Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | ISOLETA DE ALMEIDA COSTA | ||
| Descritores: | LIVRANÇA EM BRANCO AVAL PACTO DE PREENCHIMENTO PREENCHIMENTO ABUSIVO NOVAÇÃO OBJECTIVA EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA CERTA OBRIGAÇÃO CAMBIÁRIA EMBARGOS DE EXECUTADO CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO CONTA CORRENTE CONTA CAUCIONADA BANCO | ||
| Data do Acordão: | 11/11/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
| Sumário : |
I.A novação objetiva como a novação subjetiva da obrigação exigem que as partes expressamente e de forma inequívoca declarem a vontade de contrair a nova obrigação em substituição da antiga. II.Não há novação da obrigação, se, as partes outorgantes de um contrato de “abertura de crédito em conta-corrente”, estabelecem posteriormente acordo de “alteração e reestruturação de contrato”, mediante o qual acordam o valor do saldo devedor respetivos juros e estendem prazos e modos de pagamento da dívida e forma contabilização dos juros, mencionando expressamente que subsistem as cláusulas anteriores que não foram alteradas e respetivas garantias. III. Não decorrendo desta renegociação o agravamento da posição dos garantes que prestaram o seu aval - mas não outorgaram esta alteração contratual - não há violação do primitivo pacto de preenchimento, se, tendo havido incumprimento definitivo pelo devedor, o credor promove o seu acionamento posterior para pagamento do passivo vencido e não satisfeito. | ||
| Decisão Texto Integral: |
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA A Caixa Geral de Depósitos S.A instaurou execução para pagamento de quantia certa fundada em livrança avalizada em branco pelos executados AA e outros, melhor identificados nos autos, requerendo o pagamento da quantia de €53.532,60, acrescida de juros e imposto de selo, vencidos e vincendos. AA deduziu embargos de executado invocando o preenchimento abusivo do título exequendo. Por sentença proferida em 30.11.2024 decidiu-se julgar procedentes os Embargados de Executado, em consequência, julgar extinta a execução quanto à Embargante. Inconformada, a exequente interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, que em 24.06.2025 revogou a sentença da primeira instância, e prolatou acórdão nos seguintes termos: “(…) Procede, portanto, o recurso com a consequente revogação da sentença recorrida e improcedência dos embargos.” Deste acórdão, vem a executada interpor recurso de revista, pugnando pela sua revogação e repristinação da decisão de primeira instância, invocando, para o efeito, o preenchimento abusivo da livrança que serviu, indevidamente, de título executivo contra a executada/recorrente. * Formulou as seguintes conclusões, em síntese: i.A embargante não subscreveu, nem aceitou o documento outorgado em 05.11.2019. ii. Em sentido oposto decidiu o Tribunal da Relação, que entendeu que a embargante está vinculada ao pacto de preenchimento que havia firmado anteriormente (designadamente em 26.03.2013), ainda que o pacto de preenchimento de 05.11.2019 não a vincule. iii. Salvo o devido respeito, que é muito, tal posição não pode ser acolhida. O pacto de preenchimento constante do documento outorgado em 05.11.2019, é um novo pacto de preenchimento. iv. Resulta dos factos provados que o pacto de preenchimento é parte integrante de todas as alterações contratuais e foi reconfigurado em todas elas. v.De igual modo resulta dos factos provados, que a livrança foi preenchida em conformidade com as responsabilidades emergentes do empréstimo cujo conteúdo contratual e pacto de preenchimento constam do documento outorgado em 05.11.2019. vi.A embargante/recorrente não subscreveu, nem aceitou as responsabilidades emergentes do documento outorgado em 05.11.2019, nem o pacto de preenchimento que do mesmo documento consta e dele faz parte integrante. vii.E assim sendo, como é, não se compreende, salvo o devido respeito, como pode o Tribunal da Relação entender que não obstante a embargante não estar vinculada ao pacto de preenchimento de 05.11.2019, está vinculada ao pacto de preenchimento que havia sido firmado anteriormente, designadamente em 26.03.2013. viii.É pacificamente aceite que a embargante, ora recorrente, não participou na renegociação da relação fundamental ocorrida em 05 de novembro de 2019, nem do pacto de preenchimento que constitui cláusula desse contrato. ix.Conforme resulta daquele contrato que se mostra junto aos autos sob a referência ... de 08 de julho como documento n.º 2, o pacto ou convenção de preenchimento da livrança executada nos autos, constitui clausula integrada no mesmo – clausula 23. x. Sucede que, não obstante a embargante figurar como parte contratante deste contrato (ou alteração contratual) – ponto xvi) dos factos provados - a embargante não o outorgou, conforme resulta patente do documento. xi. Tão pouco, esteve presente na reestruturação do contrato ou deu o seu acordo expresso ao seu teor – ponto i. dos factos não provados. xii. Constituindo o pacto ou convenção de preenchimento da livrança executada nos autos, clausula integrada no contrato, concluiu-se que a embargante não foi parte da convenção de preenchimento ocorrida em 05 de novembro de 2019, nem ocorreu uma adesão ex post a esse pacto. xiii.E não tendo sido parte na convenção de preenchimento da livrança executada, inexistindo assim, pacto, a livrança em causa nos autos, não constitui título executivo quanto à embargante. xiv. Na realidade e cfr. resulta do teor dos contratos juntos aos autos, a livrança apresentada como título executivo (n.º ................90), corresponde àquela que foi entregue ao exequente, contendo apenas as assinaturas dos representantes do subscritor e dos avalistas, na alteração contratual ocorrida em 03 de julho de 2012. xv. Ora, a livrança, entregue sem se achar completamente preenchida – ponto ix) dos factos provados -, aquando da alteração contratual de julho de 2012, foi preenchida em conformidade com o que se encontrava em divida, mas à luz do contrato celebrado em novembro de 2019 – ponto xviii) dos factos provados -, i. é, aquele não foi negociado, nem outorgado com a embargante. xvi.No caso vertente, a embargada preencheu a livrança conforme a relação fundamental reconfigurada em 05 de novembro de 2019. xviii.Inexiste, quanto a essa relação subjacente qualquer obrigação cambiária estabelecida entre a embargante / avalista e a embargada / portadora da livrança. xvii.Se o preenchimento da livrança não corresponde à vontade objetivamente manifestada pela embargante, nos pactos de preenchimento celebrados em 03 de julho de 2012, 10 de outubro de 2012 e 26 de março de 2013, conclui-se, que o preenchimento da livrança foi abusivo, o que era e é do conhecimento da embargada. xviii.Deste modo, o título de crédito apresentado, não constitui título executivo contra a embargante. xxi.Impondo-se por isso, como bem se decidiu na decisão recorrida, julgar extinta a execução quanto à embargante, revogando-se o douto Acórdão recorrido. * A Recorrida respondeu a sustentar a falta de fundamento da revista. * ADMISSIBILIDADE DA REVISTA É ostensiva a inexistência de “dupla conforme”, porquanto o Tribunal da Relação de Coimbra revogou a sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância. Estão verificados os requisitos gerais de admissibilidade geral da revista impressos no Código de Processo Civil: legitimidade da Recorrente (art.º631º) Todas as normas legais citadas, sem outra menção, pertencem ao Código de Processo Civil, ser a decisão proferida recorrível (art.º 671º nº 1 e 854º in fine), ser o recurso interposto dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito (art.º 638º), ser admissível em função do valor da causa e da sucumbência (art. 629º nº 1). Pelo que em face da sua admissibilidade nada obsta ao conhecimento do mérito do recurso. * OBJETO DO RECURSO. Em face das conclusões de recurso que delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2), a única questão a decidir é: Saber se ocorreu, ou não, um preenchimento abusivo da livrança que fundamenta a execução intentada pela recorrida (exequente) contra a recorrente (executada). FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A matéria de facto resultante do acórdão recorrido é (no essencial) a seguinte (mantendo-se a ordenação e respetiva formulação linguística): Factos provados: 1) Por requerimento executivo dado entrada em juízo em 26 de Abril de 2024, o Exequente apresentou como título executivo a livrança n.º ................90, a qual contém, para além do mais, as seguintes menções: 1. Na frente: a. Local e data de emissão: Leiria, 2012-07-03 b. Importância: 53.532,60 €uros c. Vencimento: 2024-03-14 d. Valor: PT ...............91 e. Nome e morada do(s) subscrito(es): Ever Beauty, Lda, Estrada de S. Tiago, n.º 223, lt 4 r/c Dto., 2415-545 Leiria 2. No verso
2) Entre o Exequente, a sociedade “Ever Beauty, Lda.”, na qualidade de devedora ou cliente, BB e mulher, AA e CC, como Avalistas foi celebrado, em 12 de janeiro de 2011, considerado perfeito em 20 de janeiro de 2011, um contrato de abertura de crédito em conta corrente para gestão automática de tesouraria, até ao montante de 40 mil €uros, que se mostra junto aos autos sob a referência ......36 de 08 de julho, como Doc. 1 e aqui se dá por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais. 3) No âmbito do referido contrato a sociedade “Ever Beauty, Lda.”, na qualidade de devedora ou cliente e BB e mulher, AA e DD EE, como Avalistas entregaram ao Exequente a seguinte livrança (frente)
(verso)
Com, nomeadamente, montante e vencimento em branco para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes do empréstimo, devidamente datada, subscrita pela primeira e avalizada pelos segundos, que autorizaram desde já o Exequente a proceder ao seu preenchimento quando tal de mostre necessário, a juízo do próprio, nos termos das cláusulas 22. e 25. do contrato que se mostra junto aos autos sob a referência ......36 de 08 de julho, como Doc. 1 e aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais. 4) O contrato referido em 2. foi objeto de alteração em 03 de maio de 2011, por documento epigrafado “Alteração ao Contrato de Abertura de Crédito em Conta-Corrente para Gestão Automática de Tesouraria”, junto aos autos sob a referência ......36 de 08 de Julho, como Doc. 1 e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 5) Na cláusula 23. da alteração contratual referida resulta que a titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes do empréstimo, a Cliente e os Avalistas entregaram ao Exequente aquando do contrato inicial uma livrança com montante e vencimento em branco, subscrita pela primeira e avalizada pelos segundos, e agora declaram que a mesma se mantém válida e mantêm a autorização dada ao Exequente para preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo do próprio Exequente, tendo em conta, nomeadamente, que a importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do empréstimo, nomeadamente em capital, agora elevado para 70 mil €uros, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo da própria livrança, cfr. cláusula 23. do contrato de “Alteração ao Contrato de Abertura de Crédito em Conta-Corrente para Gestão Automática de Tesouraria”, junto aos autos sob a referência .......6 de 08 de julho, como Doc. 1 e aqui se dá por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais. 6) O contrato referido em 2., alterado cfr. referido em 4., foi objeto de nova alteração em 03 de julho de 2012, por documento epigrafado “Alteração ao Contrato de Abertura de Crédito em Conta-Corrente para Gestão Automática de Tesouraria”, junto aos autos sob a referência .......6 de 08 de Julho, como Doc. 1 e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 7) A referida alteração contratual foi celebrada entre o Exequente, a sociedade Ever Beauty, Lda. como Devedora ou Cliente e BB e mulher, AA e FF, todos como Avalistas e BB e AA, ainda, também, como Autores de Penhor. 8) Dos considerandos desta alteração contratual decorre, para além do mais, que: “(…)IV – Pretende agora a CLIENTE proceder a nova alteração contratual, nomeadamente, elevar o limite de crédito até €125.000,00 (…), bem como substituir o aval prestado por CC pelo de FF, a qual desde já declarada conhecer perfeita e integralmente os termos, cláusulas e condições do referido contrato, e ainda, reforçar as garantias prestadas com a constituição de penhor, o que merece a concordância da CAIXA. V- Contra a entrega da livrança prevista na Clausula 23. é nesta data devolvida à CLIENTE a livrança referida na alínea ii dos considerandos. (…)”. 9) Assim, no âmbito da alteração contratual referida em 6. a sociedade “Ever Beauty, Lda.”, na qualidade de devedora ou cliente e BB e mulher, AA e FF, como Avalistas entregaram ao Exequente a seguinte livrança
(verso)
Com, nomeadamente, montante e vencimento em branco para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes do empréstimo, devidamente datada, subscrita pela primeira e avalizada pelos segundos, que autorizaram desde já o Exequente a proceder ao seu preenchimento quando tal de mostre necessário, a juízo do próprio, nos termos das cláusulas 20.1 e 23. da “Alteração ao Contrato de Abertura de Crédito em Conta-Corrente para Gestão Automática de Tesouraria” datada de do 03 de julho de 2012, contrato que se mostra junto aos autos sob a referência ......36 de 08 de julho, como Doc. 1 e aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais. 10) Em 10 de outubro de 2012 foi efetuada nova alteração ao contrato celebrado em 20 de janeiro de 2011, com as alterações de 03 de maio de 2011 e 03 de julho de 2012, sendo nela interveniente, para além do Exequente, a sociedade Ever Beauty, Lda. como Devedora ou Cliente e BB e mulher, AA e FF, todos como Avalistas e BB e AA, ainda, também, como Autores de Penhor, cfr. “Alteração ao Contrato de Abertura de Crédito em Conta-Corrente para Gestão Automática de Tesouraria” datada de do 10 de outubro de 2012, contrato que se mostra junto aos autos sob a referência ......36 de 08 de julho, como Doc. 1 e aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais. 11) Dos considerandos desta alteração contratual decorre, para além do mais, que: “(…) III – Pretende agora a CLIENTE proceder a nova alteração contratual, nomeadamente, introduzir novas modalidades de utilização múltipla, estabelecendo o limite de crédito até €152.000,00 (…), mantendo-se as garantias prestadas, o que merece a concordância da CAIXA. (…)” 12) Da cláusula 32. da referida alteração contratual decorre que “(…) Para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes deste contrato, sem prejuízo das livranças que venham a ser exigidas para a realização das operações relativas às utilizações previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 da Cláusula 7, a CLIENTE e os AVALISTAS atrás identificados para o efeito entregaram à CAIXA, aquando da alteração contratual datada de 03/07/2012, uma livrança em branco com montante e vencimento em branco (…) subscrita pela primeira e avalizada pelos segundos, declaram que a mesma se mantém válida e mantêm a autorização dada à CAIXA para preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria CAIXA, tendo em conta, nomeadamente (…) b) a importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança. (…)”. 13) Em 26 de Março de 2013 foi celebrado entre o Exequente, a sociedade Ever Beauty, Lda. como Devedora ou Cliente e BB e mulher, AA e FF, todos como Avalistas e BB e AA, ainda, também, como Autores de Penhor, um contrato epigrafado de “Alteração ao Contrato de Abertura de Crédito em Conta-Corrente (de utilização múltipla”, contrato que se mostra junto aos autos sob a referência .......6 de 08 de julho, como Doc. 1 e aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais. 14) Dos considerandos desse contrato decorre que: “I – Por contrato considerado perfeito em 20/01/2011, a Caixa concedeu à CLIENTE uma abertura de crédito sob a forma de conta-corrente (…); II – Por alterações contratuais de 03/05/2011, 03/07/2012 e 16/10/2012, acordaram as partes em introduzir novas modalidades de utilização (…) e reforçar a garantia prestada com introdução de penhora; III – Pretende agora a CLIENTE proceder a nova alteração contratual, nomeadamente, substituir uma das modalidades de crédito e elevar o limite de crédito até € 162.500,00 (…), bem como atualizar o clausulado, o que merece a concordância da CAIXA. (…)” 15) Da cláusula 26.1 e 32 do contrato referido em 13. decorre, para além do mais, que para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes deste contrato, a CLIENTE e os AVALISTAS entregaram à CAIXA, aquando da alteração contratual datada de 03/07/2012, uma livrança com montante e vencimento em branco, subscrita pela primeira e avalizada pelos segundos e declaram que a mesma se mantém válida e mantêm a autorização dada à CAIXA para preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria CAIXA , tendo em conta, nomeadamente que a importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente em capital, agora elevado para 162.500,00 €uros, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança. 16) Do documento epigrafado de “Alteração e Reestruturação de Contrato de Abertura de Crédito em Conta-Corrente”, datado de 05 de novembro de 2019, que se mostra junto aos autos sob a referência ......36 de 08 de julho, como Doc. 2 e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, resulta, para além do mais, o seguinte: “Contratantes: PRIMEIRO: Ever Beauty, Lda. (…) designada por DEVEDORA ou CLIENTE; SEGUNDOS: AA, divorciada (…) FF GG (…), BB, divorciado (…) adiante designados por AVALISTAS; TERCEIRA: CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A. (…) Considerando que: (…) 3-Por alterações contratuais datadas de 03/05/2011, 3/07/2012, 16/10/2012 e 26/03/2013 e negociações posteriores, acordaram as partes alterar o limite de crédito que vigora atualmente até € 78.000,00 (…) introduzir novas modalidades de utilização, passando a presente operação a vigorar sob a forma de abertura de crédito em conta corrente de utilização múltipla, bem como dispensar e substituir o aval prestados (…); 4-O contrato encontra-se em vigor, apresentando a conta corrente, aberta na DAP UAP-POLO NEGOC EMPRESAS/ENI-COIMBRA, com o n.º .............92 um saldo devedor de €78.000,00 (…); 5.O CLIENTE, em face das dificuldades no reembolso das quantias devidas, solicitou à CGD a reestruturação do pagamento das referidas responsabilidades e a autonomização da conta corrente, mantendo o aval prestado, o que esta aceita; Em efetivação do que acima se expôs, as PARTES livremente convencionam e expressamente aceitam a presente ALTERAÇAO E REESTRUTURAÇÃO DE CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE, doravante, apenas CONTRATO, que se rege pelos considerandos anteriores e pelas cláusulas seguintes: CLÁUSULA PRIMEIRA: As responsabilidades emergentes da Abertura de Crédito formalizada pelo contato datado de 20/01/2011 vencidas e não pagas, no montante global de 78.000,00 (…) são reestruturadas nesta operação, regulada pelo presente contrato. CLÁUSULA SEGUNDA: Fica acordado que, a partir da presente data, o crédito aberto deixa de vigorar como conta corrente, passando ao regime de mútuo, nas condições adiante estipuladas, mantendo-se, no entanto, integralmente válidas e em vigor as restantes condições do contrato não alteradas ou revogadas pelo presente. CLÁUSULA TERCEIRA: As presentes alterações não implicam novação do crédito, subsistindo na integra as cláusulas e condições constantes do Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente celebrado em 20/01/2011, com as alterações que lhe sobrevierem, que não sejam modificadoras ou contrárias ao ora estipulado, incluindo as garantias prestadas. (…) 2. CONTRATO N.º: .............91 3.FINALIDADE: Destinado à liquidação de responsabilidade anteriormente contraídas junto da CGD emergentes da operação de crédito identificada no Considerando 1. (…) 5.MONTANTE: €78.000,00 (…) 6.PRAZO GLOBAL: 53 meses (…) 7.TAXA DE JURO: 7.1-O capital vence juros à taxa de 4% ao ano, acrescida de uma componente variável, sempre positiva, correspondente à média aritmética simples das Taxas Euribor a 12 meses, apurada com referência ao mês imediatamente anterior ao do inicio de cada período de contagem (….) 8.TAE: A taxa anual efetiva (TAE), calculada nos termos do Decreto-Lei n.º 220/94 de 23 de agosto, a aplicar no primeiro período de contagem de juros, é de 5,121%. Para os períodos seguintes, a TAE será calculada com base na fórmula constante do anexo 2 do Decreto-Lei n.º 200/94, (…). 9. PAGAMENTO DOS JUROS E DO CAPITAL: 9.1-O empréstimo será reembolsado conforme plano a seguir discriminado: 1)Prestação 01 a Prestação 06: €500 (…) mensais; 2)Prestação 07 a Prestação 24: €1000 (…) mensais; 3)Prestação 25 a Prestação 36: €1.650 (…) mensais; 4)Prestação 37 a Prestação 48: €2.100 (…) mensais; 5)Prestação 49 a Prestação 53: €2.400 (…) mensais; 9.2-Os juros serão calculados dia a dia sobre o capital em cada momento em divida e liquidados e pagos em conjunto com os reembolsos de capital (…). 11.COMISSÕES (…) 14. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS (…) 15. DESPESAS (…) 16.INCUMPRIMENTO – JUROS: 16.1-Em caso de incumprimento da obrigação de pagamento de (i) capital, (ii) juros remuneratórios capitalizados, exceto na parte em que estes se tenham vencido sobre juros remuneratórios anteriormente capitalizados (que não vencem juros moratórios) e ou (iii) comissão pela recuperação de valores em divida, na medida em que tiver acrescido ao capital, a CAIXA poderá cobrar, dia a dia e por todo o período de duração do incumprimento, juros calculados à taxa estipulada nos termos da cláusula 7 (…), acrescida de uma sobretaxa de 3% ou outra que seja legalmente admitida. (…). 23. TITULAÇÃO POR LIVRANÇA EM BRANCO 23.1. - Para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes deste contrato, a CLIENTE e os AVALISTAS atrás identificados para o efeito entregaram à CAIXA, em 03/07/2012, uma livrança com montante e vencimento em branco (…) subscrita pela primeira e avalizada pelos segundos, declaram que a mesma se mantém válida e mantêm a autorização dada à CAIXA para preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria CAIXA , tendo em conta, nomeadamente (…) b) a importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança. (…)”.
(…)”. 17) A Embargada enviou à Embargante cópia do contrato referido em 16. e a Embargante nada disse.
18) A livrança foi preenchida, nomeadamente quanto à importância, em conformidade com o que se mostrava em divida no contrato referido em 16. * Factos não provados: 1)A Embargante esteve presente na reestruturação do contrato referido em 16. e deu o seu acordo expresso ao teor do contrato. * FUNDAMENTAÇÃO JURIDICA. No caso em apreço, foi apresentado como título executivo contra a embargada uma livrança (art. 703.º, n.º 1, al. c) do C.P.C) que a mesma havia subscrito, em branco, como avalista em operação de crédito bancário concedido sob a forma de conta corrente, que depois foi sucessivamente atualizada quanto ao montante do crédito concedido - atualizações outorgadas pela avalizada embargada. * Apresentando a conta corrente uma saldo devedor de difícil cumprimento para a devedora - por acordo de todos os intervenientes - com a exceção da mesma embargante - foi em 5-11-2019 renegociado o seu pagamento em 53 prestações e juros acordados mantendo-se as garantias prestadas. A livrança foi preenchia pelo banco credor pelo montante da dívida vencida após esta ultima renegociação em que não participou a embargante. * A matéria de facto apurada descreve a denominada “conta corrente caucionada”, garantida através de livrança caução no âmbito do aval cambiário, isto é, perante uma garantia pessoal reportada à dívida cambiária, não pretendendo o avalista vincular-se ao pagamento como obrigado principal, mas sujeitando-se, por via da assinatura do título como avalista, à sorte da obrigação avalizada. * A garantia prestada pelo avalista assume carácter objetivo e, por isso, como se escreveu no Assento do STJ n.º 5/95 (DR, I-A série, 20/5/95, 3129), «não assumindo o avalista a própria obrigação do avalizado para a cumprir na vez deste se este a não honrar, a equiparação expressa na estatuição «responde da mesma maneira» do art. 32º-1 significa que o avalista, relativamente à sua própria obrigação, ocupa posição igual à daquele por quem deu o aval. Por isso, responde como obrigado direto ou de regresso consoante a obrigação do avalizado, como se fosse sacado, aceitante, etc., consoante a posição como subscritor do respetivo avalizado. Equiparação não é, pois, identificação, porquanto são autónomas as obrigações do avalista e do avalizado» - art. 32º LULL. (cfr. Abel Delgado, “LULL, Anotada”, 125 E 149; RLJ , 71º-234 e ss.; Paulo Sendim e Evaristo Mendes, “A Natureza do Aval ...”, 36 e ss.). Isto mesmo decorre do teor do pacto de preenchimento em que a embargante e demais avalistas declaram que autorizam o Banco a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo do próprio Exequente, tendo em conta, nomeadamente, que a importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do empréstimo. * Quem emite ou subscreve uma letra ou livrança em branco (sejam subscritores ou avalistas) atribui, expressa ou tacitamente, àquele a quem a entrega, o direito de a preencher em determinados termos, previamente definidos através de um acordo ou contrato – o pacto de preenchimento (com natureza de pacto fiduciário). O risco do fiduciante e o direito do fiduciário encontram-se definidos neste pacto, sendo que todos os signatários do título em branco comprometem-se a ficar vinculados no título, tal como vier a ser preenchido, mas de acordo com o pacto de preenchimento. * Nenhum obstáculo existe à perfeição da obrigação cambiária quando a livrança, incompleta, contém uma ou mais assinaturas destinadas a fazer surgir tal obrigação, ou seja, quando as assinaturas nela apostas exprimam a intenção dos respetivos signatários de se obrigarem cambiariamente, quer se entenda que a obrigação surge no momento da emissão, ou apenas no momento do vencimento, a ele retroagindo a obrigação constante do título por ocasião do preenchimento. Importa apenas que este tenha ocorrido aquando do vencimento (cfr. PINTO COELHO, “As Letras”, II, 2ª, 30 e ss; FERRER CORREIA, “Lições de Direito Comercial”, Reprint, 483; VAZ SERRA, BMJ, 61º-264; O. ASCENSÃO, “Direito Comercial”, III, 116). * Face aos diferentes riscos assumidos pelo avalista de um título completo e pelo “avalista” de um título em branco, compreende-se que a lei preveja, para ambos, regimes diversos, e que o regime do avalista em branco “remeta inapelavelmente para a vontade que o avalista em branco manifestou aquando da subscrição da letra e que o acordo de preenchimento tipicamente recolhe [...], sob pena de se deixar o avalista que subscreveu o título em branco ao inteiro arbítrio de um credor-portador indigno de tutela, que, rompendo (de má fé ou em falta grave) com os critérios fixados no acordo de preenchimento (acordo que ele próprio normalmente celebrou [...] e corresponde à hipótese hoje em dia sociologicamente típica), completa e aciona o título fora da situação por tal acordo coberta” . Carolina Cunha, “Cessão de quotas e aval”, Direito das sociedades em revista, março de 2013, ano 5, p. 93. * O “preenchimento abusivo” é o preenchimento da livrança em termos diversos daqueles que constam do pacto de preenchimento, acordado entre os subscritores/avalistas da livrança entregue em branco. Todavia, a violação desse acordo não poderá, em regra, ser invocada contra o portador do título (salvo se este o tiver adquirido de má-fé ou cometendo falta grave - cfr. art. 10.º da LULL), mas poderá sê-lo no âmbito das relações imediatas e entre os sujeitos que tiveram intervenção no acordo ou pacto de preenchimento. Este é um entendimento pacífico deste Supremo Tribunal como expresso no Acórdão de 23.04.2009 proc.08B3905. Todos os acórdãos citados são consultáveis na base de dados da DGSI “Relativamente à alegação de preenchimento abusivo, cabe lembrar que, como este Supremo Tribunal tem admitido, sendo a execução instaurada pelo beneficiário da livrança (que lhe foi entregue em branco) e tendo o avalista intervindo na celebração do pacto de preenchimento (o que permite situá-lo ainda no domínio das relações imediatas), tal como o subscritor, é-lhe possível opor ao beneficiário a exceção material de preenchimento abusivo do título (assim, por exemplo, os acórdãos de 19-06-2007-procs. nºs 07A1811; 4-03-2008 de Março de 2008, 17 de Abril de 2008, disponíveis em www.dgsi.pt como, 00A727, 07A4251, ou de 9 de Setembro de 2008)” No caso dos autos estamos no domínio das relações imediatas uma vez que o banco recorrido é o beneficiário da livrança exequenda. * Por outro lado, ao pacto de preenchimento enquanto negócio jurídico causal são aplicáveis as regras interpretativas dos negócios jurídicos. (Acórdão do STJ de 11-10-2022- proc.3070/20.1T8LLE-A.E1.S1) Que: “O pacto de preenchimento e o pacto de aval em branco, são convenções executivas, ou fazem parte delas. São negócios jurídicos causais sem carácter cambiário e com natureza fiduciária. Como tais, têm de ser interpretados e integrados, para que se torne cognoscível o seu conteúdo. A interpretação e a integração devem ser feitas de acordo com os parâmetros dos artigos 236º, 237º e 239º do Código Civil, ex vi do artigo 3º do Código Comercial. (…)”Cfr. Pedro pais de Vasconcelos, “Aval em Branco”, in Revista de Direito Comercial, 2018-03-09, p.398- disponível para consulta in https://static1.squarespace.com/static/58596f8a29687fe710cf45cd/t/5b2b4edf758d46759ea212a0/1529564897269 /2018-09.pdf; * Contesta a embargante o teor do acórdão recorrido, entendendo - à semelhança da posição vertida na sentença de primeira instância - que a livrança entregue para fundamentar a execução foi preenchida de forma abusiva, já que não teve em conta os montantes devidos no âmbito do contrato de 20.01.2011 -alterado pelos contratos de 03.07.2012, 10.10.2012 e de 26.03.2013 - mas sim os valores decorrentes do acordo firmado entre o devedor e a credora, no âmbito de um contrato autónomo, em 05.11.2019, a que a avalista é completamente alheia (já que não havia participado, nem subscrito tal contrato). Vejamos. Compulsado o teor da matéria de facto considerada provada, verifica-se que a embargante (recorrente) avalizou uma livrança em branco, como garantia de um contrato de abertura de crédito em conta corrente, celebrado em 20.01.2011, entre a exequente (Caixa Geral de Depósitos, S.A) e a sociedade Ever Beauty, Lda. Este contrato foi alterado em 03.07.2012 e, posteriormente em 10.10.2012 e 26.03.2013. Em cada uma destas alterações contratuais, alterou-se - igualmente - o pacto de preenchimento da livrança entregue, em branco, tendo a embargada intervindo na qualidade de avalista e tendo sido outorgante em tais pactos. * Por sua vez, na cláusula 26.1 do acordo contratual de 2013, ( dado por reproduzido no ponto 13 da fundamentação de facto) - subscrito pela embargante- ficou a constar que: “Todas e quaisquer quantias que sejam ou venham a ser devidas à CAIXA pela CLIENTE no âmbito do presente contrato, quer a título de capital, quer de juros, remuneratórios ou moratórios, comissões, despesas ou quaisquer outros encargos ficam garantidas pelo aval prestado na livrança no n.º 32, caso a CAIXA decida proceder ao seu preenchimento, de acordo com o pacto de preenchimento ali convencionado”. E na cláusula 32.1 estabeleceu-se o seguinte: “Para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes deste contrato, a CLIENTE e os AVALISTAS entregaram à CAIXA, aquando da alteração contratual datada de 03/07/2012, uma livrança com montante e vencimento em branco, subscrita pela primeira e avalizada pelos segundos e declaram que a mesma se mantém válida e mantêm a autorização dada à CAIXA para preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria CAIXA , tendo em conta, nomeadamente o seguinte: a) A data de vencimento será fixada pela CAIXA quando, em caso de incumprimento pela CLIENTE das obrigações assumidas, a CAIXA decida preencher a livrança; b) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente em capital, agora elevado para 162.500,00 €uros, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança. (…)”. A cláusula 20 do mesmo acordo dispunha sobre os encargos na mora que: “Em caso de mora, a CAIXA poderá cobrar, sobre o capital exigível e os juros correspondentes aos períodos mínimos legalmente previstos, e sobre as comissões e outros encargos, juros calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que, em cada um dos dias em que se verificar a mora, estiver em vigor na CAIXA para operações ativas da mesma natureza (atualmente 11,45% ao ano), acrescida de uma sobretaxa até 4% ao ano e a título de cláusula penal”. * Da interpretação destas cláusulas encontra-se, assim, o acordo de preenchimento subscrito pela avalista/embargante, concedendo à Caixa Geral de Depósitos/embargada o direito potestativo de preencher a livrança com a importância que correspondesse à totalidade das responsabilidades decorrentes daquele empréstimo- disponibilização do capital, no âmbito de um contrato de abertura de crédito em conta corrente - nomeadamente em capital (elevado para 162.500,00 €) juros remuneratórios e moratórios ali previstos, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança. * Do teor dos factos julgados provados e o conteúdo integral do contrato celebrado, em 05.11.2019, entre a Caixa Geral de Depósitos e a sociedade Ever Beauty, Lda (que o facto provado 16 considera integralmente reproduzido para todos os efeitos legais), verifica-se que o contrato designado por “alteração e reestruturação de contrato de abertura de crédito em conta-corrente” encerrou o crédito em conta corrente que até então vinha sendo executado pelas partes, mas que daqui não decorreu a extinção da obrigação resultante do aval prestado pela embargante ao saldo em divida à data, dado que este se manteve. Daí que se possa dizer que (i) o acordo celebrado apenas permitiu à Ever Beauty, Lda estender o prazo de pagamento do montante devedor decorrente do contrato de crédito em conta corrente e fixar os juros remuneratórios (ii) por expressa vontade das partes o mesmo não afeta a obrigação de dívida resultado da conta corrente (iii) a qual constitui o crédito garantido e avalizado no título exequendo. * Na verdade, nem releva para aqui que as partes o tenham designado como “contrato de mútuo”. A interpretação das suas cláusulas não nos permite concluir pela existência das prestações principais típicas desse contrato. De acordo com o disposto no art. 1142.º do Código Civil, “mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”. * Da análise do teor das cláusulas contratuais que enformam o referido negócio, constata-se, com clareza, que o mesmo consubstancia um negócio solutório (acordo de pagamento) da contraprestação devida pela Ever Beauty, Lda, à Caixa Geral de Depósitos, no âmbito do contrato de crédito em conta corrente celebrado em 20.01.2011– alterado pelos contratos de 03.07.2012, 10.10.2012 e de 26.03.2013 (lê-se na “cláusula primeira: As responsabilidades emergentes da Abertura de Crédito formalizada pelo contrato datado de 20/01/2011 vencidas e não pagas, no montante global de 78.000€ (setenta e oito mil euros) são reestruturadas nesta operação, regulada pelo presente contrato.”) * Da leitura dos considerandos do contrato de 05.11.2019, e das respetivas cláusulas, verificamos que, àquela data, a Ever Beauty, Lda encontrava-se impossibilitada de cumprir a obrigação vencida no âmbito do contrato de conta-corrente de 03.07.2012, existindo um saldo devedor no valor de 78.000€, que aquela não conseguia liquidar. Ao subscrever, com a devedora, o contrato de 05.11.2019 a credora (a Caixa Geral de Depósitos) concedeu-lhe o prazo adicional de 53 meses para liquidar, em prestações, aquele valor. Esta obrigação de pagamento do saldo devedor de €78.000 à data de 05.11.2019, era garantida pelo aval concedido em branco, pela embargante, e incluída no pacto de preenchimento subscrito pela embargante/avalista, bem como os juros moratórios que tal quantia passaria a vencer por força da falta de pagamento da devedora principal. * Com efeito, o negócio de 05.11.2019 não concede qualquer empréstimo “adicional” à devedora. Os €78.000 a que se refere o contrato, tratam-se, na verdade, dos €78.000 já disponibilizados pela credora, no cumprimento da prestação contratual que assumiu no contrato de 20.01.2011 (alterado pelos contratos de 03.07.2012 10.10.2012 e de 26.03.2013) perante a Ever Beauty, Lda. Consequentemente, o negócio de 05.11.2019 não pode ser considerado um “contrato de mútuo”, já que não houve, ao abrigo de tal negócio, a prestação típica, principal, de entrega/disponibilização de dinheiro ao mutuário. * No contrato de 05.11.2019 as partes subscritoras reconhecem a existência da dívida de 78.000€, cuja fonte obrigacional é o contrato de 20.01.2011– alterado pelos contratos de 03.07.2012, 10.10.2012 e de 26.03.2013 – e concordam em prolongar o prazo para pagamento da prestação assumida pela devedora (e avalizada pela embargante), em prestações mensais, mediante o pagamento de juros remuneratórios. Diga-se, de resto, que estes juros remuneratórios são inferiores aos juros moratórios que seriam devidos no âmbito do contrato de 20.01.2011– alterado pelos contratos de 03.07.2012, 10.10.2012 e de 26.03.2013 – caso a devedora não tivesse subscrito com a credora o contrato de 05.11.2019, e atendendo a que não conseguia satisfazer o valor já em dívida. * Além da inexistência de autonomia deste contrato - de 05.11.2019 - em relação ao contrato de 20.01.2011- alterado pelos contratos de 03.07.2012, 10.10.2012 e de 26.03.2013, aquele é claro ao afirmar o seguinte: “Cláusula terceira: As presentes alterações não implicam novação do crédito, subsistindo na íntegra as cláusulas e condições constantes do Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente celebrado em 20/01/2011, com as alterações que lhe sobrevieram, que não sejam modificadoras ou contrárias ao ora estipulado, incluindo as garantias prestadas.” * Estas considerações permitem-nos concluir (à semelhança do acórdão recorrido) que a celebração do negócio de 05.11.2019 não extinguiu, por novação, a obrigação da devedora, decorrente do contrato de crédito em conta corrente. Tão-pouco criou uma fonte autónoma para a obrigação do devedor proceder ao pagamento dos €78.000. Não houve qualquer extinção da prestação da devedora, no âmbito do contrato de 20.01.2011 e alterações subsequentes (ao abrigo do art. 857.º do Código Civil), nem qualquer extinção das garantias que asseguravam o cumprimento desse crédito – não cabendo, ao caso sub judice, a aplicação do disposto no art. 861.º do Código Civil. A novação (objetiva), que é a que poderia estar em causa, como se desenvolve no Acórdão recorrido “ocorre quando o devedor contrai uma nova obrigação em substituição da antiga e que implica também, por consequência e salvo reserva expressa, a extinção das garantias que asseguravam o cumprimento da obrigação antiga (cfr. art.º 861.º do CC). “ (…) conforme previsto no art.º 859.º do CC, a vontade de contrair a nova obrigação em substituição da antiga deve ser expressamente manifestada. Para que exista novação é, portanto, essencial, como nos diz Antunes Varela Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7.ª edição, pág. 231 “...que os interessados queiram realmente extinguir a relação primitiva por meio da contracção de uma nova obrigação (...) Se a ideia das partes é a de manter a obrigação, alterando apenas um ou alguns dos seus elementos, não há novação (...) mas simples modificação ou alteração da obrigação”. * Da novação – que acarreta a extinção da obrigação e, salvo declaração expressa, das garantias associadas – se distingue a simples modificação da obrigação – que ocorre quando são alterados apenas um ou mais elementos da obrigação, mantendo-se intocados os restantes. Convocando a doutrina de Antunes Varela a tal respeito lê-se no Acórdão recorrido: “Procurando distinguir as situações de novação (em que ocorre extinção da obrigação anterior e, salvo reserva expressa, das respetivas garantias) e de simples modificação da obrigação (que implica a manutenção de todos os elementos da obrigação antiga que não sejam alterados e das respetivas garantias), continua dizendo o citado autor que o elemento essencial e decisivo para operar essa distinção é a vontade real das partes: saber, portanto, se, com a modificação operada, elas pretenderam (ou não) extinguir a obrigação e as suas garantias e acessórios. O elemento essencial para distinguir as referidas situações, corresponderá, como se disse, à vontade real das partes, sendo que, nos termos previstos no citado art.º 859.º a vontade de novar tem que ser expressamente manifestada”. No sentido de que a vontade de contrair nova obrigação tem de ser expressamente exteriorizada, não podendo ser presumido ou extraído de forma tácita da conduta contratual e declarações negociais, veja-se os Acórdãos deste STJ (mencionados na fundamentação da decisão recorrida) de 28/06/2018 -proc.2198/12.6TBPBL.C1.S1 e de 18/10/2007-proc. 07A2773. * Esta restruturação da dívida não agravou a posição que para a embargante era resultante do aval prestado nem quanto às condições de pagamento nem quanto ao montante dos encargos (inicialmente, liquidado no valor de €,78.000 mas que à data do preenchimento da livrança se encontrava reduzida para €53.532,60 e cujo limite máximo contratualizado e avalizado em 2013 ascendia a €162.500,00 ). Do exposto se conclui que, mesmo que a embargante/recorrente não figure como outorgante do acordo de 05.11.2019, tal circunstância não tem a projeção jurídica que a mesma pretende veicular, já que (i) o negócio de 05.11.2019 não tem autonomia em relação aos contratos anteriores – subscritos pela embargante -, (ii)não extinguiu a obrigação anterior da devedora quanto ao pagamento da divida vencida, (iii) não extravasou os limites de responsabilidade que a embargante havia assumido no pacto de preenchimento outorgado em 20.01.2011, alterado pelos contratos de 03.07.2012, 10.10.2012 e de 26.03.2013, (iv)consagrou a extinção da conta corrente – enquanto operação de crédito de execução continuada (v) estendeu o prazo e forma de pagamento deste saldo e juros (vi) mas não operou a extinção da obrigação de pagamento do mesmo saldo devedor. Mantem-se nessa medida a garantia prestada pelo aval, ao valor vencido. * É, assim, destituída de fundamento jurídico a tese de que este novo contrato fez surgir na esfera jurídica da devedora uma nova obrigação, diversa da anterior, e em substituição desta, uma vez que não há dúvida de que a credora e a devedora quiseram acordar na solução de pagamento da divida vencida e avalizada conforme o contrato de 20.01.2011– alterado pelos contratos de 03.07.2012, 10.10.2012 e de 26.03.2013 – deixando expressamente consignado que se mantinham as garantias prestadas. * Não obstante, descortinarmos alteração contratual - liquidação da conta corrente com renegociação do prazo e termos de pagamento do saldo - subscrevemos pelas razões apontadas o acórdão recorrido ao referir que: “a obrigação emergente do aludido empréstimo é a mesma obrigação que existia anteriormente e em relação à qual a Embargante havia dado o seu aval, aval que se mantém na medida em que também se mantém – porque não foi extinta – a obrigação em relação ao qual foi prestada. E ainda que o pacto de preenchimento de 05/11/2019 não a vincule, a Embargante está, no entanto, vinculada ao pacto de preenchimento que havia sido firmado anteriormente (designadamente em 26/03/2013) e nada resultou provado que permita concluir pela existência de qualquer desconformidade concreta entre esse pacto e os termos em que a livrança veio a ser preenchida e apresentada à execução”. * Em face da conclusão que este negócio solutório da prestação (garantida pelos avalistas), com juros remuneratórios e moratórios diversos (aparentemente mais favoráveis), competiria à avalista/embargante alegar e provar que estes, extravasavam os limites assumidos no pacto de preenchimento em relação ao capital, juros moratórios e remuneratórios fixados no contrato de 20.01.2011 alterado pelos contratos de 03.07.2012, 10.10.2012 e de 26.03.2013. O que não logrou demonstrar. No sentido de que o ónus da alegação e prova de tais factos recai sobre o avalista fixou o Acórdão de 21.04.2022- Proc 15165/19.0T8SNT-C.L1.S1 que: “Em matéria de preenchimento abusivo da livrança “em branco”, é jurisprudência uniforme que o ónus de prova do preenchimento abusivo cabe ao obrigado cambiário, constituindo facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito emergente do título de crédito (art.º 342.º n.º 2 CCiv).” * Finalmente, sempre diremos que o princípio da boa fé contratual, previsto no artigo 762.º do Código Civil, impediria que neste contexto de execução contratual se tutelasse a posição de um avalista - como é o caso da embargante -não subscritora de um acordo de pagamento celebrado entre o devedor e o credor -que facilitou a liquidação da dívida já vencida (e a vencer juros de mora a qual garantida através do aval prestado em branco) prorrogando o prazo de pagamento e concedendo-lhe condições mais favoráveis de pagamento. * Em face do exposto, impõe-se julgar improcedente a pretensão da recorrente. DECISÃO: NEGADA A REVISTA. CONFIRMADA A DECISÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. Custas pela Recorrente. Lisboa, 11 de novembro de 2025 Isoleta de Almeida Costa Maria João Vaz Tomé Nelson Borges Carneiro _________________________________________ 1- Todas as normas legais citadas, sem outra menção, pertencem ao Código de Processo Civil 2-Todos os acórdãos citados são consultáveis na base de dados da DGSI |