Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05P768
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SIMAS SANTOS
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
PODERES DA RELAÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE
SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO
Nº do Documento: SJ200504270007685
Data do Acordão: 04/27/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 5 V CR LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 355/01
Data: 03/08/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Sumário : 1 - Quando os recorrentes suscitam em recurso para a Relação a questão de facto, dado cumprimento ao disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 412.º do CPP, a Relação não pode deixar de conhecer concreta e fundamentadamente as questões então suscitadas, limitando-se a escrever: «no caso dos autos, examinada toda a transcrição das provas produzidas na audiência de julgamento, bem como toda a documentação referida no acórdão recorrido como tendo também servido para fundamentar a decisão sobre a matéria de facto, e tendo em conta que os depoimentos das testemunhas indicadas nas motivações dos recursos não contrariam a factualidade considerada provada e não provada objecto de impugnação, e vista a motivação dessa decisão - feita de forma exaustiva e sem o mínimo atropelo às regras da lógica -, cremos não haver fundamento para modificar o decidido pelo tribunal "a quo", que não teve dúvidas em decidir, como decidiu, a matéria de facto impugnada pelos recorrentes».
2 - Ao fazê-lo, não conhece da questão de facto, como lhe competia garantindo um real duplo grau de jurisdição em matéria de facto, sendo nula a decisão por omissão de pronúncia nos termos previstos no art. 379.º, n.º 1, c) e 425.º, n.º 4, do CPP.
3 - O mesmo vício ocorre ainda quando, tendo entrado em vigor, já depois de apresentada a motivação de recurso mas antes da prolacção do acórdão, uma nova lei sobre a incriminação em causa que diminuiu a moldura penal abstracta, a Relação não pondera a aplicação dessa lei.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1.
1.1.
O Tribunal Colectivo da 5.ª Vara Criminal de Lisboa (1.ª Secção - proc. n.º 355/01.0JELSB), por acórdão datado de 8.3.2004 julgou a acusação parcialmente procedente e condenou o arguido ESSAR, como autor material de 1 crime de associação criminosa do art. 28.º, nº 4 al. b) do DL n.º 15/93 de 22/01, na pena de 4 anos de prisão; de 1 crime de conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos do art. 23.º nº1 al. a), do DL n.º 15/93, de 22/01, na pena de 8 anos e 6 meses de prisão; de 1 crime de falsificação de documento do art. 256.º nsº 1 al. c) e 3 do C. Penal, na pena 2 anos de prisão; e, em cúmulo jurídico, na pena única de 11 anos de prisão; a arguida NMS, como autora dos mesmos crimes, respectivamente nas penas de 3 anos e 6 meses de prisão; 7 anos e 6 meses de prisão; 2 anos de prisão; e, em cúmulo jurídico, na pena única de 9 anos e 6 meses; o arguido AGA, pela prática dos mesmos crimes, respectivamente, nas penas de 3 anos de prisão; de 7 anos de prisão; de 2 anos de prisão; e, em cúmulo jurídico, na pena única de 8 anos e 6 meses de prisão;

Decidiu, ainda, o mesmo Tribunal absolver o arguido AGA da prática de 1 crime de detenção de arma proibida do art. 275.º, nº1 do C. Penal, com referência ao art. 7.º § único, al. a), do DL 37313 de 21/02/49 e a arguida LNF da prática de todos os crimes de que vinha acusada e decretar a expulsão do território nacional dos arguidos ESSAR, NMS e AGA, nos termos dos Artsº 101 nº1 do D.L. 244/98 de 08/08, na redacção introduzida pelo D.L. 4/01 de 10/01 e 34 nº1 do D.L. 15/93 de 22/01, pelo período de 10 anos.
1.2.
Inconformados, os arguidos condenados recorreram para a Relação de Lisboa.
Este Tribunal Superior, por acórdão de 14.12.2004 (5.ª Secção - proc. n.º 6842/04 -5), decidiu negar provento aos recursos, confirmando o acórdão recorrido.
1.3.
Ainda inconformados recorrem os arguidos ESSAR e NMS para este Supremo Tribunal de Justiça, pedindo
- A declaração da nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia e do dever de fundamentação

- A alteração da decisão sobre matéria de direito verificando a inexistência dos elementos subjectivo e objectivo do crime de conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos, previsto e punível pelo arto. 23.°, n.° 1, ai. a) do DL n.° 15/93, de 22 de Janeiro e, consequentemente, do crime de associação criminosa, previsto e punível pelo do 28.°, n.° 4, al. b do mesmo diploma legal crime, com a necessárias adaptações ao art.° 368-A° do CP (cfr. Lei n.° 11/2004 de 27/3)

- A análise do princípio da "livre apreciação da prova", enquanto princípio jurídico, de apreciação de prova, logo, matéria de direito, para concluir pela inadmissibilidade da prova por concatenação geral, aplicada no presente caso, por não derivar das regras da lógica e da experiência comum.

- A aplicação do principio "in dubio pro reo"

- Subsidiariamente, a diminuição substancial da medida da pena aplicada aos arguidos.

Para tanto, concluíram na sua motivação:
«arguido ESSAR na pena de ONZE (11) ANOS DE PRISÃO e a arguida NMS na pena de NOVE (9) ANOS E SEIS (6) MESES DE PRISÃO, respectivamente, pelo cometimento dos crimes de conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos, previsto e punível pelo art. art. 23.°, n.° 1, al. a) do DL n.° 15/93, de 22 de Janeiro; de associação criminosa, previsto e punível pelo do 28.°, n.° 4, al. b do mesmo diploma legal e, finalmente, pela prática do crime de falsificação de documento, previsto e punível pelo art. 256.°, n.°s 1-c) e 3 do Código Penal.
2. Com tal decisão e com a sua fundamentação não se podem manifestamente os arguidos conformar, porquanto a mesma não resultou da prova produzida em julgamento, nem tem expressão do que resultou da investigação realizada, como se impõe inequivocamente no processo penal, enquanto corolário dos princípios que conferem legitimidade e legitimação a um Estado de Direito que se pretende democrático, nas vestes e com o monopólio do poder punitivo estadual.

O tribunal "a quo", na continuação e confirmação da decisão da 1 instância, labora em erro na apreciação da prova, na incorrecta aplicação do direito aos factos, na contradição entre a fundamentação e a decisão e na ausência de valoração do circunstancialismo atenuativo.

3. Salvo o melhor e, bem devido respeito, o tribunal "a quo" não reexaminou a matéria de facto - nos termos das alíneas a) a c) do n° 3 do art. 412° do C.P.P., então invocada, nem procedeu ao reexame da matéria de direito (a que estava obrigado).

4. Desde logo, o tribunal "a quo" reiterou o mesmo erro em julgar incorrectamente os factos da matéria dada como provada no acórdão recorrido da P instância, inviabilizando a correcta subsunção do direito aos factos considerados provados.

Esta factualidade considerada assente no acórdão não tem suporte na prova produzida em audiência que o tribunal "a quo" - na fundamentação daquela decisão - reputou determinante para a formação da sua convicção.

5. Por outro lado, o acórdão recorrido está ferido de nulidade:

Omissão de Pronúncia e do Dever de Fundamentação (arts. 374.º, n.° 2; 3 79.º, n.° 1, als. a) e c) e 425.°, n.° 4, todos do C.P.P.)

Não apreciou uma única questão suscitada pelos recorrentes. Na verdade, todas as questões e perplexidades que foram invocadas restam sem solução no acórdão recorrido, limitando-se o mesmo a remeter sistematicamente para a fundamentação da própria decisão recorrida, negando o próprio direito ao recurso, manifesta violação do art.° 32° n.° 1 da C.R.P..

Ora, dispõe o art. 374.°, n.° 2 do C.P.P. (Requisitos da Sentença), aplicável ex vi do art. 425.°, n.° 4 do CPP que:

"2- Ao relatório segue-se a fundamentação (...), bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão (...)"

Dispondo, por sua vez, o art. 379.° (Nulidade da Sentença) o seguinte:

"1. É nula a sentença:

a) Que não contiver as menções referidas no art.° 374°, n.° 2 e 3, alínea b); (...)

c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento".

Da decisão recorrida, restam sem solução ou resposta questões importantíssimas que foram legal e oportunamente suscitadas, que o tribunal "a quo" se limita a resolver de forma redutora, remetendo para abstracções, sem qualquer apoio nas concretas questões a apreciar, com âmbito delimitado nas respectivas conclusões do recurso.

6. - Quanto à impugnação da matéria de facto, provada e não provada, sabendo que os recorrentes deram pleno cumprimento ao disposto no art.° 412.°, n.°s 3 e 4 do CPP, limita-se o acórdão recorrido remeter para o art.° 127.° do CPP: "Livre apreciação da prova" e a citar jurisprudência sobre tal princípio, confundindo a impugnação da matéria de facto com o teor do mesmo princípio, para concluir que "... examinada toda a transcrição das provas produzidas na audiência de julgamento, bem como toda a documentação referida no acórdão recorrido como tendo também servido para fundamentar a decisão sobre a matéria de facto, e tendo em conta que os depoimentos das testemunhas indicadas nas motivações dos recursos não contrariam a factualidade considerada provada e não provada objecto de impugnação, e vista a motivação dessa decisão (...) cremos não haver fundamento para modificar o decidido pelo tribunal "a quo".

O artigo 127° do CPP padece de inconstitucionalidade material, por violação do principio constante do art° 32° n° i da Constituição da República Portuguesa quando interpretado (como foi no caso dos autos), no sentido do Tribunal "a quo" poder dar como provados factos delituosos a que ninguém assistiu ou referiu ter assistido, factos esses nem sequer discutidos na audiência e julgamento.

O tribunal "a quo" não curou de saber que o tribunal de 1 a instância, a contrario, não tinha elementos probatórios para decidir como decidiu quanto à matéria de facto.

7. - Quanto aos factos a aditar à matéria de facto provada, de importância fundamental para a boa solução e compreensão da causa, o acórdão recorrido, limita-se a afirmar que "tais factos são inócuos para a decisão da causa, além de tal matéria não constar da acusação, quer da contestação, nem da prova produzida ela resulta, como sustenta o MP na sua resposta às motivações dos recursos, como provada".

Ora, tal excerto, revela claramente a insensibilidade do tribunal "a quo" na apreciação da matéria submetida à sua apreciação. Por outro lado, entender que tal matéria é inócua para a apreciação do recurso é revelador de total indiferença na apreciação da matéria em apreço e da realidade inerente ao crime de "branqueamento de capitais".

8. Sintomático disso mesmo é o facto de precisamente um dia após a interposição do recurso para o tribunal "a quo", no dia 27 de Março de 2004, ter entrado em vigor a Lei n.° 11/2004, de 27 de Março que "Estabelece o regime de prevenção e repressão do branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e procede à 16.ª alteração ao Código Penal e à 11.ª alteração ao DL n.° 15/93, de 22 de Janeiro".

Incompreensivelmente, o tribunal "a quo" não conheceu da alteração legislativa e que tal diploma, apesar de, por impossibilidade, não ser invocado na motivação de recurso, teria que ser oficiosamente apreciado pelo tribunal "a quo", por imposição Constitucional: "Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei (art. 203.° da CRP). Pelo que a não apreciação de tais questões conforma "omissão de proni a implicar a declaração de invalidade do acórdão recorrido.

9. - Finalmente, quanto ao recurso interposto sobre matéria de direito, limita-se o acórdão recorrido a transcrever o que consta da fundamentação do acórdão em matéria de direito, não se pronunciando sobre todas as questões, designadamente, o efectivo conhecimento da proveniência ilícita; sobre se cambiar, no caso em apreço, é técnica idónea a converter, porquando da fundamentação do acórdão proferido em 1.ª instância nada resulta que indique qual a sua finalidade, qual o destino dos montantes cambiados, qual a inserção dos câmbios em apreciação nos autos no processo de branqueamento de capitais.

Isto é, o para quê e o para onde dos câmbios, restam sem qualquer solução!

Deste modo, padece o acórdão recorrido de nulidade por ausência de fundamentação e omissão de pronúncia quanto a questões de que o tribunal "a quo" deveria obrigatoriamente ter tomado conhecimento, o que determina a declaração da sua invalidade e a sua substituição por outro que se pronuncie sobre todas as questões suscitadas, com respeito pelo correlativo dever de fundamentação que devem revestir todas as decisões judiciais.

A não pronúncia sobre tais questões além de geradora de nulidade, nos termos gerais do art.° 379°, n.° 1, al. c) do C.P.P. acima mencionados, consubstancia uma inconstitucionalidade, por violação dos arts. 32° n.° 1, 203° e 205°, n.° 1 da C.R.P., inconstitucionalidade essa que desde já se argui para todos os efeitos legais

10. Quanto ao princípio da "livre convicção da prova" (cfr. ac. recorrido), pretendem os recorrentes a sindicância da "Prova pela sua concatenação geral", perante a especificidade do caso em apreço e a imputação do crime de "Branqueamento de capitais".

Na verdade, crêem os recorrentes que tal construção, tais deduções pretensamente lógicas e especificadas no acórdão para a formação da sua convicção são inadmissíveis, perante os pressupostos objectivos e subjectivos exigíveis para que se possa imputar o crime de branqueamento, onde não é, desde logo, indiferente, mas antes absolutamente fundamental o conhecimento do ilícito típico anterior. Do crime precedente, principal ou facto criminoso prévio.

Trata-se, por outro lado, de um crime necessariamente doloso, em que ao agente é exigido o efectivo conhecimento da proveniência ilícita, manifestando a vontade de converter, transferir ou dissimular os bens ou produtos.

O primeiro requisito a apurar é, portanto, a efectiva existência de um ilícito típico anterior.

No caso em apreço, ainda que se dê como isento de dúvidas que os montantes cambiados nos presentes autos advieram efectivamente do tráfico de estupefacientes, perante o que se apurou em relação aos arguidos e aqui recorrentes, não se pode concluir, com a força exigível que do dolo directo que os mesmos tinham conhecimento de tal origem ilícita e que com a sua conduta pretendiam converter tais montantes, com vista a impedir o confisco e apreensão das importâncias por eles cambiadas.

11. Não há e não se logrou estabelecer qualquer ligação dos arguidos ESSAR e, muito menos, de NMS com o universo do tráfico de estupefacientes, pouco importando a ligação de ESSAR com MG (o branqueador), pois o que é relevante é o conhecimento e a consciência da proveniência dos valores cambiados. - Veja-se neste sentido fis. 8 da certidão da Sentencia n.° 26/04 proferida, em 15 de Julho de 2004, pela Audiência Nacional. Sala de Lo Penal. Sección 4 nos autos de Procedimiento Abreviado n.° 462/0 1 (ora se junta em doc. 1 e dá por integralmente reproduzida)

"IL- Inserta también en ei referido grupo estaba ACFR, mayor de edad, sin antecedentes penales, compafl era sentimental de MG, cumplía ei cometido que le asignaba su compafiero, consistente en entregar y recibir las cantidades correspondientes de los distintos "correos" ( situadas fuera dei grupo que efectuaban iRualmente cambios dei dinero procedente dei narcotrafico en biiletes de 100 dólares U.S.A., tanto en entidades de cambio espaiioias como portuguesas, a partir dei momento en que ei grupo se precató de las d que su actividad empezaba a tener en nuestro país)" o sombreado e o itálico são nossos.

Ora, é precisamente, neste grupo de "correos" que, eventualmente, se integram os recorrentes Bem andou a AUDIÊNCIA NACIONAL.

Para a imputação do tipo de crime em análise não basta uma mera suspeita de se estar perante montantes de proveniência ilícita, não sendo indiferente, por outro lado, a actividade criminosa de onde derivam.

Não basta, portanto, a negligência nem tão pouco o dolo eventual.

No presente caso, como resulta do que supra se expôs, não se pode afirmar que, indubitavelmente, os arguidos tinham o conhecimento de que o dinheiro provinha da actividade de tráfico de estupefacientes, havendo margem de dúvida suficiente para que possa julgar a imaginação: tais montantes poderiam advir de qualquer actividade lícita ou ilícita, desde que compatível com tão avultada produção de lucros, porquanto, repete-se, não há a mínima relação dos arguidos com a actividade de tráfico de estupefacientes.

Falece, portanto, o pressuposto base para que se possa imputar aos arguidos ESSAR o cometimento de tal tipo de crime.

12. Cambiar não é converter!

"In casu pecunia non olet" - "Por branqueamento «designam-se os meios através dos quais se escondem a existência, a origem ilegal ou a utilização ilegal de rendimentos, encobrindo esses rendimentos de forma a que pareçam provir de origem licita». Vd. Direito Penal Económico

Europeu: Textos Doutrinários, Vol. II, "O branqueamento de capitais e outros produtos do crime", Rodrigo Santiago, pág. 364.

No caso em apreço, o câmbio não dissimula a origem do dinheiro ainda que o recorrente tivesse conhecimento que o mesmo era proveniente do tráfico de estupefacientes. Parece cristalino!

Este raciocínio já não faria sentido, se o recorrente cambiasse dinheiro com o conhecimento que aquele dinheiro era proveniente de um roubo a um banco. Pecunia olet.

Uma pessoa que entre numa casa de câmbios com uma mala cheia de euros e saia, passados instantes, com uma mala cheia de dólares, entra e sai precisamente com o mesmo problema e não deu passo algum para ocultar a verdadeira origem de tais montantes. É totalmente indiferente um traficante de estupefacientes ser apanhado com milhares de dólares ou de euros, desde que não tenha em sua posse justificativo bastante para a sua detenção.

13. A este propósito segue-se o autor também citado na decisão recorrida:

JAFG: "Do Crime de Branqueamento de Capitais - Introdução e Tipicidade":

"O sentido político-criminal do branqueamento de capitais será o de procurar evitar que se destrua a ligação de um bem à sua origem ou, em geral, que se impeça a actuação no sentido de rastrear, apreender e confiscar bens de origem ilícita. Visa-se designadamente a punição da obstrução da prova da origem ilícita em que consiste a destruição do paper trail.

Assim, devem considerar-se atípicas quaisquer condutas que não contribuam objectivamente para a "deturpação" das qualidades elencadas na lei, dos bens de proveniência ilícita, mesmo que possam prima fade ser reconduzíveis ao tipo legal - carência de tutela legal.

Pelo exposto, não pode valer o entendimento de que as operações de câmbio realizadas em apreço nos presentes autos preencham o tipo objectivo descrito no respectivo tipo de ilícito.

14. À data dos factos, em Portugal, não eram exigidas quaisquer formalidades para a realização de câmbios de elevados montantes, não podendo afirmar-se que há um processo rigoroso e exigente de ‘ de câmbios de elevados montantes. Vd. só após a alteração legislativa nesse sentido - Lei n.° 11/2004. Assim, não se verificam preenchidos os elementos subjectivo e objectivo do tipo de ilícito de branqueamento de capitais, devendo, consequentemente os arguidos ser absolvidos dos crimes de Conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos", e, consequentemente, do crime de associação criminosa pelo cometimento desse crime, nos termos do art. 23.°, n.° 1, al. a) e art. 28.°, n.° 4, al. b), ambos do DL n.° 15/93, de 22 de Janeiro, hoje art.° 368-A do CP.

15. No sentido do que se tem vindo a referir, vejam-se os Factos Provados (o sombreado e sublinhados são nossos).

"2. Os referidos MG e ACFR, que estavam ligados a grupos de indivíduos que se dedicavam ao tráfico de cocaína em Espanha, tinham por função a conversão do dinheiro que estes realizavam naquela actividade."

"6. Dada a intervenção das autoridades espanholas, a partir de Novembro de 2001, MG e ACFR passaram a utilizar exclusivamente a cidade de Lisboa para realizar os câmbios de moeda."

"7. Para tanto, contavam com a colaboração do arguido ESSAR, com quem estabeleciam contactos telefónicos e a quem entregavam elevadas quantias em dinheiro - que aquele se encarregava de cambiar em dólares americanos, por si ou através de terceiros, em diversas Agências de Câmbio, na cidade de Lisboa."

"8. No desenrolar dessa actividade o arguido ESSAR contou com a colaboração de outros indivíduos, que com ele se deslocavam a Agências de Câmbio, em Lisboa, para efectuar a conversão do dinheiro."

"9. Foi assim que os arguidos NMS e AGA passaram a colaborar com o arguido ESSAR, mediante contrapartidas que se cifravam, no caso do arguido AGA, em cerca de 300 euros por cada viagem a Lisboa que realizassem."

"10. Em execução do plano gizado, os arguidos NMS e AGA deslocavam-se de Madrid a Lisboa, transportando o dinheiro que MG ou ACFR lhes entregavam para cambiar, dinheiro esse, que era resultante do tráfico de cocaína."

"31. Ao arguido ESSAR, foram então apreendidos : a quantia de 1100 €; vários documentos e papeis; um telemóvel da marca Nokia, modelo 7210, (...) um telemóvel da marca Nokia, modelo 8890, (...) um telemóvel da marca Eriksson, modelo Sony-Enksson R600 (...); e o veículo de matrícula BZY."

"32. Á arguida NMS foram apreendidos: um telemóvel da marca Nokia, modelo 3310, (...); um telemóvel da marca Samsung, modelo 6168,".

"37. Os arguidos ESSAR, NMS e AGA estavam cientes da origem ilícita do dinheiro em causa e, apesar disso, assumiram a tarefa de o transportar e cambiar, conjugando entre si esforços e vontades, de acordo com o plano previamente estabelecido e a que todos aderiram voluntariamente."

"38. Com a descrita conduta visaram e lograram os arguidos ESSAR, NMS e AGA, ajudar grupos de indivíduos que sabiam ligados ao tráfico de cocaína a disfarçar e iludir a origem das quantias em causa, dificultando assim a acção da justiça, nomeadamente no que concerne á descoberta da sua legitima proveniência."

"39. Na concretização do projecto assim delineado (...)."

"40. Nas suas deslocações entre Madrid e Lisboa e para o transporte do dinheiro cambiado, o arguido ESSAR utilizava o veículo que lhe foi apreendido."

"43. O referenciado MG é proprietário de dois locutorios, estabelecimento que só estão autorizados a proceder a transferências de dinheiro e não a movimentos cambiais, ainda que os efectuassem, mas de pequeno montante."

"53. Os arguidos não têm qualquer registo criminal." Não se provou que "As quantias monetárias apreendidas aos arguidos tenham sido obtidas na actividade delituosa supra descrita."

"Nos contactos que estabeleciam para concretizar as operações atrás mencionadas, os arguidos tenham utilizados os telemóveis que lhe foram apreendidos."

Escandalosa inversão do ónus da prova "Os arguidos ESSAR, NMS e AGA ignorassem que o dinheiro que cambiaram tinha proveniência ilícita, designadamente, que desconhecessem que tinha origem no tráfico de estupefacientes." e "Os arguidos ESSAR, NMS e AGA não tivessem possibilidade de saber que o dinheiro que cambiaram tinha proveniência ilícita, designadamente, do tráfico de estupefacientes." Logo, teriam conhecimento da proveniência ilícita de tais quantias!.

16. Cumpre, desde logo, refutar a imputação e consequente condenação dos recorrentes pela prática do crime ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA p. p. pelo art.° 28° n.° 4 alínea b) do DL 15/93 de 22/O 1. Não faz sentido.

Nenhum dos arguidos vem acusado pela prática de qualquer ilícito no âmbito do tráfico de estupefacientes. Só por manifesto lapso informático se entende que o tribunal tenha feito constar no acórdão recorrido com "Determinando-se, a destruição da droga apreendida nos termos do Art.° 62° n.° 6 do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro e a perda a favor do Estado da quantia monetária apreendida nos autos (278 105.00 €)." Não existe, nem existiu qualquer produto estupefaciente apreendido nos autos

17. Salvo melhor opinião, à luz dos factos provados, não é juridicamente possível condenar os arguidos pelo crime de associação criminosa. Os factos provados estão longe de preencher os pressupostos da factualidade típica da incriminação. Tanto no que respeita ao tipo objectivo como no que tange ao tipo subjectivo.

A condenação dos arguidos está, desde logo e definitivamente afastada ao nível da tipicidade.

18. Não resultou provado que existisse uma associação criminosa a quem pertencessem os arguidos ESSAR, NMS e AGA.

MG e ACFR foram julgados e condenados, em Espanha, por "delito de blanqueo de capitales". Nunca poderia o tribunal "a quo" condenar os ora recorrentes pela prática do crime de associação criminosa.

Ou seja, não se poderá equacionar sequer a associação criminosa imputada aos ora recorrentes à imagem da (mesma) associação criminosa que nem foi configurada em Espanha.

19. O mesmo se aplica quanto ao processo de formação da vontade colectiva. Só conhecemos a vontade dos três arguidos ESSAR, NMS e AGA Tratavam-se, única e exclusivamente, de fins individuais - a compensação económica.

20. O preenchimento da factualidade típica da incriminação exige que à verificação do tipo objectivo acresça a comprovada verificação do tipo subjectivo. Neste plano deve reter-se que o crime de Associação criminosa reclama em todas as suas modalidades a forma dolosa. "A consciência do ilícito da associação criminosa tem que ser autonomamente comprovada, não podendo ser deduzida ou presumida a partir da consciência do ilícito dos factos integrantes do escopo associativo ou de alguns deles." (vd. Figueiredo Dias, Comentário do CP, Tomo II, pp. 1169).

21. Só à custa de irremível erro judiciário contra o princípio da legalidade, nullum crimen sine lege, se poderia condenar os arguidos ESSAR, NMS e AGA pelo crime de Associação criminosa.

22. Os arguidos devem ser absolvidos da prática do crime de Associação criminosa e. em bom rigor, do crime de Branqueamento p. e p. nos termos do art.° 368 - A° do Código Penal.

23. O tribunal "a quo" violou, ao contrário das instâncias espanholas, manifestamente o principio "IN DUBIO PRO REO" - "El principio "pro reo" se relaciona, no con la duda metódica que, normalmente, aparece al tratar de adaptar cosa y norma, sino con la duda criteriológica, que suspende ei juicio en un punto muero dei razonamiento sm ilegar a una convicción. En tal caso es regia de buena conducta en la duda abstenerse de condenar." (Cfr. fls. 39 do doc. 1 - jurisprudência espanhola).

24. Os recorrentes não têm qualquer registo criminal.

25. Os recorrentes decididamente não se podem conformar com o "quantum" encontrado pelo tribunal "a quo" para a medida das penas impostas, achando-se imerecidas e, com o devido respeito, injustas.

26. O que se investigou realmente foi só e tão só um pequeno segmento, onde há pessoas envolvidas com muito mais responsabilidade e que já foram julgadas e condenadas em 15 de Julho de 2004 pela AUDIÊNCIA NACIONAL.

Como se pode ver, em Espanha, os arguidos foram condenados nas seguintes penas de prisão MG, foi condenado como autor da prática de um crime de branqueamento de capitais na pena de OITO ANOS DE PRISÃO; ACFR, foi condenada na pena CINCO ANOS DE PRISÃO; o arguido JTR foi condenado na pena de CINCO ANOS DE PRISÃO; os arguidos NAMR, JMPR, ALB e AMGG-A foram condenados na pena de QUATRO ANOS DE PRISÃO. (cfr. fis. 42 e 43 do doc. 1).

Os recorrentes estão condenados a penas gravíssimas de ONZE ANOS e NOVE ANOS E MEIO DE PRISÃO. Não se entende!

27. Não foi valorado qualquer circunstancialismo atenuativo. O arguido ESSAR nasceu em 04/04/1957 e a sua mulher NMS nasceu em 18/07/1946. Não foram requeridos pelos arguidos nem oficiados pelo tribunal os devidos relatórios sociais. O silêncio não pode prejudicar os arguidos.

28. Sem conceder, em termos relativos e de Justiça equitativa a pena aplicada é excessiva e severa, além de imerecida. A pena única a aplicar não deveria exceder os quatro anos de prisão para o arguido ESSAR e três anos de prisão (suspensos na sua execução) para a arguida NMS, atento o tempo de prisão ininterruptamente cumprido com exemplar comportamento, circunstancialismo familiar, não possuir antecedentes criminais e fácil reintegração na sociedade.

29. O veículo de matrícula BZY encontra-se indevidamente apreendido e declarado perdido a favor do Estado. O que se lamenta! As apreensões não são uma forma de enriquecimento do património do Estado nem integram o conceito de punição pelo Estado. O veículo deverá ser restituído ao recorrente.

30. «As penas serão tanto mais justas quanto maior for a liberdade que o soberano conserve aos indivíduos e quanto mais sagrada e mais inviolável for ao mesmo tempo a segurança de todos.» - C. Beccaria, "Dei delitti e deile pene", m Opere, II, Firenze, 1958, pág.49.

31. Preceitos violados art° 70.º e 71°, 368-A°, 299° do C.P. e 23° al. a) e 28° n.° 4 al. b) do DL 15/93 e 125°, 127°, 374° n°2, 379° n.° 1 al. a) do CPP e, ainda, 13° e 32° n.°1 da C.R.P..

Pelo exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente:

a) Declarar a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia e do dever de fundamentação

b) Alterar a decisão sobre matéria de direito verificando a inexistência dos elementos subjectivo e objectivo do crime de conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos, previsto e punível pelo art. 23.°, n.° 1, ai. a) do DL n.° 15/93, de 22 de Janeiro e, consequentemente, do crime de associação criminosa, previsto e punível pelo do 28.°, n.° 4, al. b do mesmo diploma legal crime, com a necessárias adaptações ao art.° 368-A° do CP (cfr. Lei n.° 11/2004 de 27/3)

c) Sindicar-se o princípio da "livre apreciação da prova", enquanto princípio jurídico, de apreciação de prova, logo, matéria de direito, para concluir pela inadmissibilidade da prova por concatenação geral, aplicada no presente caso, por não derivar das regras da lógica e da experiência comum.

d) Aplicar-se o principio "in dubio pro reo"

e) Por último, caso não se acolha a fundamentação expressa no presente recurso, diminuir substancialmente a medida da pena aplicada aos arguidos.

Juntou certidão da Sentencia N.° 26/04, proferida pela Audiência Nacional, Sala De Lo Penal, Sección 4 que diz só agora ter conseguido obter (cfr. fls. 45), e se lhe afigurar essencial à boa decisão da causa (arts.° 340° e 166° n.° 1 do CPP).

1.4.
Respondeu o Ministério Público, concluindo:
1. Verifica-se a nulidade prevista no art.° 379°, n.° 1, alínea c), do C.P.Penal, relativamente à omissão da pronúncia quanto:

a) - Aos factos que os recorrentes pretendem ter sido incorrectamente julgados em 1.ª instância, remetendo para os suportes de que constam as provas que, diversamente apreciadas, levariam a conclusão diferente; e

b) - à ponderação, no que para o caso importa, da alteração legislativa decorrente da L. n.°11/2004, de 27/3 - nomeadamente da introdução de um art.° 368° - A, do C.Penal, com revogação do art.° 23°, do DL a.° 15/93, de 22/1.

Esta nulidade pode ser suprida nos termos do n.° 2, do art.° 379° do C.P.Penal

O recurso improcede no que respeita à pretensa nulidade do acórdão por falta de fundamentação.

3 - O recurso é manifestamente improcedente no que respeita - À reedição do julgamento da matéria de facto, e

- Sobre questões sobre as quais o tribunal recorrido se não pronunciou, pela singela razão de não terem sido suscitados no recurso interposto da decisão da 1.ª instância,

4 - O câmbio das divisas fora, e no caso, é, integrador da conversão de bens no quadro do crime de branqueamento.

5 - Mostram-se preenchidos os argumentos típicos não só do crime de "branqueamento", como do da associação criminosa p. e p. pelo art.° 28°, n.° 4, alínea d), do DL n.° 15/93, de 22/1.

6 - As penas parceladas e únicas aplicadas não merecem censura, ainda que tendo agora, em consideração a diferente moldura abstracta aplicável ao crime de "branqueamento" - art.° 368°-A do C.P.Penal.

Pelo que,

A - Procede a arguição da nulidade prevista no art.° 379°, n.° 1, alínea c) do C.P.Penal, suprível, nos termos do n.° 2;

B - Improcede o recurso quanto à falta da fundamentação;

C - É o mesmo manifestamente improcedente quanto à reedição da discussão da matéria de facto e quanto às questões não suscitadas no recurso do acórdão proferido em 1.0 instância;

D - Improcede o recurso quanto à verificação, face à matéria de facto provada, dos crimes de branqueamento e de associação criminosa

E - Bem como relativamente à medida das penas concretamente aplicável a cada um dos arguidos (parcelares e única).

2.
Neste Supremo Tribunal de Justiça teve vista o Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, teve lugar a audiência.
No seu decurso o Ministério Público pronunciou-se no sentido da anulação do acórdão recorrido por omissão de pronúncia quanto à questão de facto regularmente suscitada e que não chegou verdadeiramente a conhecer, ficando-se por considerações genéricas e abstractas, limitando-se a "crer" que não há razões para alterar a matéria de facto apurada. Entendeu ainda que o Tribunal a quo não podia deixar de considerar a Lei n.º 11/2004, tanto mais que veio alterar a moldura penal abstracta. A primeira das omissões não pode ser suprida neste Supremo Tribunal de Justiça.
A defesa manteve a posição assumida na motivação de recurso.
Cumpre, assim, conhecer e decidir.
E conhecendo.
3.1.
De entre as questões suscitadas pelos recorrentes, deve ponderar-se, em primeiro lugar, a questão da nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia e do dever de fundamentação.

Continuam os recorrentes a sustentar que a questão de facto está mal decidida, não respeitando a prova produzida (conclusões 2.ª e 4.ª), verificando-se contradição entre a fundamentação e a decisão e na ausência de valoração do circunstancialismo atenuativo (conclusão 2.ª), e que o Tribunal a quo não reexaminou a matéria de facto - de acordo com as als. a) a c) do n° 3 do art. 412° do CPP, então invocadas - nem procedeu ao reexame da matéria de direito (a que estava obrigado) (conclusão 3.ª).

O acórdão recorrido seria nulo por omissão de pronúncia e do dever de fundamentação [arts. 374.º, n.° 2, 379.º, n.° 1, als. a) e c) e 425.°, n.° 4 do CPP], limitando-se a remeter sistematicamente para a fundamentação da própria decisão recorrida (conclusão 5.ª) e para o art.° 127.° do CPP "livre apreciação da prova", quanto à impugnação da matéria de facto, provada e não provada, apesar de os recorrentes terem dado pleno cumprimento ao disposto no art.° 412.°, n.°s 3 e 4 do CPP (conclusão 6.ª).

Quanto aos factos a aditar à matéria de facto provada, a afirmação de que "tais factos são inócuos para a decisão da causa", revela a insensibilidade do Tribunal na apreciação da matéria, revelando total indiferença na apreciação da matéria em apreço e da realidade inerente ao crime de "branqueamento de capitais" (conclusão 7.ª).

Também deixou o Tribunal a quo de ter em conta a entrada em vigor da Lei n.° 11/2004, de 27 de Março que "estabelece o regime de prevenção e repressão do branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e procede à 16.ª alteração ao C. Penal e à 11.ª alteração ao DL n.° 15/93, de 22 de Janeiro", quando tal se impunha oficiosamente (conclusão 8.ª).

Quanto ao recurso interposto sobre matéria de direito, o acórdão recorrido não se pronunciou sobre todas as questões, designadamente, o efectivo conhecimento da proveniência ilícita; sobre se cambiar, no caso em apreço, é técnica idónea a converter, pois nada resulta que indique qual a sua finalidade, qual o destino dos montantes cambiados, qual a inserção dos câmbios em apreciação nos autos no processo de branqueamento de capitais (conclusão 9.ª), padecendo de nulidade por ausência de fundamentação e omissão de pronúncia quanto a questões que deveria ter tomado conhecimento (conclusão 9.ª), não pronúncia que consubstancia também uma inconstitucionalidade, por violação dos arts. 32.° n.° 1, 203.° e 205.°, n.° 1 da CRP (conclusão 9.ª).

Vejamos então.

Sobre a questão da impugnação da matéria de facto tida como provada pela 1.ª Instância, escreve-se na decisão recorrida:

«No que concerne ao questionado acima indicado em c) e b’):
Para concluírem que a factualidade que, na sua opinião, não devia ser considerada provada, e que, também na sua opinião, devia ser considerada provada, alegam os arguidos/recorrentes, em síntese, que aquela não tem suporte na prova produzida na audiência e que esta foi incorrectamente dada como não provada pelo tribunal a quo.

Em matéria de apreciação da prova, rege o artigo 127.º do Código de Processo Penal: "a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente".

Observa o Conselheiro Maia Gonçalves (Código de Processo Penal Anotado e Comentado, 12.ª edição, Almedina, Coimbra, 2001, pg. 339): (...) como uniformemente expendem os autores, livre apreciação da prova não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressuposto valorativo a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Dentro destes pressupostos se deve portanto colocar o julgador ao apreciar livremente a prova. (...)

Já o Prof. Manuel Cavaleiro Ferreira assim ensinava (Curso de Processo Penal -II, Edição dos Serviços Sociais da Universidade de Lisboa, Lisboa, 1970, pp. 316/320): (...)
O resultado da prova é fixado pelo julgador, segundo a sua "livre convicção" (Cód. de Proc. Civ. art.º 655.º), a qual naturalmente se baseia na livre apreciação das provas.

O princípio assim formulado é indispensável, mas é também perigoso. Tem origem antiga no direito romano, embora a sua proclamação moderna em processo penal se reconduza directamente a uma consciente reacção contra o sistema das provas legais. A predeterminação legal do valor das provas, prendendo a decisão judicial em matéria de facto a regras fixas, tinha de conduzir algumas vezes a resultados contraditórios com a consciência individual e a convicção do julgador.

O desaparecimento destas restrições à livre convicção não acarreta, porém, uma faculdade arbitrária de decidir. A convicção, por livre, não deixa de ser fundamentada; somente a supressão das provas legais tornou praticamente mudas a jurisprudência e a doutrina a este respeito, e criou por isso o grave perigo dum puro subjectivismo na apreciação das provas.

Ora a livre convicção é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundamentada da verdade. É uma conclusão livre, porque subordinada à razão e à lógica e não limitada por prescrições formais exteriores. A apreciação livre das provas é um conceito de direito.

Se assim não fora, não haveria que falar de um direito probatório, nem em regras de prova.
Simplesmente o julgador em vez de se encontrar ligado por normas prefixadas e abstractas sobre a apreciação da prova, tem apenas de se subordinar à lógica, à psicologia e às máximas da experiência.

O grande problema, do ponto de vista legislativo, que então surge no processo penal é o da conciliação dum direito probatório realmente existente, com a livre convicção do juiz. (...)
A lei não está ausente da "livre convicção" do juiz. O sistema processual moderno atribui ao julgador uma maior liberdade, mas não um arbítrio a que a lei seja indiferente. Se o julgador interpreta a liberdade de apreciação como um domínio arbitrário da sua vontade sobre a matéria de facto, e oferece às partes, como conteúdo de jurisdição, a sua fé ou convicção sem provas e sem base objectiva, ultrapassa os limites da liberdade de aprecia-ção, que não pode confundir-se com a supressão da prova, ou com a faculdade, por exemplo, de inverter por seu alvedrio o ónus da prova.

Adoptando opinião diferente, ter-se-ia substituído ao sistema de provas legais uma completa ausência de sistema, caracterizado pelo impreciso e perigoso subjectivismo ou impressionismo do julgador.

A violação das regras legais sobre a prova como, por exemplo, a necessidade da sua produção em audiência, ou a aplicação do princípio "in dubio pro reo", são violações do direito.
E violação do direito é ainda, pelo menos, em certa medida, a violação de máximas da experiência que integram as normas jurídicas.

As normas de experiência não são matéria de facto: são definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genéricos, independentes do caso concreto "sub judice", assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade.
Estas máximas de experiência têm interesse na apreciação da prova, na aplicação de conceitos de direito e no uso do arbítrio judicial.

Enquanto as leis da experiência integram conceitos de direito, com-participam da mesma natureza, e a sua violação é revisível como matéria de direito. É esta, de resto, a opinião comum, embora a jurisprudência portuguesa pareça dificilmente aceitar as lógicas consequências da doutrina. É, ao que parece, e por exemplo, sempre susceptível de apreciação em última instância, a questão da idoneidade causal dos actos de execução na tentativa ou delito frustrado, não obstante as decisões que abonam orientação oposta.
Quanto às máximas da experiência cuja oportunidade de aplicação se circunscreve ao campo legítimo do arbítrio judicial, não parece que sejam susceptíveis de revisão.

Mais duvidosa se afigura finalmente a questão quando o campo da sua aplicação respeita precisamente à apreciação da prova. Além das regras legais, também as máximas da experiência, as oriundas da lógica, da psicologia, das leis do pensamento, são princípios integrados na ordem jurídica, e consequentemente a sua violação, violação do direito?
A doutrina jurídica inclina-se mais recentemente para a solução afirmativa, dentro de certos limites, quando a violação de máximas de experiência se reconduz à violação de regras de direito, cuja aplicação é incompreensível sem aquelas, não há que distinguir entre a violação de direito e violação de normas de experiência. São então uma e a mesma coisa. (...)
Na mesma linha de orientação, o Prof. Germano Marques da Silva escreveu (Curso de Processo Penal, II, Verbo, Lisboa, 1993, p. 111): (...)

O actual sistema da livre convicção não deve definir-se negativa-mente, isto é, como desaparecimento das regras legais de apreciação das provas, pois não consiste na afirmação do arbítrio, sendo, antes a apreciação da prova também vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório (Manuel Cavaleiro Ferreira, Curso de processo Penal, I, 1986, p. 211).

Estes princípios do direito probatório comportam regras jurídicas extraordinariamente importantes (...), de que a liberdade de valoração da prova é apenas um aspecto, ainda que relevante e ainda dos mais confusos da ciência do direito.
Também a liberdade que aqui importa é a liberdade para a objectividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, isto é, uma verdade que transcende a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros (A. Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal,1967-1968, p. 50). «Isto significa, por um lado, que a exigência de objectividade é ela própria um princípio de direito, ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será válida se for fundamentada, já que de outro modo não poderá ser objectiva.» (Ibidem. Cfr. também Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, p. 203.)

A livre valoração da prova não deve, pois, ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conheci-mentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão.

(...) Com a exigência de objectivação da livre convicção poderia pensar-se nada restar já à liberdade do julgador, mas não é assim. A convicção do julgador há-de ser sempre uma convicção pessoal, mas há-de ser sem-pre «uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros» (Ibidem Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit., p. 205).

O juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis. Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm ele-mentos não racionalmente explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a determinado meio de prova). Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correcção do raciocínio que há-de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência (F. Gomez de Liaño, La Prueba en el Proceso Penal, p. 184)

(...) Importa ainda anotar que a objectividade que aqui importa «não é a objectividade científica (sistemático-conceitual e abstracto-generalizante), é antes uma racionalização de índole prático-histórica, a implicar menos o racional puro do que o razoável, proposta não à dedução apodíctica, mas à fundamentação convincente para uma análoga experiência humana, o que se manifesta não em termos de intelecção, mas de convicção (integra-da sem dúvida por um momento pessoal» (A. Castanheira Neves, ob. cit., p. 52). É, na expressão de Figueiredo Dias, a convicção da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável (Ob. cit., p. 52). (...)
Sobre a questão, o Supremo Tribunal de Justiça considerou (Ac. do S.T.J. de 18-01-2001, Proc. n.º 3 105/2000-5ª Secção, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Boletim nº 47): (...)

II - O princípio contido no art. 127.º, do CPP, estabelece três tipos de critérios para a apreciação da prova com características e natureza completamente diferentes: haverá uma apreciação da prova inteiramente objectiva quando a Lei assim o determinar; outra, também objectiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, já de carácter eminentemente subjectiva e que resulta da livre convicção do julgador.

III - É certo que tudo isto se poderá conjugar, e também é certo que a prova assente ou resultante da livre convicção poderá ser motivada e fundamentada, mas neste caso, a motivação tem de se alicerçar em critérios subjectivos, embora explicitados para serem objecto de compreensão.

IV - Seja como for, a motivação probatória compete sempre aos julgadores e não pode ser posta em confrontação com as convicções pessoais do recorrente. (...)
Dos ensinamentos da doutrina e da jurisprudência, podemos concluir, - tal como no Ac. desta Relação, de 17-02-2004, proferido no Proc. 3515/03- 5.ª Secção, de que foi relator o Sr. Juiz Desembargador Dr. Vasques Dinis, e em que o ora relator foi um dos adjuntos, Acórdão esse que na questão atinente à apreciação da prova estamos seguindo de muito perto - que aquela valoração das provas, reportada à credibilidade dos depoimentos, que é eminentemente subjectiva, depende, essencial e substancialmente, da imediação, princípio que, pressupondo a oralidade, domina a recolha das provas de índole testemunhal e apresenta duas vertentes: o dever de apreciar ou obter os meios de prova mais próximos ou mais directos; a recepção da prova pelo órgão legalmente competente (Manuel Cavaleiro Ferreira, Curso de processo Penal - II, Edição dos Serviços Sociais da Universidade de Lisboa, Lisboa, 1970, p. 336).

Com efeito, tal como se salienta no predito Ac., só a imediação permite, num quadro de emissão e recepção de sinais de comunicação - que não apenas de palavras, mas também de gestos ou outras formas de acção/reacção, como o próprio silêncio -, que só ela potencia, a adequada apreciação das declarações ou depoimentos, que não pode deixar de implicar uma atenta observação do acto de depoimento, enquanto acto moral de manifestação da personalidade do declarante (Ibidem, pp. 338 e 359).

Tal não significa que a livre convicção assente naquela observação, eminentemente subjectiva., conducente a conferir maior ou menor credibilidade de um depoimento, se torne insindicável, pois ao julgador é, ainda assim, imposto o dever de explicitar as razões da sua convicção pessoal, na fundamentação da decisão, isto é, que revele os motivos por que certo depoimento mereceu maior credibilidade do que outro, no cumprimento do que dispõe o n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal.

E se os critérios subjectivos expressos pelo julgador se apresentarem com o mínimo de consistência para a formulação do juízo sobre a credibilidade dos depoimentos apreciados e, com base no seu teor, alicerçar uma convicção sobre a verdade dos factos, para além da dúvida razoável, tal juízo há-de sempre, como se refere no mesmo Ac., sobrepor-se às convicções pessoais dos restantes sujeitos processuais, como corolário do princípio da livre apreciação da prova ou da liberdade do julgamento.

O recurso em matéria de facto não tem por finalidade a realização de um segundo julgamento, mas tão só a apreciação da decisão proferida na 1.ª instância, apreciação essa limitada ao exame (controlo) dos elementos probatórios valorados pelo tribunal recorrido e feita à luz das regras da lógica e da experiência, mas sem-pre sem colidir com os fundamentos da decisão que só a imediação e a oralidade permitem atingir - imediação e oralidade que não estão presentes no julgamento do recurso, porque aos juízes do tribunal superior apenas são facultados registos (em suporte magnético e as respectivas transcrições).

Por isso se pode afirmar que ao tribunal superior cumpre verificar a existência da prova e controlar a legalidade da respectiva produção, nomeadamente no que respeita à observância dos princípios da igualdade, oralidade, imediação, contraditório e publicidade, verificando, outrossim, a adequação lógica da decisão relativamente às provas existentes.

Assim, e como se refere também em tal Acórdão, só em caso de inexistência de provas, para se decidir num determina-do sentido, ou de violação de normas de direito probatório (nelas se incluindo as regras da experiência e/ou da lógica) cometida na respectiva valoração feita na de-cisão da primeira instância, esta pode ser modificada, nos termos do artigo 431.º do Código de Processo Penal.

No caso dos autos, examinada toda a transcrição das provas produzidas na audiência de julgamento, bem como toda a documentação referida no acórdão recorrido como tendo também servido para fundamentar a decisão sobre a matéria de facto, e tendo em conta que os depoimentos das testemunhas indicadas nas motivações dos recursos não contrariam a factualidade considerada provada e não provada objecto de impugnação, e vista a motivação dessa decisão - feita de forma exaustiva e sem o mínimo atropelo às regras da lógica -, cremos não haver fundamento para modificar o decidido pelo tribunal "a quo", que não teve dúvidas em decidir, como decidiu, a matéria de facto impugnada pelos recorrentes.

Por conseguinte, improcede a pretensão dos recorrentes em ver alterada a parte da matéria de facto considerada provada e não provada que impugnaram.
No que respeita a questão a que se reporta a alínea c’):
Alegam os recorrentes ESSAR e NMS que "perante a prova produzida em audiência de julgamento, o tribunal a quo deveria ter considerado assentes factos que se afiguram de importância fundamental para a boa solução e compreensão da causa, mas que, ao invés, foram pura e simplesmente desconsiderados, não constando nem na lista de factos provados, nem dos factos não provados:

- À data da prática dos factos, era mais fácil cambiar dinheiro em Portugal do que em Espanha,
- À data da prática dos factos, o dólar encontrava-se bem mais cotado do que o Euro.
- Os câmbios não eram efectuados aleatoriamente."
Sucede, porém, que, e por um lado, tal matéria é, face ao dado por provado, inócua para a decisão da causa, e, por outro lado, a mesma não consta quer da acusação, quer da contestação, nem da prova produzida ela resulta, como sustenta o Mº Pº na sua resposta às motivações dos recursos, como provada.
Assim sendo, é insubsistente a afirmação dos preditos recorrentes de que tal matéria devia ter sido considerada assente no acórdão recorrido.

Por consequência, e face à improcedência - constatada ao debruçar-mo-nos sobre a questão antecedente - da pretensão dos recorrentes relativamente à parte da matéria fáctica considerada provada e não provada que impugnaram, e visto que não se verifica nenhum dos vícios a que se reportam as três alíneas do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal e não ocorre qualquer nulidade que não deva considerar-se sanada - aliás, diga-se, não invocada pelos recorrentes -, resulta intocável a decisão relativa à matéria de facto, matéria essa que, portanto, damos por assente.».

A decisão recorrida, como se vê, fez um longo excurso teórico sobre a apreciação da matéria de facto em recurso, sobre a sua natureza, sobre as regras de direito envolvidas, mas só se referiu ao caso sujeito nos três segmentos que se destacaram em itálico.
E mesmo nestes trechos, o Tribunal a quo não desceu aos elementos invocados pelos recorrentes para questionar os factos provados, para decidir e demonstrar que esses elementos não impõem que se tenham como provados os factos pretendidos pelos recorrentes ou, pelo contrário, que se tenham provados factos que a 1.ª Instância assentara.

Com efeito, a decisão limita-se a dizer que foi "examinada toda a transcrição das provas produzidas na audiência de julgamento, bem como toda a documentação referida no acórdão recorrido como tendo também servido para fundamentar a decisão sobre a matéria de facto" e que "os depoimentos das testemunhas indicadas nas motivações dos recursos não contrariam a factualidade considerada provada e não provada objecto de impugnação". Invoca depois a motivação da decisão da 1.ª Instância que reputa de "feita de forma exaustiva e sem o mínimo atropelo às regras da lógica" para concluir não haver fundamento para modificar o decidido pelo tribunal recorrido o qual "não teve dúvidas em decidir, como decidiu, a matéria de facto impugnada pelos recorrentes".

Ou seja, não se compreende, face aos segmentos decisórios, quais os elementos de prova eram invocados pelos recorrentes e quais as razoes pelas quais esses elementos não podem produzir o efeito pretendido, antes restando antes um texto, no fundo formulado de forma abstracta e geral que poderia ser escrito, sem qualquer adaptação, em qualquer outro recurso em que se impugnasse matéria de facto.

Ora, é hoje claro que o recurso para a Relação alcança a dimensão de um segundo grau de jurisdição também em matéria de facto, tal como emerge do disposto no art. 428.º, n.º 1, do CPP.

No caso, a impugnação dos recorrentes assenta, em grande parte, arraiais na vertente dos factos.
E nessa sua perspectiva, não pode perder-se de vista a importância que reveste a pretensão - fundada ou não, é coisa diversa - expressa em requerimento e vertida nas conclusões, de ver (re)apreciada a matéria de facto.

Não está em causa neste momento saber se são bem ou mal fundadas tais pretensões. Apenas e só o juízo abstracto e genérico de negação que elas mereceram - e não deviam ter merecido - do acórdão recorrido.

Como se viu, não tomou o acórdão recorrido posição concreta sobre a impugnação da matéria de facto, em termos que não podem deixar de merecer a qualificação de omissão de pronúncia, que, para além de expressamente invocada pelo recorrente, no contexto do caso concreto, em que, como se viu, é nos factos e seu apuramento, enfim, na questão de facto, que reside grande parte da impugnação, pelo que deve a Relação, apreciar em definitivo, nomeadamente através de resposta directa e fundamentada positiva ou negativa às questões atinentes que lhe tenham sido postas pelos arguidos.

O que tudo vale por dizer que o acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia nos termos previstos no art. 379.º, n.º 1, c) e 425.º, n.º 4, do CPP, não sendo possível prosseguir para conhecimento do mérito da decisão, que fica prejudicado.
Diga-se ainda que igualmente se verifica omissão de pronúncia quanto à aplicabilidade ao caso da Lei n.º11/2004 de 27 de Março que veio estabelecer o regime de prevenção e repressão do branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e proceder à 16.ª alteração ao Código Penal e à 11.ª alteração ao DL n.° 15/93, de 22 de Janeiro, aditando o art. 368.º-4 ao Código Penal, com moldura penal abstracta diversa e menos grave do que a aplicada.

Não podia, pois, o Tribunal a quo deixar de considerar à luz dos n.ºs 2 e 4 do art. 2.º do C. Penal e 29.º, n.º 4 da Constituição, a aplicabilidade daquele diploma, o que deverá fazer agora depois de estabelecer concreta e fundadamente a matéria de facto.
4.
Pelo exposto, acordam os Juízes da (5.ª) Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em anular o acórdão recorrido para que aí seja proferido em sua substituição de modo a que aquelas questões, venham agora a ser expressamente decididas.
Não é devida tributação.
Honorários devidos à Defensora Oficiosa.

Lisboa, 27 de Abril de 2005
Simas Santos (Relator)
Santos Carvalho
Rodrigues da Costa
Tem voto de conformidade do Senhor Conselheiro Costa Mortágua, que não assina por não estar presente.