Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | LOPES DA MOTA | ||
Descritores: | RECURSO CONDENAÇÃO CONCURSO DE INFRAÇÕES CÚMULO JURÍDICO ROUBO AGRAVADO PREVENÇÃO GERAL PREVENÇÃO ESPECIAL PENA ÚNICA MEDIDA CONCRETA DA PENA | ||
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Data do Acordão: | 02/16/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I - Pretendendo ver reduzidas as penas parcelares e a pena única, recorre a arguida do acórdão do tribunal coletivo que lhe aplicou as penas de 5 anos e de 4 anos e 6 meses de prisão e, em cúmulo, a pena única de 6 anos e 3 meses de prisão, pela prática de dois crimes de roubo p. e p. pelos artigos 210.º, n.º 1, e n.º 2, al. b), por referência ao artigo 204.º, n.º 1, al. d) e f), do CP. II - Mostram-se adequadamente ponderadas as circunstâncias relevantes para a determinação da medida da pena, por via da culpa e da prevenção, nos termos do artigo 71.º do CP, nomeadamente o grau de ilicitude e o modo de execução do facto, os motivos que o determinaram e a intensidade do dolo, com respeito pela proibição da dupla valoração, bem como as condições pessoais e a conduta anterior e posterior aos crimes. III - A forma como os crimes foram cometidos, em execução de atos de preparação e planeamento conjuntamente com outras pessoas não identificadas, de surpresa e em condições de manifesta superioridade física, o elevado grau de intensidade de violência física e psicológica sobre vítimas idosas, isoladas, frágeis, indefesas e incapazes de oferecer resistência, a falta de manifestação de qualquer expressão reveladora de consciência crítica ou de qualquer ato destinado a reparar os danos causados, bem como as condições pessoais, reveladoras de baixo nível de formação pessoal em ambiente “com problemáticas significativas ao nível da criminalidade e marginalidade”, indiciam claramente a falta de preparação da arguida para manter uma conduta lícita, a merecer forte reprovação. IV - São muito elevadas as exigências de prevenção especial, bem como as exigências de prevenção geral, determinadas pela conhecida repetição e frequência da prática de crimes com uso de violência e aproveitamento das condições de isolamento, fragilidade e de avançada idade das vítimas, geradores de elevado grau de intranquilidade e insegurança. A consideração desta circunstância, dentro dos limites impostos pela culpa, que também é muito elevada, mereceu igualmente devida consideração pelo tribunal a quo. V - Nos termos do artigo 77.º, n.º 1, do CP, que estabelece as regras da punição do concurso de crimes (artigo 30.º, n.º 1), o agente é condenado numa única pena, formada a partir de uma moldura definida, no seu mínimo, pela mais elevada das penas aplicadas aos crimes em concurso e, no seu máximo, pela soma das penas aplicadas a esses crimes, sem ultrapassar 25 anos de prisão (n.º 2 do artigo 77.º), para cuja determinação, seguindo-se os critérios da culpa e da prevenção (artigo 71.º), são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (critério especial do n.º 1 do artigo 77.º, in fine). VI - Na avaliação da personalidade inclui-se a consideração das condições económicas e sociais, reveladoras das necessidades de socialização, da sensibilidade à pena, da suscetibilidade de por ela ser influenciado e das qualidades da personalidade manifestadas no facto, nomeadamente a falta de preparação para manter uma conduta lícita, relevando a natureza e o número de crimes cometidos, de modo a verificar-se se os factos, no seu conjunto, são suscetíveis de revelar uma tendência criminosa ou meramente ocasionais. VII - Dada a proximidade temporal dos dois crimes praticados, de idêntica natureza, que se mostram como factos isolados na vida da arguida, não se pode concluir que esta tenha enveredado por uma “carreira” criminosa, o que, a verificar-se, constituiria fator de substancial agravação. VIII - Tendo em conta a moldura da pena única, de 5 anos a 9 anos e 6 meses de prisão, e os fatores de determinação da pena única indicados, ponderados na determinação das penas parcelares, na sua consideração, em conjunto, para efeitos de determinação da pena única (artigo 77.º, n.º 1, do CP), também não se encontra fundamento que possa constituir motivo de discordância quanto à medida da pena aplicada, de 6 anos e 3 meses de prisão. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. AA, arguida, com a identificação que consta dos autos, interpõe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão de 22 de junho de 2021, do tribunal coletivo ... – Juiz ..., comarca ..., que a condenou pela prática, em co-autoria material: - De um crime de roubo agravado, previsto e punido pelos artigos 210.º, n.º 1, e n.º 2, alínea b), por referência ao artigo 204.º, n.º 1, alíneas d) e f), do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão (crime em que é ofendido BB); e - De um crime de roubo agravado, previsto e punido pelos artigos 210.º, n.º 1, e n.º 2, alínea b), por referência ao artigo 204.º, n.º 1, alíneas d) e f), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão (crime em que é ofendido CC). Efetuado o cúmulo jurídico destas penas, foi a recorrente condenada na pena única de 6 (seis) anos e 3 (três) meses de prisão. 2. Discorda da medida das penas aplicadas aos crimes em concurso, que considera excessivas, bem como da pena única, que pretende ver reduzida para medida não superior a 5 anos, com suspensão de execução. Apresenta motivação, de que extrai as seguintes conclusões (transcrição): «(…) 3.ª) A arguida AA, de 51 anos de idade, não possui quaisquer antecedentes criminais, é pessoa de modestíssima condição económica e social e, face à debilidade da sua situação, vê-se obrigada a sujeitar-se a abusos sexuais, por parte de indivíduos do sexo oposto mediante remuneração paga por aqueles, por forma a suprir as carências económicas. 4.ª) Pelos motivos expostos em sede de motivação, não visa a arguida com o presente, impugnar a matéria de facto julgada como provada. 5.ª) Outrossim, insurge-se a arguida face aos quantuns penais fixados, quer no que concerne às penas parcelares em que foi indevidamente condenada, quer no quer respeita à pena única. 6.ª) Em obediência aos princípios elementares de direito, de proporcionalidade, adequação e ao dolo patenteado no cometimento do ilícito, as penas parcelares devem ser revistas e reajustadas, pois o apurado não permite por dosimetria penal tão elevada, o que necessariamente se deve reflectir na pena única a fixar. 7.ª) Isto em obediência ao determinado no art.º 71.º do Cód. Penal 8.ª) Note-se que a alegada actividade delituosa da recorrente se cingiu a dois únicos momentos, que ocorreram em datas muito próximas (... e ... de Maio de 2020). 9.ª) Quando o tribunal a quo convoca as necessidades de prevenção especial para o caso de uma arguida, como a recorrente, com mais de 50 anos de idade, e gradua essas necessidades, sobrevalorando-as de uma forma ostensiva, mais uma vez e recorrentemente em prejuízo da arguida e da sua situação processual, afasta-se do bom senso e principalmente da realidade. 10.ª) Ao cominar penas parcelares tão elevadas, o que se reflecte necessariamente na pena única aplicada, o tribunal violou princípios fundamentais de direito, e toda a filosofia pedagógica e ressocializadora de que o nosso Cód. Penal está imbuído, sendo que a idade desta mulher e todo o circunstancialismo, obrigava a um enquadramento diferente. 11.ª) In casu, e no que tange às necessidades de prevenção especial, as mesmas são diminutas, atento o percurso de vida da recorrente e a ausência de qualquer averbamento no seu certificado de registo criminal. 12.ª) Sendo incompreensível o afirmado em sede acórdão quando se refere à existência (forte) das mesmas: “As exigências de prevenção especial são elevadas, vista a forma como os factos foram praticados a denunciar já algum à vontade, preparação e talvez até habitualidade” (?) 13.ª) E, se tivessem sido levadas em linha de conta essas reduzidas necessidades de prevenção especial, isso ter-se-ia recflectido nas penas parcelares a aplicar, o mesmo sucedendo em relação à pena única, que com toda a justiça decairia para um quantum penal suscetível de ser suspenso na sua execução. 14.ª) No caso concreto da arguida esse poder dever a que alude o n.º 1 do art.º 50ºdo Cód. Penal, não poderia deixar de ser exercido, ainda que a suspensão fosse como resulta da lei, acompanhada de regime de prova – art.º 53º do Cód. Penal. 15.ª) Nesse mesmo sentido aponta o Relatório para Determinação da Sanção elaborado pelos serviços competentes, que pela sua importância não podemos deixar de também aqui transcrever: “Os presentes autos constituem-se o primeiro contacto com o sistema de justiça, distanciando-se dos moldes em que se encontra acusada. Dispõe de capacidade para avaliar as consequências do seu comportamento, tendo consciência da ilicitude do comportamento de cuja prática está acusada”. “A arguida cresceu numa família de etnia ..., que terá vivenciado algumas dificuldades ao nível socioeconómico e cultural, tendo o seu processo de desenvolvimento sido condicionado pelas normas daquela etnia. Com reduzida escolaridade e, sem qualquer experiência profissional, nunca desenvolveu uma atividade laboral, nem frequentou uma formação profissional, com vista à aquisição de competências que lhe permitissem o seu ingresso no mundo laboral. Pelo exposto, somos de parecer que existem condições para que a arguida, em caso de condenação, possa cumprir uma medida penal na comunidade, sujeita à supervisão dos serviços de reinserção social, por forma a interiorizar a censurabilidade penal do comportamento em causa”. 16.ª) De facto, e acompanhando o plasmado pelos técnicos autores deste relatório, entendemos que não ocorrem razões para uma pena efetiva, e muito menos nos moldes fixados.” 3. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 413.º, n.º 1, do CPP, respondeu o Ministério Público, concluindo pela improcedência do recurso e pela confirmação do acórdão recorrido, nos seguintes termos (transcrição): “(…) no que ao crime em causa concerne, as exigências de prevenção geral são avultadas, em virtude de a sociedade se encontrar especialmente sensibilizada e receosa perante condutas atentatórias das normas que tutelam o património com recurso à violência, sem descurar a reiteração com este tipo de ilícito é praticado e o alarme social que o mesmo provoca na comunidade, suscitando insegurança e impondo fortes e injustos constrangimentos (limitações da liberdade) no quotidiano da maioria dos cidadãos, em particular dos mais idosos. No que tange às razões de prevenção especial, são também as mesmas elevadas, considerando o modo como os factos foram praticados, “o que denuncia algum à vontade, preparação e talvez habitualidade”, tal como se salienta no acórdão recorrido, a que acrescem as precárias condições de vida da arguida – com reduzida escolaridade, sem qualquer experiência profissional (nunca desenvolveu uma actividade laboral, nem frequentou uma formação profissional, com vista à aquisição de competências que que lhe permitissem o seu ingresso no mundo laboral – cfr. relatório social). Também não pode ser descurada a postura assumida pela arguida em sede de audiência de julgamento, negando a prática dos factos, revelando falta de arrependimento e/ou consciência crítica sobre os mesmos, tendo ainda actuado, conjuntamente, com outros indivíduos. De acordo com o preceituado no artigo 71.º, do Código Penal: “na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”.) A determinação da medida concreta da pena deverá ocorrer entre estes dois vectores fundamentais previstos nos artigos 40.º, n.º 2 e 71.º, n.º 1, do Código Penal – culpa do agente e exigências de prevenção –, atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), depuserem a favor do agente ou contra ele (artigo 71.º, n.º 2, alíneas a) a f), do Código Penal). Ao crime de roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210.º n.º 1 e n.º 2 alínea b), por referência ao artigo 204.º n.º 1 alínea d) do Código Penal, é punido com pena de prisão de 3 a 15 anos. Ora, no que ao crime em causa concerne, conforme supra se referiu as exigências de prevenção geral e especial são elevadas. No tocante ao crime sob apreciação, é elevado o grau de ilicitude dos factos, traduzido na circunstância de terem sido os ilícitos cometidos contra pessoas idosas e indefesas, a viver sozinhas em habitações isoladas, facto que a arguida e os demais assaltantes conheciam, e, não obstante a vulnerabilidade dos ofendidos, não se coibiram de exercer violência sobre os mesmos, ainda que as consequências físicas por estes sofridas não tenham sido muito graves. Por sua vez, o modo de execução revela preparação e planeamento, considerando que arguida se havia deslocado, anteriormente, à residência dos ofendidos para conhecer o seu modo de vida, a que acresce a falta de reparação dos danos causados, tendo ainda a recorrente actuado na forma mais intensa de dolo, porquanto directo. Diga-se que a única circunstância que abona a favor da arguida é ausência de antecedentes criminais. Assim, ponderando a violência exercida sobre os ofendidos, pessoas idosas e indefesas, os prejuízos causados e número de pessoas envolvidas nos assaltos- a arguida e outros indivíduos-, nenhum reparo nos merecem as penas parcelares aplicadas, cuja medida concreta se revela adequada, justa e proporcional à gravidade dos factos praticados e às exigências de prevenção geral e especial que no caso em apreço se fazem sentir. (…) A moldura penal do concurso é de 9 anos e 6 meses de prisão no seu limite máximo, sendo de 5 anos o seu limite mínimo. Como se referiu supra, a medida concreta da pena única deve atender a critérios gerais da prevenção e da culpa, e ainda a um critério especial: a consideração conjunta dos factos e da personalidade do agente, na sua relação mútua. Ora, os factos assumem elevada gravidade, traduzida, desde logo, por terem sido praticados contra pessoas idosas e indefesas, a viverem sozinhos em residências isoladas, a que acresce a circunstância de terem sido cometidos pela arguida em conjunto com outros indivíduos que, previamente, planearam a sua actuação (tendo a ora recorrente se deslocado, em data anterior ao assalto, à habitação dos ofendidos para apurar o seu modo de vida), sem descurar a violência que sobre estes foi exercida, bem como o que motivou actuação da arguida, e demais comparticipantes, obter vantagem patrimonial (ao se apropriarem de bens que não lhes pertenciam) com sacrifício do património das vítimas. No que concerne à personalidade da arguida, ressalta a ausência de arrependimento e de juízo crítico sobre os factos praticados, negando tê-los cometido, apesar de ter consciência da ilicitude do seu comportamento e capacidade para avaliar as consequências do mesmo, sem olvidar que nada fez para reparar os danos causados aos ofendidos. A circunstância de não ter a arguida antecedentes criminais “tem escasso valor atenuativo, por corresponder à situação de normalidade das pessoas fiéis ao direito.” – cfr. Acórdão do STJ de 09.07.2014, poc.114/13.7JAPDL. Assim, ponderando, em conjunto, a gravidade dos factos praticados e a personalidade da arguida (ausência de arrependimento e de juízo crítico sobre os factos praticados, negando tê-los cometido), nenhum reparo nos merece a pena única aplicada, cuja medida concreta foi fixada pelo Tribunal a quo próxima do limite mínimo da moldura abstracta do concurso. Nessa conformidade, sendo a pena única aplicada à arguida superior a cinco anos de prisão, não é legalmente admissível ser suspensa na sua execução. Ainda que assim não fosse, entende-se que no caso concreto a simples censura do facto e a ameaça de prisão, para além de não realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, não dissuadiriam a arguida de voltar a delinquir, atenta a sua personalidade e as suas condições de vida. Face ao exposto, entende-se ser de manter, na íntegra, a decisão recorrida por nenhum reparo nos merecer.” 4. Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 416.º, n.º 1, do CPP, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitido parecer em sentido coincidente, nos seguintes termos (transcrição): “(…) 5 – Acompanham-se as considerações tecidas na resposta do Ministério Público ao recurso, na qual se equaciona devidamente a matéria a resolver nesta lide, aí se defendendo a manutenção da decisão recorrida, em termos que pelo rigor, propriedade e acerto, suscitam a mais completa adesão. 6 – Na determinação da medida das penas, o Tribunal a quo, numa avaliação criteriosa e ponderada, de notável equilíbrio, atendeu, como é de Lei, à moldura penal abstracta aplicável aos crimes que se provou terem sido cometidos pela recorrente (prisão de 3 a 15 anos), à sua culpa, às exigências de prevenção e às circunstâncias que se apuraram a seu favor e contra si, designadamente o grau da ilicitude do facto, muito elevado, considerada a circunstância de terem sido praticados em residências particulares, contra pessoa idosas e indefesas, que viviam sozinhos, facto conhecido da arguida e demais assaltantes, tendo sido usada agressividade e violência, o modo de execução deste, a revelar preparação e planeamento cuidados, tanto mais que os assaltantes se faziam transportar de veículo automóvel, vindos de outra localidade no caso do ofendido CC, sendo certo ainda que a arguida se deslocou outras vezes a casa dos ofendidos para estudar os seus passos e modo de vida, a gravidade das suas consequências, a actuação da arguida e dos outros assaltantes teve consequências físicas, ainda que não muito graves, para os ofendidos, mais gravosas, contudo, no caso do ofendido BB, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram, o móbil do crime foi busca de lucro às custas do património alheio, sendo certo que o prejuízo causado não foi maior por razões alheias à vontade da arguida e dos comparticipantes, a intensidade do dolo, directo e intenso. Considerou ainda a ausência de arrependimento e de consciência crítica para os factos, por parte da recorrente, que negou tê-los praticado, sendo certo que não efectuou qualquer gesto para reparar os danos causados. O Tribunal a quo classificou de elevadas as exigências de prevenção especial, vista a forma como os factos foram praticados a denunciar já algum à vontade, preparação e talvez até habitualidade, tal como as de prevenção geral, tanto mais que estes factos foram praticados em localidades pequenas do interior do país, com um cariz ainda algo rural, o que tudo concorre para que a ressonância social destes factos se amplie e se não dissipe facilmente, causando insegurança e instabilidade na comunidade. Por outro lado, há que ponderar os fenómenos de violência extrema praticados no decurso de crimes de roubo sobre pessoas de idade avançada que se têm vindo a verificar e a repetir um pouco por todo o país (mormente sobre idosos que vivem em casas isoladas), mais a mais em locais onde a população ainda se encontra profundamente arreigada aos valores da inviolabilidade do domicílio, da integridade física e do património. A favor da arguida milita apenas a ausência de antecedentes criminais. E considerou ainda o Tribunal a quo, como se lhe impunha, na perspectiva da fixação da pena única, os factos e a personalidade do agente, em conjunto, e bem assim a moldura penal abstractamente aplicável, balizada pelos limites mínimo de 5 anos de prisão, correspondente à pena parcelar mais elevada das penas concretamente aplicadas, e os 9 anos e 6 meses de prisão, soma das penas concretamente aplicadas. Ora, a conclusão que se impõe é que, contrariamente ao pretendido, as penas aplicadas à recorrente, parcelares e unitária, são adequadas, justas, proporcionais e conformes aos critérios definidores dos artigos 40.º, n.º 1 e 2, 70.º, 71.º e 77.º do Código Penal. Não se vislumbrando que devam ser reduzidas as penas, a pena única imposta, de 6 anos e 3 meses “, não é susceptível de ser suspensa na sua execução, vedando-o a norma do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal 7 – Pelo exposto, emite-se parecer no sentido de dever ser julgado improcedente o recurso interposto pela arguida AA”. 5. Notificada para responder, nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, a arguida nada disse. 6. Colhidos os vistos e não tendo sido requerida audiência, o recurso foi julgado em conferência – artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP. II. Fundamentação 7. O tribunal a quo julgou provados os seguintes factos: “1. No dia ... de Maio de 2020, cerca das 22H00, a arguida AA e três indivíduos cuja identidade não se logrou apurar, de comum acordo e seguindo um plano previamente traçado entre todos, dirigiram-se à residência do ofendido BB, sita na Rua ..., S/N, Senhora de ..., em ..., área desta comarca ..., com o intuito de se apoderarem dos bens e valores que lá se encontrassem; 2. Uma vez aí chegados, a arguida AA bateu à porta da residência do ofendido ao mesmo tempo que dizia “abre já a porta que eu quero dormir aí, senão parto já o vidro”; 3. Por pensar que se tratava da sua filha, a qual reside em ..., o ofendido acedeu em abrir a porta; 4. Nesse momento, o ofendido BB foi surpreendido por três indivíduos do sexo masculino, os quais se introduziram no interior da sua residência sem o seu consentimento e contra a sua vontade, ficando a arguida AA à entrada da porta, a vigiar; 5. Já no interior da residência do ofendido, um dos referidos indivíduos, que usava uma máscara de cor branca, empurrou o ofendido e agarrou-o pelos braços, manietando-o; 6. De seguida, um outro indivíduo, que usava uma máscara de cor escura e que se encontrava munido de um chicote, ordenou ao ofendido que lhes dissesse o local onde tinha guardado o dinheiro, ao que este lhe respondeu que não tinha dinheiro nenhum; 7. Acto contínuo, o referido individuo desferiu várias pancadas na cabeça do ofendido com o chicote ao mesmo tempo que lhe dizia “não dizes onde está o dinheiro, não sais daqui mais”; 8. Mercê do comportamento dos referidos indivíduos, o ofendido, vendo-se naquelas circunstâncias e por temer pela sua integridade física e pela própria vida, disse-lhes que o dinheiro se encontrava guardado em envelopes, no interior da cómoda do seu quarto; 9. De seguida, os referidos indivíduos levaram o arguido para o quarto e retiraram do interior da cómoda cinco envelopes, os quais continham no seu interior cerca de €2.000,00 (dois mil euros) em nota do Banco Central Europeu, e ainda uma caderneta da Caixa de Crédito Agrícola e o bilhete de identidade do ofendido; 10. Após, na posse dos referidos documentos e quantia monetária, os referidos indivíduos disseram ao ofendido BB que já se podia deitar e dirigiram-se para o exterior da residência onde os aguardava a arguida AA; 11. Nessa altura, a arguida AA retirou a chave da porta de entrada da residência do ofendido, a qual se encontrava colocada na fechadura, do lado de dentro, após o que fechou a porta à chave por fora, para que o ofendido BB não pudesse sair pela mesma; 12. Seguidamente, a arguida e os referidos indivíduos abandonaram o local, levando património como se fossem coisa sua; 13. Em consequência da conduta dos referidos indivíduos, BB sentiu dores e ficou com várias nódoas negras na cabeça e nos braços, na zona dos punhos, mas não teve necessidade de receber tratamento médico. 14. O ofendido BB nasceu no dia .../.../1937, tendo 82 anos de idade, vivia sozinho na referida residência, situada num lugar rural e sem vizinhos próximos, tratando-se de uma pessoa particularmente indefesa e vulnerável em razão da idade, o que era do conhecimento da arguida AA por já ter estado anteriormente na residência daquele, a vender-lhe meias; 15. A arguida AA agiu de modo livre, voluntário e consciente, de forma concertada e em comunhão de esforços e vontades, seguindo o plano delineado em momento prévio com os referidos indivíduos, sendo a atuação de cada um deles decisiva para o que pretendiam alcançar. A arguida e os referidos indivíduos agiram com intenção de se apropriarem e fazerem seus os referidos documentos e quantia monetária que se encontravam na posse do ofendido BB, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que atuavam contra a vontade do seu legítimo proprietário; 16. Para alcançarem os seus desígnios, não hesitaram em utilizar a violência descrita sobre o ofendido BB, aproveitando-se ainda do facto de este residir sozinho, afastado de outras casas e sem vizinhos próximos, e de se tratar de uma pessoa idosa, frágil e incapaz de oferecer qualquer tipo de resistência às suas ilegítimas pretensões; 17. Sabiam, ainda, que em consequência da sua actuação, provocariam em BB um estado profundo de medo e perturbação, levando-o a aceitar e obedecer às suas exigências e a não oferecer qualquer tipo de resistência por recear pela sua vida e integridade física, o que quiseram, como forma de lhe retirar os referidos documentos e quantia monetária; 18. Mais sabia a arguida que sua conduta era proibida e punida por lei e mesmo assim não se absteve de a levar a cabo; 19. No dia ... de Maio de 2020, cerca das 11h30, a arguida AA e um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, de comum acordo e seguindo um plano previamente traçado entre todos, dirigiram-se à residência do ofendido CC, sita no Largo ..., S/N, em ..., fazendo-se transportar no veículo automóvel de marca ..., modelo ..., de cor ..., com a matrícula ..-..-RT, com o intuito de se apoderarem dos bens e valores que encontrassem na posse do mesmo; 20. Uma vez ali chegados, e após terem estacionado o referido veículo num largo existente em frente da residência do ofendido, a arguida AA saiu do mesmo e deslocou-se apeada em direção à porta de entrada da referida residência; 21. Seguidamente, a arguida bateu à porta, a qual foi aberta pelo ofendido CC, a quem propôs a venda de dois pares de meias pelo preço de € 20,00 (vinte euros), o que o ofendido recusou, não obstante a insistência daquela; 22. Nesse momento, surge por detrás da arguida AA um individuo de grande porte, aparentando ter cerca de 50 anos de idade, o qual entrou no interior da residência do ofendido, mais precisamente na cozinha, sem o consentimento e contra a vontade deste; 23. Acto continuo, e sem que nada o fizesse prever, o referido individuo desferiu uma pancada na cabeça do ofendido CC e empurrou-o, fazendo com que o mesmo caísse ao chão. 24. Quando o ofendido se encontrava no chão, o referido individuo meteu-lhe a mão no bolso das calças, do lado esquerdo, e retirou-lhe a carteira, a qual continha no seu interior o cartão de cidadão, a carta de condução, fotografias e a quantia de €460,00 (quatrocentos e sessenta euros) em notas do Banco Central Europeu. 25. Após, e na posse dos referidos documentos e quantia monetária a arguida e o referido individuo abandonaram o local, integrando-os no seu património como se fossem coisa sua. 26. Em consequência da conduta do referido indivíduo, o ofendido CC sofreu dores e traumatismo da região occipital, mas não teve necessidade de receber tratamento médico. 27. O ofendido CC nasceu no dia .../.../1944, tendo 76 anos de idade e vivia sozinho na referida residência, tratando-se de uma pessoa particularmente indefesa e vulnerável em razão da idade, o que era do conhecimento da arguida AA por já ter estado anteriormente na residência daquele, tendo-lhe oferecido nessa ocasião serviços de cariz sexual; 28. A arguida AA agiu de modo livre, voluntário e consciente, de forma concertada e em comunhão de esforços e vontades, seguindo o plano delineado em momento prévio com o referido indivíduo, sendo a actuação de cada um deles decisiva para o que pretendiam alcançar. A arguida e o referido indivíduo agiram com intenção de se apropriarem e fazerem seus os referidos documentos e quantia monetária que se encontravam na posse do ofendido CC, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que atuavam contra a vontade do seu legítimo proprietário; 29. Para alcançarem os seus desígnios, não hesitaram em utilizar a violência descrita sobre o ofendido CC, aproveitando-se ainda do facto de este residir sozinho e de se tratar de uma pessoa idosa, frágil e incapaz de oferecer qualquer tipo de resistência às suas ilegítimas pretensões; Condições pessoais e sociais da arguida 30. A arguida pertence ao conjunto dos nove filhos de um casal de etnia ..., residentes em ... - .... Foi educada de acordo com os valores próprios da sua etnicidade, guardando recordações positivas da sua infância, não obstante as dificuldades socioeconómicas da família; 31. Os pais dedicavam-se ao comércio ambulante, actividade que a arguida também exercia para os auxiliar. Ingressou na escola em idade própria, tendo apenas frequentado o primeiro ano do ensino básico, não sabendo ler nem escrever, apenas aprendeu a assinar o seu nome, já em idade adulta, em frequência de cursos de formação; 32. Aos 21 anos constituiu agregado autónomo, estabelecendo união de facto com individuo, igualmente de etnia ..., originário de ..., cidade onde se viriam a fixar, tendo a arguida mantido as relações de convívio frequente com a família de origem. Da relação nasceram quatro filhas, já adultas e autonomizadas do agregado com excepção da filha mais nova, que actualmente reintegrou o agregado dos pais; 33. Actualmente o agregado familiar da arguida é constituído pela própria, pelo companheiro, DD, desempregado, a filha EE, desempregada, o seu companheiro, desempregado, e três netos; 34. Residem em habitação social, com fracas condições de habitabilidade, num bairro conotado com problemáticas significativas ao nível da criminalidade e marginalidade; 35. A situação económica é descrita como difícil. O agregado tem como única fonte de rendimento a prestação do Rendimento Social de Inserção e, por vezes, dedica-se à venda ambulante. As despesas centram-se nas relativas à satisfação das necessidades do quotidiano (alimentação vestuário, luz, gás) e despesas de medicação do companheiro. A arguida referiu não ter encargos referentes à renda da habitação; 36. Em termos pessoais, revelou, ser uma pessoa com um normal contacto interpessoal; 37. Não existem indícios de consumos de produtos estupefacientes e/ou consumos abusivos de álcool; 38. Os presentes autos constituem-se o primeiro contacto com o sistema de justiça, distanciando-se dos moldes em que se encontra acusada. Dispõe de capacidade para avaliar as consequências do seu comportamento, tendo consciência da ilicitude do comportamento de cuja prática está acusada; 39. A arguida não tem antecedentes criminais.” 8. O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição deste tribunal, delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), quanto a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro). Nos termos do disposto nos artigos 434.º do CPP, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nos citados n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º. O recurso tem por objeto um acórdão final proferido pelo tribunal coletivo que aplicou uma pena única de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito, cujo conhecimento é da competência do Supremo Tribunal de Justiça [artigo 432.º, n.º 1, al. c), e n.º 2 do CPP]. Estando em causa uma situação de concurso de crimes (artigos 30.º, n.º 1, e 77.º do Código Penal), pode este tribunal conhecer de todas as questões de direito relativas à pena conjunta aplicada aos crimes em concurso e às penas aplicadas a cada um deles englobadas naquela pena única, inferiores àquela medida, se impugnadas (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 5/2017, DR I, de 23.6.2017). Mostram-se satisfeitos os requisitos impostos pelos artigos 374.º e 375.º do CPP, nomeadamente quanto à fundamentação em matéria de facto e em matéria de direito, bem como quanto à escolha e determinação da medida das penas, não se revelando qualquer dos vícios de decisão a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP, os quais, na previsão deste preceito, devem resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência, e não ocorrem nulidades não sanadas que devam ser conhecidas. 9 As questões colocadas pelo recorrente à apreciação e decisão deste tribunal dizem respeito à determinação das penas parcelares e da pena única e à pretensão de suspensão de execução da pena de prisão. 10. A determinação da medida das penas requer, num primeiro momento, o estabelecimento das respetivas molduras abstratas, definidas em função dos tipos de crime, ou seja, da qualificação jurídica dos factos provados – “dentro dos limites definidos na lei”, na expressão do n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal. Vista a decisão recorrida não se suscitam quaisquer questões no que diz respeito à qualificação jurídica dos factos e à comparticipação da arguida, como autora, na sua prática. Quanto às penas parcelares 11. De acordo com o disposto nos artigos 71.º, n.º 3, do Código Penal e 375.º, n.º 1, do CPP, que concretizam o dever de fundamentação das decisões judiciais estabelecido no artigo 205.º da Constituição, na sentença são expressamente referidos e especificados os fundamentos da medida da pena. A determinação da medida das penas vem fundamentada nos seguintes termos: “O crime de roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210º n.º 1 e n.º 2 alínea b), por referência ao artigo 204º n.º 1 alínea d) do Código Penal, é punido com pena de prisão de 3 a 15 anos De acordo com o disposto no artigo 70º do C.P. se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal deve dar preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Tais finalidades são, como se determina no artigo 40º, nº1, do mesmo diploma, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Por isso, há também que atentar no que dispõe o artigo 71º n.º 1 do C.P. que dispõe que “…dentro dos limites definidos na lei, é feita em função do agente e das exigências de prevenção.” Por outro lado, há ainda que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, designadamente, as referidas no artigo 71º n.º 2 do C.P nomeadamente: - O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; - A intensidade do dolo ou da negligência; - Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; - As condições pessoais do agente e a sua situação económica; - A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; - A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena» (art.º 71.º, n.ºs 1 e 2, do CP). Cumpre, desde já, determinar quais as penas que deverão ser aplicadas Por se reflectir na pena, através da culpa, antes de mais, há que considerar como factor de graduação daquela, a ilicitude típica que, no caso concreto, se afigura ponderosa no quadro da gravidade suposta pela moldura abstracta dos crimes em causa. O grau de ilicitude dos factos é muito elevado, considerada a circunstância de terem sido praticados em residências particulares, contra pessoa idosas e indefesas, que viviam sozinhos, facto conhecido da arguida e demais assaltantes, tendo sido usada agressividade e violência. O modo de execução revela preparação e planeamento cuidados, tanto mais que os assaltantes se faziam transportar de veículo automóvel, vindos de outra localidade no caso do ofendido CC, sendo certo ainda que a arguida se deslocou outras vezes a casa dos ofendidos para estudar os seus passos e modo de vida. A actuação da arguida e dos outros assaltantes teve consequências físicas, ainda que não muito graves, para os ofendidos, mais gravosas, contudo, no caso do ofendido BB. O móbil do crime foi busca de lucro às custas do património alheio, sendo certo que o prejuízo causado não foi maior por razões alheias à vontade da arguida e dos comparticipantes. O dolo é directo e intenso. A arguida não revela arrependimento ou consciência crítica para os factos, negando tê-los praticado, sendo certo que não efectuou qualquer gesto para reparar os danos causados. As exigências de prevenção especial são elevadas, vista a forma como os factos foram praticados a denunciar já algum à vontade, preparação e talvez até habitualidade São também elevadas as exigências de prevenção geral, tanto mais que estes factos foram praticados em localidades pequenas do interior do país, com um cariz ainda algo rural, o que tudo concorre para que a ressonância social destes factos se amplie e se não dissipe facilmente, causando insegurança e instabilidade na comunidade. Por outro lado, há que ponderar os fenómenos de violência extrema praticados no decurso de crimes de roubo sobre pessoas de idade avançada que se têm vindo a verificar e a repetir um pouco por todo o país (mormente sobre idosos que vivem em casas isoladas), mais a mais em locais onde a população ainda se encontra profundamente arreigada aos valores da inviolabilidade do domicílio, da integridade física e do património. A favor da arguida milita apenas a ausência de antecedentes criminais. Tudo ponderado, mormente o valor dos prejuízos causados, o número de participantes envolvidos e a violência exercida em cada um dos assaltos, será a arguida condenada: - Pela prática de um crime de roubo agravado, p. e p. pelos artigos 210.º n.º 1 e n.º 2 e 204.º n.º 1 alíneas d) e f) todos do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, no que concerne ao assalto ao ofendido BB; - Pela prática de um crime de roubo agravado, p. e p. pelos artigos 210º n.º 1 e n.º 2 e 204º n.º 1 alíneas d) e f) todos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, no que concerne ao assalto ao ofendido CC.” 12. Nos termos do artigo 40.º do Código Penal, que se refere às finalidades das penas, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”. Estabelece o n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias relacionadas com o facto praticado (facto ilícito típico) e com a personalidade do agente (manifestada no facto), relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva, que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a favor do agente ou contra ele considerando, nomeadamente, as indicadas no n.º 2 do mesmo preceito. Como se tem afirmado, encontra este regime os seus fundamentos no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, segundo o qual «a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos». A privação do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (artigo 27.º, n.º 2, da Constituição), submete-se, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que, como é sabido, se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se há-de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos –, adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na “justa medida”, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva (cfr. CANOTILHO / VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, notas aos artigos 18.º e 27.º). 13. Retomando as considerações produzidas em acórdãos anteriores (entre outros, nos acórdãos de 6.2.2019, Proc. 98/12.9GCSCD.L1.S1, de 9.10.2019, Proc. 24/17.9JAPTM-E1.S1, e de 3.11.2021, Proc. 875/19.0PKLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt, e convocando, da doutrina, Anabela M. Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Os Critérios da Culpa e da Prevenção, Coimbra Editora, 2014, pp. 611-678, e Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 3.ª reimp., Coimbra Editora, 2011, pp. 232-357): A projeção destes princípios na determinação da pena justifica-se pela necessidade de protecção do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora violada, em conformidade com um critério de proporcionalidade entre a gravidade da pena e a gravidade do facto praticado, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (artigos 40.º e 71.º do Código Penal). A aplicação da pena exige que o agente do crime tenha agido com culpa, devendo ser censurado pela violação do dever de actuar de acordo com o direito e “pelas qualidades desvaliosas da personalidade que se exprimem no facto”, o que se requer como pressuposto e cujo grau se impõe como limite da pena (artigo 40.º, n.º 2). Para a medida da gravidade da culpa há que, de acordo com o artigo 71.º, considerar os factores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente, nos termos do n.º 2, os factores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objectivo e subjetivo – fatores indicados na alínea a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e na alínea b) (intensidade do dolo ou da negligência) – e os factores a que se referem a alínea c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os factores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – factores indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica do agente), na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na alínea f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto). Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes em vista da satisfação de exigências de prevenção geral – traduzida na protecção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, reafirmando a manutenção da confiança comunitária na norma violada – e, sobretudo, de prevenção especial, as quais permitem fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento, pelo agente, de novos crimes no futuro, e assim avaliar das suas necessidades de socialização. Incluem-se aqui as consequências não culposas do facto [alínea a), v.g. frequência de crimes de certo tipo, insegurança geral ou pavor causados por uma série de crimes particularmente graves], o comportamento anterior e posterior ao crime [alínea e), com destaque para os antecedentes criminais] e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [alínea f)]. O comportamento do agente [circunstâncias das alíneas e) e f)] adquire particular relevo para determinação da medida concreta da pena em vista da satisfação das exigências de prevenção especial, em função das necessidades individuais e concretas de socialização do agente, devendo evitar-se a dessocialização. 14. Como se tem sublinhado, é, pois, na determinação da presença e na consideração destes factores que deve avaliar-se a concreta gravidade da lesão do bem jurídico protegido pela norma incriminadora, materializada na acção levada a efeito pelo arguido pela forma descrita nos factos provados, de modo a verificar se a pena aplicada respeita os mencionados critérios de adequação e proporcionalidade que devem pautar a sua aplicação (cfr., entre outros, os acórdãos de 26.06.2019, Proc. 174/17.1PXLSB.L1.S1, 9.10.2019, Proc. 24/17.9JAPTM-E1.S1, e de 3.11.2021, Proc. 875/19.0PKLSB.L1.S1, cit.). Devendo, por conseguinte, a operação de determinação da pena alhear-se de considerações de natureza geral pressupostas pelo legislador na identificação dos bens jurídicos protegidos, na construção dos tipos legais de crime e no estabelecimento das molduras das penas legalmente fixadas, assim se assegurando o respeito pelo princípio da proibição da dupla valoração de factores relevantes para a determinação da medida da pena (como se observou, designadamente, no acórdão de 11.09.2019, proc. 1032/18.8JAPRT.S1, sumário em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2020/04/criminal_sumarios_2019.pdf, e no acórdão de 3.11.2021, cit.). 15. Tendo em conta estes fatores e critérios impõe-se reconhecer que, como salienta o Ministério Público, o tribunal a quo procedeu a uma cuidadosa e adequada ponderação das circunstâncias evidenciadas pelos factos provados, relevantes para determinação da pena, por via da culpa e da prevenção, nos termos do artigo 71.º do Código Penal. Em particular, militam severamente contra a arguida as circunstâncias relativas ao grau de ilicitude e ao modo de execução do facto, os motivos que determinaram o cometimento do crime e a intensidade dolo. Recordando a fundamentação do acórdão recorrido, “o grau de ilicitude dos factos é muito elevado, considerada a circunstância de terem sido praticados em residências particulares, contra pessoa idosas e indefesas, que viviam sozinhos, facto conhecido da arguida e demais assaltantes, tendo sido usada agressividade e violência. O modo de execução revela preparação e planeamento cuidados, tanto mais que os assaltantes se faziam transportar de veículo automóvel, vindos de outra localidade no caso do ofendido CC, sendo certo ainda que a arguida se deslocou outras vezes a casa dos ofendidos para estudar os seus passos e modo de vida. A actuação da arguida e dos outros assaltantes teve consequências físicas, ainda que não muito graves, para os ofendidos, mais gravosas, contudo, no caso do ofendido BB. O móbil do crime foi busca de lucro às custas do património alheio, sendo certo que o prejuízo causado não foi maior por razões alheias à vontade da arguida e dos comparticipantes. O dolo é directo e intenso.” A forma como os crimes foram cometidos, em execução de actos de preparação e planeamento conjuntamente com outras pessoas não identificadas, de surpresa e em condições de manifesta superioridade física, o elevado grau de intensidade de violência física e psicológica sobre vítimas idosas, isoladas, frágeis, indefesas e incapazes de oferecer resistência, a falta de manifestação de qualquer expressão reveladora de consciência crítica e de qualquer acto destinado a reparar os danos causados, bem como as condições pessoais, reveladoras de baixo nível de formação pessoal em ambiente “com problemáticas significativas ao nível da criminalidade e marginalidade”, indiciam claramente a falta de preparação da arguida para manter uma conduta lícita, a merecer forte reprovação. São, pois, muito elevadas as exigências de prevenção especial, a levar em conta na determinação da pena, como bem se conclui no acórdão recorrido. São também muito elevadas as exigências de prevenção geral, determinadas pela conhecida repetição e frequência da prática de crimes com uso de violência e aproveitamento das condições de isolamento, fragilidade e de avançada idade das vítimas, geradores de elevado grau de intranquilidade e insegurança. A consideração desta circunstância, dentro dos limites impostos pela culpa, que também é muito elevada, mereceu igualmente devida consideração pelo tribunal a quo. A ponderar positivamente a favor da arguida, que tem atualmente 51 anos de idade, resta apenas o comportamento anterior, nas condições de manifesta precariedade reveladas pelo relatório social, sem condenações inscritas no seu registo criminal, o que também foi objeto de ponderação na decisão condenatória. Nesta conformidade, tendo em conta a moldura abstrata das penas e as circunstâncias relevantes, no caso, a ter em conta, não se encontra fundamento que possibilite a formulação de um juízo de discordância quanto às penas aplicadas, que, manifestamente, não se mostram desconformes ao juízo de necessidade, adequação e proporcionalidade que as justificam, em função da realização da sua finalidade. Pelo que, assim, se concluindo, o recurso improcede nesta parte. Quanto à pena única 16. A pena única mostra-se fundamentada nos seguintes termos: “A arguida deverá ser condenada numa única pena que terá como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (artigo 77º, nºs 1 e 2 do C.P.) A moldura penal do concurso no que concerne à arguida será 9 (nove) anos 6 (seis) meses de prisão no seu limite máximo e de 5 (cinco) anos de prisão. Estabelecida a moldura penal do concurso, deve determinar-se a pena conjunta do concurso, dentro dos limites daquela. Tal pena será encontrada em função das exigências de culpa e de prevenção, tendo o legislador fornecido, para além dos critérios gerais estabelecidos no artigo 71º do C.P., um critério especial: “Na determinação concreta da pena serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”. No que diz respeito aos factos, importa ter em consideração a gravidade dos mesmos e os bens jurídicos violados. No que diz respeito à personalidade da arguida, remetemo-nos para as considerações já realizadas. Ponderando todos estes factores, julga-se adequado condenar a arguida na pena única de 6 (seis) anos e 3 (três) meses de prisão”. 17. Nos termos do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, que estabelece as regras da punição do concurso de crimes (artigo 30.º, n.º 1), quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, formada a partir de uma moldura definida, no seu mínimo, pela mais elevada das penas aplicadas aos crimes em concurso e, no seu máximo, pela soma das penas aplicadas a esses crimes, sem ultrapassar 25 anos de prisão (n.º 2 do artigo 77.º), para cuja determinação, seguindo-se os critérios da culpa e da prevenção (artigo 71.º), são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (n.º 1 do artigo 77.º, in fine), com respeito pelo princípio da proibição da dupla valoração (artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal). Aqui se incluem, designadamente, as condições económicas e sociais, reveladoras das necessidades de socialização, a sensibilidade à pena, a suscetibilidade de por ela ser influenciado e as qualidades da personalidade manifestadas no facto, nomeadamente a falta de preparação para manter uma conduta lícita (Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 3.ª reimp., 2011, p. 248ss; por todos, o acórdão de 27.2.2019, infra). Recordando jurisprudência constante deste Supremo Tribunal e o que se consignou em acórdãos anteriores, com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também, e especialmente, pelo seu conjunto, enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento do agente. Há que atender ao conjunto de todos os factos cometidos pelo arguido e ao fio condutor presente na repetição criminosa, procurando estabelecer uma relação desses factos com a personalidade do agente, tendo-se em conta a caracterização desta, com sua projeção nos crimes praticados, levando-se em consideração a natureza destes e a verificação ou não de identidade dos bens jurídicos violados, tudo isto «tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto de factos praticados é a expressão de uma tendência criminosa, isto é, se significará já a expressão de algum pendor para uma “carreira”, ou se, diversamente, a repetição comportamental dos valores estabelecidos emergirá antes e apenas de fatores meramente ocasionais» [cfr. acórdão de 27.2.2019, Proc. 1960/18.0T8VCT.S1, em www.stj.pt/wp-ontent/uploads/2019/06/ criminal _sumarios_fevereiro_2019.pdf, retomando-se o que se afirmou no acórdão de 2.12.2012, Proc. 923/09.1T3SNT.L1.S1, de 21.11.2018, ECLI:PT:STJ:2018:114.14.0JACBR. A.S1.73, citando-se os acórdãos de 06-02-2008 (Proc. n.º 4454/07), de 18.1.2012, Proc. 34/05.9PAVNG.S1 (Raul Borges), de 14.07.2016 e de 17.06.2015 (Proc. 4403/00.2TDLSB.S1) (Pires da Graça) e 488/11.4GALNH (Maia Costa), em www.dgsi.pt]. Citando e repetindo o afirmado em anteriores decisões: “Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido a atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta». «A personalidade do agente – se bem que não a personalidade no seu todo, mas só a personalidade manifestada no facto», – «é um factor da mais elevada importância para a medida da pena e que para ela releva, tanto pela via da culpa como pela via da prevenção» (Figueiredo Dias, loc. cit., p. 291) 18. Aos crimes em concurso corresponde a pena de 5 (cinco) anos de prisão, no seu limite mínimo, por ser a pena mais grave, e de 9 (nove) anos 6 (seis) meses de prisão no seu limite máximo, correspondente à soma das penas parcelares. Tendo em conta os factores de determinação da pena única indicados, relativos aos factos e à personalidade da arguida manifestados na prática desses factos, ponderados na determinação das penas parcelares, na sua consideração, em conjunto, para efeitos de determinação da pena única, nos termos do n.º 1 do artigo 77.º do Código Penal, também não se encontra fundamento que possa constituir motivo de discordância quanto á medida da pena aplicada, de 6 anos e 3 meses de prisão. Dada a proximidade temporal dos dois crimes praticados, de idêntica natureza, que se mostram como factos isolados na vida da arguida, não se pode concluir que esta tenha enveredado por uma “carreira” criminosa, o que, a verificar-se, constituiria factor de substancial agravação. Pelo que, manifestamente, não pode a pena única considerar-se excessiva, por fixada em violação dos mencionados critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade. Sendo esta pena de medida superior a 5 anos, não há lugar à ponderação da suspensão da sua execução, por a isso se opor o artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal. Termos em que o recurso também improcede nesta parte. Quanto a custas 19. Nos termos do disposto no artigo 513.º do CPP, só há lugar ao pagamento da taxa quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso. A taxa de justiça é fixada entre 5 e 10 UC, tendo em conta a complexidade do recurso, de acordo com a tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais. III. Decisão 20. Pelo exposto, acordam os juízes da 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em: a) Julgar improcedente o recurso interposto pela arguida AA; e b) Condenar a recorrente em custas, fixando a taxa de justiça em 5 UC. Supremo Tribunal de Justiça, 16 de fevereiro de 2022. José Luís Lopes da Mota (relator) Maria da Conceição Simão Gomes (assinado digitalmente) |