Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO (CÍVEL) | ||
Relator: | MARIA DA GRAÇA TRIGO | ||
Descritores: | CASAMENTO DIVÓRCIO OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS UNIÃO DE FACTO LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA AÇÃO CÍVEL | ||
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Data do Acordão: | 01/14/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I. Antes da alteração do art. 2019.º do CC pela Lei n.º 23/2010, de 30.08, já se defendia a atribuição de relevância jurídica à situação de união de facto do alimentando, sendo que se podia discutir se tal situação deveria ser equiparada, por analogia, à do novo casamento do alimentando ou se deveria antes relevar como demonstrando a “desnecessidade” do alimentando nos termos do art. 2013.º, n.º 1, alínea b), do CC.
II. Assim, o que verdadeiramente importa para a resolução do caso dos autos não é qual o regime formalmente em vigor em cada momento, mas antes apreciar qual a relevância material que o autor atribuiu à situação de união de facto da ré. III. Tendo ficado provado que: (i) o autor tomou conhecimento dessa situação em Dezembro de 2006; (ii) interpôs acção de alteração da obrigação de alimentos apenas em 2009, na qual invocou a dita união de facto como circunstância que demonstrava que a situação de necessidade da ré se alterara, pedindo a redução (e não a cessação) do montante da pensão de alimentos; (iii) vindo essa acção a terminar mediante acordo entre as partes, homologado por sentença judicial, reduzindo o valor da pensão de alimentos; (iv) é de concluir que o acordo que regula a obrigação de alimentos do autor foi celebrado tendo a situação de união de facto como pressuposto (v) pelo que, não apenas o autor não logrou provar o erro sobre as circunstâncias em que as partes fundaram o acordo de alimentos, como ficou provada a falsidade do facto essencial alegado, consubstanciador de tal erro. IV. Assim sendo, na medida em que as partes estabeleceram uma obrigação negocial de alimentos, forçoso é concluir que tal obrigação não pode ser posta em causa na presente acção, com fundamento na sobredita união de facto, mas apenas e tão só em outras causas supervenientes, legalmente relevantes. V. Da factualidade provada resulta, de forma patente, tanto a situação de necessidade da ré como a situação de sustentada possibilidade do autor, concluindo-se pela não verificação da invocada causa geral extintiva da obrigação de alimentos. VI. Com a Reforma de 2008, passou a vigorar um princípio de auto-suficiência de cada um dos ex-cônjuges, em resultado do qual o direito a alimentos será tendencialmente temporário e subsidiário, sendo tal princípio aplicável – de acordo com a regra geral de aplicação da lei no tempo do n.º 2 do art. 12.º do CC – às relações anteriores entre ex-cônjuges, como é o caso dos autos. VII. Contudo, não pode ignorar-se que a mesma reforma legislativa atenuou, em certas e determinadas situações, a diminuição da tutela do cônjuge economicamente dependente mediante uma significativa alteração do regime do crédito compensatório, consagrado no art. 1676.º, n.º 2, do CC, abandonando a presunção iuris tantum de que se presumia a renúncia a exigir a compensação por parte do cônjuge que contribuiu em excesso para os encargos da vida em comum. VIII. O carácter complementar das duas vertentes da Reforma de 2008 – a vertente do regime de alimentos e a vertente do direito ao crédito compensatório – tem vindo justamente a ser assinalado pela doutrina, não cabendo aqui pronunciar-nos sobre a eventualidade de a ré poder pedir ou ter podido pedir essa compensação. IX. No caso dos autos, limitando-se o autor a invocar genericamente a violação do princípio da auto-suficiência, sem, como lhe competia, concretizar quaisquer factos que suportem a possibilidade efectiva de a ré se sustentar mediante o seu próprio trabalho, não cabe aqui apreciar tal questão, dispensando-nos de determinar a ampliação da matéria de facto a fim de ser produzida prova sobre os factos (eventualmente relevantes) alegados pela ré relativos à sua idade avançada e à debilidade do seu estado de saúde que a impediriam de se auto-sustentar. X. Verificando-se que o autor, actuando dolosamente, alterou a verdade de factos que assumem relevância essencial para a decisão da causa, uma vez que – como resulta da fundamentação da decisão de mérito – se concluiu que a obrigação de alimentos do autor assenta no acordo de vontades entre as partes, homologado por sentença, que reduziu a pensão de alimentos com base, entre outros, precisamente no alegado pressuposto da união de facto da alimentanda, encontra-se preenchida a previsão do art. 542.º, n.º 2, al. b) do CPC. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. AA instaurou, em 27 de Fevereiro de 2017, a presente acção de alteração da obrigação de alimentos contra BB, alegando, em síntese, o seguinte: - A. e R. casaram em … de Setembro de 1982 e divorciaram-se em … de Novembro de 2006; - Aquando do divórcio, A. e R. acordaram que aquele pagasse a esta uma pensão de alimentos no valor de €1.400 mensais; - O acordo quanto à pensão de alimentos foi celebrado na convicção, por parte do A., de que a R. não tinha meios de subsistência; - Este acordo foi homologado pela Conservadora do Registo Civil …, no âmbito do processo de divórcio, que correu termos por aquela Conservatória; - Em 12 de Julho de 2010, A. e R. acordaram em reduzir o valor daquela pensão para €650,00; - Este acordo foi homologado por sentença proferida, em 17 de Setembro de 2010, no Processo de Alteração da Pensão de Alimentos, que correu termos no ….º Juízo do Tribunal de Família e Menores …, ….ª Secção, com o n.º de processo …/…; - Até à data, o A. pagou à R., a título de pensão de alimentos, a quantia de €113.800,00 (de Dezembro de 2006 a Setembro de 2010 / 46 meses x €1.400 = €64.400,00 e de Outubro de 2010 a Janeiro de 2017 / 76 meses x €650,00 = €49.400,00); - Sucede que, entretanto, o A. tomou conhecimento de que a R. vive em união de facto desde Dezembro de 2006; - Verifica-se, assim, erro sobre as circunstâncias em que A. e R. acordaram a prestação de alimentos, ao qual, nos termos do artigo 252.º, n.º 2, do Código Civil, é aplicável o disposto nos artigos 437.º a 439.º do mesmo Código, pelo que assiste ao A. direito à resolução daquele acordo; - Acresce que se encontram reunidos os pressupostos do artigo 227.º do CC, assistindo ao A. o direito a ser indemnizado pelos danos que lhe foram causados pela R., ou seja, o direito à devolução de todas as prestações pagas a título de alimentos desde Dezembro de 2006; - Com fundamento em enriquecimento sem causa (art. 437.º, n.º 1 do CC), tem o A. direito a que sejam restituídas todas as prestações pagas a título de alimentos, desde Dezembro de 2006; - Além de que, nos termos do artigo 2013.º, n.º 1, alínea b), do CC, a obrigação de prestar alimentos cessa quando aquele que os recebe deixe de precisar deles; - Sendo a união de facto uma instituição jurídica equiparada ao casamento (art. 1.º, n.º 2, da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio), verifica-se que, desde Dezembro de 2006, a R. não necessita da prestação de alimentos e que, cumulativamente, o A. não tem a obrigação de prestar alimentos à R. desde essa altura; - De todo o modo, face ao preceituado no artigo 2016.º, n.º 1, do CC, dez anos após o divórcio, mesmo que não vivesse maritalmente com o seu actual companheiro, a R. já devia prover ao seu sustento. Termina pedindo que: a) Seja reconhecida a cessação da obrigação de prestar alimentos à R. por parte do A.; b) Seja a R. condenada a devolver ao A. todas as prestações recebidas daquele, a título de alimentos, no montante de €113.80,00, ao qual devem acrescer juros à taxa legal. A R. contestou alegando, essencialmente, o seguinte: - Pelo ano de 1978/1979, A. e R. iniciaram uma relação afectiva, decidindo a R., de acordo com o A., rescindir o seu contrato de trabalho no …. para o poder acompanhar no exercício da sua actividade de bancário em vários países; - Tendo a R. acompanhado o A. na ida para …, onde, no ano de1982, vieram a contrair matrimónio; - Nos anos que se seguiram e por períodos de cerca de dois anos em cada país, A. e R. viveram em …, no …, novamente em …, em …, na …, na …., na … e em …; - Durante a segunda estadia em …, nasceu a filha de ambos; - Três a quatro anos antes do divórcio, e por comum acordo, a R., para poder dar estabilidade à filha de ambos, atendendo a que a mesma necessitava de permanecer numa única escola, ficou a viver com a filha em …, sendo que era o A. quem vinha a ... quando a profissão lho permitia, para estar com a mulher e com a filha; - Durante todos esses anos, que foram cerca de vinte sete, foi a R. quem cuidou da casa e da filha, gerindo toda a organização do lar e a vida da filha, levando e trazendo a então menor da escola e de todas as actividades extracurriculares; - Por acordo com o A., a R. abdicou da sua vida profissional em prol da vida familiar, contribuindo assim em espécie para a economia comum, através de trabalho desenvolvido no seio do seu lar, na educação da filha, assim como no acompanhamento do marido; - No ano de 2006, A. e R. divorciam-se, tendo o A., reconhecendo todos os factos atrás descritos, que se traduzem num crédito da R. sujeito a compensação pelo A., aceitado pagar à R. o valor mensal de €1.400,00 a título de pensão de alimentos; - Não é verdade que a R. viva ou tenha vivido em união de facto com CC; - CC é amigo de longa data da R., permanecendo temporadas em ..., na casa onde reside a R., que também lhe pertence; - A R. não exerce actividade profissional desde os anos de 1978/1979, não tendo experiência nem contacto com os novos meios informáticos ou técnicas laborais; - Está há 35 anos fora do mercado de trabalho, tem 62 anos de idade, sofre do coração e de doença crónica, vive em constante ansiedade, provocada pelo facto de o aqui A. pretender retirar-lhe o valor da pensão de alimentos de que necessita em absoluto para viver; - Bem sabe o A. que a R. acedeu em reduzir a pensão de alimentos de €1.400,00 para €650,00, com efeitos a partir de 01.10.2010, na condição de o A. não voltar a questionar o acordo relativo a alimentos; - Sendo que os motivos que o A. invocou na presente acção judicial são iguais aos plasmados no processo n.º …, que correu termos na … Secção do … Juízo de Família e Menores de …. Assim, face às possibilidades do A. e à incapacidade da R. em prover à sua subsistência, pugna pela improcedência da acção. Por sentença de 26 de Novembro de 2018 a acção foi julgada improcedente, absolvendo-se a R. do pedido e mantendo-se a pensão de alimentos a pagar pelo A.. Inconformado, o A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo a reapreciação da decisão de direito. Por decisão proferida em 27 de Junho de 2019, e mantida por acórdão de 28 de Novembro de 2019, o recurso foi julgado parcialmente procedente, revogando-se a decisão recorrida e declarando-se a cessação da obrigação de o A. prestar alimentos à R.. 2. Por requerimento de 17 de Dezembro de 2019, a R. interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: «1. Considerando tudo o que atrás se explanou e o que doutamente for suprido pelos Venerandos Conselheiros desse Supremo Tribunal de Justiça, não poderá ser passível de outra decisão a questão em análise, senão a revogação da douta decisão do Tribunal da Relação de Lisboa. 2. Como é consabido a obrigação de prestar alimentos cessa “quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixe de precisar deles” (art.º 2013.º, n.º 1, alínea b) do C.C.)”. 3. Recai sobre quem invoca a alteração das circunstâncias determinantes da fixação dos alimentos o ónus de alegação e prova dessa alteração, nos termos do art.º 342.º n.º 1 do C.C. 4. Ora, não obstante, o Recorrido ter tido conhecimento em Dezembro de 2006 de que a Recorrente vivia em união de facto com CC (vide art.º 11º da matéria dada como provada), o mesmo só invocou este facto cerca de três (3) anos depois (Novembro de 2009) quando intentou a ação de Alteração da Pensão de Alimentos, que correu os seus termos no extinto …Juízo do Tribunal de Família e Menores ….., … secção, com o nº de Proc. …, sendo que nessa mesma ação, em 12 de Julho de 2010, aceitou pagar à Recorrente uma pensão no montante de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros) mensais, tendo tal acordo sido homologado por sentença proferida em 17 de Setembro de 2010. 5. Acresce que, o Recorrido não logrou provar que aquando da propositura da presente acção, em 27 de Fevereiro de 2017, a Recorrente vivia e continua a viver em união de facto com CC e como tal a mesma passou a estar em condições de prover ao seu sustento, sem qualquer auxílio do Recorrido. 6. Aliás, atento o plasmado no art.º 10º da matéria dada como provada e alínea D dos factos dados como não provados, que não foram postos em crise pelo Recorrido, a Recorrente viveu em união de facto com CC, de Dezembro de 2006 a Dezembro de 2011. 7. Do que se deixa dito, há pois que concluir que a mera invocação e comprovação de que a Recorrente após o seu divórcio viveu cinco anos em união de facto com outro homem, não é bastante para afastar o seu direito a exigir alimentos ao seu ex-marido, na medida em que a verificação dos pressupostos da cessação de alimentos deve ser analisada no momento da propositura da ação. 8. Como ficou inequivocamente demonstrado, o Recorrido não logrou provar os factos constitutivos do seu direito, pelo que não existe, assim, fundamento para a cessação da obrigação alimentar. 9. Laborou em erro o douto Tribunal da Relação …. ao considerar verificado um dos pressupostos da cessação de alimentos, previsto no art.º 2019º, do C.C., violando assim o disposto nos arts. 3, 4 e 5 do art.º 607º, do C.P.C. e arts. 2009º, 2013, n.º 1, alínea b) e art.º 2019, todos do C.C. 10. Assim, deverá o Douto Acórdão recorrido ser totalmente revogado, mantendo-se integralmente a decisão da Primeira Instância.» O Recorrido apresentou contra-alegações em 28 de Janeiro de 2020, concluindo nos termos seguintes: «1. Ficou provado nos presentes autos que a Recorrente, enquanto ex-cônjuge do Recorrido, iniciou uma união de facto. Pelo que, 2. Nos termos do art. 2019º do CC, encontra-se cessada a obrigação de prestar alimentos à Recorrente, por parte do Recorrido. 3. Sendo, para o caso, irrelevante se se alteraram, ou não, as necessidades económicas da Recorrente ou se a Recorrente mantém, ou não, a união de facto com o seu companheiro CC. 4. A actual redacção do art. 2019º do CC resulta da Lei nº 23/2010, de 30 de agosto. Pelo que, 5. Só após a entrada em vigor deste diploma, foi conferido ao ora Recorrido o direito à cessação da obrigação de prestar alimentos à Recorrente.» Por despacho do relator do tribunal a quo, datado de 16 de Julho de 2020, o recurso foi admitido. Por ofício de 2 de Outubro de 2020 os autos foram remetidos a este Supremo Tribunal. Cumpre apreciar e decidir. 3. Vem provado o seguinte: 1. O A. e a R. casaram um com o outro em … de Setembro de 1982 (doc. de fls. 9 e 10). 2. O A. e a R. divorciaram-se por mútuo consentimento por decisão proferida em … de Novembro de 2006 pela … CRC, decisão essa que se tornou definitiva na mesma data (doc. de fls. 9 e 10). 3. A título de partilha subsequente ao divórcio, verbal e amigável, o A. pagou à R. € 240.000 (doc. de fls. 63 a 67). 4. Aquando do divórcio, A. e R. acordaram que aquele pagasse a esta uma pensão de alimentos no valor de € 1.400 mensais (doc. de fls. 9 a 11). 5. Este acordo foi homologado pela Senhora Conservadora do Registo Civil de …, no âmbito do processo de divórcio, que correu os seus termos por aquela Conservatória (doc. de fls. 9 a 11). 6. Em 12 de Julho de 2010, o A. e a R. acordaram em reduzir o valor daquela pensão para €650,00 mensais (doc. de fls. 12 e 32 e 33), valor que se mantém na actualidade. 7. Este acordo foi homologado por sentença proferida, em 17 de Setembro de 2010, no Processo de Alteração da Pensão de Alimentos, que correu os seus termos no … Juízo do Tribunal de Família e Menores de …, … secção, com o n° de Proc. … (doc. de fls. 12 e 32 e 33). 8. Até janeiro de 2017 inclusive, o A. pagou à R., a título de pensão de alimentos, a quantia de € 113.800,00 (de Dezembro de 2006 a Setembro de 2010 / 46 meses X 1.400€ = 64.400,00€ e de Outubro de 2010 a Janeiro de 2017 / 76 meses X 650,00€ = 49.400,00€). 9. Por escritura de compra e venda, outorgada no dia 6 de Dezembro de 2006, em que são outorgantes a R. e CC - estes declararam comprar “(...) em comum e em partes iguais (...), o prédio urbano sito na Rua …, lote …, …. de cave e r/c, destinado a habitação, freguesia de …, concelho de … (...) " e que destinavam o imóvel adquirido " (...) a sua habitação própria e permanente” (doc. de fls. 34 a 40) 10. Pelo menos desde Dezembro de 2006 e durante cinco anos a R. e CC viveram juntos nesta casa, dormiam juntos e passavam férias juntos, vivendo como se fossem marido e mulher, partilhando o mesmo quarto e cama. 11. O A. teve conhecimento deste facto em Dezembro de 2006. 12. Quando o A. intentou em 20.11.09 a acção de Alteração da Pensão de Alimentos, que correu os seus termos no … Juízo do Tribunal de Família e Menores de …, … secção, com o n° de Proc. …, alegou na petição inicial no art. 25° o seguinte “Por outro lado, também no que respeita à situação da Requerida, o ora Requerente soube há cerca de seis meses tempo, que houve alteração de circunstâncias no que se refere à necessidade de obter do Requerente, uma pensão de alimentos” (cf. fls. 7 do apenso A). 13. E na mesma acção alegou no art. 26° da petição inicial o seguinte: “É que o Requerente veio a saber que a ora Requerida vive, pelo menos desde Dezembro de 2006 (...) em união de facto com um homem de nome CC” (cf. fls. 8 do apenso A). 14. O A. trabalha para I…. Sucursal em ... e em Julho de 2017 auferiu € 19.108,26 (doc. de fls. 129 a 131). 15. O A. declarou para efeitos de IRS referentes ao ano de 2015 ter auferido um rendimento bruto no valor de € 350,177, 11 (doc. de fls. 168 a 176 e 179 a 180). 16. O A. declarou para efeitos de IRS referentes ao ano de 2016 ter auferido um rendimento bruto no valor de € 359.926,60 (doc. de fls. 161 a 167 e 177 a 178). 17. O A. despende mensalmente montante não apurado com a sua alimentação, vestuário, calçado e saúde. 18. O A. despende mensalmente montante não apurado com os consumos domésticos. 19. A R. não exerce actividade profissional remunerada (doc. de fls. 80). 20. A R. declarou para efeitos de IRS referentes ao ano de 2016 ter auferido um rendimento bruto no valor de € 3.441,03 (doc. de fls. 107 a 109). 21. A 1ª prestação do IMI referente ao ano de 2016 da casa sita na Rua …, lote …, …, freguesia de …, concelho de … foi no valor de € 181,51 (doc. de fls. 110). 22. A R. despende mensalmente € 118,02 com o pagamento do seu seguro de saúde (doc. de fls. 111 a 112). 23. A R. despende mensalmente montante não apurado com a sua alimentação, vestuário, calçado e saúde. 24. A R. despende mensalmente montante não apurado com os consumos domésticos. Com relevo para a decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos, nomeadamente que: A) A R. já vivia com o seu companheiro CC, na Avenida …, Bloco …, …, …, antes da compra da casa em … . B) O acordo quanto à pensão de alimentos foi celebrado na convicção por parte do A. de que a R. não tinha meios de subsistência. C) Soube, entretanto, o A. que a R. vive em união de facto, com CC, solteiro, desde Dezembro de dois mil e seis. D) A R. continua a viver em união de facto com CC. E) A R. nos anos de 1973/1974 exercia a profissão de professora …, em …. F) No ano de 1974, veio para ..., onde foi admitida no …, como secretária. G) Pelo ano de 1978/1979, conhece AA, ora A., por quem se apaixona e com quem namora, decidindo de acordo com o mesmo, rescindir o seu contrato de trabalho no ..., para o poder acompanhar no exercício da sua actividade de bancário em vários países. H) Assim, BB, acompanha AA, em ..., no ano de 1982. I) Nos anos que se seguiram e por períodos de cerca de dois anos em cada país, BB e o seu marido, AA, viveram em ..., ..., novamente em ..., ..., ..., ..., ... e .... J) Durante a segunda estadia em ..., nasce a filha de ambos, DD. K) Três a quatro anos antes do divórcio, por comum acordo, BB para poder dar estabilidade à filha de ambos, atendendo a que a mesma necessitava de permanecer numa única escola para que os seus estudos não fossem interrompidos de dois em dois anos, com mudanças de país e de escola, ficou a viver com a filha em ..., sendo que era AA, quem vinha a ... quando a profissão lho permitia, para estar com a mulher e com a filha. L) Durante todos esses anos, que foram cerca de vinte sete, foi a R. quem cuidou da casa e da filha, gerindo toda a organização do lar e toda a vida da filha, DD, levando e trazendo a então menor da escola e de todas as actividades extracurriculares. M) A R. abdicou da sua vida profissional, em prol da vida familiar, por acordo com AA. N) A R. contribuiu toda uma vida, em espécie, para a economia comum, através de trabalho desenvolvido no seio do seu lar, na educação, protecção, formação moral, acompanhamento da filha, na participação e constante acompanhamento do marido, tanto na profissão como na assistência, auxílio e cooperação. O) A R. não exerce actividade profissional desde os anos de 1978/79, não tendo experiência nem contacto com os novos meios informáticos ou técnicas laborais. P) À R. não sobra no final de cada mês qualquer valor, sendo que perspectivou a sua vida para viver com o valor dos alimentos que acreditou que o ex-marido lhe pagaria. Q) Está há 35 anos fora do mercado de trabalho, tem 62 anos de idade, sofre do coração e de doença crónica, vive em constante ansiedade, provocada pelo facto de o aqui A. pretender retirar-lhe o valor da pensão de alimentos de que necessita em absoluto para viver. R) Ansiedade, esta, que lhe trouxe, já, sequelas graves. 5) CC é amigo de longa data da R., permanecendo temporadas em ..., na casa que também lhe pertence. T) A R. acedeu a reduzir a pensão de alimentos de € 1.400,00 para € 650,00, com efeitos a 01/10/2010, na condição de o A. não voltar a questionar o acordo relativo a alimentos. 4. Tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. Assim, o presente recurso tem por objecto a seguinte questão: - Erro de julgamento do acórdão recorrido ao determinar a cessação da obrigação de o A. pagar alimentos à R.. Esclareça-se que, dos dois pedidos formulados pelo A. (declaração de cessação da obrigação de prestar alimentos à R.; condenação da R. a devolver ao A. todas as prestações recebidas desde Dezembro de 2006) apenas o primeiro se encontra em discussão, uma vez que o A. não impugnou a decisão de improcedência do segundo pedido. 5. Recorde-se que o A. baseou o pedido de cessação da obrigação de alimentos no erro sobre as circunstâncias em que A. e R. basearam o acordo - datado de 12.07.2010 e homologado por sentença de 17.09.2010 - de redução da pensão de alimentos de € 1400,00 para € 650,00, erro ao qual seria aplicável o regime da alteração das circunstâncias dos artigos 437.º e segs. do CC. Sendo que a circunstância sobre que incidiria o alegado erro do A. seria o desconhecimento do facto de que a R., desde Dezembro de 2006, vivia em união de facto, assim como, concomitantemente, o desconhecimento de que, a partir dessa altura, a R. deixara de necessitar de alimentos. Consideremos os termos em que a sentença apreciou a questão: «Aquando do divórcio, A. e R. acordaram que aquele pagasse a esta uma pensão de alimentos no valor de € 1.400€ mensais. Este acordo foi homologado pela Senhora Conservadora do Registo Civil ……, no âmbito do processo de divórcio, que correu os seus termos por aquela Conservatória. Em 12 de Julho de 2010, o A. e a R. acordaram em reduzir o valor daquela pensão para €650,00 mensais, valor que se mantém na atualidade. Este acordo foi homologado por sentença proferida, em 17 de Setembro de 2010, no Processo de Alteração da Pensão de Alimentos, que correu os seus termos no … Juízo do Tribunal de Família e Menores de …, … secção, com o nº de Proc. .... O A. pretende que seja reconhecida a cessação da obrigação de prestar alimentos à R. por parte do A. alegando que o acordo quanto à pensão de alimentos foi celebrado na convicção por parte do A. de que a R. não tinha meios de subsistência, sendo que o A. soube, entretanto, que a R. vive em união de facto, com CC, solteiro, desde Dezembro de dois mil e seis. Mais alega o A. que a R. já vivia com o seu companheiro CC, na Avenida …, Bloco …, ..., ..., antes da compra da casa em.... Entende o A. que atento o erro quanto às circunstâncias que estiveram na base do acordo de prestação de alimentos, nos termos conjugados dos arts. 252º, nº 2, e 437º do CC, goza o mesmo do direito à resolução deste acordo e que considerando o disposto no art. 227º do CC, tem o A. o direito a ser indemnizado pelos danos que lhe foram causados pela R., ou seja à devolução de todas as prestações pagas a título de alimentos, desde Dezembro de 2006. A obrigação de prestar alimentos cessa “quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixe de precisar deles” (art.º 2013.º, n.º 1, alínea b) do CC). Trata-se de uma norma quase desnecessária, por representar consequência lógica do estipulado no artigo anterior: “Se, depois de fixados os alimentos pelo tribunal ou por acordo dos interessados, as circunstâncias determinantes da sua fixação se modificarem, podem os alimentos taxados ser reduzidos ou aumentados, conforme os casos, ou podem outras pessoas ser obrigadas a prestá-los” (art. 2012º do CC). Recairá sobre quem invoca a alteração das circunstâncias determinantes da fixação dos alimentos o ónus de alegação e prova dessa alteração, ou seja, neste caso tal ónus incidirá sobre o autor da ação que tem em vista o reconhecimento dessa alteração (art.º 342.º n.º 1 do CC). Tendo o A. acordado com a R. a prestação de alimentos em vigor, ao pretender a sua cessação sobre ele incumbirá a prova de que se alteraram as suas possibilidades económicas ou as necessidades da R. ou que esta passou a estar em condições de prover ao seu sustento sem qualquer auxílio do A. Todavia, no caso ora em apreciação, o A. não logrou provar que a R. já vivia com o seu companheiro CC, na Avenida …, Bloco …, ..., ..., antes da compra da casa em … .. O A. não logrou igualmente demonstrar que o acordo quanto à pensão de alimentos foi celebrado na convicção por parte do A. de que a R. não tinha meios de subsistência. Ficou também por provar que o A. soube entretanto que a R. vive em união de facto, com CC, solteiro, desde Dezembro de dois mil e seis e que a R. continua a viver em união de facto com CC. Aquilo que efetivamente ficou provado nos autos foi que, contrariamente ao alegado pelo A., desde dezembro de 2006 que este tem conhecimento de que a R. vivia em união de facto com CC. E tanto assim é, que quando o A. intentou em 20.11.09 a ação de Alteração da Pensão de Alimentos, que correu os seus termos no … Juízo do Tribunal de Família e Menores de …, …secção, com o nº de Proc. ..., alegou na petição inicial no art. 25º o seguinte “Por outro lado, também no que respeita à situação da Requerida, o ora Requerente soube há cerca de seis meses tempo, que houve alteração de circunstâncias no que se refere à necessidade de obter do Requerente, uma pensão de alimentos”. E na mesma ação alegou no art. 26º da petição inicial o seguinte: É que o Requerente veio a saber que a ora Requerida vive, pelo menos desde dezembro de 2006 (…) em união de facto com um homem de nome CC”. Assim, e não obstante desde dezembro de 2006 ter conhecimento de que a R. vivia em união de facto com CC”, o A. só invocou estes factos cerca de 3 anos depois (novembro de 2009) quando intentou a ação de Alteração da Pensão de Alimentos, que correu os seus termos no … Juízo do Tribunal de Família e Menores de …., … secção, com o nº de Proc. ... e nessa mesma ação, em 12 de Julho de 2010, o A. e a R. acordaram em reduzir o valor daquela pensão para € 650,00 mensais, valor que se mantém na atualidade, tendo tal acordo sido homologado por sentença proferida, em 17 de Setembro de 2010, no referido processo. Ora, dado que o R. tem conhecimento deste facto desde dezembro de 2006, não pode o mesmo mais de dez anos depois vir invocar tal facto como se de um facto novo se tratasse. Uma vez que o A. não logrou demonstrar que o acordo quanto à pensão de alimentos foi celebrado na convicção por parte dele de que a R. não tinha meios de subsistência, sendo que soube, entretanto, que a R. vive em união de facto, com CC, solteiro, desde Dezembro de dois mil e seis, não há qualquer erro quanto às circunstâncias que estiveram na base do acordo de prestação de alimentos. Por outro lado, tendo o A. conhecimento desse facto desde 2006 e tendo em 12 de Julho de 2010, o A. e a R. acordado em reduzir o valor da pensão para € 650,00 mensais, valor que se mantém na atualidade, inexiste má-fé na celebração do acordo de prestação de alimentos e inexiste igualmente enriquecimento sem justa causa. Não existe igualmente fundamento para a cessação da obrigação alimentar porque o A. não provou que se alteraram as suas possibilidades económicas ou as necessidades da R., nem conseguiu demonstrar que a R. continua a viver em união de facto com CC e como tal a R. passou a estar em condições de prover ao seu sustento sem qualquer auxílio do A.. Por conseguinte, o A. não conseguiu demonstrar que a R. não necessita da prestação de alimentos por parte dele desde Dezembro de 2006. Não tendo o A. logrado provar os factos constitutivos do seu direito (art. 342º, nº 1 do CC), a sua pretensão não poderá ser atendida.» [negritos nossos] Tendo o A. apelado desta decisão, invocando designadamente a violação do regime do artigo 2019.º do CC, a Relação reapreciou a questão da seguinte forma: «Diz o recorrente AA que se encontra cessada a obrigação de prestar alimentos à Ré, por sua parte, uma vez que o Tribunal a quo deu como provado que a Ré iniciou uma união de facto, sendo, para o caso, irrelevante se se alteraram (ou não) as possibilidades económicas do Recorrente, as necessidades económicas da Recorrida ou se esta mantém, ou não, a união de facto com o seu companheiro CC. Resulta, de facto, assente que "...10. Pelo menos desde Dezembro de 2006 e durante cinco anos a R. e CC viveram juntos nesta casa, dormiam juntos e passavam férias juntos, vivendo como se fossem marido e mulher, partilhando o mesmo quarto e cama...". Ora: Dispõe o art. Art. 2019.°, do C. Civil, sob a epígrafe, «Cessação da obrigação alimentar», que "...cessa o direito a alimentos se o alimentado ... iniciar união de facto ...". A situação factual provada configura inequivocamente uma situação de união da facto que a recorrida manteve, pelo que mais nos resta que declarar a consequência e atende o questionamento efectuado neste particular. - Quanto à 2' Questão: Agrega ainda o apelante que o recorrente, tal como o Tribunal a quo, partilham da convicção de que a Ré pode carecer de alimentos, se não viver em união de facto. Foi com base nessa convicção que o Recorrente acordou emprestar alimentos. Pelo que o recorrente goza do direito à resolução do acordo de prestação de alimentos, nos termos conjugados dos artigos 252°, n° 2, e 437° do C. Civil, com as consequências previstas nos artigos 439°, 433° e 434°, n° 1, do C. Civil. O vertente tópico argumentativo encontra-se prejudicado em termos de conhecimento pela procedência do anterior que julgou verificada a cessão da obrigação alimentar. Dele não conheceremos, pois, por ociosa actividade jurídica.» [negrito nosso] Insurge-se a R. contra esta decisão, invocando essencialmente o seguinte: - Por força do disposto no artigo 2013.º, n.º 1, alínea b), do CC, a obrigação de prestar alimentos só cessa quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixe de precisar deles, sendo que cabe ao A. o ónus de provar a alteração das circunstâncias, o que não logrou fazer; - O A. tinha conhecimento da união de facto da R. pelo menos desde 2006, mas só invocou essa união de facto em 2009, em acção de alteração de alimentos com o n.º 2281/09; e, com conhecimento da união de facto, acordou pagar à R. pensão de alimentos no montante mensal de € 650,00; - Apenas ficou provada a união de facto da R. desde 2006 a 2011, o que não é bastante para afastar o seu direito a exigir alimentos, pois não ficou provado que a união de facto persistisse à data da propositura da presente acção. Em sede de contra-alegações invoca o A. que, uma vez que a actual versão do artigo 2019.º do CC apenas entrou em vigor com a alteração ao Código Civil introduzida pela Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto, só na presente acção pôde o A. invocar a cessação da obrigação de alimentos. Quid iuris? 6. Relevam os seguintes factos provados: 4. Aquando do divórcio, A. e R. acordaram que aquele pagasse a esta uma pensão de alimentos no valor de € 1.400 mensais (doc. de fls. 9 a 11). 5. Este acordo foi homologado pela Senhora Conservadora do Registo Civil …, no âmbito do processo de divórcio, que correu os seus termos por aquela Conservatória (doc. de fls. 9 a 11). 6. Em 12 de Julho de 2010, o A. e a R. acordaram em reduzir o valor daquela pensão para €650,00 mensais (doc. de fls. 12 e 32 e 33), valor que se mantém na actualidade. 7. Este acordo foi homologado por sentença proferida, em 17 de Setembro de 2010, no Processo de Alteração da Pensão de Alimentos, que correu os seus termos no … Juízo do Tribunal de Família e Menores de …, … secção, com o n° de Proc. ... (doc. de fls. 12 e 32 e 33). 10. Pelo menos desde Dezembro de 2006 e durante cinco anos a R. e CC viveram juntos nesta casa, dormiam juntos e passavam férias juntos, vivendo como se fossem marido e mulher, partilhando o mesmo quarto e cama. 11. O A. teve conhecimento deste facto em Dezembro de 2006. 12. Quando o A. intentou em 20.11.09 a acção de Alteração da Pensão de Alimentos, que correu os seus termos no ... Juízo do Tribunal de Família e Menores de ..., ... secção, com o n° de Proc. ..., alegou na petição inicial no art. 25° o seguinte “Por outro lado, também no que respeita à situação da Requerida, o ora Requerente soube há cerca de seis meses tempo, que houve alteração de circunstâncias no que se refere à necessidade de obter do Requerente, uma pensão de alimentos” (cf. fls. 7 do apenso A). 13. E na mesma acção alegou no art. 26° da petição inicial o seguinte: “É que o Requerente veio a saber que a ora Requerida vive, pelo menos desde Dezembro de 2006 (...) em união de facto com um homem de nome CC” (cf. fls. 8 do apenso A). A divergência entre as decisões das instâncias resulta, ao menos até certo ponto, da diversidade de fundamentos invocados pelo A. em sede de petição inicial e, posteriormente, de apelação. Vejamos. O A. interpôs a presente acção de alteração/cessação da obrigação de alimentos, invocando a existência de erro sobre as circunstâncias em que A. e R. basearam o acordo entre si celebrado em 12.07.2010, homologado por sentença de 17.09.2010, no sentido de reduzir a pensão de alimentos de € 1400,00 para € 650,00, sendo que a circunstância sobre que incidiria o erro do A. seria o desconhecimento do facto de que a R. vivia em união de facto desde Dezembro de 2006, assim como o desconhecimento de que, a partir dessa mesma altura, deixara a R. de ter necessidade de alimentos. Ora, tendo ficado provado não apenas que o A. tomou conhecimento desse facto em Dezembro de 2006 (facto 11) como também que o invocou em 2009, em anterior acção de alteração de alimentos interposta em 20.11.2009 contra a R., vindo a acordar com esta – por tanto, com conhecimento da união de facto – pagar-lhe pensão de alimentos de € 650,00, entendeu a 1.ª instância ter o mesmo A. falhado a prova do pressuposto essencial no qual fundara a sua pretensão. Além de que, tendo ficado provado que a união de facto da R. perdurou entre 2006 e 2011 (facto 10), mas não que tal situação subsistisse à data da propositura da presente acção (ponto D) dos factos não provados), entendeu também a 1.ª instância não ter sido provado que a R. tenha passado a ter condições para prover ao seu sustento sem contar com o auxílio do A.. Estes juízos feitos pela 1.ª instância não merecem, em si mesmos, censura. Na verdade, não só não foi feita prova do facto essencial alegado pelo A. para sustentar a sua pretensão de cessação da obrigação de alimentos – o não conhecimento da união de facto à data da celebração do acordo (12.07.2010) – como foi feita a prova da falsidade de tal fundamento, certificada pelo teor dos factos alegados na p.i. de anterior acção de alteração da obrigação de alimentos interposta pelo mesmo A. em 20.11.2009 ao afirmar que “(...) o ora Requerente soube há cerca de seis meses tempo, que houve alteração de circunstâncias no que se refere à necessidade de obter do Requerente, uma pensão de alimentos (...)” e “que o Requerente veio a saber que a ora Requerida vive, pelo menos desde Dezembro de 2006 (...) em união de facto (...)”. Contudo, em sede de apreciação do recurso de apelação, não se pronunciou a Relação sobre tal fundamento da pretensão do A., uma vez que o julgou prejudicado pela aplicação do regime do artigo 2019.º do CC. Este outro fundamento, ainda que invocado pela primeira vez nas alegações do recurso de apelação, tinha efectivamente de ser apreciado pela Relação por ser de conhecimento oficioso. Cumpre reapreciá-lo nesta sede. Prescreve o artigo 2019.º do CC: «Em todos os casos referidos nos artigos anteriores, cessa o direito a alimentos se o alimentado contrair novo casamento, iniciar união de facto ou se tornar indigno do benefício pelo seu comportamento moral.» Assinale-se que esta redacção da norma resulta da alteração ao Código Civil introduzida pela Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto, alteração que consistiu precisamente em inserir, a par do novo casamento do alimentado ou da indignidade do seu comportamento, a situação de união de facto como causa de cessação do direito a alimentos. Foi com base neste regime legal que, de forma tabelar e sem qualquer referência às especificidades do caso dos autos, o tribunal a quo entendeu que a prova de que a R. viveu em união de facto entre 2006 e 2011 faz cessar a obrigação de alimentos do A. para com ela. Importa apreciar se, no caso sub judice, a previsão do art. 2019.º do CC é ou não aplicável, atendendo a que: (i) o A. tem conhecimento da união de facto da R. desde Dezembro de 2006 (facto 11); (ii) em acção interposta em 2009, invocou a dita união de facto como sendo uma das circunstâncias que justificavam a redução da pensão de alimentos a pagar à R. (factos 12 e 13); (iii) essa acção veio a terminar mediante acordo (datado de 12.07.2010) entre as partes, homologado por sentença judicial de 17.09.2010, acordo no qual se funda a obrigação de alimentos do A. para com a R. (factos 6 e 7), que, com a presente acção, o mesmo A. pretende fazer cessar; (iv) ficou provado que a união de facto da R. subsistiu até ao ano de 2011 (facto 10), mas não que subsistisse à data de propositura da presente acção (ponto D) dos factos não provados). Para melhor se compreender o regime do artigo 2019.º do CC, na parte que ora releva, consideremos os termos sintéticos em que o mesmo é explanado por Maria João Vaz Tomé (in Código Civil Anotado – Livro IV – Direito da Família, coord.: Clara Sottomayor, Almedina, Coimbra, 2019, págs. 1115-1116): «5. I. O início de união de facto pelo alimentando constitui também causa de cessação da obrigação de alimentos. II. Reputa-se que, mediante o estabelecimento de união de facto, o sobrevivo como que adquire novos alimentos. Apesar de os unidos de facto não estarem reciprocamente obrigados à assistência, as condições económicas do sobrevivo são tidas em conta pelo direito dos alimentos. Como que se atende às expectativas de facto do unido de facto, à “assistência informal” reciprocamente prestada, não importando os direitos legais a alimentos. 6. I. Já antes da reforma de 2008, não prevendo a lei a união de facto do alimentando como causa de cessação da obrigação de alimentos, defendia não ter sido certamente intenção do legislador favorecer a união de facto em detrimento do matrimónio. II. A união de facto, não sendo embora fonte de relações familiares, não relevando assim do ponto de vista jurídico o que o alimentando aufere em virtude dessa união, recebendo por mero favor, importa em sede de obrigação de alimentos do ponto de vista material. III. A união de facto do alimentando deveria então ser considerada como causa de cessação da obrigação de alimentos quer em virtude da interpretação extensiva da expressão “novo casamento”, quer por força da aplicação analógica da norma que prevê o novo casamento do alimentando como causa de extinção, quer por força do art. 2013º/1,b) (desnecessidade). IV. Porém, a opção por uma das soluções propostas não era despicienda, porquanto produzem efeitos diferentes. Enquanto as duas primeiras provocam a cessação definitiva da obrigação de alimentos, a última é suscetível de permitir o seu surgimento se o alimentado, após a dissolução ou a rutura da união de facto, se vier a encontrar em necessidade. Tal decorre do art. 2012º, ou do art. 2004 º, conjugado com o art. 2006º.» [negritos nossos] Consideremos o caso dos autos à luz destes subsídios de índole doutrinal. Antes de mais, fica clarificado que, contrariamente ao alegado pela Recorrida, com a solução legislativa adoptada em 2010, a cessação da obrigação de alimentos depende da prova da existência da união de facto do alimentando, mas não da prova de que essa mesma união de facto subsista à data da propositura da acção. Deste modo, não ter ficado provado (ponto D) dos factos não provados) que a união de facto da R. perdurasse quando a presente acção foi interposta não impede, por si só, que o A. invoque a cessação daquela obrigação.[1] Em segundo lugar, e a partir dos mesmos subsídios doutrinais, fica patente que a atribuição de relevância jurídica à situação de união de facto do alimentando era defendida antes mesmo da alteração legislativa do artigo 2019.º do CC, podendo discutir-se se tal situação deveria ser equiparada, por analogia, à do novo casamento do alimentando ou se deveria antes relevar como demonstrando a “desnecessidade” do alimentando nos termos do artigo 2013.º, n.º 1, alínea b), do CC. Cfr., a este respeito, Maria João Vaz Tomé, O direito à pensão de reforma enquanto bem comum do casal, Coimbra Editora, Coimbra, 1997, págs. 375 e segs. e, recentemente, Paula Távora Víctor, Crédito Compensatório e Alimentos Pós-Divórcio, Almedina, Coimbra, 2020, págs. 576 e segs. A este propósito tenhamos presente que, por um lado, a equiparação da união de facto ao casamento feita pela Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio (cfr. art. 1.º, n.º 2), equiparação que o Recorrente expressamente invoca, apontaria no sentido de aplicação analógica do regime do artigo 2019.º do CC; que, por outro lado, o facto de que o unido de facto não estar adstrito à obrigação de alimentos apontaria no sentido de a união de facto relevar apenas como factor que demonstraria a “desnecessidade” do alimentando. O que verdadeiramente importa não é qual a redacção do artigo 2019.º do CC formalmente em vigor em cada momento – preceito que aliás, como se viu, não foi sequer invocado pelo A. ao intentar a presente acção – mas antes apreciar qual a relevância material que, à data em que se vinculou, atribuiu o A. à situação de união de facto da R.. Recorde-se, mais uma vez, que o A. tomou conhecimento da união de facto da R. em Dezembro de 2006 (facto 11), vindo a interpor acção de alteração da obrigação de alimentos apenas em 2009, invocando a dita união de facto como uma circunstância que demonstrava que a situação de necessidade da R. se alterara e pedindo a redução (e não a cessação) do montante da pensão de alimentos (factos 12 e 13). Como se sabe, essa acção veio a terminar mediante acordo entre as partes – homologado por sentença judicial – pelo qual se reduziu o montante da pensão de alimentos de € 1400,00 para € 650,00. Perante a factualidade concretamente apurada temos de concluir que o acordo que regula a obrigação de alimentos do A. para com a R. foi celebrado tendo a situação de união de facto como pressuposto. Deste modo, não apenas o A. não logrou provar o erro sobre as circunstâncias em que as partes fundaram o acordo de alimentos, como ficou provada a falsidade do facto essencial alegado (desconhecimento da situação de união de facto da R.) para consubstanciar tal erro. Assim, e na medida em que as partes estabeleceram uma obrigação negocial de alimentos, forçoso é concluir que tal obrigação não pode ser posta em causa na presente acção com fundamento na sobredita união de facto, mas apenas e tão só com fundamento em outras causas supervenientes, legalmente relevantes. Aqui chegados, constata-se que, ainda que sem inteira autonomia em relação à situação de união de facto, foi suscitada a alteração das circunstâncias da situação pessoal da R. que se traduziria na sua “desnecessidade”, assim como foi invocado o dever de a mesma R., decorridos mais de dez anos sobre o divórcio, prover à sua própria subsistência. Consideremos em seguida estes dois fundamentos. 7. A impossibilidade do devedor de alimentos e a não necessidade do alimentando constituem causas gerais de cessação da obrigação de alimentos, isto é, aplicáveis a todas as relações alimentícias. Com efeito, dispõe o artigo 2013.º, n.º 1, do CC o seguinte: «1. A obrigação de prestar alimentos cessa: (...) b) Quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixe de precisar deles; (...).» No caso sub judice, relevam os factos seguintes: 14. O A. trabalha para I… Sucursal em ... e em Julho de 2017 auferiu € 19.108,26 (doc. de fls. 129 a 131). 15. O A. declarou para efeitos de IRS referentes ao ano de 2015 ter auferido um rendimento bruto no valor de € 350,177, 11 (doc. de fls. 168 a 176 e 179 a 180). 16. O A. declarou para efeitos de IRS referentes ao ano de 2016 ter auferido um rendimento bruto no valor de € 359.926,60 (doc. de fls. 161 a 167 e 177 a 178). 17. O A. despende mensalmente montante não apurado com a sua alimentação, vestuário, calçado e saúde. 18. O A. despende mensalmente montante não apurado com os consumos domésticos. 19. A R. não exerce actividade profissional remunerada (doc. de fls. 80). 20. A R. declarou para efeitos de IRS referentes ao ano de 2016 ter auferido um rendimento bruto no valor de € 3.441,03 (doc. de fls. 107 a 109). 21. A 1ª prestação do IMI referente ao ano de 2016 da casa sita na Rua da …, lote …, …, freguesia de..., concelho de … foi no valor de € 181,51 (doc. de fls. 110). 22. A R. despende mensalmente € 118,02 com o pagamento do seu seguro de saúde (doc. de fls. 111 a 112). 23. A R. despende mensalmente montante não apurado com a sua alimentação, vestuário, calçado e saúde. 24. A R. despende mensalmente montante não apurado com os consumos domésticos. Da factualidade provada resultam, de forma patente, tanto a situação de necessidade da R. como a situação de sustentada possibilidade do A., concluindo-se assim pela não verificação da invocada causa geral extintiva da obrigação de alimentos. 8. Falta, por último, considerar se se pode extrair alguma consequência para a resolução do caso dos autos do dever de a R. prover à sua própria subsistência, genericamente invocado pelo A.. A este respeito convoca-se a fundamentação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.03.2016 (proc. n.º 2836/13.3TBCSC.L1.S1), disponível em www.dsgi.pt, no qual se afirma: «Como vem sendo afirmado por este Supremo Tribunal de Justiça, a obrigação de prestar alimentos entre ex-cônjuges após o divórcio constitui um efeito jurídico novo, que radica na dissolução do casamento, mas cujo fundamento deriva da recíproca solidariedade pós-conjugal (por todos, acórdão de 23.10.2012, proc. nº 320/10.6TBTMR.C1.S1, in www.dgsi.pt/jstj). A Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, veio introduzir alterações significativas no regime dos alimentos entre ex-cônjuges no seguimento de divórcio, agora consagrado nos artigos 2016.º e 2016.º-A do Código Civil. Inspirada nos Princípios de Direito da Família Europeu Relativos a Divórcio e Alimentos entre ex-cônjuges publicados em 2004, a Lei n.º 61/2008 passou a atribuir cariz excepcional ao direito de alimentos entre cônjuges, sendo esta uma das principais mudanças introduzidas no campo dos efeitos do divórcio. O legislador optou, claramente, por aderir ao chamado princípio da auto-suficiência, conferindo, em regra, ao direito a alimentos entre ex-cônjuges carácter temporário e natureza subsidiária. Estas características estão bem evidenciadas no artigo 2016.º do Código Civil, preceito que reconhece a qualquer dos cônjuges o direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio (n.º 2), mas consagra que cada cônjuge deve prover à sua subsistência depois do divórcio (n.º 1) e que o direito a alimentos pode ser negado por razões manifestas de equidade (n.º 3). Este novo modelo, associado, em grande medida, à transição para o sistema do divórcio pura constatação da ruptura do casamento, reconhece “ao cônjuge economicamente dependente um direito a alimentos menos intenso do que aquele que lhe era conferido no sistema de divórcio por violação culposa dos deveres conjugais”, como dá nota Maria João Tomé (“Algumas reflexões sobre a obrigação de compensação e a obrigação de alimentos entre ex-cônjuges” em Estudos em Homenagem ao Prof. Heinrich Hörster, 2012, Almedina, pág. 445).» [negritos nossos] Confirma-se, assim, que, com a Reforma de 2008, passou a vigorar um princípio de auto-suficiência de cada um dos ex-cônjuges, em resultado do qual o direito a alimentos será tendencialmente temporário e subsidiário. Sendo tal princípio aplicável – de acordo com a regra geral de aplicação da lei no tempo do n.º 2 do artigo 12.º do CC – às relações anteriores entre ex-cônjuges, como é o caso dos autos, uma vez que o A. e a R. se divorciaram em 2006 (facto 2). Contudo, não pode ignorar-se que a mesma reforma legislativa atenuou, em certas e determinadas situações, a diminuição da tutela do cônjuge economicamente dependente mediante uma significativa alteração do regime do crédito compensatório, abandonando a presunção iuris tantum de que se presumia a renúncia a exigir a compensação por parte do cônjuge que contribuiu em excesso para os encargos da vida em comum. Neste sentido, cfr. Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Créditos compensatórios e retroacção dos efeitos do divórcio (a publicar). Com efeito, enquanto o artigo 1676.º, n.º 2 do CC, na redacção da Reforma do Direito da Família de 1977 (Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro), prescrevia: «Se a contribuição de um dos cônjuges para os encargos da vida familiar exceder a parte que lhe pertencia nos termos do número anterior, presume-se a renúncia ao direito de exigir do outro a correspondente compensação.» A Reforma de 2008 alterou esta norma no seguinte sentido: «Se a contribuição de um dos cônjuges para os encargos da vida familiar for consideravelmente superior ao previsto no número anterior, porque renunciou de forma excessiva à satisfação dos seus interesses em favor da vida em comum, designadamente à sua vida profissional, com prejuízos patrimoniais importantes, esse cônjuge tem direito de exigir do outro a correspondente compensação.» O carácter complementar das duas vertentes da Reforma de 2008 – a vertente do regime de alimentos e a vertente do direito a crédito compensatório – tem vindo justamente a ser assinalado pela doutrina. Neste sentido, ver o estudo de Maria João Vaz Tomé, «Reflexões sobre a obrigação de alimentos entre ex-cônjuges», in Textos de Direito da Família para Francisco Pereira Coelho, coord.: Guilherme de Oliveira, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, págs. 582-586 e págs. 591-595, assim como a recente obra de referência de Paula Távora Víctor, Crédito Compensatório e Alimentos Pós-Divórcio, cit., especialmente págs. 593 e segs. De acordo com esta última autora, os alimentos pós-divórcio e o crédito compensatório são afinal: “Como os dois pilares de um ‘sistema bimodal’ dirigido a responder a estas iniquidades. É certo que apresentam uma história e uma configuração bem diversas, mas não podemos obnubilar o facto de assentarem sobre um solo (pelo menos parcialmente) comum e de visarem o mesmo fim último – enfrentar as situações de desfavor que o divórcio tornou visíveis” (pág. 595). [negrito nosso] Não obstante a importância, no plano geral e abstracto, das considerações expendidas, não cabe pronunciarmo-nos aqui, em concreto, sobre a eventualidade de a R. poder pedir ou ter podido pedir essa compensação. Com relevo para a resolução do caso dos autos, importa sim considerar a questão da natureza tendencialmente temporária do direito a alimentos do ex-cônjuge necessitado. Convocam-se também aqui as considerações de Maria João Vaz Tomé («Reflexões sobre a obrigação de alimentos...», cit., págs. 596-597, retomadas na anotação ao artigo 2016.º, in Código Civil Comentado, cit., págs. 221-227): «O ex-cônjuge necessitado tem direito a alimentos qualquer que seja a causa que produziu o seu estado de necessidade, desde que tal necessidade não seja susceptível de ser satisfeita mediante um empenhamento diligente. Encontra-se em necessidade quem não consegue satisfazer adequadamente as necessidades de uma vida autónoma e digna, quer com o seu património, quer com a sua força de trabalho. Se a necessidade do alimentando for susceptível de cessar com o seu trabalho (de acordo com as suas possibilidades físicas e intelectuais, o seu estado de saúde, etc.), com a abstenção da prática do jogo, da prodigalidade ou de outros vícios e condutas impeditivas do desenvolvimento de uma actividade profissional, não deve então ter direito a alimentos, pois que inexiste uma verdadeira e própria necessidade. (...) (...) Por seu turno, na apreciação da sua capacidade de trabalho, relevam a sua formação, as suas aptidões, a sua idade, o seu estado de saúde, assim como o tempo requerido pelo cuidado dos filhos após o divórcio. Não basta a mera aptidão do alimentando para o trabalho, sendo necessária a possibilidade real de efectivo desempenho do mesmo, dada a dificuldade com que pode deparar em encontrar um posto de trabalho em virtude de crise económica e desemprego. Na verdade, no caso de o alimentando dispor de qualificações profissionais, mas sendo as suas possibilidades de aplicação, deverá esta circunstância ser apreciada globalmente enquanto impossibilidade real e actual de satisfazer as suas próprias necessidades. O que não significa, todavia, que ao alimentando seja consentido abdicar do exercício de outra actividade remunerada em virtude de esta ser alheia às suas qualificações académicas ou profissionais.» Acrescenta ainda a mesma autora que: «Em qualquer caso, a obrigação não deveria ter limites temporais no caso de idade avançada do cônjuge necessitado e de casamento de longa duração» (cit., pág. 603). [negrito nosso] Em sentido próximo, pronuncia-se Jorge Pais do Amaral (Direito da Família e das Sucessões, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2017, págs. 201-202): «O cônjuge só não tem possibilidades de angariar, pelo seu próprio esforço, os meios de que necessita para viver, nos casos em que, por exemplo, sofre de alguma limitação que o impede de trabalhar ou já revela incapacidade para o trabalho devido à avançada idade ou à falta de habilitações. Estes e outros casos semelhantes fazem surgir o direito a receber alimentos.» [negrito nosso] Convém ter presente que, como assinala Paula Távora Víctor (ob. cit., págs. 585-586): «A Reforma do Divórcio de 2008 visava introduzir a regra da duração determinada. O artigo 2016.º-B do Decreto n.º 232/X previa que a “obrigação de alimentos deve[sse] ser estabelecida por um período limitado, renovável, salvo razões ponderosas”, as quais seriam “a idade avançada ou a precedência de um casamento de longa duração.» [negrito nosso] No caso dos autos, limitando-se o A. a invocar genericamente a violação do princípio da auto-suficiência, sem, como lhe competia, concretizar quaisquer factos que suportem a possibilidade efectiva de a R. se sustentar mediante o seu próprio trabalho, não cabe aqui apreciar tal questão, dispensando-nos portanto de determinar a ampliação da matéria de facto a fim de ser produzida prova sobre os factos (eventualmente relevantes) alegados pela R. relativos à sua idade avançada e à debilidade do seu estado de saúde. Conclui-se assim também pela improcedência da pretensão do A. com este fundamento. 9. Notificadas as partes, por despacho de 2 de Dezembro de 2020, para se pronunciarem sobre a possibilidade de condenação do A. como litigante de má fé por ter instaurado a presente acção, alegando factos incompatíveis com os factos por si alegados na petição inicial de anterior acção de alteração da pensão de alimentos, que correu termos no … Juízo do Tribunal de Família de Menores de …, … Secção, com o n.º ..., veio o A. invocar essencialmente o seguinte: - Ainda que tenha sido dado como provado que o A. tem conhecimento da união de facto da R. desde Dezembro de 2006, os factos dos quais a 1.ª instância retirou esta ilação apenas permitem concluir que esse conhecimento ocorreu em Maio de 2009; - Na petição inicial da presente acção, afirma-se o seguinte: no artigo 2.º “A. e R. divorciaram-se, em 23 de novembro de 2006, (...)”; no artigo 9.º, “Soube, entretanto, o A. que a R. vive em união de facto, com CC, solteiro, desde dezembro de dois mil e seis (...)”; - Estas duas afirmações produzidas na petição inicial da presente acção são compatíveis com os factos alegados na petição inicial da acção de alteração da pensão de alimentos, que correu os seus termos no … Juízo do Tribunal de Família e Menores de …, … secção, com o n.º de processo ...; - De qualquer forma, esta matéria é irrelevante para o mérito da causa, uma vez que a data em que a R. iniciou a união de facto apenas tinha relevância como fundamento dos pedidos, formulados pelo A., de; a) Erro sobre as circunstâncias em que foi acordada a prestação de alimentos; e b) Má-fé da R. na celebração do acordo de prestação de alimentos. - Pedidos que, no decurso desta acção, o A. deixou cair, apenas estando em causa a cessação da obrigação de prestação de alimentos nos termos do artigo 2019.° do CC. Pronunciou-se a R. no sentido da condenação do A. por litigância de má fé. Vejamos. Na petição inicial da presente acção alegou o A. o seguinte: «1º A. e R. casaram, em 24 de Setembro de 1982, cfr. Doc. 1, fls. 2/2. 2º A. e R. divorciaram-se, em 23 de Novembro de 2006, cfr. Doc. 1, fls. 2/2. 3º Apesar de A. e R. terem casado sob o regime de separação de bens, a título de partilha subsequente ao divórcio, verbal e amigável, o A. pagou, à R., 240.000€, cfr. Doc. 2. – [ nº 27º da contestação] 4º Aquando do divórcio, A. e R. acordaram que aquele pagasse a esta uma pensão de alimentos no valor de 1.400€ mensais, cfr. Doc. 3. 5º O acordo quanto à pensão de alimentos foi celebrado na convicção por parte do A. de que a R. não tinha meios de subsistência. 6º Este acordo foi homologado pela Senhora Conservadora do Registo Civil de …., no âmbito do processo de divórcio, que correu os seus termos por aquela Conservatória, cfr. Doc. 1, fls. 2/2 e Doc. 2. – [ nº 2º da contestação] 7º Em 12 de Julho de 2010, A. e R. acordaram em reduzir o valor daquela pensão para 650,00€, cfr. Doc. 4. 8º Aquele acordo foi homologado por sentença proferida, em 17 de Setembro de 2010, no Processo de Alteração da Pensão de Alimentos, que correu os seus termos no … Juízo do Tribunal de Família e Menores de …, … secção, com o nº de Proc. ..., cfr. Doc. 5, sem que os factos alegados pelas partes tenham sido objecto de sindicância por parte do Tribunal. 9º Até à data, o A. pagou à R., a título de pensão de alimentos, a quantia de 113.800,00€ (de Dezembro de 2006 a Setembro de 2010 / 46 meses X 1.400€ = 64.400,00€ e de Outubro de 2010 a Janeiro de 2017 / 76 meses X 650,00€ = 49.400,00€). Sucede que, 10º Soube, entretanto, o A. que a R. vive em união de facto, com CC, solteiro, desde Dezembro de dois mil e seis, cfr. Doc. 6, que é constituído por uma escritura de compra e venda, outorgada no dia 6 de Dezembro de 2006, em que são outorgantes a R. e o seu companheiro - CC - e na qual declaram que compram "(...) em comum e em partes iguais (...), o prédio urbano sito na Rua da …, lote …, … - Edifício de cave e r/c, destinado a habitação, freguesias de..., concelho de … (...)" e que destinam o imóvel adquirido "(...) a sua habitação própria e permanente" (sic – a fls. 4/7 do Doc.6) e Doc. 7, que é constituído por uma caderneta predial, donde consta que o domicilio da R. e do seu companheiro é na mesma morada e Doc. 8. 11º A R. já vivia com o seu companheiro CC, na Avenida …, Bloco …, ..., ..., antes da compra da casa em..., cfr. Doc. 9. - a fls. 2/3, Cota G-4. Quanto ao erro sobre as circunstâncias em que A. e R. acordaram a prestação de alimentos. 12º Nos termos do art. 252º, nº 2, do CC, ao erro que recaia sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio é aplicável o disposto nos art.s 437º a 439º do CC. 13º "Há erro sobre a base de negócio quando a falsa representação incide sobre circunstâncias (pretéritas, presentes ou futuras) em que as partes fundaram a decisão de contratar. Assim, se A se obriga a prestar assistência a B, na convicção errónea de ambos de que B é pobre, o regime aplicável é o dos artigos 437º a 439º", Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil, Vol. I, 4º Edição, pag. 236. Quanto à má-fé da R. na celebração do acordo de prestação de alimentos. 14º Nos termos do art. 227º do CC, quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.» Foi dado como provado: - Quando o A. intentou em 20.11.2009 a acção de Alteração da Pensão de Alimentos, que correu os seus termos no ... Juízo do Tribunal de Família e Menores de ..., ... secção, com o n° de Proc. ..., alegou na petição inicial no art. 25° o seguinte “Por outro lado, também no que respeita à situação da Requerida, o ora Requerente soube há cerca de seis meses tempo, que houve alteração de circunstâncias no que se refere à necessidade de obter do Requerente, uma pensão de alimentos” (facto 12); - E na mesma acção alegou no art. 26° da petição inicial o seguinte: “É que o Requerente veio a saber que a ora Requerida vive, pelo menos desde Dezembro de 2006 (...) em união de facto com um homem de nome CC” Assim, constata-se que: (i) O A. intentou, em 20 de Novembro de 2009, acção de alteração da pensão de alimentos invocando ter tomado conhecimento há cerca de seis meses da situação de união de facto da R.; (ii) Tendo como pressuposto tal união de facto da R., A. e R. celebraram, em 12 de Julho de 2010, acordo de redução da pensão de alimentos; (iii) Em 27 de Fevereiro de 2017, o A. interpôs a presente acção de cessação da obrigação de alimentos, invocando que, “entretanto”, soube que a R. vive em união de facto; (iv) Alegando que incorreu, por isso, o A. em erro sobre a base do negócio quanto à circunstância de a R. necessitar de alimentos. Comprova-se que o A. invocou como fundamento da presente acção de alteração/cessação de alimentos o facto de ter tido conhecimento - em momento necessariamente posterior ao acordo celebrado com a R. em 12 de Julho de 2010, na medida em que vem impugnar tal acordo - da união de facto da mesma R., quando, em anterior acção de alteração de alimentos, interposta em 20 de Novembro de 2009, invocara o mesmo fundamento, declarando ter tido conhecimento da união de factos há cerca de seis meses. Verifica-se, deste modo, que o A., actuando dolosamente, alterou a verdade de factos que, contrariamente ao que afirma, assumem relevância essencial para a decisão do pedido de cessação da obrigação de alimentos, uma vez que – como resulta da fundamentação da decisão de mérito supra – se concluiu que a dita obrigação de alimentos do A. assenta no acordo de vontades entre as partes, homologado por sentença, que reduziu a pensão com base, entre outros, no alegado pressuposto da união de facto da alimentanda. A conduta processual do A. insere-se na litigância de má fé substancial, que proíbe a alteração da verdade dos factos relevantes para a decisão da causa (art. 542.º, n.º 2, alínea b), do CPC). Cfr., neste sentido, a título exemplificativo, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 15.12.2011 (proc. n.º 336/08.2TVPRT.P1.S1), de 02.02.2017 (proc. n.º 2183/03.9TBOAZ.P2.S1), de 19.06.2018 (proc. n.º 278/13.0TBVLP.G2.S1), cujos sumários são consultáveis em www.stj.pt; e de 19.06.2019 (proc. n.º 1274/15.8T8FAR.E1.S1), disponível em www.dgsi.pt. Consequentemente, deve o mesmo A. ser condenado por litigância de má fé, sendo de fixar a respectiva multa em 10 Unidades de Conta, em razão da gravidade da conduta (n.º 2 do art. 27.º do Regulamento das Custas Processuais) e feita a ponderação dos parâmetros previstos no n.º 4 do mesmo artigo (“(...) os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correcta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste”). 10. Pelo exposto: a) Julga-se o recurso procedente, revogando-se o acórdão recorrido e absolvendo-se a Ré de todos os pedidos; b) Condena-se o Autor como litigante de má fé, fixando-se a multa em 10 UCs. Custas pelo Recorrente. Lisboa, 14 de Janeiro de 2020 Nos termos do art. 15º-A do Decreto-Lei nº 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo Decreto-Lei nº 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade das Exmas. Senhoras Conselheiras Maria Rosa Tching e Catarina Serra que compõem este colectivo. Maria da Graça Trigo (Relatora) __________ [1] Distinta desta seria a questão de saber se, num caso em que a união de facto do alimentando tenha feito cessar o seu direito a alimentos, uma vez terminada a união de facto, poderá, em certas circunstâncias, tal direito renascer. Em sentido favorável pronuncia-se Paula Távora Víctor, Crédito Compensatório e Alimentos Pós-Divórcio, Almedina, Coimbra, 2020, pág. 585. |