Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1022/22.6T9VIS-B.S1-A
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: NUNO GONÇALVES
Descritores: DECISÃO SINGULAR
Data da Decisão Sumária: 05/12/2025
Votação: - -
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO – ARTIGO 405.º DO CPP
Decisão: INDEFERIDA
Sumário :
I. Nos termos da Constituição da República, da LOSJ e do CPP, o Supremo Tribunal de Justiça não é, a não ser nos casos expressamente previstos na lei, um tribunal de 1ª instância.

II. Os julgamentos e decisões em processo penal em que as secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça conhecem em 1ª instância estão enunciados nos artigos 55.º alínea b) da LOSJ e 11.º n.º 4, alínea a), do CPP.

III. o processo penal está estruturado por fases: (i) preliminares (inquérito e instrução), (ii) de julgamento, (iii) de recurso e (iv) de execução (de decisões condenatórias).

IV. É a fase do processo que determina o grau da decisão nela proferida.

V. Os tribunais superiores proferem decisões em 1ª instância apenas nas fases preliminares e na fase de julgamento.

Decisão Texto Integral:

Reclamação – artigo 405.º do CPP

I - Relatório:

O arguido AA interpôs recurso para o Pleno das Secções Criminais do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de março de 2025 que julgou totalmente improcedente a reclamação do arguido que tinha por objeto o acórdão anteriormente proferido de 28 de Novembro de 2024.

Recurso que o Exmo. Conselheiro relator, por despacho de 27 de abril de 2025, não admitiu por despacho que se transcreve: ----

“ (…) Dispõe o art. 11º, nº 3, b), do C. Processo Penal que compete ao pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, em matéria penal, julgar os recursos de decisões proferidas em 1ª instância pelas secções.

As secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça decidem em 1ª instância, designadamente, em decisões proferidas em processos por crimes cometidos por juízes do Supremo Tribunal de Justiça e das relações e magistrados do Ministério Público que exerçam funções junto destes tribunais, ou equiparados (art. 11º, nº 4, a), do C. Processo Penal).

O arguido é, conforme já dito, magistrado judicial, mas não é juiz do Supremo Tribunal de Justiça nem juiz de tribunal da relação, antes sendo juiz de direito com exercício de funções na 1ª instância e por isso, como não pode ignorar, o seu processo corre no Tribunal da Relação de Coimbra (art. 12º, nºs 3, a) e 6, do C. Processo Penal).

Tendo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Novembro de 2024 tido por objecto o recurso do arguido interposto do despacho da Exma. Juíza Desembargadora de 11 de Fevereiro de 2024, é evidente que tal acórdão não é uma decisão da secção criminal proferida em 1ª instância [mas, em 2ª instância].

Por isso, também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Março de 2025, agora acórdão recorrido, que conheceu dos lapsos, nulidades e inconstitucionalidades imputadas pelo arguido ao acórdão de 28 de Novembro de 2024, também não é uma decisão da secção criminal proferida em 1ª instância.

Em conclusão, pelas sobreditas razões, não só o Pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça não tem competência para conhecer do recurso interposto pelo arguido, do acórdão de 20 de Março de 2025 proferido nos autos, como o mesmo não é já susceptível de recurso na ordem dos tribunais judiciais (cfr. art. 400º, nº 1, c), do C. Processo Penal), só o sendo, verificados que fossem os respectivos pressupostos, para o Tribunal Constitucional recurso que, contudo, não foi intentado, encontrando-se, por isso, já transitado em julgado.

Nos termos e pelos fundamentos expostos, por ser irrecorrível a decisão, não admito o recurso interposto pelo arguido, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Março de 2025.”

O recorrente apresentou reclamação do despacho que não admitiu o recurso, nos termos do artigo 405.º do CPP, argumentando, em síntese, que a decisão do Supremo Tribunal de Justiça 20 de março de 2025 versou apenas sobre as nulidades e inconstitucionalidades que foram arguidas reportadas ao acórdão anteriormente proferido de 28 de novembro de 2024, referindo, que ao conhecer das invocadas nulidades e inconstitucionalidades o mencionado acórdão decidiu em 1.ª instância, tendo proferido a primeira decisão sobre tal matéria, estando, assim, constitucionalmente garantido ao arguido o direito ao recurso, conforme previsão do artigo 32.º, n.º 1, da CRP, expressamente admitido nos artigos 11.º, n.º 3, al. b), 399.º, 401.º, n.º 1, al. b), 410.º, n.º 1 e 3, 411.º, todos do CPP e artigo 53.º, alínea b), da Lei n.º 62/2013, de 26.08.

Mais refere, que a expressão “decisões proferidas em 1.ª instância pelas Secções” constante da alínea b), do n.º 3, do artigo 11.º, do CPP, não correspondem apenas as decisões previstas na alínea a), do n.º 4, do mesmo preceito legal, mas todas as decisões proferidas, pela primeira vez, pelas Secções do STJ, na sequência de requerimento do arguido e que versem sobre direitos processuais e constitucionais do mesmo e cuja irrecorribilidade não se encontre taxativamente prevista no artigo 400.º do CPP.

Deduz as seguintes inconstitucionalidades:

- O entendimento do Supremo Tribunal de Justiça de que a decisão proferida, pela primeira vez, pela Secção do STJ sobre nulidades e inconstitucionalidades suscitadas referentes a acórdão dessa mesma Secção não é recorrível para o Pleno do STJ, nos termos das disposições conjugadas previstas nos artigos 11.º, n.º 3, al. b), 399.º, 401.º, n.º 1, al. b), 410.º, n.º 1 e 3, 411.º, todos do CPP e artigo 53.º, alínea b), da Lei n.º 62/2013, de 26.08, por violação dos artigos 20.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1, da CRP;

- O entendimento do Supremo Tribunal de Justiça de que à expressão decisões proferidas em 1.ª instância pelas Secções constante da alínea b), do n.º 3, do art.º 11.º, do Código, correspondem apenas as decisões dos processos previstos na alínea a), do n.º 4, do mesmo preceito legal, por violação dos artigos 20.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1, da CRP.


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II. Cumpre decidir

Fundamentação:

1. O reclamante defende, para o recurso ser admitido para o Pleno das secções criminais, que o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, foi proferido em 1.ª instância.

Não lhe assiste razão.

Dispõe o artigo 53.º alínea b), da Lei n.º 62/2013 de 26 de agosto, com redação igual ao disposto no artigo 11.º, n.º 3, alínea b), do CPP, competir ao pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, em matéria penal: “julgar os recursos de decisões proferidas em 1.ª instância pelas secções”.

Nos termos da Constituição da República, da Lei de organização judiciária e do CPP, o Supremo Tribunal de Justiça não é, a não ser nos casos expressamente previstos na lei, um tribunal de 1ª instância.

Os julgamentos e decisões em processo penal em que as secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça conhecem em 1ª instância estão enunciados nos artigos 55.º alínea b) da LOSJ e 11.º n.º 4, alínea a), do CPP.

No caso, estamos perante um incidente ulterior à prolação do acórdão final proferido em recurso ordinário.

Com efeito, o acórdão recorrido, proferido pela 5.ª secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça, que recaiu sobre requerimento apresentado pelo reclamante, indeferindo-o, datado de 20 de março de 2025, foi proferido em recurso, por tribunal de revista, nos termos do artigo 11.º, n.º 4.º, alínea b), do CPP.

Deveria saber-se que o processo penal se estrutura por fases: (i) as preliminares (inquérito e instrução), (ii) a de julgamento, (iii) a de recurso e (iv) a de execução (de decisões condenatórias).

É, pois, a fase do processo que determina o grau da decisão nela proferida. Os tribunais superiores proferem decisões em 1ª instância apenas nas fases preliminares e na fase de julgamento. Tanto deveria bastar para que o recorrente percebesse que os tribunais superiores não proferem decisões de 1ª instância na fase de recurso.

Não tendo o acórdão reclamado sido proferido em 1ª instância e não admitindo recurso ordinário em mais um grau, está a reclamação votada ao insucesso.

2. No respeitante às inconstitucionalidades deduzidas, no primeiro elenco normativo acima enunciado, apenas se conhece da inconstitucionalidade imputada artigo 53.º, alínea b), da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto e quanto ao segundo constituído pelas disposições do artigo 11.º, n.ºs 3, alínea b) e 4, alínea a), do CPP, por violação dos artigos 32.º, n.º 1 e 20.º, n.º 1, da CRP, uma vez que foram estas as normas aplicadas na presente decisão.

O reclamante não tem razão.

O Tribunal Constitucional na construção que tem feito sobre a dimensão e a estrutura por graus do direito ao recurso, tem decidido que esse direito se satisfaz com a previsão de um duplo grau de jurisdição. E, no caso, intervieram duas instâncias, estando, assim, satisfeita a imposição da garantia constitucional.

Por outro lado, é igualmente jurisprudência do Tribunal Constitucional que a garantia de um duplo grau de jurisdição tem que ver essencialmente com a situação jurídico-criminal do arguido em matéria que contende com a privação, limitação ou restrição dos seus direitos e garantias fundamentais da liberdade e segurança.

O acórdão em causa que indeferiu o requerimento apresentado de arguição de nulidades e inconstitucionalidades, não é condenatório, nem afeta o direito à liberdade ou outros direitos fundamentais do reclamante.

E o preceituado no artigo 20.º, n.º 1, da CRP só por manifesta confusão pode ter sido invocado porquanto é perfeitamente claro e pacificamente entendido que o direito ao recurso em processo penal não encontra amparo no direito de acesso ao direito e à tutela judicial efetiva, mas especificamente no comando inserto no artigo 32.º n.º 1 da Lei Fundamental.

III - Decisão:

3. Nestes termos, indefere-se a reclamação deduzida pelo arguido AA.

Custas pelo reclamante fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.

Notifique-se.


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Lisboa, 12 de maio de 2025

O Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça

Nuno Gonçalves