artigo 315.º, ao mandar aplicar o disposto no artigo 301.º; por força do n.º 2 do artigo 316.º, ao crime de burla para obtenção de bebidas, alimentos, alojamento ou acesso a recintos e meios de transporte, ao determinar a aplicação do artigo 302.º, e finalmente, ao crime de infidelidade, previsto no artigo 319.º, por força do n.º 2, ao determinar a aplicação do artigo 301.º.

Ao tempo, a jurisprudência procurou definir padrões no que toca ao valor insignificante, e assim:

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 6-07-1983, BMJ n.º 329, pág. 618 – Insignificante valor, para os fins do artigo 297.º do Código Penal, deverá ser aquele que facilmente seja desprezado pela generalidade das pessoas do mesmo meio em que se verifica o facto, o que não sucede com uma quantia monetária que quase atinge o montante do salário mínimo nacional de um grande sector activo do País, como é o do serviço doméstico.

Acórdãos (dois) do Tribunal da Relação do Porto, de 7-12-1983, BMJ n.º 332, págs. 510 e 511 – referiam não poder confundir-se o insignificante valor com o pequeno valor. Não é insignificante valor uma quantia que representa, em média, para cada português, oito dias de trabalho.

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27-03-1985, BMJ n.º 352, pág. 423 - não é de considerar como valor insignificante o valor de 4.498$10, reportado a Dezembro de 1983.

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27-07-1983, primeira decisão publicada sobre a matéria no BMJ n.º 329, pág. 423, a propósito da noção de valor insignificante, num caso de furto de um aparelho de telefonia no valor de 100$00, e de 1700$00 em dinheiro, cometido em Abril de 1982, entendeu não ser de ter como insignificante o valor da subtração – 1800$00, quantia correspondente a cerca de 3 dias de salário mínimo nacional.

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13-03-1985, publicado no BMJ n.º 345, pág. 232, entendeu-se: “O valor de 1020$00, para pessoas pobres, como o são o ofendido e o réu, não é de considerar insignificante. Especialmente não o era na época em que foi cometido o crime [Julho de 1981], na qual correspondia a mais de 3 dias de salário mínimo nacional (então de 9.000$00 – Decreto-Lei n.º 480/80, de 15 de Outubro); nem o é ainda agora em que equivale a cerca de dia e meio desse salário (de 19.200$00 – Decreto-Lei n.º 49/85, de 27 de Fevereiro).

No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-05-1985, recurso n.º 37 834, publicado no BMJ n.º 347, pág. 203, não se considerou como «insignificante valor» o equivalente a mais de dois dias de salário mínimo nacional, sendo o ofendido empregado de armazém e o dono de mercearia de aldeia, e o réu pobre. 

No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-07-1985, recurso n.º 37 933, não se consideraram como valores insignificantes as quantias de 3.700$00 e de 9.000$00, em Outubro de 1983.

No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-07-1985, recurso n.º 37 947, não se consideraram insignificantes os valores de 3.000$00 e de 1.642$00, a partir da comparação entre o salário mínimo nacional do réu, simples trolha, e o valor das quantias em causa.

No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-10-1985, processo n.º 37 769 -3.ª Secção, publicado no BMJ n.º 350, pág. 174, ponderou-se: – A expressão «insignificante valor» usada no n.º 3 do artigo 297.º do Código Penal equivale a um quantitativo mínimo, a fixar caso a caso pelo julgador, lançando mão do senso comum e jogando com critérios relacionados com índices objectivos, como a desvalorização da moeda, o nível médio dos salários e o salário mínimo nacional, e também com a situação económica dos próprios autores do crime. Não é de reputar de insignificante valor o furto de ferramentas no valor de 5.000$00, cometido em Março de 1983, quando o salário mínimo nacional era de 13.000$00 (Decreto-Lei n.º 47/83, de 29 de Janeiro).

Para o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 1-04-1987, Tribuna da Justiça, n.º 29, pág. 28, o sentido da expressão insignificante valor utilizada no artigo 297.º, n.º 3, do Código Penal, há-de relacionar-se com a satisfação das necessidades essenciais da vida do comum das pessoas, incluindo as menos desfavorecidas, pelo que a quantia não inferior a um dia de salário mínimo nacional tem significado ou releva para os efeitos do que aí se dispõe.

Victor de Sá Pereira, Código Penal, Livros Horizonte, 1988, em anotação ao artigo 297.º, n.º 3, no n.º 19, pág. 338, dizia: “Valor insignificante é o que não tem importância ou interesse, a bagatela ou a ninharia, cuja perda se mostra carecida de relevo, pois atinente a algo de que se prescinde sem sacrifício. Trata-se, como já se tem decidido, de valor sem significado para a generalidade das pessoas de determinado meio, podendo ser desprezado pelo comum dos indivíduos, em função da sua índole irrisória ou mesquinha. Ainda assim, já ponderámos, a propósito. «É um terreno onde predomina alguma infixidez e onde a bagatela ou a ninharia pode tender para uma restrição excessiva do campo de acção da lei. Não podemos, manifestamente, sem risco de grave imoralidade, aceitar que se ultrapasse a diária do salário mínimo nacional e admitir, pois, a insignificância do quantitativo de 2.500$00. Há limites objectivos que, numa perspectiva de conteúdo social, têm de ser respeitados. Toda a correcção possível há-de funcionar apenas, em regra abaixo dos mesmos. E, in casu, o favor rei não deixa de abundar em ordem a admitir-se a insignificância dos 500$00». (Realces do texto). 

Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette, Código Penal Anotado e Comentado, Quid Juris, 2008, em anotação ao artigo 203.º, no ponto 28, pág. 538, referem: “Sendo o furto, assim, um crime em cuja textura entra o valor patrimonial, põe-se a questão de saber se as bagatelas, valores irrisórios ou insignificantes, abaixo do valor diminuto [artigos 202.º, c), e 204.º, n.º4] podem fundamentar condenação por crime de furto. É o problema do «limiar de significado para o direito penal», expressiva denominação que se colhe em Faria Costa (ibidem, 46), onde se coloca a questão de saber se, v.g., um grão de trigo, um bago de uva, uma caixa de fósforos ou um maço de cigarros, uma vez furtados, dispõem ou não de dignidade penal e desencadeiam ou não carência de pena. (…) Sem entrarmos no terreno adjectivo diremos que o princípio bagatelar não consente a punição por furto, nos casos referidos, e que, subsistindo dúvidas, sempre se pode recorrer à dispensa de pena. Ainda assim, há-de tratar-se de casos que se situem abaixo do referido valor diminuto. (…) Há uma diferença clara entre bagatelas e valores diminutos. (Realces do texto).

Citando Saragoça da Marta, no mesmo local, refere que nos casos que se situem abaixo do valor diminuto, no caso de bagatelas, “deverá deixar-se à prudência e bom-senso dos órgãos de polícia criminal e das autoridades judiciárias a decisão de não investigar, não acusar, não pronunciar, não admitir a julgamento e muito menos condenar pela prática de furtos de bagos de uva ou de grãos de milho”. E daí a tal diferença entre bagatelas e valores diminutos.

      

Reforma de 1995 

Procurou-se com a reforma de 1995, ao invés do sistema anterior da versão originária de 1982, assumir uma opção centrada numa definição quantificada de conceitos, reportada a um modelo de definições legais, a níveis quantificados e pré-fixados de valor pecuniário do objecto do crime. 

Significa isto que elemento preponderante, essencial, ou noutra perspectiva, elemento implícito do tipo legal, a ter em conta, é o valor pecuniário do objecto do crime de furto, ou do crime de roubo, quanto a este, atenta a “declaração de dependência” do roubo em relação aos critérios do furto, delineada na alínea b) do n.º 2 do artigo 210.º, onde manifestamente se expressam remissões para os requisitos referidos nos n.º s 1 e 2 do artigo 204.º, bem como para o n.º 4 do mesmo artigo, ou seja, são adoptados os critérios de quantificação no sentido de qualificação e de privilegiamento, uma vez que tal remissão opera tanto para a alínea a) do n.º 1 (definição de valor elevado), como para o n.º 2 (definição de valor consideravelmente elevado) do artigo 204.º, bem como para o n.º 4 do mesmo preceito, este no sentido do privilegiamento, dizendo não haver lugar a qualificação, se a coisa for de diminuto valor. 


O artigo 202.º do Código Penal, “Disposição preliminar” do Capítulo I do Título II - “Dos crimes contra o património” - do Livro II - Parte Especial, contém as definições legais que importam aos crimes contra a propriedade e contra o património em geral.

No que ora importa, o preceito introduzido com a terceira alteração ao Código Penal, operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, em vigor desde 1 de Outubro de 1995, e que optou por uma definição quantificada de conceitos enquanto fundamentos de qualificação ou privilégio, obviamente, considerada a vertente patrimonial, escalona as seguintes espécies de valor a ter em consideração no enquadramento de tais crimes:

a) Valor elevado – aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto.

b) Valor consideravelmente elevado – aquele que exceder 200 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto.

c) Valor diminuto – aquele que não exceder uma unidade de conta avaliada no momento da prática do facto.


Unidade de conta processual penal (UC), segundo a definição do artigo 1.º (Definições legais), n.º 1, alínea h), do Código de Processo Penal, na versão originária do Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, era “quantia em dinheiro equivalente a um quarto do salário mínimo nacional mais elevado, garantido no momento da aplicação da sanção respectiva, arredondado, quando necessário, para a centena de escudos imediatamente superior”.

Esta alínea veio a ser revogada pelo artigo 8.º, alínea b), do Decreto-Lei n.º 212/89, de 30 de Junho.

Procurando concretizar os conceitos introduzidos com a reforma de 1995, a Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro (Diário da República, I Série-A, n.º 202/98, de 2-09-1998), que introduziu a quarta alteração ao Código Penal, veio estabelecer no artigo 3.º que “Para efeito do disposto nas alíneas a), b) e c) do artigo 202.º do Código Penal, o valor da unidade de conta é o estabelecido nos termos dos artigos 5.º e 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 212/89, de 30 de Junho”.

De acordo com o artigo 5.º, n.º 2, deste Decreto-Lei, que alterou o Código das Custas Judiciais então vigente, criando a “unidade de conta processual” (UC), em substituição da unidade de conta processual penal (UC) e unidade de conta de custas (UCC), deveria entender-se «por unidade de conta processual (UC) a quantia em dinheiro equivalente a um quarto da remuneração mínima mensal mais elevada, garantida, no momento da condenação, aos trabalhadores por conta de outrem, arredondada, quando necessário, para o milhar de escudos mais próximo ou, se a proximidade for igual, para o milhar de escudos imediatamente inferior».

(O artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, deu nova redacção ao preceito, operando a conversão para euros).

E de acordo com o artigo 6.º, n.º 1, do mesmo Decreto-Lei, a UC considerava-se, trienalmente, e com início em Janeiro de 1992, automaticamente actualizada nos termos previstos no artigo 5.º, a partir de 1 de Janeiro de 1992, devendo, para o efeito, atender-se sempre à remuneração mínima que, sem arredondamento, tivesse vigorado no dia 1 de Outubro do ano anterior.

Estes dois preceitos foram mantidos em vigor pelo artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro de 1996, que aprovou o Código das Custas Judiciais, entrado em vigor em 1 de Janeiro de 1997.

A partir de 1998 volve-se a um paradigma de uma permanente actualização do valor pecuniário das sanções, e por reflexo na densificação das definições do artigo 202.º do Código Penal, sem necessidade de qualquer providência legislativa, passando a actualização dos quantitativos a ser automática.

Vejamos o valor da UC na sucessão de triénios reportados entre 1992 e 2009 ao valor do salário mínimo nacional.

1989 a 1991 – 7.000$00 – Valor fixado pelo artigo 6.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 212/89, de 30 de Junho.

1992/1994 – 10.000$00 – Decreto-Lei n.º 14-B/91, de 9 de Janeiro (40.100$00)

1995/1997 – 12.000$00 – Decreto-Lei n.º 79/94, de 9 de Março (49.300$00)

1998/2000 14.000$00 – Decreto-Lei n.º 38/97, de 4 de Fevereiro (56.700$00)

2001/2003 16.000$00 – 79,81 € – Decreto-Lei n.º 573/99, de 30-12 (63.800$00)

2004/2006 – 89,00 € – Decreto-Lei n.º 320-C/2002, de 30-12 (€ 356,60)

2007/2009 – 96,00 € – Decreto-Lei n.º 238/2005, de 30-12 (€ 385,90)

2010 – 102,00 €.


Ora, tendo os crimes de furto em apreciação sido praticados entre 17 de Setembro de 2017 e 23 de Maio de 2018, importará averiguar qual a medida de UC vigente nesse período.

Com a entrada em vigor, em 20 de Abril de 2009, do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, in Diário da República, 1.ª série, n.º 40, de 26 de Fevereiro, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril, in Diário da República, 1.ª série, n.º 81 e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, in Diário da República, 1.ª série, n.º 165, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto, pelo artigo 156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro – Lei do Orçamento do Estado 2009 (Diário da República, 1.ª série, n.º 252, Suplemento), pelo artigo 163.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril – Orçamento do Estado para 2010, pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril, Diário da República, 1.ª série, n.º 73, de 13-04-2011, pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, in Diário da República, 1.ª série, n.º 31, de 13 de Fevereiro, que procedeu à sexta alteração e republicação do RCP, rectificada com a Declaração de Rectificação n.º 16/2012, de 26 de Março, in Diário da República, 1.ª série, n.º 61, de 26-03-2012, pela Lei n.º 66-B/2012, de 31de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, in Diário da República, 1.ª série, n.º 167, de 30 de Agosto, e pela Lei n.º 72/2014, de 2 de Setembro), o qual aprovou – artigo 18.º - o Regulamento das Custas Processuais, publicado no anexo III do mesmo Decreto-Lei, a unidade de conta (UC), de acordo com o artigo 22.º do mesmo Decreto-Lei n.º 34/2008, na redacção do Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto, passou a ser fixada em um quarto do valor do indexante dos apoios sociais (IAS) vigente em Dezembro do ano anterior, arredondada à unidade Euro, sendo actualizada anualmente com base na taxa de actualização do IAS, devendo a primeira actualização ocorrer apenas em Janeiro de 2010, nos termos dos n.º s 2 e 3 do artigo 5.º do Regulamento das Custas Processuais.

Este diploma, pelo artigo 25.º n.º 2, alínea f), revogou os artigos 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 212/89, de 30 de Junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro. 

No que para aqui releva, adiante-se que, segundo o n.º 2 do referido artigo 5.º, a UC é actualizada anual e automaticamente de acordo com o indexante dos apoios sociais (IAS), devendo atender-se, para o efeito, ao valor de UC respeitante ao ano anterior.

Segundo a Portaria n.º 9/2008, de 3 de Janeiro – IAS 2008 –, o valor do indexante dos apoios sociais (IAS) para o ano de 2008 foi fixado em € 407,41, e a partir desse montante foi determinado o valor da UC (unidade de conta) para o ano seguinte – 2009 – em € 102,00 [0,25 x 407,41 €, arredondado à unidade de Euro].

Esta Portaria veio a ser revogada pela Portaria n.º 1514/2008, de 24 de Dezembro (Diário da República, 1.ª série, n.º 248, de 24-12-2008), que fixou o valor do indexante dos apoios sociais (IAS) para o ano de 2009, em € 419, 22, produzindo efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2009 - artigos 2.º, 26.º e 27.º

Estabelecia o citado artigo 2.º: «O valor do indexante dos apoios sociais (IAS) para o ano de 2009, a que se refere o artigo 5.º da Lei n.º 53-B/2006, de 29 de Dezembro, é de € 419, 22».

Acontece que o Decreto-Lei n.º 323/2009, de 24 de Dezembro, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 248, de 24-12-2009, no artigo 1.º, veio suspender o regime de actualização anual do indexante dos apoios sociais (IAS) das pensões e de outras prestações sociais atribuídas pelo sistema de segurança social, mantendo o valor de 2009.

Com efeito, de acordo com o artigo 3.º (Valor do indexante dos apoios sociais) «O valor do IAS para o ano de 2010 é de € 419, 22».

Este Decreto-Lei vigorou de 1 de Janeiro de 2010 a 31 de Dezembro de 2010 (artigo 8.º).

A fim de evitar uma diminuição do valor nominal do IAS e do montante das pensões e de outras prestações a este indexadas tendo como objectivo garantir aos pensionistas com pensões mais baixas o aumento do poder de compra, como se colhe do preâmbulo, o Governo suspendeu os regimes de actualização previstos na Lei n.º 53-B/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento de 2007), de modo a que ficasse ao nível de 2009, assim evitando deterioração de valores.

A Portaria n.º 1458/2009, de 31 de Dezembro – IAS 2009 - (Diário da República, 1.ª série, n.º 252, de 31-12-2009), produzindo efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2010 (artigo 33.º) e revogando a Portaria n.º 1514/2008, de 24 de Dezembro (artigo 34.º) – a qual, relembre-se, havia fixado o valor do indexante dos apoios sociais (IAS) para o ano de 2009, em € 419, 22, produzindo efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2009 –, veio declarar que o IAS mantinha o seu valor actual.

Assim, a partir do dia 20 de Abril de 2009, data da entrada em vigor do referido Regulamento das Custas Processuais – artigo 26.º do Diploma Preambular (Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02, com a alteração operada pela Lei do Orçamento de Estado de 2009 (citada Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro) – a Unidade de Conta Processual (UC), porque reportada ao ano anterior (2008) é de computar em € 102,00.

Caso se tivesse mantido o valor de 419,22, a UC seria de:

€ 419,22 x 0,25; ou € 419,22 x ¼; ou € 419,22:4 = 104,805 €, o que, por arredondamento, daria € 105,00.

Por força da suspensão do regime de actualização anual do IAS, o valor da UC para vigorar no ano de 2010 foi de 102,00 €.

O valor de € 102,00 tem sido mantido ao longo destes anos, através dos normativos que seguem.

Por força do artigo 67.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31-12-2010 – Lei do Orçamento do Estado para 2011 – para vigorar no ano de 2011.

Por força do artigo 79.º, alínea a), da Lei n.º 64-B/2011, de 30-12-2011 – Lei do Orçamento do Estado para 2012 – para vigorar no ano de 2012.

Por força do artigo 114.º, alínea a), da Lei n.º 66-B/2012, de 30-12-2012 – Lei do Orçamento do Estado para 2013 – para vigorar no ano de 2013.

Por força do artigo 113.º, alínea a), da Lei n.º 83-C/2013, de 30-12-2013 – Lei do Orçamento do Estado para 2014 – para vigorar no ano de 2014.

Por força do artigo 117.º, alínea a), da Lei n.º 82-B/2014, de 30-12-2013 – Lei do Orçamento do Estado para 2015 – para vigorar no ano de 2015.

Por força do artigo 73.º, alínea a), da Lei n.º 7-A/2016, de 30-03-2013 – para vigorar no ano de 2016.

Conforme estabeleceu o artigo 266.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2017), manteve-se em vigor para 2017 o valor da UC vigente em 2016.

E conforme estabeleceu o artigo 178.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2018), manteve-se em vigor para 2018 o valor da UC vigente em 2017.    

Conforme estabelece o artigo 182.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2019), manteve-se em vigor para 2019 o valor da UC vigente em 2018.   

Actualmente, mantém-se em vigor o valor da UC (Unidade de conta) vigente em 2019, conforme estabelece o artigo 210.º da Lei n.º 2/2020, de 31 de Março (Orçamento do Estado para 2020), publicada no Diário da República, 1.ª série, de 31-03-2020.

Tal valor é de 102,00 €, que se tem mantido inalterado desde 20 de Abril de 2009, data da entrada em vigor do referido Regulamento das Custas Processuais.   

      

Em vigor, pois, o valor de € 102,00.


Será, pois, este o valor a atender, para estes efeitos, considerando a data da prática dos factos ora em apreciação, donde se retira que valor diminuto será o correspondente a montante até 102,00 €, valor elevado, o que ultrapasse 5.100,00 € e valor consideravelmente elevado, o que ultrapassar o montante de 20.400,00 €.

Como se reconhece no acórdão deste Supremo Tribunal de 10-02-2010, proferido no processo n.º 1353/07.5PTLSB.S1-3.ª Secção, citando Faria e Costa em “Direito Penal Especial”, págs. 71 e 72, «o valor dos bens é um elemento de qualificação de todos os crimes contra o património. Coisas sem qualquer valor venal não são merecedoras, qua tale, de protecção penal através dos crimes contra o património. Nem mesmo aquelas cujo valor não atinge o «limiar mínimo de relevância para o mundo do direito penal».

No caso de crime de roubo, em que a par de bens jurídicos patrimoniais se protege a liberdade individual e a integridade física, a lesão destes é a preponderante. Por isso, é que ao contrário do consagrado para os crimes de furto e de abuso de confiança, onde a restituição da coisa ou a reparação integral é susceptível de extinguir a responsabilidade criminal ou suscitar a atenuação especial da pena (cfr. art. 206.º do CP), tais possibilidades não foram estendidas ao crime de roubo. 

O valor da coisa roubada, embora não possa deixar de ter alguma influência na determinação da medida da pena, é circunstância cuja relevância é praticamente neutralizada pelo grau e espécie da violência ou da ameaça exercida pelo agente contra a vítima, designadamente quando se destaca claramente daquele limiar mínimo».

 Sobre a relevância do aspecto do valor patrimonial da coisa na fixação da pena concreta do roubo, veja-se o acórdão deste Supremo Tribunal de 12 de Maio de 2010, proferido por Rodrigues da Costa no processo n.º 51/08.7JBLSB.S1-5.ª Secção, em que foi ponderado:

“O valor patrimonial tem de ter relevância na fixação da pena concreta do roubo, que, sendo um crime complexo quanto à natureza dos bens jurídicos protegidos, é um crime em que o elemento patrimonial faz parte essencial do seu âmbito de tutela, estando mesmo integrado no título dos crimes contra o património e no capítulo dos crimes contra a propriedade.

Deste modo, as penas terão que ser fixadas também em função dos valores de que os arguidos se apropriaram”.

Como se pode ler no acórdão de 23 de Junho de 2010, proferido no processo n.º 246/09.6GBLLE.S1-3.ª Secção: “A determinação do valor da coisa objecto de crime é essencial como pressuposto necessário de integração diferencial, com reflexos fundamentais na qualificação ou não qualificação do crime e na moldura penal aplicável (…) a indeterminação dos valores, bem como a ausência de qualquer indicação sobre os bens que o recorrente pretendia retirar ao ofendido, na projecção material do in dubio, enquanto princípio relevante da prova sobre elementos de factos relevantes em processo penal, impõe que essa indeterminação tem de ser valorada a favor do recorrente”.          


Concretizando.


Vejamos os valores apropriados ou tentados apropriar nos catorze furtos qualificados praticados pelo arguido, ora recorrente, entre 17 de Setembro de 2017 e 23 de Maio de 2018.


Furtos qualificados consumados


Processo n.º 160/20170.1… – Este processo – € 3.430,00, em 22 artigos em ouro;

Processo n.º 45/18.4…. – 2.500,00 € - 11 artigos em ouro;

Processo n.º 256/17.0… – 2.350,00 € - 24 artigos em ouro;

Processo n.º 25/18.0… – 1.500,00 € - 11 artigos em ouro;

Processo n.º 112/18.4… – 1.220,00 € - 7 artigos de ouro e prata;

Processo n.º 30/18.6… – 800, 00 (500,00 €, em ouro e numerário 300,00€);

Processo n.º 45/18.4… – 2.500, 00 € - artigos em ouro;

Processo n.º 240/18.6… – 150, 00 € (um fio Swarovski e 4 brincos cor de prata)

Processo n.º 84/18.5… – 350,00 € em numerário;

Processo n.º 112/18.4… – 1.220,00 € (7 artigos em ouro e prata);

Processo n.º 6/18.3… – 435,00 € (bens) e 60 £ em numerário


Furtos qualificados tentados


Processo n.º 6/18.3… – valor não apurado, superior a 102,00 €

Processo n.º 84/18.5… – valor não apurado, superior a 102,00 €

Processo n.º 40/18.3… – valor não apurado, superior a 102,00 €


No caso presente, as penas parcelares estão definitivamente assentes, em aberto estando apenas a determinação da pena única.


Pese embora a consagrada definitividade das penas parcelares, tal não significa, porém, que, no caso sujeito, a opção do Tribunal da Relação de Évora, a exemplo de outros casos paralelos, confirmando de resto o decidido na 1.ª instância, relativamente às penas parcelares, com naturais reflexos na pena unitária, mereça aplauso.

Explicitando.

Sendo a penalidade do n.º 2 do artigo 204.º do Código Penal, de pena de prisão de 2 a 8 anos, sendo os furtos qualificados da mesma forma, mas estando em causa valores patrimoniais absolutamente díspares, sendo o diferencial entre o valor mais baixo (150,00 €) e o valor mais elevado (de 3.430,00 €), no montante de 3.180,00 €, a verdade é que a condenação é igual, idêntica, absolutamente igualitária, porque não diverge, em função do valor dos bens apropriados, sendo fixada exactamente a mesma pena relativamente a todos os dez crimes de furto consumados qualificados pela alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º do Código Penal.


Esta questão de “unicidade de penas parcelares”, como então lhe chamámos, num contexto de pluralidade de crimes em concurso, foi por nós abordada no acórdão de 10-10-2007, proferido no processo n.º 3191/07 da então Comarca de Santiago do Cacém, em que os 31 crimes de furto qualificados cometidos pelo recorrente JR (sendo 26 previstos e puníveis nos termos da alínea h) do n.º 1 e alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º do Código Penal e 5 nos termos da alínea a) do n.º 1 do mesmo artigo) foram punidos, todos e cada um, com a mesma pena, de 2 anos e 8 meses de prisão, o mesmo acontecendo com os 44 furtos qualificados cometidos pelo recorrente co-arguido V, sancionados com idênticas penas parcelares.

Foi então ponderado:

“Nos exemplos dados as diferenças vão de 100 euros a 16 000 euros, sendo a punição exactamente a mesma em qualquer das situações, sem se ter em consideração a única variável, atenta a omnipresença das duas outras qualificativas.

Com efeito, como se referiu, quer na 1.ª instância, quer na Relação, está-se perante condenação em idêntica pena, quer os bens apropriados tenham valor elevado ou não, uma punição uniformizada para todos e cada um dos crimes em presença, sendo idênticas as penas parcelares, estabelecendo-se uma “pena única” para todos e cada um dos crimes, aplicando-se sempre a mesma “tabela”, sem que se estabeleça qualquer diferenciação na punição.

Pretendendo-se com a punição do furto a tutela da propriedade, estando em causa bens com um determinado valor de mercado (e não se tendo aqui em conta o estimativo), a intensidade da agressão ao património variará de acordo com o valor objectivo dos bens de que o proprietário é desapossado, sendo diverso o grau de lesividade consoante esse valor e daí o legislador distinguir entre o valor diminuto, o elevado e o consideravelmente elevado - artigo 204.º, n.º 1, a), n.º 2, a) e n.º 4”.


No caso presente, a punição foi idêntica – 3 anos e 6 meses de prisão –, aplicando-se uma única pena para todos e cada um dos furtos qualificados cometidos pelo recorrente, independentemente da natureza e do valor dos bens apropriados.

 

Senão vejamos.


Pela ordem decrescente de valores apropriados:

Processo n.º 30/18.6… – 800,00 € (artigos ouro - 500,00 e numerário 300,00 €)

Processo n.º 6/18.3… – € 435,00 (bens) + 50,00 £

Processo n.º 423/17.6… – 399.20 € (portátil Sony Vaio)

Processo n.º 84/18.5… – 350,00 € (numerário)

Processo n.º 240/18. 86 … – 150,00 € (um fio Swarovski e 4 brincos cor de prata).

 

Sendo dez dos furtos consumados cometidos pelo recorrente qualificados pela alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º do Código Penal, nestes cinco casos com bens e valores compreendidos entre 800,00 € e 150,00 €, os furtos tiveram exactamente a mesma punição que os outros cinco casos, em que foram apropriados bens e valores mais elevados, compreendidos entre 1. 220,00 € e 3.430,00 €, sempre fora do conceito de valor elevado.


Já no processo n.º 306/17.0…, com a qualificativa da alínea f) do n.º 1 do artigo 204.º, com outra penalidade, e com o valor de 350,00 €, a pena foi a de 2 anos de prisão.


Nos exemplos dados as diferenças de valor dos bens vão de 150 euros a 3.430 euros, sendo a punição exactamente a mesma em qualquer das situações, sem se ter em consideração a única variável, presente no plano quantitativo, atenta a omnipresença da mesma qualificativa, o que não deixa de ter um efeito expansionista na moldura penal ao nível do limite máximo, que poderá conduzir a naturais reflexos na confecção da pena conjunta.

Nos três furtos qualificados tentados, com indefinição do valor patrimonial, mas ultrapassando o valor diminuto, foi aplicada a mesma pena.


***


Como expende Figueiredo Dias em O sistema sancionatório do Direito Penal Português inserto em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, pág. 815, “A prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral , porém, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida”.   

Como se expressou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 1996, n.º 48.774, publicado na CJSTJ 1996, tomo 2, págs. 222/6, “Com a determinação de que sejam tomadas em consideração as exigências da prevenção geral, procura dar-se satisfação à necessidade comunitária de punição do caso concreto, tendo-se em conta, de igual modo, a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos”. (Realce do texto).

As necessidades de prevenção especial avaliam-se em função da necessidade de prevenção de reincidência.

Como refere Américo Taipa de Carvalho, a propósito de prevenção da reincidência, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 325, trata-se de dissuasão necessária para reforçar no delinquente o sentimento da necessidade de se auto-ressocializar, ou seja, de não reincidir.

E no caso de infractores ocasionais, a ter de ser aplicada uma pena, é esta mensagem punitiva dissuasora o único sentido da prevenção especial.

     

Há que atender às condições pessoais relativas ao ora recorrente, que foram dadas por provadas, alinhadas no FP 1.57.

O recorrente nasceu em 18-05-1978, o que significa que à data da prática da maioria dos factos tinha 39 anos de idade e 40 anos, aquando da prática dos factos de 22 e de 23 de Maio de 2018, julgados nos processos n.º 40/18.3… e n.º 6/18.3…, contando actualmente recentíssimos 42 anos de idade.   

A ponderar o período temporal em que o recorrente se dedicou a furtos a residências, entre 17-09-2017 e 23-05-2018, ou seja, durante 8 meses e 6 dias, o modo de execução, em conjunção com o co-arguido BB, nas primeiras quatro intervenções e ainda com a co-arguida CC a partir de 3-02-2018, conduzindo veículo automóvel e ficando de vigia, tendo sido apropriados bens e valores no montante global de 13.484,20 € e 60,00 £, com recuperação através de apreensão de bens no processo n.º 6/18.3…, como consta do FP 1.33.

   

Apreciando a conduta global do recorrente, é evidente a estreita conexão entre todos os catorze crimes, com assalto a residências, executadas em conjunção, com BB por quatro ocasiões e nos restantes episódios com a intervenção de CC, atendendo a que se está perante um manifesto caso de pluriocasionalidade, sem qualquer assomo de tendência criminosa, sendo o presente conjunto ora apreciado a primeira incursão do recorrente em crime de furto. Na expressão do acórdão da primeira instância, “o recorrente AA não tem “ficha” no domínio do furto”.

Na verdade, num primeiro período, o arguido foi condenado por factos de 2004, 2005 e 2009, em duas penas de multa de 100 e de 200 dias, extintas pelo pagamento, por condução intitulada, e por corrupção activa para acto ilícito, sendo condenado na pena de um ano de prisão, suspensa na execução, o que aconteceu há 15 anos, numa época em que o recorrente prestava serviços para algumas agências funerárias.

Recentemente, o arguido foi condenado por factos de 2015 e 2016, tendo sido condenado por condução intitulada e por violação de domicílio, em penas de multa de 160 dias, que pagou, e de 110 dias.

As anteriores condenações, verificadas ao longo de doze anos (2004-2016), por quatro vezes foram punidas com pena de multa e uma com prisão de 1 ano suspensa na execução.

O recorrente dedicou-se a esta actividade ora apreciada na sequência de encerramento de um café que explorava com a companheira por o proprietário do prédio pretender vender o edifício, no final de 2017, e por dívidas acumuladas com a exploração do mesmo. 


O recorrente alega que as penas (parcelares e única) em que foi condenado são só por si, excessivas e desproporcionais e que tal excesso se torna mais visível, quando comparadas com as aplicadas ao arguido BB, dado que o grau de participação deste nos factos é idêntico ao seu e que o arguido tem responsabilidades parentais, circunstância que deve ser tida em conta na determinação da pena.

Há desde logo que ter em conta, como se afirmou no acórdão de 10-10-2007, proferido no processo n.º 3191/07 da então Comarca de Santiago do Cacém, que “a medida concreta de uma pena aplicada a um arguido não se afere pela medida concreta da pena aplicada a outro arguido. A culpa é pessoal e intransmissível”.

Acontece que no presente caso o recorrente e o co-arguido BB participaram em conjunto por doze vezes, sendo que no caso do processo n.º 112/18.4… - Apenso P – FP 1.24, 1.25 e 1.26, ocorrido em 5-05-2018, o co-arguido BB não teve intervenção, actuando o recorrente e os co-arguidos CC e DD e no processo n.º 122/18/18.1… - Apenso I – FP 1.27 e 1.28, ocorrido em 17-05-2018, intervieram apenas os co-arguidos BB e EE, não intervindo o ora recorrente, tendo neste caso os bens subtraídos atingido o valor global de € 4.593,97.


Ponderando todos os elementos disponíveis e concluindo.


Concatenados todos os elementos disponíveis, há que indagar se a facticidade dada por provada no seu conjunto permite formular um juízo específico sobre a personalidade do recorrente que ultrapasse a avaliação que se manifesta pela própria natureza dos factos praticados, evidenciando-se alguma tendência radicada na personalidade, ou seja, que o ilícito global, seja produto de tendência criminosa, ou antes correspondendo no singular contexto ora apreciado, a um conjunto de factos praticados em determinado período temporal, restando a expressão de uma mera ocasionalidade procurada pelo arguido.

A facticidade provada não permite, no presente caso, formular um juízo específico sobre a personalidade do recorrente que ultrapassa a avaliação que se manifesta pela própria natureza dos factos praticados, atenta a natureza e grau de gravidade das infracções por que responde, e muito embora não se mostrando provada personalidade por tendência, ou seja, que o ilícito global seja produto de tendência criminosa do arguido, certo é que a pluriocasionalidade foi procurada.


Concluindo.

      

Por todo o exposto, tendo em conta a moldura penal cabível de três anos e seis meses a vinte e cinco anos de prisão, ponderando todos os elementos supra mencionados, tendo o acórdão recorrido feito uso de um factor de compressão de cerca de 1/3, entende-se justificar-se intervenção correctiva, fixando a pena conjunta em oito anos de prisão, que se considera como equilibrada e adequada, respeitando os critérios legais enunciados, está conforme com a necessidade de tutela do bem jurídico violado, mostra-se ajustada à culpa da recorrente pelo facto global praticado e responde às necessidades de prevenção especial, não afrontando os princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas – artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa – nem as regras da experiência, antes se mostrando adequada e proporcional à defesa do ordenamento jurídico, e não ultrapassa a medida da culpa do recorrente.


Decisão


Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em julgar procedente o recurso interposto pelo arguido AA, e em consequência, delibera-se reduzir a pena conjunta para oito anos de prisão.

Sem custas.

Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.


Lisboa, Escadinhas de São Crispim, 20 de Maio de 2020


Raul Borges (Relator)


Manuel Augusto Matos