Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | SECÇÃO DO CONTENCIOSO | ||
Relator: | ANA PAULA BOULAROT | ||
Descritores: | RECURSO CONTENCIOSO IMPEDIMENTO SUSPEIÇÃO REQUISITOS PARTICIPAÇÃO CRIMINAL ACUSAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 01/27/2016 | ||
Votação: | MAIORIA COM 2 VOTOS DE VENCIDO | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO CONTENCIOSO | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Área Temática: | ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA - ESTATUTOS PROFISSIONAIS / MAGISTRADOS JUDICIAIS. DIREITO ADMINISTRATIVO - PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO / PRINCÍPIOS GERAIS DA ACTIVIDADE ADMINISTRATIVA ( PRINCÍPIOS GERAIS DA ATIVIDADE ADMINISTRATIVA ) / ÓRGÃOS ADMINISTRATIVOS / GARANTIAS DE IMPARCIALIDADE / CASOS DE IMPEDIMENTO / ACTO ADMINISTRATIVO ( ATO ADMINISTRATIVO ) / INVALIDADE DO ACTO ADMINISTRATIVO ( INVALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO ). DIREITO CONSTITUCIONAL - ORGANIZAÇÃO DO PODER POLÍTICO / ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA / PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS. | ||
Doutrina: | - Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves, J. Pacheco de Amorim, “Código Do Procedimento Administrativo”, comentado, 2.ª edição, 107. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (CPA), NA VERSÃO DO D.L. N.º 442/91, DE 15 DE NOVEMBRO: - ARTIGO 44.º, N.º1, AL. F). CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (CPA), APROVADO PELO D.L. N.º 4/2015, DE 7 DE JANEIRO: - ARTIGOS 4.º, 6.º, 8.º, 163.º, N.º1. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 266.º. ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS (EMJ): - ARTIGOS 4.º, 7.º, 32.º. LEI GERAL DO TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS (LGTFP):- ARTIGO 209.º, N.º1, ALÍNEA C). | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 21 DE MARÇO DE 2013 E DE 10 DE OUTUBRO DE 2014, IN WWW.DGSI.PT. | ||
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Sumário : |
I. Prevê-se no artigo 44.º, n.º1, alínea f) do C.P.A. anterior, aqui aplicável por se encontrar em vigor à data da prática dos factos, no que aos casos de impedimentos concerne, o seguinte «Nenhum titular de órgão ou agente da Administração Pública pode intervir em procedimento administrativo ou em acto ou contrato de direito público ou privado da Administração Pública nos seguintes casos: f) Quando contra ele, seu cônjuge ou parente em linha recta esteja intentada acção judicial proposta por interessado ou respectivo cônjuge;». II. A referida predisposição prende-se, prende-se com as garantias da imparcialidade da administração, cujos princípios enformadores se encontram plasmados no artigo 266.º da C.R. Portuguesa. III. Tais princípios fazem impender sobre a Administração um específico dever de ponderação dos interesses em causa, mantendo a devida equidistância em relação ao confronto com os interesses dos particulares e, de outra banda, sobre si impende a obrigação de se abster de efectuar considerações sobre os aludidos interesses em função de valores estranhos à sua actividade. IV. Estatutariamente aos juízes, na sua missão de julgar, é exigido, como garantia do seu exercício, que o façam com o dever de independência e imparcialidade, nos artigos 4.° e 7.° do E.M.J. e julgar com independência é fazê-lo sem sujeição a pressões, venham elas de onde vierem, deixando fluir o curso do pensamento com sujeição apenas à lei, à consciência e às decisões dos tribunais superiores; ser imparcial é posicionar-se num patamar acima e além das partes, dizendo o direito aplicável na justa composição de interesses cuja resolução lhe é pedida. V. No caso, a imparcialidade da Exª Senhora Inspectora Judicial estaria posta em causa no dizer da Recorrente, por decorrer de uma causa directa da Lei – artigo 44.º, n.º1, alínea f) do C.P.A.– e por ter sido contra a mesma efectuada uma participação criminal, motivo este expressamente consagrado, que constitui, por si só, um impedimento dirimente da sua actuação em sede inspectiva, interditando-a em absoluto de intervir, por existir um conflito de interesses. VI. Só que a gravidade geradora do incidente formulado contra a Sra. Inspectora Judicial, teria de assentar num acto formal acusatório prévio, que no caso não existiu, tendo-se tratado da dedução de um impedimento com base numa mera participação criminal, condenado assim ao insucesso. (APB) | ||
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Decisão Texto Integral: |
ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I M, Juíz de Direito, notificada da deliberação do Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura, de 15 de Abril de 2015, que decidiu negar provimento ao incidente de impedimento por si deduzido contra a Exma. Senhora Inspectora Judicial Juíz Desembargadora Dra. …, vem da mesma interpor recurso contencioso ao abrigo do disposto nos artigos 168º e seguintes do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei nº 21/85, de 30 de Julho, com os seguintes fundamentos: - Pela deliberação recorrida foi decidido, na sequência de pedido formulado pela Requerente, não dar provimento ao incidente de impedimento suscitado. - Por despacho do Exmo. Senhor Vice-Presidente do CSM, homologado por deliberação do Conselho Plenário do CSM de 11.03.2014, foi aprovado o Mapa de Inspecções Judiciais para o ano de 2014, tendo a inspecção ordinária classificativa ao serviço da Requerente, enquanto juiz titular do (extinto) Tribunal do Trabalho de …, sido inscrita nesse mesmo Mapa, relativamente ao período compreendido entre 08.10.2010 e a data de instalação dos serviços de inspecção (por outro não ter sido expressamente indicado). - Assim, em 10 de Setembro de 2014 a A. recebeu uma carta subscrita pelo Exmo. Senhor Secretário de Inspecção, a informar que “a partir de 15 de Setembro de 2014 dar-se-[ia] início à Inspecção Ordinária ao (…) serviço prestado no ex Tribunal do Trabalho de …, [sendo a A.], no cumprimento do disposto do art. 17º nº 1 al. g) e nº 2 do RIJ, convid[ada] a apresentar (…) trabalhos (…) reportados ao período de 08 de Outubro de 2010 a 31 de Dezembro de 2013”. - A A., considerando tratar-se um de mero lapso de escrita, e cumprindo com o ordenado, remeteu à Exma. Senhora Inspectora Judicial Juíz Desembargadora Dra. …. um memorando e demais elementos reportados ao período de inspecção legalmente estabelecido, ou seja, de 08.10.2010 até 31.08.2014. - Uma vez recebido o referido memorando e respectiva documentação, a Exma. Senhora Inspectora Judicial nada disse, tendo a A. firmado convicção que, de facto, o período sob inspecção seria o de 08.10.2010 a 31.08.2014. - Contudo, e para sua surpresa, veio a A. a verificar que a inspecção que estava a ser efectuada ao seu serviço apenas reportava ao trabalho desenvolvido até ao dia 31 de Dezembro de 2013. - Perante tal facto, a A., em 29 de Outubro de 2014, pediu esclarecimentos à Exma. Senhora Inspectora Judicial quanto ao limite temporal da inspecção, peticionando a final o seu alargamento até 31 de Agosto de 2014. - Em 30 de Outubro de 2014, a Exma. Senhora Inspectora Judicial respondeu ao pedido de esclarecimentos da A., tendo, na sequência, informado que o período sob inspecção judicial apenas abarcaria o serviço prestado até ao dia 31 de Dezembro de 2013. - Na sequência do decidido, suscitou a A., em 4 de Novembro de 2014, incidente de suspeição junto do Exmo. Senhor Vice-Presidente do CSM. - Em 5 de Dezembro de 2014 veio a A. apresentar queixa-crime contra a Exma. Senhora Inspectora Judicial, por considerar que a sua conduta é criminalmente punível. - A apresentação da referida queixa deu origem aos autos de inquérito nº…. - A Exma. Senhora Inspectora Judicial, no âmbito da apreciação do incidente de suspeição suscitado pela A., prestou esclarecimentos sobre esta matéria, tendo ficado a conhecer que contra si corria inquérito com vista ao apuramento da sua responsabilidade criminal. - Entretanto, e face à omissão de pronúncia quanto à suspeição suscitada, veio a A. reclamar para o Conselho Plenário do CSM, em 27 de Abril de 2015, peticionando a extensão do período a inspeccionar e a declaração da nulidade do acto administrativo da Exma. Sra. Inspectora Judicial que fixou o termo do período objecto da Inspecção Judicial Ordinária constante do Mapa de 2014. - Por outro lado, uma vez que a Exma. Senhora Inspectora Judicial não se declarou impedida, a Requerente, em 28 de Janeiro de 2015, suscitou junto do Exmo. Senhor Presidente do CSM, impedimento legal, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 44º, nº 1, alínea f), 45º, nºs 1, 2 e 3, 46º, nº 1, e 47º, nº 1, todos do Código de Procedimento Administrativo (CPA), alegando, entre o demais, que: «a Exma Sra. Inspectora Judicial …, nos Serviços de Inspecção que desenvolveu, de facto, a partir de meados de Outubro de 2014 no extinto TT das …, encurtou de “mottu próprio” o período temporal do serviço objecto da inspecção judicial ordinária ordenada pelo CSM, e reportou-se apenas a processos e decisões proferidas até 31/12/2013, contrariando o disposto no art. 6º do Regulamento das Inspecções Judiciais. (…) E recusou-se expressamente a incluir no âmbito da Inspecção Judicial em curso o trabalho realizado pela ora, Requerente no período de 01/01/2014 até 31/08/2014, e que não foi ainda objecto de classificação; num total de 8 meses, ou seja, 1/6 do período de serviço objecto de uma inspecção ordinária a 4 anos de serviço. Em face de tal recusa, para além do mais, em 05/12/2014 a ora requerente viu-se forçada a apresentar participação criminal nos Serviços do Ministério Público junto do Colendo Supremo Tribunal de Justiça contra a Exma. Sra. Desembargadora Inspectora … ». - Em 20 de Abril de 2015, a A. foi notificada da douta deliberação do Conselho Plenário do CSM, resultando da mesma, e para o que aqui interessa, que: “É nessa linha de preservação da prossecução do interesse público e de neutralidade da administração, indispensável a criar no público a confiança na administração pública, que se insere a previsão legal de impedimentos respeitantes à participação em procedimento administrativo de órgãos ou agentes que tenham um interesse pessoal na decisão do caso. E entre essas situações integráveis nos casos de impedimento, previstos pelo artigo 44º, 1, do CPA, conta-se aquela em que contra o titular ou agente administrativo corre acção judicial proposta por um interessado no procedimento ou pelo respectivo cônjuge. A Senhora Juíz, interessada no procedimento inspectivo já iniciado ao serviço por si prestado, comprova a pendência de um inquérito, nos serviços do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça, com origem numa denúncia por si apresentada contra a Exma. Inspectora Judicial que realiza a inspecção. (…) Para além do disposto nos artigos 29º e 30º, o Regulamento das Inspecções Judiciais (RIJ) não prevê para o procedimento inspectivo todos os mecanismos de garantias de imparcialidade. (…) Donde resulta que aos impedimentos, recusa ou escusa, no que falta regular, se aplicam as normas do CPA. E, como se referiu, à luz do predito artigo 44º, 1, f), do CPA, nenhum titular de órgão ou agente da administração pode intervir em procedimento administrativo quando contra ele, seu cônjuge ou parente em linha recta esteja intentada acção judicial proposta por interessado ou pelo respectivo cônjuge. Donde decorre que, no caso de impedimento, está sempre vedada a intervenção do órgão ou agente no procedimento em todas as situações elencadas na norma, relativamente às quais o legislador optou pela sua enumeração taxativa. (…) A propósito e em paralelismo, o novo Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente ao processo nos tribunais administrativos (artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), estatui que nenhum juiz pode exercer as suas funções em jurisdição contenciosa ou voluntária «[Q]uando seja parte na causa pessoa que contra ele propôs a acção civil para indemnização de danos, ou que contra ele deduziu acusação penal, em consequência de factos praticados no exercício das suas funções ou por causa delas (..) desde que a acção ou a acusação já tenha sido admitida»[artigo 115º, 1, g)]. (…) Donde o entendimento jurisprudencial que, embora o artigo 44º,1, f), do CPA, pareça ser menos exigente do que o processo civil no que respeita aos pressupostos do impedimento resultante da pendência de processo penal, não pode afirmar-se que a mera apresentação da denúncia opera como causa de impedimento. (…) Por último, embora o princípio da imparcialidade seja transversal a todo o procedimento administrativo, o exercício dos poderes funcionais no seu decurso só adquire desvalor jurídico quando determine ou influencie a decisão administrativa num certo sentido. E a intervenção da Senhora Inspectora limitar-se-á, num exercício de natureza pericial, apresentar ao CSM os dados recolhidos e a proposta de notação que, na sua óptica os mesmos enformam, mas a deliberação classificativa cabe ao CSM. Neste enfoque da questão, só remotamente se pode falar em determinação ou influência da Senhora Inspectora no acto final. (…) Pelo exposto, considerando não verificados os respectivos pressupostos, o Plenário do Conselho Superior da Magistratura delibera indeferir o incidente de impedimento requerido pela Exma. Dra. …”. - A A., embora a respeite, discorda da apreciação feita pela douta deliberação impugnada, porquanto considera que a mesma padece, e salvo o devido respeito, de vício de violação de lei, por desrespeito da norma do artigo 44º, nº 1, alínea f), do (antigo) CPA, sendo, por isso, ilegal e, em consequência, anulável, nos termos do disposto no artigo 163º do CPA, aprovado pelo Decreto-Lei nº 4/2015, de 7 de Janeiro. Da violação do disposto no artigo 44º, nº 1, alínea f), do CPA - A A. suscitou, como vimos, junto do R. um incidente de impedimento relativamente à Exma. Senhora Inspectora Judicial que foi designada para realizar a inspecção ordinária de 2014 ao seu serviço. - Tal como resulta do requerimento onde é suscitado o incidente, o impedimento da Exma. Senhora Inspectora Judicial tem por base a existência de procedimento criminal pendente (Inquérito nº…) contra a Exma. Senhora Inspectora Judicial, como consequência da sua actuação, considerada criminalmente punível, quanto à fixação do período que se encontra sob a alçada da inspecção. - Significa isto que o pressuposto normativo que serve de base ao impedimento da Exma. Senhora Inspectora Judicial é o facto de contra ela correr processo judicial, conforme expressamente instituído no artigo 44º, nº 1, alínea f), do CPA. - Foi com base nesse pressuposto que a A. requereu (face à ausência de iniciativa nesse sentido por parte da Exma. Senhora Inspectora Judicial), a declaração de impedimento da Exma. Senhora Inspectora Judicial e, em consequência, a substituição imediata da mesma por outro Inspector Judicial, para, ab initio, proceder à Inspecção Judicial Ordinária ao seu serviço. - Pensa-se, assim, que a douta deliberação impugnada, ao não declarar o impedimento alteado, fez interpretação errónea do disposto no artigo 44º, nº 1, alínea f), do CPA, nomeadamente ao fazer depender a sua aplicação do artigo 115º, nº 1, do Código de Processo Civil (CPC). - Isto é, mal andou a douta deliberação impugnada ao interpretar uma norma imperativa constante do CPA de acordo com uma norma processual civil que em nada infere no campo administrativo, tendo em conta que não existe nenhuma lacuna a integrar e muito menos a necessidade de qualquer aplicação analógica de normas. Vejamos, - Dispõe o artigo 1º do CPTA que “[o] processo nos tribunais administrativos rege-se pela presente lei, pelo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e, supletivamente, pelo disposto na lei de processo civil, com as necessárias adaptações”. - Significa isto que caso as regras que disciplinam o processo de contencioso administrativo não prevejam a regulação de uma qualquer circunstância, será aplicável subsidiariamente as regras do contencioso civil. - Acontece, porém, que o artigo 44º, nº 1, alínea f), do CPA, reporta a preceito integrado na matéria das garantias da imparcialidade, no âmbito do procedimento administrativo e não do processo, do contencioso, administrativo. - Não se vislumbra, portanto, como pode a douta deliberação remeter, nesta matéria, para uma norma do processo civil, quando, na verdade, estamos (quer se trate de matéria inspectiva, quer seja matéria disciplinar) na presença de um procedimento (e não de um processo) administrativo. - De resto, mesmo que se admitisse tal remissão, o que não se concede, certo é que não haveria aqui espaço para uma qualquer interpretação restritiva do artigo, sob pena de estarmos a pôr em risco um princípio basilar da actuação administrativa, como é o da imparcialidade (cf. artigo 3º do antigo CPA e artigo 9º do novo CPA), que o legislador concretizou como forma de atribuir uma maior segurança jurídica relativamente à actuação dos órgãos e agentes da Administração. - Aliás, em bom rigor, não cremos que a norma em apreço contenha lacunas que necessitem de ser preenchidas, nomeadamente pelo recurso à analogia. - Na verdade, conforme se estabelece no artigo 9º, nºs 2 e 3, do Código Civil (CC), “[n]ão pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso./ [além de que] na fixação do sentido e alcance da lei o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”. - Por isso, o artigo 10º, nºs 1 e 2, do CC dispõe que: “1 - Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos. 2 - Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei”. - Assim, face ao exposto nas normas em apreço, podemos concluir, in casu, que é de excluir, desde logo, o recurso à integração de lacunas até porque não existe qualquer omissão a preencher, porquanto o impedimento com base na pendência de processo judicial tem consagração expressa nas normas que regulam o procedimento administrativo. - Em suma, o legislador do CPA (aplicável à data) optou, de forma expressa, por regular taxativamente as garantias da imparcialidade da Administração, enumerando os casos que podem comprometer uma actuação imparcial da mesma. - É esta a razão de ser deste normativo e não cabe, salvo melhor entendimento, ao intérprete tentar extrair dele, um sentido restritivo que o legislador optou por não atribuir. - Por essa razão, o impedimento constante da norma do artigo 44º, nº 1, alínea f), do CPA, não pode estar dependente da dedução de acusação (à semelhança do que sucede com o impedimento de um juiz no âmbito da pendência de um processo judicial), bastando-se apenas com a existência de um processo judicial. - Aliás, a admitir-se qualquer aplicação subsidiária de lei quanto às garantias de imparcialidade (que constitui um dever da Administração e um direito dos interessados na actuação da Administração), a mesma sempre seria operada através da aplicação das disposições constantes na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20 de Junho, nomeadamente do disposto no artigo 209º, nº 1, alínea c), ex vi do artigo 32º do Estatuto dos Magistrados Judiciais. - Contudo, mesmo nesta hipótese, o legislador basta-se com a existência de processo jurisdicional, pelo que sempre encontraríamos solução legal igual à que aqui pugnamos, ou seja, o impedimento da Exma. Senhora Inspectora Judicial. - Assim, e face àquela que é a ratio legis do artigo 44º, nº 1, alínea f), do CPA, pensa-se que o impedimento suscitado pela Requerente é manifesto, porquanto corre inquérito contra a Exma. Senhora Inspectora Judicial e tem a mesma conhecimento de tal facto, o que, pelo menos em abstracto, interfere no exercício imparcial das funções, devendo a mesma ser declarada ou declarar-se impedida na intervenção da inspecção judicial ao serviço da Requerente. - A este propósito não se percebe, aliás, que se diga que a Exma. Senhora Inspectora desconhece o processo judicial em causa, pelo que sempre a aplicação da norma do artigo 44º, nº 1, alínea f), do CPA, estava dependente desse conhecimento. - Recorde-se que no âmbito do incidente de suspeição a Exma. Senhora Inspectora Judicial prestou esclarecimentos quanto à factualidade reportada, nomeadamente quanto ao facto de contra si estar a correr processo crime, e, na qualidade de interessada, foi notificada do teor da deliberação do Plenário do CSM, em cuja fundamentação se reproduziu a participação criminal apresentada, a qual indeferiu o referido incidente, mantendo a Exma. Senhora Inspectora em funções. - Facto que a própria deliberação recorrida reconhece. - Pelo que é inequívoco o seu conhecimento relativamente à existência do processo-crime que contra si corre. - Cremos, por tudo o quanto que ficou dito, que a deliberação recorrida padece de vício de violação de lei, por desrespeitar a norma do artigo 44º, nº 1, alínea f), do CPA, assim como os princípios da legalidade, da igualdade e da justiça e da razoabilidade (cf. artigos 4º, nº 1, 6º e 8º do CPA), sendo, por isso, ilegal, devendo, em consequência, ser anulada.
Na resposta o CSM alinhou as seguintes considerações, em síntese: - A Senhora Juíza M exerceu funções como juiz de direito no Tribunal do Trabalho de … desde 7/09/2009 até 31/08/2014, data em que o tribunal foi extinto, tendo tomado posse em 1/09/2014 como juiz da instância central criminal do Tribunal Judicial da Comarca de …. - Inscrita no plano de inspecções judiciais para o ano de 2014, para inspecção ao serviço prestado, a partir de 08/10/2010, no extinto Tribunal do Trabalho de …., a Ex.ma Inspectora Judicial, Dr.ª…, decidiu que o período temporal do serviço objecto da inspecção decorria até 31/12/2013. - A Senhora Juíza requereu, então, a extensão da acção inspectiva a todo o trabalho realizado naquele Tribunal, até 31/08/2104, mantendo a Ex.ma Inspectora Judicial o limite temporal da inspecção em 31/12/2013, a Senhora Juíza requereu ao Ex.mo Senhor Vice-Presidente deste CSM inspecção a todo o serviço realizado até 3l/08/2014 e suscitou incidente de suspeição. - Em 05/12/2014, a Ex.ma Juíza apresentou denúncia nos Serviços do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça contra a Ex.ma Inspectora Judicial Dr.ª …, imputando-lhe a prática de factos que, na sua óptica, consubstanciam a autoria material de um crime de denegação de justiça e prevaricação na forma consumada, previsto e punível pelo artigo 369.º, 1 e 2, do Código Penal, por referência ao disposto no artigo 386.º, 1, d), e 3, al. a) do mesmo diploma legal, e um crime de abuso de poder na forma consumada, previsto e punível pelo artigo 382.º do Código Penal, por referência ao disposto no artigo 386.º, 1, d), e 3, a), do mesmo diploma legal. - Essa participação criminal deu origem aos autos de inquérito n.º …, no qual a Senhora Juíza prestou declarações e requereu a sua constituição como assistente. - Com base na pendência do inquérito deduziu o incidente de impedimento da Ex.ma Senhora Inspectora Judicial, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 44.º, 1, f), 45.º, 1, 2 e 3, 46.º, 1, e 47.º, 1, do anterior Código do Procedimento Administrativo (CPA), vigente à data da prática do ato. - O Plenário deste CSM, na sessão de 15-04-2015, considerou inverificados os respectivos pressupostos e indeferiu o deduzido incidente de impedimento da Senhora Inspectora Judicial nomeada para a realização da inspecção ao serviço prestado pela Senhora Juíza. - A Recorrente atribui à deliberação impugnada o vício de violação de lei, por desrespeito da norma do artigo 44.º, 1, f), do Código do anterior CPA, vigente à data do início do procedimento, o que torna a deliberação anulável ao abrigo do preceituado no artigo 163.º do mesmo diploma. - A invalidade do acto administrativo resulta da sua desconformidade com a lei aplicável, a qual é cominada com nulidade quando os vícios que o afectem enquadrem os expressos no artigo 133.º do antigo CPA ou com anulabilidade quando os actos administrativos sejam praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção (artigo 135.º do antigo CPA). - Assim, a sanção geral da invalidade do acto ferido de ilegalidade é a anulabilidade, como mecanismo de garantia da eficiência da administração, impondo sobre os administrados o ónus de pôr em movimento o sistema de garantias para fazer valer essa invalidade. - Não estando em causa, como reconhece a impugnante, qualquer vício que conduza à nulidade do ato administrativo deste CSM, resta indagar se a apontada violação de lei transporta a anulabilidade da deliberação do CSM. - O suscitado incidente de impedimento legal da Ex.ma Senhora Inspectora Judicial nomeada para a realização da inspecção ao serviço prestado pela Senhora Juíza funda-se na pendência de procedimento criminal contra a Senhora Inspectora – inquérito n.º… – como consequência da sua actuação relativa à fixação do período de inspecção até 31/12/2013 e não até 31/08/2014, reputada pela participante como criminalmente punível. - De facto, dentre as situações integráveis nos casos de impedimento, previstos pelo artigo 44.º, 1, do antigo CPA, conta-se aquela em que contra o titular do órgão ou agente administrativo corre acção judicial proposta por um interessado no procedimento ou pelo respectivo cônjuge. - Daí que, pendendo contra a Senhora Inspectora Judicial um inquérito impulsionado sob participação da Senhora Juíza, poderão estar em causa as garantias de imparcialidade. - A imparcialidade desdobra-se numa vertente subjectiva, consubstanciada na posição pessoal do órgão ou agente perante a causa e caracterizada pela inexistência de qualquer predisposição no sentido de beneficiar ou de prejudicar qualquer das partes, e numa vertente objectiva, traduzida na ausência de circunstâncias externas, no sentido de aparentes, que revelem que o mesmo tem um pendor a favor ou contra qualquer dos interessados, afectando a confiança que os cidadãos depositam na administração. - A norma parece inscrever uma definição taxativa das situações de impedimento, reconduzindo ao impedimento todos os casos em que se verifique o respectivo pressuposto legal e afastando do procedimento administrativo todos os titulares de órgãos da administração que tenham um qualquer interesse pessoal na decisão. - É nessa linha de entendimento que a impugnante defende o afastamento da Senhora Inspectora Judicial do processo de inspecção em que é visada pelo simples facto de, contra a mesma, ter efectuado uma participação criminal em que lhe imputa o cometimento de crimes por ter «encurtado de “motu próprio” o período temporal do serviço objecto da inspecção judicial ordenada pelo CSM», reportando-se apenas ao serviço prestado até 31/12/2013 e recusando-se a incluir no âmbito da inspecção em curso o trabalho realizado pela Senhora Juíza no período de 1/01/2014 até 31/08/2014. Conduta de que extrai o juízo de que a Senhora Inspectora «agiu com intenção de prejudicar seriamente a Participante na sua carreira profissional», assim inferindo o dolo directo que lhe atribui. - O pensamento interpretativo da impugnante reconduz o normativizado a uma solução que não quadra com a ratio do incidente, ao defender que a mera pendência de processo judicial proposto por um interessado no procedimento administrativo contra o órgão ou agente administrativo se traduz numa vinculação à declaração de impedimento. - Essa via interpretativa encerra o pesado risco de deixar nas mãos dos interessados a constituição arbitrária de situações de impedimento, com grave perturbação da segurança jurídica, pois, para tanto, bastaria a apresentação de uma participação criminal, ainda que infundada, contra o órgão ou agente administrativo que se pretende irradiar da decisão do procedimento administrativo. - Sendo inquestionável que a finalidade do incidente de impedimento visa a prossecução do interesse público e a neutralidade da administração, indispensáveis a criar no público a confiança na administração pública, a previsão legal, ao especificar como causa de impedimento a situação em que, contra o titular do órgão ou agente administrativo, corre acção judicial proposta por um interessado no procedimento ou pelo respectivo cônjuge, impõe uma interpretação extensiva. - Na verdade, inexiste fundamento para não aplicar o impedimento aos casos em que a acção é proposta pelo titular de órgão ou agente administrativo contra o interessado no procedimento e também para os processos ou acções em que, não sendo partes principais, têm uma posição processual assimilável à posição das partes. - Identicamente, no procedimento administrativo, tem de se exigir mais do que uma simples participação crime para que seja declarado o impedimento do órgão ou agente, como mecanismo imprescindível a prevenir arbitrariedades dos interessados no gerar causas de impedimento, exigindo, para tanto, que o litígio entre os titulares tenha atingido o sustentável grau de concretização num processo judicial, criando as condições objectivas para que possa suspeitar-se da isenção e rectidão, por parte daquele, no tratamento de assuntos que respeitam ao seu adversário no foro judicial ou penal. - Embora o princípio da imparcialidade esteja subjacente nas hipóteses de impedimento, e sendo inquestionável que a sua operatividade assenta em razões de cautela e de prevenção, não basta a mera possibilidade de uma actuação não isenta para o deferimento do pedido de impedimento. - A razão da causa de impedimento em apreço é a de que a existência de um litígio entre o titular do órgão ou agente e o interessado no procedimento ou o seu cônjuge tenha atingido o grau extremo de concretização num processo judicial que crie condições objectivas para que possa suspeitar-se da isenção e rectidão por parte daquele deve tratar os assuntos respeitantes ao seu adversário, visando prevenir que o litígio judicial interfira no exercício dos poderes administrativos por parte do titular ou agente impedido, seja em desfavor do seu adversário seja em seu favor, por receio ou escrúpulo do agente quanto a ser visto como não conservando a isenção e rectidão. - Ora, a mera denúncia de um crime pelo interessado no procedimento administrativo, que pode até ter sido ilícita e abusivamente por ele criada, com o objectivo de provocar o seu afastamento do procedimento, não pode sustentar o deferimento do incidente de impedimento. - É esse o fundamento para que, em processo civil, essa causa de impedimento só exista desde que a acção tenha sido proposta ou a acusação já tenha sido deduzida, a determinar o entendimento jurisprudencial que, embora o artigo 44º, 1, f), do CPA, pareça ser menos exigente do que o processo civil no que respeita aos pressupostos do impedimento resultante da pendência de processo penal, não pode afirmar-se que a mera apresentação da denúncia opera como causa de impedimento. - Por isso, se pugna que, no apurado estádio do inquérito penal, não há fundamento para declarar o impedimento da Ex.ma Inspectora Judicial na realização da inspecção, mormente quando ocorre identidade factual relativamente a precedentes incidentes, designadamente do de suspeição, e a Senhora Juíza se limita, na denúncia, a um exercício meramente conclusivo de um discurso explanativo anteriormente usado no processo inspectivo. - Mesmo que se verifique, como alega a impugnante, que a Senhora Inspectora tem conhecimento da denúncia contra si operada, não se antevê qualquer fundamento que imponha àquela norma do procedimento administrativo sentido diverso daquele que exige como fundamento do impedimento, o artigo 115.º, 1, g), do Código de Processo Civil, que é a dedução da acusação penal. - Ademais, sem um ato formal de comunicação da pendência do inquérito, e dele emergente, o titular do órgão ou agente da administração não tem a qualidade de sujeito daquele processo e, mesmo admitindo que a Senhora Inspectora tenha conhecimento da denúncia, não lhe foi remetida qualquer comunicação pelo Ministério Público. - Acresce que do indeferimento do incidente não advém qualquer prejuízo para a impugnante, porque a rejeição da arguição do impedimento pelo órgão competente para o resolver administrativamente, não preclude que o interessado invoque, em juízo, essa ilegalidade relativamente à decisão final que for tomada no procedimento. - Com efeito, «[O] princípio da imparcialidade não é fatalmente omnipresente. Isto é, embora ele atravesse todo o procedimento e não se reserve apenas para a fase da decisão final, a intervenção e o exercício dos poderes funcionais no seu decurso só adquire desvalor antijurídico quando determinem ou influenciem a decisão administrativa num certo sentido». - Em suma: 1. A relevância da simples instauração do procedimento criminal como factor de impedimento, sem a exigência de um ato formal de comunicação emanada das autoridades judiciárias ou, pelo menos, emergente do processo e que constitua o titular do órgão ou agente na qualidade de sujeito daquele processo, deixaria nas mãos dos interessados a constituição arbitrária de situações de impedimento, com grave perturbação da segurança jurídica. 2. Essa a razão para que, em processo civil, essa causa de impedimento só exista desde que a acção tenha sido instaurada ou a acusação tenha sido deduzida. 3. Embora o artigo 44º, 1, f), do anterior CPA, pareça ser menos exigente do que o processo civil no que respeita aos pressupostos do impedimento resultante da pendência de processo penal, o entendimento jurisprudencial é no sentido de que a mera apresentação da denúncia não opera como causa de impedimento. 4. Além disso, do indeferimento do incidente não advém qualquer prejuízo para a impugnante, porque o não decretamento do impedimento pelo órgão competente para o resolver administrativamente, não preclude a sua arguição, em juízo, aquando da impugnação da decisão final que for tomada no procedimento. - Sendo manifesto que não se verificavam os pressupostos legais para ser decretado o impedimento requerido pela impugnante.
Nas alegações, a Recorrente pugna pela procedência do recurso, e a entidade Recorrida, pela respectiva improcedência, o mesmo acontecendo com o Ministério Público, que conclui pela manutenção da deliberação posta em crise, caso se não entenda que haverá lugar à extinção da instância recursiva por inutilidade superveniente da lide, atenta a prolação de despacho de arquivamento no processo crime instaurado pela Recorrente à Exª Inspectora, cuja cópia sugeriu que fosse junta e que consta de fls 177 a 179.
II Põe-se como questão única a decidir no âmbito do presente recurso a de saber se a deliberação impugnada padece de vício de violação de Lei, por ter desrespeitado a norma ínsita no artigo 44º, nº1, alínea f) do CPA, assim como os princípios da legalidade, da igualdade, da justiça e da razoabilidade, artigos 4º, nº1, 6º e 8º do CPA, sendo por isso ilegal e anulável.
Mostra-se apurada com interesse para a economia da decisão a proferir no presente recurso, a seguinte factualidade: - A Recorrente foi inscrita no plano de inspecções judiciais do ano de 2014 para inspecção ordinária classificativa do serviço prestado, a partir de 8 de Outubro de 2010, no Tribunal do Trabalho de … - A Exma. Inspectora Judicial – Juíz Desembargadora … –, decidiu que o período temporal do serviço objecto da inspecção judicial ordinária decorreria até 31 de Dezembro de 2013. - Em 29 de Outubro de 2014, a Recorrente solicitou à Exma. Inspectora Judicial que a acção inspectiva contemplasse todo o trabalho realizado naquele Tribunal, no qual se manteve até 31 de Agosto desse ano. - Em 30 de Outubro de 2014, respondeu a Exma. Sra. Inspectora Judicial, mantendo a decisão supra referida. - Em 4 de Novembro de 2014, a Recorrente dirigiu ao Exmo. Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura um requerimento em que suscitava o incidente de suspeição da Exma. Sra. Inspectora Judicial com base no diferendo antes aludido. - Por deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 20 de Janeiro de 2015, foi decidido não dar provimento ao incidente de suspeição suscitado pela Recorrente, teor de fls 127 a 142, dos autos de suspensão de eficácia apensos. - Em 5 de Dezembro de 2014, a Recorrente apresentou denúncia nos Serviços do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça contra a Exma. Inspectora Judicial imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de denegação de justiça e prevaricação e um crime de abuso de poder, aí alegando que: “(…) Sucede que a Ex.ma Sra. Inspectora Judicial …., nos Serviços de Inspecção que desenvolveu no extinto TT … encurtou de “mottu próprio” o período temporal do serviço objecto da inspecção judicial ordenada pelo CSM, e reportou-se apenas a processos e decisões proferidas até 31/12/2013. Constatando tal facto, em 19.10.2014 a Juiz de Direito ora Participante solicitou esclarecimentos à Ex.a Sra. Inspectora Judicial …, mais solicitou a extensão da acção inspectiva a todo o trabalho realizado até 31/08/2014 (…). A Sra. Inspectora Judicial respondeu nos termos do documento que ora se junta como Doc. nº 3, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, mantendo o limite temporal por ela fixado para a inspecção, até 31/12/2013. E recusou-se a incluir no âmbito da Inspecção Judicial em curso o trabalho realizado pela Participante no período de 01/01/2014 até 31/08/2014, e que não foi ainda objecto de classificação; num total de 8 meses, ou seja, 1/6 do período de serviço objecto de uma inspecção a 4 anos de serviço. A Sra. Inspectora Judicial … agiu com intenção de prejudicar seriamente a Participante na sua carreira profissional. Negando à ora Participante o direito legal e regulamentarmente tutelado de ver todo o seu trabalho realizado até 31/08/2014 objecto de classificação, relegando ilicitamente para daqui a 4 anos a classificação do demais serviço já produzido até 31/08/2014; e colocando a requerente em posição mais desfavorável e desigual, relativamente aos demais colegas juízes. Bem sabendo que esse “encurtamento” do período de trabalho a inspeccionar não tem qualquer fundamento legal nem regulamentar e é contrário ao RIJ, designadamente aos seus deveres previstos no artº 6º do RIJ, e à prática geral e uniforme instituída desde há mais de 20 anos pelos Serviços de Inspecção do CSM. A Sra. Inspectora Judicial … agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua descrita conduta era proibida e punível por lei criminal. (…)”. - A referida denúncia deu origem aos autos de inquérito n.º …, que correram termos nos Serviços do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal de Justiça. -A Recorrente suscitou junto do Exmo. Sr. Presidente do Conselho Superior da Magistratura o impedimento da Exma. Sra. Inspectora Judicial. - Por deliberação de 15 de Abril de 2015, o Plenário do Conselho Superior da Magistratura decidiu indeferir o incidente de impedimento referido nos seguintes termos: «1. M, Juiz de Direito da secção criminal da instância central de… - Juiz 3, deduz o incidente de impedimento da Ex.ma Senhora Inspectora Judicial, Desembargadora …, nos autos de inspecção judicial ordinária ao serviço prestado enquanto juiz titular do extinto Tribunal do Trabalho de …, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 44.º, 1, f), 45.º, 1, 2 e 3. 46.º, 1, e 47.º, 1, do Código do Procedimento Administrativo (CPA). Aduz os seguintes fundamentos: 1.1. Exerceu funções como juiz de direito no Tribunal do Trabalho de … desde 7/09/2009 até 31/08/2014, data em que o tribunal foi extinto, tendo tomado posse, em 1/09/2014, como juiz da instância central criminal dado Tribunal Judicial da Comarca de … 1.2. A última inspecção judicial ao seu serviço abarcou o trabalho realizado no período compreendido entre 26/08/2006 e 7/10/2010, data de instalação dos serviços de inspecção. 1.3. Foi inscrita no plano de inspecções judiciais para o ano de 2014 para inspecção ordinária ao serviço prestado no extinto Tribunal do Trabalho de …, no período compreendido entre 08/10/2010 e a data da instalação dos serviços de inspecção. 1.4. Essa foi a prática instituída pelos serviços de inspecção do CSM desde há mais de 20 anos e não foi expressa nem previamente indicada diversa posição pelos órgãos próprios do Conselho. 1.5. A Ex.ma Inspectora Judicial, Dr.ª …, ao desenvolver os serviços de inspecção no extinto Tribunal do Trabalho de … a partir de meados de Outubro de 2014, encurtou o período temporal do serviço objecto da inspecção judicial ordinária ordenada pelo CSM, reportando-se apenas ao serviço prestado até 31/12/2013, contrariando o disposto no artigo 6.º do Regulamento das Inspecções Judiciais. 1.6. Constatando tal facto, em 29/10/2014 solicitou esclarecimentos à Ex.ma Inspectora Judicial e pediu a extensão da acção inspectiva a todo o trabalho realizado até 31/08/2104. 1.7. Em 30/10/2014 respondeu a Ex.ma Inspectora Judicial, mantendo o limite temporal já fixado para a inspecção, ou seja, até 31/12/2013, e deixando por avaliar o trabalho realizado no período de 1/01/2014 a 31/08/2014, num total de 8 meses, que não foi ainda objecto de classificação. 1.8. Em face de tal recusa, para além do mais, em 5/12/2014 viu-se forçada a apresentar participação criminal contra a Ex.ma Inspectora nos serviços do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça, a qual deu origem aos autos de inquérito n.º …, tendo já prestado declarações. 1.9. Ante a pendência do inquérito, não pode a Senhora Inspectora continuar a intervir no procedimento inspectivo, requerendo a correspondente declaração de impedimento e imediata substituição por outro inspector. 2. A formalidade da audição do órgão ou agente administrativo que é alvo do impedimento tem um carácter facultativo, como decorre do preceituado no artigo 45.º, 3, do Código do Procedimento Administrativo (CPA). Os antecedentes procedimentais do caso, designadamente a anterior dedução do incidente de suspeição a partir do mesmo quadro factual, no qual foi obrigatoriamente ouvida a visada, torna desnecessário o cumprimento dessa formalidade. Destarte, dispensa-se a audição da Ex.ma Senhora Inspectora Judicial. II. Iter processual relevante (suportado nos documentos juntos) 1. A Senhora Juíza M exerceu funções como juiz de direito no Tribunal do Trabalho de … desde 7/09/2009 até 31/08/2014, data em que o tribunal foi extinto, tendo tomado posse em 1/09/2014 como juiz da instância central criminal do Tribunal Judicial da Comarca de … 2. A última inspecção judicial ao seu serviço abarcou o trabalho realizado no período compreendido entre 26/08/2006 e 7/10/2010, data de instalação dos serviços de inspecção. 3. A Senhora Juíza foi inscrita no plano de inspecções judiciais para o ano de 2014 para inspecção ordinária classificativa do serviço prestado, a partir de 08/10/2010, no extinto Tribunal do Trabalho de ... 4. Esse plano foi aprovado por despacho do Ex.mo Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura e homologado por deliberação do Plenário deste órgão, datada de 11/03/2014, publicada na sua página electrónica. 5. A Ex.ma Inspectora Judicial, Dr.ª …, ao desenvolver os serviços de inspecção no extinto Tribunal do Trabalho das Caldas da Rainha a partir de meados de Outubro de 2014, decidiu que o período temporal do serviço objecto da inspecção judicial ordinária ordenada pelo CSM decorria até 31/12/2013. 6. Disso discordando, a Senhora Juíza solicitou, em 29/10/2014, esclarecimentos à Ex.ma Inspectora Judicial e pediu a extensão da acção inspectiva a todo o trabalho realizado naquele Tribunal, cessado em 31/08/2104. 7. Em 30/10/2014 respondeu a Ex.ma Inspectora Judicial, mantendo o limite temporal da inspecção até 31/12/2013, deixando fora desta avaliação o trabalho realizado no período de 1/01/2014 até 31/08/2014. 8. Em 04/11/2014, a Senhora Juíza dirigiu ao Ex.mo Senhor Vice-Presidente deste CSM um requerimento em que formula que o limite temporal do serviço a inspeccionar é todo o realizado até 3l/08/2014, data em que cessou funções no extinto Tribunal do Trabalho de …, declarando nulo e de nenhum efeito o acto administrativo da Senhora Inspectora judicial que fixou o termo do período objecto da Inspecção Judicial em 31/12/2013. 9. Nesse mesmo requerimento e com base naqueles mesmos factos, suscitou a Senhora Juíza o incidente de suspeição. 10. Em 05/12/2014, a Ex.ma Juíza apresentou denúncia nos Serviços do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça contra a Ex.ma Inspectora Judicial Dr.ª …, imputando-lhe a prática de factos que, na sua óptica, consubstanciam a autoria material de: - um crime de denegação de justiça e prevaricação na forma consumada, previsto e punível pelo artigo 369.º, 1 e 2, do Código Penal, por referência ao disposto no artigo 386.º, 1, d), e 3, al. a) do mesmo diploma legal; - um crime de abuso de poder na forma consumada, previsto e punível pelo artigo 382.º do Código Penal, por referência ao disposto no artigo 386.º, 1, d), e 3, a), do mesmo diploma legal. 11. Na participação criminal consignou os seguintes fundamentos: «(…) 11.º Sucede que a Ex.ma Sra. Inspectora Judicial …, nos Serviços de Inspecção que desenvolveu no extinto TT das Caldas da Rainha encurtou de “mottu próprio” o período temporal do serviço objecto da inspecção judicial ordenada pelo CSM, e reportou-se apenas a processos e decisões proferidas até 31/12/2013. 12.º Constatando tal facto, em 19.10.2014 a Juiz de Direito ora Participante solicitou esclarecimentos à Ex.a Sra. Inspectora Judicial …, mais solicitou a extensão da acção inspectiva a todo o trabalho realizado até 31/08/2014, (…). 13.º A sra. Inspectora Judicial respondeu nos termos do documento que ora se junta como Doc. nº 3, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, mantendo o limite temporal por ela fixado para a inspecção, até 31/12/2013. 14ºE recusou-se a incluir no âmbito da Inspecção Judicial em curso o trabalho realizado pela Participante no período de 01/01/2014 até 31/08/2014, e que não foi ainda objecto de classificação; num total de 8 meses, ou seja, 1/6 do período de serviço objecto de uma inspecção a 4 anos de serviço. 15º A Sra. Inspectora Judicial … agiu com intenção de prejudicar seriamente a Participante na sua carreira profissional; 16º Negando à ora Participante o direito legal e regulamentarmente tutelado de ver todo o seu trabalho realizado até 31/08/2014 objecto de classificação, relegando ilicitamente para daqui a 4 anos a classificação do demais serviço já produzido até 31/08/2014; e colocando a requerente em posição mais desfavorável e desigual, relativamente aos demais colegas juízes. 17º Bem sabendo que esse “encurtamento” do período de trabalho a inspeccionar não tem qualquer fundamento legal nem regulamentar e é contrário ao RIJ, designadamente aos seus deveres previstos no artº 6º do RIJ, e à prática geral e uniforme instituída desde há mais de 20 anos pelos Serviços de Inspecção do CSM. 18º A Sra. Inspectora Judicial … agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua descrita conduta era proibida e punível por lei criminal.» 12. Essa participação criminal deu origem aos autos de inquérito n.º …, no qual a Senhora Juíza prestou declarações e requereu a sua constituição como assistente. III. Enquadramento jurídico As garantias de imparcialidade no direito procedimental administrativo visam assegurar os valores inerentes ao princípio constitucional da imparcialidade administrativa, como limite ao poder discricionário da administração. De facto, o artigo 266.º, 2, da Constituição da República Portuguesa dispõe que os órgãos e os agentes administrativos devem actuar com justiça e imparcialidade no exercício das suas funções, a significar que, na sua actuação, a administração deve comportar-se com isenção e equidistância perante todos os administrados, sem privilegiar ou discriminar qualquer particular. Princípio que comporta para os órgãos da administração diversos corolários, como sejam a proibição de favoritismos ou perseguições, de tomarem decisões sobre assuntos em que estejam pessoalmente interessados e de tomarem parte ou interesses em contratos celebrados com a administração ou por ela autorizados ou aprovados. A imparcialidade desenvolveu-se no âmbito da função jurisdicional e como dever funcional dos magistrados judiciais e, mais tarde, transpôs essas fronteiras para outras áreas juridicamente relevantes, como a administrativa, mas continua a impor-se no ordenamento jurídico com o seu conteúdo específico, independentemente dos destinatários e da área em que se aplica. Sem escamotear que, na área administrativa, o princípio se desenvolveu como paliativo contra a excessiva confusão entre a função política e a administrativa, na sua essência ele visa salvaguardar o exercício da função administrativa e da prossecução do interesse público da influência de interesses alheios ao interesse público prosseguido, a significar independência perante os interesses privados, individuais ou de grupo, partidários e políticos. É nessa linha de preservação da prossecução do interesse público e de neutralidade da administração, indispensável a criar no público a confiança na administração pública, que se insere a previsão legal de impedimentos respeitantes à participação em procedimento administrativo de órgãos ou agentes que tenham um interesse pessoal na decisão do caso. E dentre as situações integráveis nos caso de impedimento, previstos pelo artigo 44.º, 1, do CPA, conta-se aquela em que contra o titular do órgão ou agente administrativo corre acção judicial proposta por um interessado no procedimento ou pelo respectivo cônjuge. A Senhora Juíza, interessada no procedimento inspectivo já iniciado ao serviço por si prestado, comprova a pendência de um inquérito, nos serviços do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça, com origem numa denúncia por si apresentada contra a Ex.ma Inspectora Judicial que realiza a inspecção. Defendendo que a inspecção deveria abranger o serviço prestado até 31-08-2014, a Senhora Juíza rejeita o que apelida de “encurtamento do período normal de inspecção” decidido pela Senhora Inspectora, porque entende ter direito à avaliação de um serviço de quatro anos que, assim, ficará reduzido em oito meses, numa conduta que reputa susceptível de consubstanciar responsabilidade criminal. Para além do disposto nos artigos 29.º e 30º, 4, o Regulamento das Inspecções Judiciais (RIJ) não prevê para o procedimento inspectivo todos os mecanismos de garantias de imparcialidade. Na primeira norma, no âmbito das garantias de imparcialidade, limita-se a dispor que os inquéritos, sindicâncias e processos disciplinares decorrentes de uma inspecção ao serviço dos juízes, ou que com ela se possam relacionar, são atribuídos a inspector diverso do que a tenha feito e, ainda, que o inspector judicial que tenha realizado inquérito, sindicância ou processo disciplinar não pode realizar inspecção ao serviço de juiz que tenha sido averiguado no âmbito de qualquer desses procedimentos. No segundo dispositivo determina-se que, aquando da verificação de impedimento, recusa ou escusa justificada, relativamente a algum inspector, a sua substituição e escusa é assegurada por deliberação do Plenário ou do Permanente ou por despacho do Presidente ou do Vice-Presidente do CSM e comunicada aos magistrados interessados. Donde resulta que aos impedimentos, recusa ou escusa, no que falta regular, se aplicam as normas do CPA. E, como se referiu, à luz do predito artigo 44.º, 1, f), do CPA, nenhum titular de órgão ou agente da administração pode intervir em procedimento administrativo quando contra ele, seu cônjuge ou parente em linha recta esteja intentada acção judicial proposta por interessado ou pelo respectivo cônjuge. Donde decorre que, no caso de impedimento, está sempre vedada a intervenção do órgão ou agente no procedimento em todas as situações elencadas na norma, relativamente às quais o legislador optou pela sua enumeração taxativa. A imparcialidade desdobra-se numa vertente subjectiva, consubstanciada na posição pessoal do órgão ou agente perante a causa e caracterizada pela inexistência de qualquer predisposição no sentido de beneficiar ou de prejudicar qualquer das partes, e numa vertente objectiva, traduzida na ausência de circunstâncias externas, no sentido de aparentes, que revelem que o mesmo tem um pendor a favor ou contra qualquer dos interessados, afectando a confiança que os cidadãos depositam na administração. Vale por dizer que a taxativa definição das situações de impedimento parece reconduzir ao impedimento sempre que ocorre a verificação do respectivo pressuposto legal, por forma a que a pendência de processo judicial proposto por um interessado no procedimento contra o órgão ou agente administrativo se traduz numa vinculação à declaração de impedimento. Crê-se que a questão se não esgota numa análise tão simplista, sob pena de deixar nas mãos dos interessados a constituição arbitrária de situações de impedimento, com grave perturbação da segurança jurídica. A propósito e em paralelismo, o novo Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente ao processo nos tribunais administrativos (artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), estatui que nenhum juiz pode exercer as suas funções em jurisdição contenciosa ou voluntária «[Q]uando seja parte na causa pessoa que contra ele propôs acção civil para indemnização de danos, ou que contra ele deduziu acusação penal, em consequência de factos praticados no exercício das suas funções ou por causa delas (...). desde que a acção ou a acusação já tenha sido admitida» [artigo 115.º, 1, g)]. O impedimento pressupõe, pois, que tenha sido intentada acção judicial ou deduzida acusação penal e que a acção ou a acusação já tenha sido admitida. É patente que, no domínio dos processos civil e administrativo, se exige mais do que uma simples participação crime para que seja declarado o impedimento do juiz. A razão desta imposição é legitimada, reitera-se, pela necessidade de prevenir arbitrariedades das partes processuais no gerar causas de impedimento, exigindo, para tanto, que o litígio entre os titulares tenha atingido o sustentável grau de concretização num processo judicial, criando as condições objectivas para que possa suspeitar-se da isenção e rectidão, por parte daquele, no tratamento de assuntos que respeitam ao seu adversário no foro judicial ou penal. Não se antevê, portanto, qualquer fundamento que imponha diverso sentido à norma ao nível do procedimento administrativo, mormente numa situação em que a existência do litígio judicial parece ainda não ter chegado ao conhecimento da visada (nada resulta dos autos em sentido diverso), não estando, ainda, criadas condições para a pendência da acção penal interferir no exercício dos poderes administrativos por parte da Senhora Inspectora Judicial. Na verdade, enquanto a acção judicial permanecer desconhecida do agente não interfere no mundo dos seus afectos, escrúpulos ou representações, pelo que não há o risco de ser modificativa da sua atitude relativamente ao tratamento dos assuntos que, no exercício dos seus poderes administrativos, lhe estão confiados. Ademais, sem um acto formal de comunicação da pendência do inquérito, e dele emergente, o titular do órgão ou agente da administração não tem a qualidade de sujeito daquele processo. É por esta mesma razão que, em processo civil, essa causa de impedimento só existe «desde que a acção ou a acusação já tenha sido admitida» Donde o entendimento jurisprudencial que, embora o artigo 44º, 1, f), do CPA, pareça ser menos exigente do que o processo civil no que respeita aos pressupostos do impedimento resultante da pendência de processo penal, não pode afirmar-se que a mera apresentação da denúncia opera como causa de impedimento. Nesta linha de pensamento, a que se adere, entende-se que no apurado estádio do inquérito penal não há fundamento para declarar o impedimento da Ex.ma Inspectora Judicial na realização da inspecção. Solução de que não advém qualquer prejuízo para a requerente, pois «(...) a rejeição da arguição do impedimento pelo órgão competente para o resolver administrativamente, não preclude que o interessado argua, em juízo, a decisão final que tiver sido tomada no procedimento, com fundamento nessa ilegalidade» . Ademais, a dimensão subjectiva do princípio da imparcialidade tem em conta a convicção pessoal do decisor e a dimensão objectiva visa assegurar que o decisor oferece garantias suficientes para excluir qualquer dúvida legítima acerca da sua imparcialidade e que está em condições de proceder a uma decisão livre, para afastar qualquer receio de parcialidade. Dimensão que se justifica pela confiança que a administração deve inspirar num Estado de Direito democrático, no que assume relevância a teoria das aparências, segundo a qual deve ser afastado o decisor em relação ao qual exista uma razão legítima para se duvidar da sua falta de imparcialidade. Sob este enfoque, trata-se de indagar se existe ou não um receio de não imparcialidade objectivamente justificado, independentemente do comportamento pessoal do decisor ou das suas convicções. O impedimento não envolve qualquer juízo de desconfiança concreta sobre o decisor, antes visa obstar a que seja questionada a sua imparcialidade, real ou aparente. Nesse contexto, assume relevância a apreciação do quadro factual apresentado pela Senhora Juíza como fundamento da denúncia e que pode contribuir para uma avaliação fidedigna da credibilidade, congruência e verosimilhança da participação criminal apresentada contra a Senhora Inspectora. A mesma encerra a narrativa de que a Ex.ma Senhora Inspectora, na inspecção que desenvolveu no extinto Tribunal de Trabalho de …, encurtou o período temporal do serviço objecto da inspecção judicial inscrita no plano de 2014, abrangendo o serviço prestado apenas até 31/12/2013. Ante esse facto, solicitou-lhe esclarecimento se a extensão da acção inspectiva a todo o trabalho realizado até 31/08/2014. A Senhora Inspectora Judicial respondeu, mantendo o limite temporal para a inspecção até 31/12/2013 e recusando incluir o restante trabalho realizado naquele tribunal. E a partir dessa factualidade conclui que a Senhora Inspectora agiu com intenção de a prejudicar seriamente na sua carreira profissional, negando-lhe o direito legal e regulamentarmente tutelado de ver inspeccionado todo o trabalho realizado até 31/08/2014 e colocando-a em posição mais desfavorável e desigual relativamente aos demais juízes, bem sabendo que esse “encurtamento” não tem qualquer fundamento legal nem regulamentar e é contrário ao RIJ e à prática geral e uniforme instituída pelos serviços de inspecção desde há mais de 20 anos e que a sua descrita conduta era proibida e punível por lei criminal. Como se vê, a participação criminal reedita a discordância da Senhora Juíza quanto à decisão da Ex.ma Inspectora de fixar em 31/12/2013 o limite do período temporal sujeito a avaliação, sem que aduza quaisquer factos que indiciem a sua intenção de prejudicar a Ex.ma Juíza que, aliás, não se conformou com essa decisão e requereu ao Ex.mo Senhor Vice-Presidente do CSM o alargamento do prazo no sentido pretendido. Salvaguardando o muito respeito devido, não passa de uma suposição, sem efectiva consistência, a tentativa de extrair o dolo do entendimento da Senhora Inspectora a partir do mesmo substrato fáctico em que funda o requerimento de alargamento do prazo da inspecção e o incidente de suspeição. Para além de carecer de sustentação séria e razoável, sem suficiente fundamento racional ou material, decerto por pura inadvertência, a Senhora Juíza exorbitou os limites da prudência para construir, numa apreciação de natureza meramente subjectiva, a tipificação legal dos ilícitos criminais que imputa à Ex.ma Inspectora. No que ao caso importa, o imputado crime de denegação de justiça e prevaricação supõe que o funcionário actue, no âmbito de inquérito processual, processo jurisdicional, por contra-ordenação ou disciplinar, conscientemente e contra direito, promovendo ou não promovendo, conduzindo, decidindo ou não decidindo, ou praticando acto no exercício de poderes decorrentes do cargo que exerce, com agravação da pena sempre que o facto for praticado com intenção de prejudicar ou beneficiar alguém (artigo 369.º do Código Penal). O bem jurídico tutelado é a realização da justiça em geral, visando a lei assegurar o domínio ou a supremacia do direito objectivo na sua aplicação pelos órgãos de administração da justiça. Porém, o teor da norma, ao estatuir que o sujeito activo [funcionário] tem de actuar no exercício dos deveres do cargo no âmbito de inquérito criminal ou de processo jurisdicional, por contraordenação ou disciplinar, quer significar que a incriminação em causa não inclui a fase não jurisdicional dos processos. Com efeito, a versão originária do Código Penal de 1982, ao definir autonomamente os tipos legais de crime de prevaricação e denegação de justiça (artigo 415.º e 416.º), inscrevia no seu âmbito a conduta do funcionário que, em virtude da sua competência, conscientemente decidisse contra o direito ou negasse aplicar justiça ou o direito, com intenção de prejudicar ou beneficiar alguém. A redacção introduzida pelo Decreto-Lei 48/1995, de 15 de Março, prevendo um único tipo legal de crime para essas condutas, afasta da estatuição normativa o processo administrativo gracioso, descriminalizando algumas condutas que eram punidas na versão originária do Código, como resulta claramente das actas da comissão revisora. Assim, na compreensão do argumento histórico e mesmo do literal, a lei não sanciona criminalmente a actividade colocada a montante da fase judicial de um daqueles processos, excluindo do seu âmbito a correspectiva fase administrativa. E, no caso, a intervenção questionada reporta-se a um processo inspectivo, de natureza pericial, cuja finalidade é a de fornecer ao CSM os elementos necessários à atribuição da classificação de serviço ao magistrado visado, podendo o CSM adoptar ou não o parecer contido no relatório final quanto à classificação, por forma a que só a deliberação que atribui a notação ao inspeccionado constitui o acto administrativo impugnável. Advém ainda estar em causa um tipo legal de crime doloso, em que o dolo, enquanto vontade de realizar o tipo com conhecimento da ilicitude (consciência), há-de apreender-se através de factos (acções ou omissões) materiais e exteriores, suficientemente reveladores daquela vontade, de onde se possa extrair uma opção consciente de agir desconforme à norma jurídica. Não são meras impressões, juízos de valor conclusivos ou convicções íntimas, não corporizados em factos visíveis ou reais, que podem alicerçar a acusação de que quem decidiu o fez conscientemente contra o direito e, muito menos, com o propósito específico de lesar. É preciso que esse desvio voluntário dos poderes funcionais afronte a administração da justiça, de forma tal que se afirme uma negação de justiça. Não basta, pois, que se tenha decidido mal, incorrectamente, contra legem, sendo necessário que quem assim decidiu tenha consciência de que, desviando-se dos seus deveres funcionais, violou o ordenamento jurídico e pôs em causa a administração da justiça. O mesmo é dizer que, sendo o étimo comum da previsão normativa a actuação contra o direito, a nota delimitadora deste crime é a consciência de contrariar o agir segundo o direito, ou seja, é o assumir da violação dos deveres profissionais em função de outras razões. Assim não sendo, «estava descoberto o processo expedito de paralisar o desempenho do poder judicial, a bel-prazer do interessado, pelos factores inibitórios que criaria aos magistrados, a todo o momento temerosos de sobre eles incidir a espada da lei, paralisando-se a administração da justiça, com gravíssimas, intoleráveis e perigosas consequências individuais e comunitárias, não se dispensando, por isso mesmo, a presença de um grave desvio funcional por parte do magistrado pondo em causa a imagem da justiça e os interesses de terceiro». Aqui, nem sequer a actuação imputada à Senhora Inspectora pode afirmar-se contra o direito, antes provindo de uma determinada interpretação da norma regulamentar, que nem pode ser tida como objectivamente errada. São idênticos os considerandos a produzir no tocante ao imputado crime de abuso de poder. Comete tal infracção o funcionário que abusar de poderes ou violar deveres inerentes às suas funções, com intenção de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa (artigo 382.º do Código Penal). Destarte, para a prática desse ilícito criminal o funcionário que detém determinados poderes funcionais tem de fazer uso de tais poderes para um fim diferente daquele para que a lei os concede, um mau uso ou uso desviante de poderes funcionais, mas com um elemento nuclear: o mau uso dos poderes não resulta de erro ou de mau conhecimento dos deveres da função, mas tem de ser determinado por uma intenção específica que enquanto fim ou motivo faz parte do próprio tipo legal. Também, quanto a essa imputação, a Senhora Juíza não clarifica a motivação subjacente à decisão da Senhora Inspectora, limitando-se a asseverar que teve a intenção de a prejudicar, mas sem aduzir qualquer pecado materializador desse seu juízo de dissidência da linha interpretativa por aquela assumida. Não concordando, restava-lhe o uso dos adequados mecanismos impugnatórios a que recorreu, mas a sua divergência não é bastante para concluir pela responsabilidade criminal da Ex.ma Inspectora Judicial. Por último, embora o princípio da imparcialidade seja transversal a todo o procedimento administrativo, o exercício dos poderes funcionais no seu decurso só adquire desvalor jurídico quando determine ou influencie a decisão administrativa num certo sentido. E a intervenção da Senhora Inspectora limitar-se-á, num exercício de natureza pericial, a apresentar ao CSM os dados recolhidos e a proposta de notação que, na sua óptica, os mesmos enformam, mas a deliberação classificativa cabe ao CSM. Neste enfoque da questão, só remotamente se pode falar em determinação ou influência da Senhora Inspectora no acto final. A actividade administrativa é essencialmente uma actividade ponderativa e, na ponderação de todos os interesses jurídicos envolvidos e explanados, indefere-se o requerido incidente de impedimento. IV. Dispositivo deliberativo Pelo exposto, considerando não verificados os respectivos pressupostos, o Plenário do Conselho Superior da Magistratura delibera indeferir o incidente de impedimento requerido pela Ex.ma Juíza Dr.ª M.» - Por despacho produzido nos autos de inquérito com o nº…, que correram termos nos Serviços do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal de Justiça, em que figurou como participante a ora Recorrente e participada a Exª Sra Desembargadora …, Inspectora Judicial, foi determinado o arquivamento dos autos por se ter entendido que por manifesta evidência a conduta desta não era constitutiva de qualquer crime, cfr fls 177 a 179. - A aqui Recorrente requereu a abertura de instrução naqueles autos, cfr fls 189 a 208.
Insurge-se a Recorrente contra a deliberação impugnada porquanto na sua tese ao não ser declarado o impedimento, foi feita uma interpretação errónea do disposto no artigo 44º, nº 1, alínea f), do CPA, nomeadamente ao fazer depender a sua aplicação do artigo 115º, nº 1, do NCPC, porquanto só seriam aplicáveis subsidiariamente as regras do contencioso civil ao processo de contencioso administrativo se este último não contivesse uma norma que regulasse uma determinada circunstância, o que não acontece no caso dos autos.
Dispõe o artigo 163º, nº 1, do CPA, aprovado pelo DL 4/2015, de 7 de Janeiro que «São anuláveis os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou outras normas jurídicas aplicáveis, para cuja violação se não preveja outra sanção.».
Pretende a Recorrente invalidar a deliberação impugnada, por nesta se ter efectuado uma errada interpretação do preceituado no artigo 44º, nº1, alínea f) do CPA anterior, aqui aplicável por se encontrar em vigor à data da prática dos factos.
Previa-se naquele supra mencionado normativo, no aos casos de impedimentos concerne, o seguinte «Nenhum titular de órgão ou agente da Administração Pública pode intervir em procedimento administrativo ou em acto ou contrato de direito público ou privado da Administração Pública nos seguintes casos: f) Quando contra ele, seu cônjuge ou parente em linha recta esteja intentada acção judicial proposta por interessado ou respectivo cônjuge;».
A problemática em tela, no presente recurso, prende-se com as garantias da imparcialidade da administração, cujos princípios enformadores se encontram plasmados no artigo 266º da CRPortuguesa.
Ali se predispõe, no seu nº1 que «A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.» acrescentando o seu nº2 «Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé.».
Estes princípios constitucionais encontram, depois, respaldo na Lei ordinária, maxime nos artigos 4º, 6º e 8º do CPA, sob as epígrafes Princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos; Princípio da igualdade; Princípios da justiça e da razoabilidade; onde se preceitua: «Artigo 4.º Compete aos órgãos da Administração Pública prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. Artigo 6.º Nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever ninguém em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual Artigo 8.º A Administração Pública deve tratar de forma justa todos aqueles que com ela entrem em relação, e rejeitar as soluções manifestamente desrazoáveis ou incompatíveis com a ideia de Direito, nomeadamente em matéria de interpretação das normas jurídicas e das valorações próprias do exercício da função administrativa.».
Daqui decorre uma clara intenção do legislador no sentido da valoração destes princípios com vista à realização da exigência de objectividade final da actividade administrativa, na qual o princípio da imparcialidade gozará de um lugar de destaque, cfr Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves, J. Pacheco de Amorim, Código Do Procedimento Administrativo, comentado, 2ª edição, 107.
Tal princípio faz impender sobre a Administração um específico dever de ponderação dos interesses em causa, mantendo a devida equidistância em relação ao confronto com os interesses dos particulares e, de outra banda, sobre si impende a obrigação de se abster de efectuar considerações sobre os aludidos interesses em função de valores estranhos à sua actividade.
Estatutariamente aos juízes, na sua missão de julgar, é exigido, como garantia do seu exercício, que o façam com o dever de independência e imparcialidade, nos artigos 4° e 7° do EMJ e julgar com independência é fazê-lo sem sujeição a pressões, venham elas de onde vierem, deixando fluir o curso do pensamento com sujeição apenas à lei, à consciência e às decisões dos tribunais superiores; ser imparcial é posicionar-se num patamar acima e além das partes, dizendo o direito aplicável na justa composição de interesses cuja resolução lhe é pedida.
No dizer da Recorrente, a imparcialidade da Exª Senhora Inspectora Judicial está posta em causa, por decorrer de uma causa directa da Lei – artigo 44º, nº1, alínea f) do CPA – e por ter sido contra a mesma efectuada uma participação criminal, motivo este expressamente consagrado, que constitui, por si só, um impedimento dirimente da sua actuação em sede inspectiva, interditando-a em absoluto de intervir, por existir um conflito de interesses, cfr a propósito desta temática da imparcialidade, inter alia, os Ac STJ de 21 de Março de 2013 (Relator Henriques Gaspar) e de 10 de Outubro de 2014 (Relator Pires da Graça), in www.dgsi.pt.
A Recorrente, nesta sua senda argumentativa, procura afastar a tese desenvolvida pelo Recorrido/CSM, que fazendo aplicar ao impedimento que foi deduzido contra a Exª Inspectora, ex vi do artigo 1º do CPTA, as normas decorrentes do Código de Processo Civil, nomeadamente o disposto no artigo 115º, nº1, alínea g) onde se predispõe que «Nenhum juiz pode exercer as suas funções, em jurisdição contenciosa ou voluntária: Quando seja parte na causa pessoa que (…) contra ele deduziu acusação penal, em consequência de factos praticados no exercício das suas funções ou por causa delas (…) desde que (…) a acusação já tenha sido admitida;», aduzindo em abono da sua tese, que não há no presente caso espaço para uma qualquer interpretação restritiva da aludida norma procedimental administrativa invocada, sob pena de violação do princípio da imparcialidade - artigo 3º do antigo CPA e artigo 9º do novo CPA -, porquanto o legislador do CPA (aplicável à data) optou, de forma expressa, por regular taxativamente as garantias da imparcialidade da Administração, enumerando taxativamente os casos que podem comprometer uma actuação imparcial da mesma.
Contudo, não podemos fazer atribuir um sentido tão amplo quanto o apontado pela Recorrente, pois tal conduziria a uma situação de especial excepcionalidade ao nível do procedimento administrativo, o que nos levaria a distorções no sistema jurídico e propiciaria situações de impedimentos, meramente arbitrárias, sem a necessária segurança, que se impõe, em casos deste jaez, pois «Dominam aqui as aparências, que podem afectar, não rigorosamente a boa justiça, mas a compreensão externa sobre a garantia da boa justiça que seja mas também pareça ser. Os motivos que podem afectar a garantia da imparcialidade objectiva, que mais do que do juiz e do “ser” relevam do “parecer”, têm de se apresentar, nos termos da lei, «sério» e «graves»» (apud o supra citado Ac STJ de 21 de Março de 2013 (Relator Henriques Gaspar)), e essa gravidade teria de assentar num acto formal acusatório, que no caso não existiu, tendo-se tratado da dedução de um impedimento com base numa mera participação criminal, condenado assim ao insucesso, como decidiu a deliberação impugnada.
Nem colhe o argumento aventado pela Recorrente de que a admitir-se qualquer aplicação subsidiária de lei quanto às garantias de imparcialidade (que constitui um dever da Administração e um direito dos interessados na actuação da Administração), a mesma sempre seria operada através da aplicação das disposições constantes na LGTFP, nomeadamente do disposto no seu artigo 209º, nº 1, alínea c), ex vi do artigo 32º do EMJ, sendo que mesmo nesta hipótese, o legislador basta-se com a existência de processo jurisdicional, pelo que sempre encontraríamos solução legal igual à que aqui pugnamos, ou seja, o impedimento da Exª Senhora Inspectora Judicial.
O artigo 32º do EMJ manda aplicar aos Magistrados Judiciais, subsidiariamente, quanto a deveres, incompatibilidades e direitos, o regime da função pública e o artigo 209º, nº1, alínea c) da LGTFP dispõe quanto à «suspeição do instrutor» o seguinte: «1 -O trabalhador e o participante podem deduzir a suspeição do instrutor do processo disciplinar quando ocorra circunstância por causa da qual possa razoavelmente suspeitar-se da sua isenção e da rectidão da sua conduta, designadamente: (…) c) Quando esteja pendente processo jurisdicional em que o instrutor e o trabalhador ou o participante sejam intervenientes;».
Prima facie, este normativo respeitante ao regime da função pública respeita ao procedimento disciplinar, intercorrência diversa da que estamos a tratar na espécie.
Secundum, mesmo que o procedimento disciplinar a que ali se alude pudesse ser utilizado como lugar paralelo para o processo inspectivo de onde resultou o impedimento deduzido pela Recorrente, parecem não poder restar dúvidas que estaria condenado a claudicar como tal: é que os incidentes em causa são diversos, pois o artigo 209º trata da suspeição, coisa diversa do impedimento.
Como decorre da factualidade dada como assente, a Recorrente, por via dos factos aqui em causa, suscitou em 4 de Novembro de 2014, incidente de suspeição da Exª Inspectora Judicial junto do Exº Senhor Vice-Presidente do CSM, sendo aliás na sequência da decisão tomada no seio de tal procedimento – de indeferimento, como se mostra apurado - que na deliberação recorrida a determinada altura se argumenta «Como se vê, a participação criminal reedita a discordância da Senhora Juíza quanto à decisão da Ex.ma Inspectora de fixar em 31/12/2013 o limite do período temporal sujeito a avaliação, sem que aduza quaisquer factos que indiciem a sua intenção de prejudicar a Ex.ma Juíza que, aliás, não se conformou com essa decisão e requereu ao Ex.mo Senhor Vice-Presidente do CSM o alargamento do prazo no sentido pretendido. Salvaguardando o muito respeito devido, não passa de uma suposição, sem efectiva consistência, a tentativa de extrair o dolo do entendimento da Senhora Inspectora a partir do mesmo substrato fáctico em que funda o requerimento de alargamento do prazo da inspecção e o incidente de suspeição. Para além de carecer de sustentação séria e razoável, sem suficiente fundamento racional ou material, decerto por pura inadvertência, a Senhora Juíza exorbitou os limites da prudência para construir, numa apreciação de natureza meramente subjectiva, a tipificação legal dos ilícitos criminais que imputa à Ex.ma Inspectora.».
Tendo já sido deduzida a suspeição da Exª Sra Inspectora Judicial e estando nós em sede de impedimento, não se vê como se pode pretender usar aqui das normas respeitantes a um procedimento diverso (o disciplinar), como também, a ser aplicável, que não é, a um outro incidente (o da suspeição), já oportunamente deduzido e decidido.
Sempre se adianta que as razões que levaram à dedução de ambos os incidentes – a discordância da Recorrente em relação ao lapso temporal a ser considerado em termos inspectivos – e que, concomitantemente, lhe serviram de arrimo para a queixa crime apresentada contra a a Exª Sra Inspectora Judicial, se baseiam apenas e tão só na diferente interpretação que esta e o Recorrido, manifestaram em relação a normas do RIJ, discordando da interpretação feita por aquela, acerca das mesmas.
Por último cumpre deixar consignado que quer a participação criminal efectuada pela Recorrente contra a Exª Sra Inspectora Judicial, que se mostra ter sido objecto de arquivamento, quer o requerimento formulado no respectivo processo de inquérito a solicitar a abertura de instrução, nos termos do artigo 287º do CPPenal, não equivalem a processo judicial pendente que inquine a participação daquela no procedimento inspectivo, como se frisou supra, através do incidente de impedimento suscitado.
A argumentação recursiva claudicaria por aqui.
III Destarte, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a deliberação impugnada.
Custas pela Recorrente artigo 539º, nº1 do NCPCivil, com taxa de justiça em 6 Ucs, nos termos do artigo 7º, nº1 do RCP.
Fixa-se o valor da causa, nos termos do artigo 34º, nº2 do CPTA em € 30.000,01.
Lisboa, 27 de Janeiro de 2016
Ana Paula Boularot (Relatora)
Martins de Sousa
João Trindade
Santos Cabral
Mário Belo Morgado
Souto Moura (com a declaração de que considero decisivo o facto de o incidente de impedimentos ter sido levantado depois de feita a participação crime, com a consequente inaplicabilidade da al. f) do nº.1 do artº 44º do CPA)
Sebastião Póvoas, Presidente da Secção (voto a conclusão nos termos da declaração junta)
Declaração de voto 1- Votei, tão somente, a conclusão. 1-1-E, nuclearmente, por, afastando-me da fundamentação, entender que os incidentes de impedimento e de suspeição destinam-se a garantir a imagem de isenção (e distanciamento pessoal da causa) em termos de não poder duvidar-se da equidistância do decisor perante as partes e interesses em conflito. É o princípio da “mulher de César”… Certo, porém, que sendo diferentes a dogmática dos dois institutos ambos integram o “genus” que titula o capítulo do principal diploma adjectivo (“Das garantias da imparcialidade”) – cfr. também, em termos idênticos, a Secção III do Capítulo II do Código de Procedimento Administrativo de 2015 e a Secção VI da Parte II, Capítulo 1.º do CPA de 1991. O primeiro é um “minus” em relação ao segundo tendo como matriz a enumeração taxativa do artigo 115.º do Código de Processo Civil e, respectivamente, dos artigos 69.º e 44.º dos últimos diplomas referidos, que mais relevam nesta sede. Prende-se, no essencial, com situações objectivas conexas com a lide ou, tratando-se de ligação subjectiva, de factos transitórios que possam gerar dúvidas sobre a imparcialidade do julgador/decisor. Já a suspeição implica a existência de “motivo sério e grave”, de apreciação casuística e não taxativamente elencada nos diplomas citados (artigos 120.º do CPC — “nomeadamente” — 73.º CPA 2015 — “designadamente” — e 48.º CPA 1991 — “designadamente”) a ligarem a pessoa do decisor à lide. Do exposto resulta que não se verificando motivo de suspeição (“majus”) o impedimento só deve ocorrer perante qualquer das situações taxativas do preceito que o prevê e que não se “cruzem” com as que caracterizam o primeiro incidente. E um dos exemplos de tal interacção é o que consta da alínea f) do artigo 44.º do CPA 1991 (…”Quando contra ele, seu cônjuge ou parente em linha recta esteja intentada acção judicial proposta por interessado ou pelo respectivo cônjuge”) então fundamento de impedimento, ou da alínea e) do artigo 73.º CPA 2015 (…”Quando penda em juízo acção em que sejam parte o titular do órgão ou agente […] e do outro lado o interessado …”) agora fundamento de suspeição, mas não aplicável ao caso vertente, “ex vi” do n.º 1 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro. Outrossim, não há que fazer apelo ao artigo 115.º do Código de Processo Civil, que não é aqui aplicável servindo apenas como guia doutrinário. 2-Verifica-se que, nesta mesma Secção, foi votado por unanimidade, o Acórdão de 9 de Julho de 2015 – P.º 25/15 — de relato do M.º Conselheiro Santos Cabral — com a mesma recorrente em que se impugnava o acto do Conselho Superior da Magistratura que indeferiu o pedido de suspeição da mesma Inspectora Judicial. O recurso não teve provimento. E deliberou-se nestes termos: “Estamos, assim, em face de circunstâncias específicas que contêm potencialidade para colidir com o comportamento isento e independente da Administração, colocando em causa a sua imparcialidade, bem como a confiança dos interessados e da comunidade.
Sebastião Póvoas
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