Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | SIMAS SANTOS | ||
| Descritores: | MATÉRIA DE FACTO PODERES DA RELAÇÃO OMISSÃO DE PRONÚNCIA NULIDADE SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO | ||
| Nº do Documento: | SJ200504270007685 | ||
| Data do Acordão: | 04/27/2005 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | 5 V CR LISBOA | ||
| Processo no Tribunal Recurso: | 355/01 | ||
| Data: | 03/08/2004 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Sumário : | 1 - Quando os recorrentes suscitam em recurso para a Relação a questão de facto, dado cumprimento ao disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 412.º do CPP, a Relação não pode deixar de conhecer concreta e fundamentadamente as questões então suscitadas, limitando-se a escrever: «no caso dos autos, examinada toda a transcrição das provas produzidas na audiência de julgamento, bem como toda a documentação referida no acórdão recorrido como tendo também servido para fundamentar a decisão sobre a matéria de facto, e tendo em conta que os depoimentos das testemunhas indicadas nas motivações dos recursos não contrariam a factualidade considerada provada e não provada objecto de impugnação, e vista a motivação dessa decisão - feita de forma exaustiva e sem o mínimo atropelo às regras da lógica -, cremos não haver fundamento para modificar o decidido pelo tribunal "a quo", que não teve dúvidas em decidir, como decidiu, a matéria de facto impugnada pelos recorrentes». 2 - Ao fazê-lo, não conhece da questão de facto, como lhe competia garantindo um real duplo grau de jurisdição em matéria de facto, sendo nula a decisão por omissão de pronúncia nos termos previstos no art. 379.º, n.º 1, c) e 425.º, n.º 4, do CPP. 3 - O mesmo vício ocorre ainda quando, tendo entrado em vigor, já depois de apresentada a motivação de recurso mas antes da prolacção do acórdão, uma nova lei sobre a incriminação em causa que diminuiu a moldura penal abstracta, a Relação não pondera a aplicação dessa lei. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. 1.1. O Tribunal Colectivo da 5.ª Vara Criminal de Lisboa (1.ª Secção - proc. n.º 355/01.0JELSB), por acórdão datado de 8.3.2004 julgou a acusação parcialmente procedente e condenou o arguido ESSAR, como autor material de 1 crime de associação criminosa do art. 28.º, nº 4 al. b) do DL n.º 15/93 de 22/01, na pena de 4 anos de prisão; de 1 crime de conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos do art. 23.º nº1 al. a), do DL n.º 15/93, de 22/01, na pena de 8 anos e 6 meses de prisão; de 1 crime de falsificação de documento do art. 256.º nsº 1 al. c) e 3 do C. Penal, na pena 2 anos de prisão; e, em cúmulo jurídico, na pena única de 11 anos de prisão; a arguida NMS, como autora dos mesmos crimes, respectivamente nas penas de 3 anos e 6 meses de prisão; 7 anos e 6 meses de prisão; 2 anos de prisão; e, em cúmulo jurídico, na pena única de 9 anos e 6 meses; o arguido AGA, pela prática dos mesmos crimes, respectivamente, nas penas de 3 anos de prisão; de 7 anos de prisão; de 2 anos de prisão; e, em cúmulo jurídico, na pena única de 8 anos e 6 meses de prisão; Decidiu, ainda, o mesmo Tribunal absolver o arguido AGA da prática de 1 crime de detenção de arma proibida do art. 275.º, nº1 do C. Penal, com referência ao art. 7.º § único, al. a), do DL 37313 de 21/02/49 e a arguida LNF da prática de todos os crimes de que vinha acusada e decretar a expulsão do território nacional dos arguidos ESSAR, NMS e AGA, nos termos dos Artsº 101 nº1 do D.L. 244/98 de 08/08, na redacção introduzida pelo D.L. 4/01 de 10/01 e 34 nº1 do D.L. 15/93 de 22/01, pelo período de 10 anos. 1.2. Inconformados, os arguidos condenados recorreram para a Relação de Lisboa. Este Tribunal Superior, por acórdão de 14.12.2004 (5.ª Secção - proc. n.º 6842/04 -5), decidiu negar provento aos recursos, confirmando o acórdão recorrido. 1.3. Ainda inconformados recorrem os arguidos ESSAR e NMS para este Supremo Tribunal de Justiça, pedindo - A declaração da nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia e do dever de fundamentação - A alteração da decisão sobre matéria de direito verificando a inexistência dos elementos subjectivo e objectivo do crime de conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos, previsto e punível pelo arto. 23.°, n.° 1, ai. a) do DL n.° 15/93, de 22 de Janeiro e, consequentemente, do crime de associação criminosa, previsto e punível pelo do 28.°, n.° 4, al. b do mesmo diploma legal crime, com a necessárias adaptações ao art.° 368-A° do CP (cfr. Lei n.° 11/2004 de 27/3) - A análise do princípio da "livre apreciação da prova", enquanto princípio jurídico, de apreciação de prova, logo, matéria de direito, para concluir pela inadmissibilidade da prova por concatenação geral, aplicada no presente caso, por não derivar das regras da lógica e da experiência comum. - A aplicação do principio "in dubio pro reo" - Subsidiariamente, a diminuição substancial da medida da pena aplicada aos arguidos. Para tanto, concluíram na sua motivação: O tribunal "a quo", na continuação e confirmação da decisão da 1 instância, labora em erro na apreciação da prova, na incorrecta aplicação do direito aos factos, na contradição entre a fundamentação e a decisão e na ausência de valoração do circunstancialismo atenuativo. 3. Salvo o melhor e, bem devido respeito, o tribunal "a quo" não reexaminou a matéria de facto - nos termos das alíneas a) a c) do n° 3 do art. 412° do C.P.P., então invocada, nem procedeu ao reexame da matéria de direito (a que estava obrigado). 4. Desde logo, o tribunal "a quo" reiterou o mesmo erro em julgar incorrectamente os factos da matéria dada como provada no acórdão recorrido da P instância, inviabilizando a correcta subsunção do direito aos factos considerados provados. Esta factualidade considerada assente no acórdão não tem suporte na prova produzida em audiência que o tribunal "a quo" - na fundamentação daquela decisão - reputou determinante para a formação da sua convicção. 5. Por outro lado, o acórdão recorrido está ferido de nulidade: Omissão de Pronúncia e do Dever de Fundamentação (arts. 374.º, n.° 2; 3 79.º, n.° 1, als. a) e c) e 425.°, n.° 4, todos do C.P.P.) Não apreciou uma única questão suscitada pelos recorrentes. Na verdade, todas as questões e perplexidades que foram invocadas restam sem solução no acórdão recorrido, limitando-se o mesmo a remeter sistematicamente para a fundamentação da própria decisão recorrida, negando o próprio direito ao recurso, manifesta violação do art.° 32° n.° 1 da C.R.P.. Ora, dispõe o art. 374.°, n.° 2 do C.P.P. (Requisitos da Sentença), aplicável ex vi do art. 425.°, n.° 4 do CPP que: "2- Ao relatório segue-se a fundamentação (...), bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão (...)" Dispondo, por sua vez, o art. 379.° (Nulidade da Sentença) o seguinte: "1. É nula a sentença: a) Que não contiver as menções referidas no art.° 374°, n.° 2 e 3, alínea b); (...) c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento". Da decisão recorrida, restam sem solução ou resposta questões importantíssimas que foram legal e oportunamente suscitadas, que o tribunal "a quo" se limita a resolver de forma redutora, remetendo para abstracções, sem qualquer apoio nas concretas questões a apreciar, com âmbito delimitado nas respectivas conclusões do recurso. 6. - Quanto à impugnação da matéria de facto, provada e não provada, sabendo que os recorrentes deram pleno cumprimento ao disposto no art.° 412.°, n.°s 3 e 4 do CPP, limita-se o acórdão recorrido remeter para o art.° 127.° do CPP: "Livre apreciação da prova" e a citar jurisprudência sobre tal princípio, confundindo a impugnação da matéria de facto com o teor do mesmo princípio, para concluir que "... examinada toda a transcrição das provas produzidas na audiência de julgamento, bem como toda a documentação referida no acórdão recorrido como tendo também servido para fundamentar a decisão sobre a matéria de facto, e tendo em conta que os depoimentos das testemunhas indicadas nas motivações dos recursos não contrariam a factualidade considerada provada e não provada objecto de impugnação, e vista a motivação dessa decisão (...) cremos não haver fundamento para modificar o decidido pelo tribunal "a quo". O artigo 127° do CPP padece de inconstitucionalidade material, por violação do principio constante do art° 32° n° i da Constituição da República Portuguesa quando interpretado (como foi no caso dos autos), no sentido do Tribunal "a quo" poder dar como provados factos delituosos a que ninguém assistiu ou referiu ter assistido, factos esses nem sequer discutidos na audiência e julgamento. O tribunal "a quo" não curou de saber que o tribunal de 1 a instância, a contrario, não tinha elementos probatórios para decidir como decidiu quanto à matéria de facto. 7. - Quanto aos factos a aditar à matéria de facto provada, de importância fundamental para a boa solução e compreensão da causa, o acórdão recorrido, limita-se a afirmar que "tais factos são inócuos para a decisão da causa, além de tal matéria não constar da acusação, quer da contestação, nem da prova produzida ela resulta, como sustenta o MP na sua resposta às motivações dos recursos, como provada". Ora, tal excerto, revela claramente a insensibilidade do tribunal "a quo" na apreciação da matéria submetida à sua apreciação. Por outro lado, entender que tal matéria é inócua para a apreciação do recurso é revelador de total indiferença na apreciação da matéria em apreço e da realidade inerente ao crime de "branqueamento de capitais". 8. Sintomático disso mesmo é o facto de precisamente um dia após a interposição do recurso para o tribunal "a quo", no dia 27 de Março de 2004, ter entrado em vigor a Lei n.° 11/2004, de 27 de Março que "Estabelece o regime de prevenção e repressão do branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e procede à 16.ª alteração ao Código Penal e à 11.ª alteração ao DL n.° 15/93, de 22 de Janeiro". Incompreensivelmente, o tribunal "a quo" não conheceu da alteração legislativa e que tal diploma, apesar de, por impossibilidade, não ser invocado na motivação de recurso, teria que ser oficiosamente apreciado pelo tribunal "a quo", por imposição Constitucional: "Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei (art. 203.° da CRP). Pelo que a não apreciação de tais questões conforma "omissão de proni a implicar a declaração de invalidade do acórdão recorrido. 9. - Finalmente, quanto ao recurso interposto sobre matéria de direito, limita-se o acórdão recorrido a transcrever o que consta da fundamentação do acórdão em matéria de direito, não se pronunciando sobre todas as questões, designadamente, o efectivo conhecimento da proveniência ilícita; sobre se cambiar, no caso em apreço, é técnica idónea a converter, porquando da fundamentação do acórdão proferido em 1.ª instância nada resulta que indique qual a sua finalidade, qual o destino dos montantes cambiados, qual a inserção dos câmbios em apreciação nos autos no processo de branqueamento de capitais. Isto é, o para quê e o para onde dos câmbios, restam sem qualquer solução! Deste modo, padece o acórdão recorrido de nulidade por ausência de fundamentação e omissão de pronúncia quanto a questões de que o tribunal "a quo" deveria obrigatoriamente ter tomado conhecimento, o que determina a declaração da sua invalidade e a sua substituição por outro que se pronuncie sobre todas as questões suscitadas, com respeito pelo correlativo dever de fundamentação que devem revestir todas as decisões judiciais. A não pronúncia sobre tais questões além de geradora de nulidade, nos termos gerais do art.° 379°, n.° 1, al. c) do C.P.P. acima mencionados, consubstancia uma inconstitucionalidade, por violação dos arts. 32° n.° 1, 203° e 205°, n.° 1 da C.R.P., inconstitucionalidade essa que desde já se argui para todos os efeitos legais 10. Quanto ao princípio da "livre convicção da prova" (cfr. ac. recorrido), pretendem os recorrentes a sindicância da "Prova pela sua concatenação geral", perante a especificidade do caso em apreço e a imputação do crime de "Branqueamento de capitais". Na verdade, crêem os recorrentes que tal construção, tais deduções pretensamente lógicas e especificadas no acórdão para a formação da sua convicção são inadmissíveis, perante os pressupostos objectivos e subjectivos exigíveis para que se possa imputar o crime de branqueamento, onde não é, desde logo, indiferente, mas antes absolutamente fundamental o conhecimento do ilícito típico anterior. Do crime precedente, principal ou facto criminoso prévio. Trata-se, por outro lado, de um crime necessariamente doloso, em que ao agente é exigido o efectivo conhecimento da proveniência ilícita, manifestando a vontade de converter, transferir ou dissimular os bens ou produtos. O primeiro requisito a apurar é, portanto, a efectiva existência de um ilícito típico anterior. No caso em apreço, ainda que se dê como isento de dúvidas que os montantes cambiados nos presentes autos advieram efectivamente do tráfico de estupefacientes, perante o que se apurou em relação aos arguidos e aqui recorrentes, não se pode concluir, com a força exigível que do dolo directo que os mesmos tinham conhecimento de tal origem ilícita e que com a sua conduta pretendiam converter tais montantes, com vista a impedir o confisco e apreensão das importâncias por eles cambiadas. 11. Não há e não se logrou estabelecer qualquer ligação dos arguidos ESSAR e, muito menos, de NMS com o universo do tráfico de estupefacientes, pouco importando a ligação de ESSAR com MG (o branqueador), pois o que é relevante é o conhecimento e a consciência da proveniência dos valores cambiados. - Veja-se neste sentido fis. 8 da certidão da Sentencia n.° 26/04 proferida, em 15 de Julho de 2004, pela Audiência Nacional. Sala de Lo Penal. Sección 4 nos autos de Procedimiento Abreviado n.° 462/0 1 (ora se junta em doc. 1 e dá por integralmente reproduzida) "IL- Inserta también en ei referido grupo estaba ACFR, mayor de edad, sin antecedentes penales, compafl era sentimental de MG, cumplía ei cometido que le asignaba su compafiero, consistente en entregar y recibir las cantidades correspondientes de los distintos "correos" ( situadas fuera dei grupo que efectuaban iRualmente cambios dei dinero procedente dei narcotrafico en biiletes de 100 dólares U.S.A., tanto en entidades de cambio espaiioias como portuguesas, a partir dei momento en que ei grupo se precató de las d que su actividad empezaba a tener en nuestro país)" o sombreado e o itálico são nossos. Ora, é precisamente, neste grupo de "correos" que, eventualmente, se integram os recorrentes Bem andou a AUDIÊNCIA NACIONAL. Para a imputação do tipo de crime em análise não basta uma mera suspeita de se estar perante montantes de proveniência ilícita, não sendo indiferente, por outro lado, a actividade criminosa de onde derivam. Não basta, portanto, a negligência nem tão pouco o dolo eventual. No presente caso, como resulta do que supra se expôs, não se pode afirmar que, indubitavelmente, os arguidos tinham o conhecimento de que o dinheiro provinha da actividade de tráfico de estupefacientes, havendo margem de dúvida suficiente para que possa julgar a imaginação: tais montantes poderiam advir de qualquer actividade lícita ou ilícita, desde que compatível com tão avultada produção de lucros, porquanto, repete-se, não há a mínima relação dos arguidos com a actividade de tráfico de estupefacientes. Falece, portanto, o pressuposto base para que se possa imputar aos arguidos ESSAR o cometimento de tal tipo de crime. 12. Cambiar não é converter! "In casu pecunia non olet" - "Por branqueamento «designam-se os meios através dos quais se escondem a existência, a origem ilegal ou a utilização ilegal de rendimentos, encobrindo esses rendimentos de forma a que pareçam provir de origem licita». Vd. Direito Penal Económico Europeu: Textos Doutrinários, Vol. II, "O branqueamento de capitais e outros produtos do crime", Rodrigo Santiago, pág. 364. No caso em apreço, o câmbio não dissimula a origem do dinheiro ainda que o recorrente tivesse conhecimento que o mesmo era proveniente do tráfico de estupefacientes. Parece cristalino! Este raciocínio já não faria sentido, se o recorrente cambiasse dinheiro com o conhecimento que aquele dinheiro era proveniente de um roubo a um banco. Pecunia olet. Uma pessoa que entre numa casa de câmbios com uma mala cheia de euros e saia, passados instantes, com uma mala cheia de dólares, entra e sai precisamente com o mesmo problema e não deu passo algum para ocultar a verdadeira origem de tais montantes. É totalmente indiferente um traficante de estupefacientes ser apanhado com milhares de dólares ou de euros, desde que não tenha em sua posse justificativo bastante para a sua detenção. 13. A este propósito segue-se o autor também citado na decisão recorrida: JAFG: "Do Crime de Branqueamento de Capitais - Introdução e Tipicidade": "O sentido político-criminal do branqueamento de capitais será o de procurar evitar que se destrua a ligação de um bem à sua origem ou, em geral, que se impeça a actuação no sentido de rastrear, apreender e confiscar bens de origem ilícita. Visa-se designadamente a punição da obstrução da prova da origem ilícita em que consiste a destruição do paper trail. Assim, devem considerar-se atípicas quaisquer condutas que não contribuam objectivamente para a "deturpação" das qualidades elencadas na lei, dos bens de proveniência ilícita, mesmo que possam prima fade ser reconduzíveis ao tipo legal - carência de tutela legal. Pelo exposto, não pode valer o entendimento de que as operações de câmbio realizadas em apreço nos presentes autos preencham o tipo objectivo descrito no respectivo tipo de ilícito. 14. À data dos factos, em Portugal, não eram exigidas quaisquer formalidades para a realização de câmbios de elevados montantes, não podendo afirmar-se que há um processo rigoroso e exigente de ‘ de câmbios de elevados montantes. Vd. só após a alteração legislativa nesse sentido - Lei n.° 11/2004. Assim, não se verificam preenchidos os elementos subjectivo e objectivo do tipo de ilícito de branqueamento de capitais, devendo, consequentemente os arguidos ser absolvidos dos crimes de Conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos", e, consequentemente, do crime de associação criminosa pelo cometimento desse crime, nos termos do art. 23.°, n.° 1, al. a) e art. 28.°, n.° 4, al. b), ambos do DL n.° 15/93, de 22 de Janeiro, hoje art.° 368-A do CP. 15. No sentido do que se tem vindo a referir, vejam-se os Factos Provados (o sombreado e sublinhados são nossos). "2. Os referidos MG e ACFR, que estavam ligados a grupos de indivíduos que se dedicavam ao tráfico de cocaína em Espanha, tinham por função a conversão do dinheiro que estes realizavam naquela actividade." "6. Dada a intervenção das autoridades espanholas, a partir de Novembro de 2001, MG e ACFR passaram a utilizar exclusivamente a cidade de Lisboa para realizar os câmbios de moeda." "7. Para tanto, contavam com a colaboração do arguido ESSAR, com quem estabeleciam contactos telefónicos e a quem entregavam elevadas quantias em dinheiro - que aquele se encarregava de cambiar em dólares americanos, por si ou através de terceiros, em diversas Agências de Câmbio, na cidade de Lisboa." "8. No desenrolar dessa actividade o arguido ESSAR contou com a colaboração de outros indivíduos, que com ele se deslocavam a Agências de Câmbio, em Lisboa, para efectuar a conversão do dinheiro." "9. Foi assim que os arguidos NMS e AGA passaram a colaborar com o arguido ESSAR, mediante contrapartidas que se cifravam, no caso do arguido AGA, em cerca de 300 euros por cada viagem a Lisboa que realizassem." "10. Em execução do plano gizado, os arguidos NMS e AGA deslocavam-se de Madrid a Lisboa, transportando o dinheiro que MG ou ACFR lhes entregavam para cambiar, dinheiro esse, que era resultante do tráfico de cocaína." "31. Ao arguido ESSAR, foram então apreendidos : a quantia de 1100 €; vários documentos e papeis; um telemóvel da marca Nokia, modelo 7210, (...) um telemóvel da marca Nokia, modelo 8890, (...) um telemóvel da marca Eriksson, modelo Sony-Enksson R600 (...); e o veículo de matrícula BZY." "32. Á arguida NMS foram apreendidos: um telemóvel da marca Nokia, modelo 3310, (...); um telemóvel da marca Samsung, modelo 6168,". "37. Os arguidos ESSAR, NMS e AGA estavam cientes da origem ilícita do dinheiro em causa e, apesar disso, assumiram a tarefa de o transportar e cambiar, conjugando entre si esforços e vontades, de acordo com o plano previamente estabelecido e a que todos aderiram voluntariamente." "38. Com a descrita conduta visaram e lograram os arguidos ESSAR, NMS e AGA, ajudar grupos de indivíduos que sabiam ligados ao tráfico de cocaína a disfarçar e iludir a origem das quantias em causa, dificultando assim a acção da justiça, nomeadamente no que concerne á descoberta da sua legitima proveniência." "39. Na concretização do projecto assim delineado (...)." "40. Nas suas deslocações entre Madrid e Lisboa e para o transporte do dinheiro cambiado, o arguido ESSAR utilizava o veículo que lhe foi apreendido." "43. O referenciado MG é proprietário de dois locutorios, estabelecimento que só estão autorizados a proceder a transferências de dinheiro e não a movimentos cambiais, ainda que os efectuassem, mas de pequeno montante." "53. Os arguidos não têm qualquer registo criminal." Não se provou que "As quantias monetárias apreendidas aos arguidos tenham sido obtidas na actividade delituosa supra descrita." "Nos contactos que estabeleciam para concretizar as operações atrás mencionadas, os arguidos tenham utilizados os telemóveis que lhe foram apreendidos." Escandalosa inversão do ónus da prova "Os arguidos ESSAR, NMS e AGA ignorassem que o dinheiro que cambiaram tinha proveniência ilícita, designadamente, que desconhecessem que tinha origem no tráfico de estupefacientes." e "Os arguidos ESSAR, NMS e AGA não tivessem possibilidade de saber que o dinheiro que cambiaram tinha proveniência ilícita, designadamente, do tráfico de estupefacientes." Logo, teriam conhecimento da proveniência ilícita de tais quantias!. 16. Cumpre, desde logo, refutar a imputação e consequente condenação dos recorrentes pela prática do crime ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA p. p. pelo art.° 28° n.° 4 alínea b) do DL 15/93 de 22/O 1. Não faz sentido. Nenhum dos arguidos vem acusado pela prática de qualquer ilícito no âmbito do tráfico de estupefacientes. Só por manifesto lapso informático se entende que o tribunal tenha feito constar no acórdão recorrido com "Determinando-se, a destruição da droga apreendida nos termos do Art.° 62° n.° 6 do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro e a perda a favor do Estado da quantia monetária apreendida nos autos (278 105.00 €)." Não existe, nem existiu qualquer produto estupefaciente apreendido nos autos 17. Salvo melhor opinião, à luz dos factos provados, não é juridicamente possível condenar os arguidos pelo crime de associação criminosa. Os factos provados estão longe de preencher os pressupostos da factualidade típica da incriminação. Tanto no que respeita ao tipo objectivo como no que tange ao tipo subjectivo. A condenação dos arguidos está, desde logo e definitivamente afastada ao nível da tipicidade. 18. Não resultou provado que existisse uma associação criminosa a quem pertencessem os arguidos ESSAR, NMS e AGA. MG e ACFR foram julgados e condenados, em Espanha, por "delito de blanqueo de capitales". Nunca poderia o tribunal "a quo" condenar os ora recorrentes pela prática do crime de associação criminosa. Ou seja, não se poderá equacionar sequer a associação criminosa imputada aos ora recorrentes à imagem da (mesma) associação criminosa que nem foi configurada em Espanha. 19. O mesmo se aplica quanto ao processo de formação da vontade colectiva. Só conhecemos a vontade dos três arguidos ESSAR, NMS e AGA Tratavam-se, única e exclusivamente, de fins individuais - a compensação económica. 20. O preenchimento da factualidade típica da incriminação exige que à verificação do tipo objectivo acresça a comprovada verificação do tipo subjectivo. Neste plano deve reter-se que o crime de Associação criminosa reclama em todas as suas modalidades a forma dolosa. "A consciência do ilícito da associação criminosa tem que ser autonomamente comprovada, não podendo ser deduzida ou presumida a partir da consciência do ilícito dos factos integrantes do escopo associativo ou de alguns deles." (vd. Figueiredo Dias, Comentário do CP, Tomo II, pp. 1169). 21. Só à custa de irremível erro judiciário contra o princípio da legalidade, nullum crimen sine lege, se poderia condenar os arguidos ESSAR, NMS e AGA pelo crime de Associação criminosa. 22. Os arguidos devem ser absolvidos da prática do crime de Associação criminosa e. em bom rigor, do crime de Branqueamento p. e p. nos termos do art.° 368 - A° do Código Penal. 23. O tribunal "a quo" violou, ao contrário das instâncias espanholas, manifestamente o principio "IN DUBIO PRO REO" - "El principio "pro reo" se relaciona, no con la duda metódica que, normalmente, aparece al tratar de adaptar cosa y norma, sino con la duda criteriológica, que suspende ei juicio en un punto muero dei razonamiento sm ilegar a una convicción. En tal caso es regia de buena conducta en la duda abstenerse de condenar." (Cfr. fls. 39 do doc. 1 - jurisprudência espanhola). 24. Os recorrentes não têm qualquer registo criminal. 25. Os recorrentes decididamente não se podem conformar com o "quantum" encontrado pelo tribunal "a quo" para a medida das penas impostas, achando-se imerecidas e, com o devido respeito, injustas. 26. O que se investigou realmente foi só e tão só um pequeno segmento, onde há pessoas envolvidas com muito mais responsabilidade e que já foram julgadas e condenadas em 15 de Julho de 2004 pela AUDIÊNCIA NACIONAL. Como se pode ver, em Espanha, os arguidos foram condenados nas seguintes penas de prisão MG, foi condenado como autor da prática de um crime de branqueamento de capitais na pena de OITO ANOS DE PRISÃO; ACFR, foi condenada na pena CINCO ANOS DE PRISÃO; o arguido JTR foi condenado na pena de CINCO ANOS DE PRISÃO; os arguidos NAMR, JMPR, ALB e AMGG-A foram condenados na pena de QUATRO ANOS DE PRISÃO. (cfr. fis. 42 e 43 do doc. 1). Os recorrentes estão condenados a penas gravíssimas de ONZE ANOS e NOVE ANOS E MEIO DE PRISÃO. Não se entende! 27. Não foi valorado qualquer circunstancialismo atenuativo. O arguido ESSAR nasceu em 04/04/1957 e a sua mulher NMS nasceu em 18/07/1946. Não foram requeridos pelos arguidos nem oficiados pelo tribunal os devidos relatórios sociais. O silêncio não pode prejudicar os arguidos. 28. Sem conceder, em termos relativos e de Justiça equitativa a pena aplicada é excessiva e severa, além de imerecida. A pena única a aplicar não deveria exceder os quatro anos de prisão para o arguido ESSAR e três anos de prisão (suspensos na sua execução) para a arguida NMS, atento o tempo de prisão ininterruptamente cumprido com exemplar comportamento, circunstancialismo familiar, não possuir antecedentes criminais e fácil reintegração na sociedade. 29. O veículo de matrícula BZY encontra-se indevidamente apreendido e declarado perdido a favor do Estado. O que se lamenta! As apreensões não são uma forma de enriquecimento do património do Estado nem integram o conceito de punição pelo Estado. O veículo deverá ser restituído ao recorrente. 30. «As penas serão tanto mais justas quanto maior for a liberdade que o soberano conserve aos indivíduos e quanto mais sagrada e mais inviolável for ao mesmo tempo a segurança de todos.» - C. Beccaria, "Dei delitti e deile pene", m Opere, II, Firenze, 1958, pág.49. 31. Preceitos violados art° 70.º e 71°, 368-A°, 299° do C.P. e 23° al. a) e 28° n.° 4 al. b) do DL 15/93 e 125°, 127°, 374° n°2, 379° n.° 1 al. a) do CPP e, ainda, 13° e 32° n.°1 da C.R.P.. Pelo exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente: a) Declarar a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia e do dever de fundamentação b) Alterar a decisão sobre matéria de direito verificando a inexistência dos elementos subjectivo e objectivo do crime de conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos, previsto e punível pelo art. 23.°, n.° 1, ai. a) do DL n.° 15/93, de 22 de Janeiro e, consequentemente, do crime de associação criminosa, previsto e punível pelo do 28.°, n.° 4, al. b do mesmo diploma legal crime, com a necessárias adaptações ao art.° 368-A° do CP (cfr. Lei n.° 11/2004 de 27/3) c) Sindicar-se o princípio da "livre apreciação da prova", enquanto princípio jurídico, de apreciação de prova, logo, matéria de direito, para concluir pela inadmissibilidade da prova por concatenação geral, aplicada no presente caso, por não derivar das regras da lógica e da experiência comum. d) Aplicar-se o principio "in dubio pro reo" e) Por último, caso não se acolha a fundamentação expressa no presente recurso, diminuir substancialmente a medida da pena aplicada aos arguidos. Juntou certidão da Sentencia N.° 26/04, proferida pela Audiência Nacional, Sala De Lo Penal, Sección 4 que diz só agora ter conseguido obter (cfr. fls. 45), e se lhe afigurar essencial à boa decisão da causa (arts.° 340° e 166° n.° 1 do CPP). 1.4. a) - Aos factos que os recorrentes pretendem ter sido incorrectamente julgados em 1.ª instância, remetendo para os suportes de que constam as provas que, diversamente apreciadas, levariam a conclusão diferente; e b) - à ponderação, no que para o caso importa, da alteração legislativa decorrente da L. n.°11/2004, de 27/3 - nomeadamente da introdução de um art.° 368° - A, do C.Penal, com revogação do art.° 23°, do DL a.° 15/93, de 22/1. Esta nulidade pode ser suprida nos termos do n.° 2, do art.° 379° do C.P.Penal O recurso improcede no que respeita à pretensa nulidade do acórdão por falta de fundamentação. 3 - O recurso é manifestamente improcedente no que respeita - À reedição do julgamento da matéria de facto, e - Sobre questões sobre as quais o tribunal recorrido se não pronunciou, pela singela razão de não terem sido suscitados no recurso interposto da decisão da 1.ª instância, 4 - O câmbio das divisas fora, e no caso, é, integrador da conversão de bens no quadro do crime de branqueamento. 5 - Mostram-se preenchidos os argumentos típicos não só do crime de "branqueamento", como do da associação criminosa p. e p. pelo art.° 28°, n.° 4, alínea d), do DL n.° 15/93, de 22/1. 6 - As penas parceladas e únicas aplicadas não merecem censura, ainda que tendo agora, em consideração a diferente moldura abstracta aplicável ao crime de "branqueamento" - art.° 368°-A do C.P.Penal. Pelo que, A - Procede a arguição da nulidade prevista no art.° 379°, n.° 1, alínea c) do C.P.Penal, suprível, nos termos do n.° 2; B - Improcede o recurso quanto à falta da fundamentação; C - É o mesmo manifestamente improcedente quanto à reedição da discussão da matéria de facto e quanto às questões não suscitadas no recurso do acórdão proferido em 1.0 instância; D - Improcede o recurso quanto à verificação, face à matéria de facto provada, dos crimes de branqueamento e de associação criminosa E - Bem como relativamente à medida das penas concretamente aplicável a cada um dos arguidos (parcelares e única). 2. Continuam os recorrentes a sustentar que a questão de facto está mal decidida, não respeitando a prova produzida (conclusões 2.ª e 4.ª), verificando-se contradição entre a fundamentação e a decisão e na ausência de valoração do circunstancialismo atenuativo (conclusão 2.ª), e que o Tribunal a quo não reexaminou a matéria de facto - de acordo com as als. a) a c) do n° 3 do art. 412° do CPP, então invocadas - nem procedeu ao reexame da matéria de direito (a que estava obrigado) (conclusão 3.ª). O acórdão recorrido seria nulo por omissão de pronúncia e do dever de fundamentação [arts. 374.º, n.° 2, 379.º, n.° 1, als. a) e c) e 425.°, n.° 4 do CPP], limitando-se a remeter sistematicamente para a fundamentação da própria decisão recorrida (conclusão 5.ª) e para o art.° 127.° do CPP "livre apreciação da prova", quanto à impugnação da matéria de facto, provada e não provada, apesar de os recorrentes terem dado pleno cumprimento ao disposto no art.° 412.°, n.°s 3 e 4 do CPP (conclusão 6.ª). Quanto aos factos a aditar à matéria de facto provada, a afirmação de que "tais factos são inócuos para a decisão da causa", revela a insensibilidade do Tribunal na apreciação da matéria, revelando total indiferença na apreciação da matéria em apreço e da realidade inerente ao crime de "branqueamento de capitais" (conclusão 7.ª). Também deixou o Tribunal a quo de ter em conta a entrada em vigor da Lei n.° 11/2004, de 27 de Março que "estabelece o regime de prevenção e repressão do branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e procede à 16.ª alteração ao C. Penal e à 11.ª alteração ao DL n.° 15/93, de 22 de Janeiro", quando tal se impunha oficiosamente (conclusão 8.ª). Quanto ao recurso interposto sobre matéria de direito, o acórdão recorrido não se pronunciou sobre todas as questões, designadamente, o efectivo conhecimento da proveniência ilícita; sobre se cambiar, no caso em apreço, é técnica idónea a converter, pois nada resulta que indique qual a sua finalidade, qual o destino dos montantes cambiados, qual a inserção dos câmbios em apreciação nos autos no processo de branqueamento de capitais (conclusão 9.ª), padecendo de nulidade por ausência de fundamentação e omissão de pronúncia quanto a questões que deveria ter tomado conhecimento (conclusão 9.ª), não pronúncia que consubstancia também uma inconstitucionalidade, por violação dos arts. 32.° n.° 1, 203.° e 205.°, n.° 1 da CRP (conclusão 9.ª). Vejamos então. Sobre a questão da impugnação da matéria de facto tida como provada pela 1.ª Instância, escreve-se na decisão recorrida: «No que concerne ao questionado acima indicado em c) e b’): Ora, é hoje claro que o recurso para a Relação alcança a dimensão de um segundo grau de jurisdição também em matéria de facto, tal como emerge do disposto no art. 428.º, n.º 1, do CPP. No caso, a impugnação dos recorrentes assenta, em grande parte, arraiais na vertente dos factos. |