Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JSTJ00018621 | ||
Relator: | FERREIRA DIAS | ||
Descritores: | VIOLAÇÃO REQUISITOS ATENTADO AO PUDOR | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | SJ199304210437083 | ||
Data do Acordão: | 04/21/1993 | ||
Votação: | MAIORIA COM 1 DEC VOT E 1 VOT VENC | ||
Referência de Publicação: | BMJ N426 ANO1993 PAG235 | ||
Tribunal Recurso: | T CIRC PORTALEGRE | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 50/92 | ||
Data: | 10/21/1992 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIAL. | ||
Área Temática: | DIR CRIM - CRIM C/SOCIEDADE. | ||
Legislação Nacional: | CP82 ARTIGO 201 N1 N3 ARTIGO 205 N1 ARTIGO 208. CP886 ARTIGO 392 ARTIGO 393. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ DE 1966/02/23 IN BMJ N154 PAG198. ACÓRDÃO STJ DE 1967/03/08 IN BMJ N165 PAG234. ACÓRDÃO STJ DE 1967/04/05 IN BMJ N166 PAG269. ACÓRDÃO STJ DE 1967/07/05 IN BMJ N169 PAG143. ACÓRDÃO STJ DE 1987/07/15 IN BMJ N369 PAG365. | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I - Para que se verifique a cópula, para os efeitos expressos no artigo 201 n. 1 do Código Penal (em que a ofendida é mulher de idade superior a 12 anos) é necessário que o agente introduza, completa ou incompletamente, o seu membro viril na vagina, quer haja ou não "imissio seminis". II - Desta forma, não se verifica o crime de violação, quando o arguido apenas colocou o pénis nos órgãos genitais da ofendida, onde penetrou ao nível da vulva, onde veio a ejacular. III - Acusado o arguido pela autoria de crime de violação, pode o tribunal condená-lo pelo crime de atentado ao pudor, do artigo 205 n. 1, quando ficou provado que, por violência física ele manteve com ela cópula vulvar. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I- Mediante acusação do Digno Agente do Ministério Público, respondeu, em processo comum e com intervenção do Tribunal Colectivo de Portalegre, o arguido A, casado, futebolista, de 36 anos, tendo sido condenado pela prática de um crime de violação, previsto e punível pelo artigo 201 ns. 1 e 3 do Código Penal, na pena de dezasseis meses de prisão. Foi outrossim condenado na parte fiscal. II- Inconformado com tal decisão, dela recorreu o arguido, motivando o seu recurso nos seguintes termos:- - O acórdão não fez correcta interpretação e integração dos factos à lei; - Com efeito, a matéria fáctica no mesmo vertida, quanto à violência, de quaisquer actos do arguido, contraria de forma clara e manifesta o relatório médico-legal de fls. 22, realizado 23 minutos após a B ter saído da companhia a sós com o arguido (após 2 h. 30 minutos da companhia a sós com o arguido dentro de um Renault 5 e após 10 horas na companhia do arguido e de outro casal); - Também, a conceptualização do acto de copular ou da cópula, retratada no acórdão, distancia-se do conceito que um cidadão médio normal faz desse acto - que significa penetrar a vagina com o pénis - o que, actuou em desfavor do arguido, o qual não admitiu ter copulado com a B (é homem casado, de 35 anos, experiente e esta mantém-se virgem) porque prenhe de ideia normal e do cidadão médio de cópula, mas , outrossim, aceitou ter tido intimidades consentida por esta; e - Deve ser revogado o acórdão e substituído por outro, de harmonia com o invocado, e, condenado em pena não privativa da liberdade. Contra-motivou, com toda a destreza, o Excelentíssimo Procurador da República, que rebateu, ponto por ponto, a posição defendida pelo recorrente e concluiu no sentido da manutenção do acórdão apelado. III- Subiram os autos a este Alto Tribunal e, proferido o despacho preliminar e colhidos os vistos, designou-se dia para a audiência que decorreu com inteiro respeito pelo legal formalismo, como da acta se alcança. Cumpre agora apreciar e decidir:- Deu o Douto Tribunal Colectivo como provadas as seguintes realidades factuais:- - Na tarde do dia 17 de Novembro de 1991, no Café "Carbela", Bairro dos Assentos, em Portalegre, o arguido entabulou conversação com a ofendida B, identificada a fls. 9, que se encontrava na companhia de vários amigos; - Algum tempo depois, entre as 19 horas e as 20 horas desse mesmo dia, e por convite do arguido, este, a ofendida e dois amigos comuns daqueles, de nome C e D, respectivamente identificados a fls. 11 e 13, dirigiram-se no veículo do arguido, à localidade da Urra, onde vieram a jantar, tendo o arguido assumido o pagamento total da despesa relativa à refeição; - De seguida, o arguido sugeriu que fossem os quatro até uma discoteca, ideia a que os outros anuíram; - Assim, deslocaram-se a Campo Maior e, uma vez ali, entraram na discoteca "Tuti Fruti", onde dançaram e onde permaneceram cerca de um hora, após o que regressaram a Portalegre; - No percurso, de deslocação e regresso, a viatura foi conduzida pelo D, enquanto o arguido e a ofendida seguiam no assento de trás; - E, nesta altura, face à insistência do arguido, veio a ofendida a condescender em trocar com ele alguns beijos; - Uma vez chegados a Portalegre, dirigiram-se ainda ao Campo da Feira, na proximidade do Bairro dos Assentos, onde o arguido tentou levar a cabo abordagem semelhante; - Entretanto, cerca das 2 horas e 30 minutos (de 17 para 18 de Novembro), regressaram aos Assentos - depois de outras voltas - e pararam junto das casas de banho públicas do bairro, onde os tais ocupantes saíram do carro a fim de se dirigirem para suas casas; - Nesse momento, o arguido insistiu com a ofendida para entrar, novamente, no veículo, já que ele a iria levar até junto da porta da casa dela; - Apesar de a ofendida manifestar alguma relutância a entrar sozinha na viatura, acabou por aceder em fazê-lo porque o D e a C a sossegaram, referindo-lhe que aproveitasse a boleia que não haveria problemas; - No seguimento disso, o arguido pos o veículo em marcha, imprimindo-lhe uma velocidade cada vez maior, enquanto referia para a ofendida que "ela parecia que estava com medo" e que "agora seja o que Deus quiser"; - De imediato, conduziu o veículo pela estrada que liga Portalegre a Elvas e, após passar o Campo da Feira, virou para a direita, atento o sentido de marcha em que seguia, e entrou por um caminho secundário, imobilizando o carro junto de uma casa de pedra desmoronada; - Ali, logo o arguido ordenou à ofendida que se despisse, ao que esta, agora já assustada, lhe pediu para a deixar, retorquindo-lhe aquele que estivesse calada e quieta, caso contrário a mataria; - Acto contínuo, o arguido baixou o assento, puxando o encosto para trás e deixando-o, sensivelmente na posição horizontal, ao mesmo tempo que se colocava sobre o corpo da ofendida; - Esta, percebendo as reais intenções do arguido, ainda tentou fugir para o exterior do veículo, mas foi impedida pelo arguido, que a segurou com veemência e de encontro ao assento do carro, enquanto lhe desferia alguns murros no rosto e nas pernas para a dominar e a dissuadir de resistir; - Apesar da ofendida reagir, defendendo-se com os braços e as pernas, gritando ou tentando fugir, o arguido tinha mais força e, por isso, manietou-a, intimidou-a de morte e impediu-a de resistir; - De seguida, desapertou e tirou as calças à ofendida, desnudando-a na parte inferior do corpo (da cintura para baixo); - E aproveitando o estado de choque e de cansaço e a incapacidade de resistir da ofendida, o arguido prostrou-se sobre o corpo daquela e encetou relações de sexo com ela, colocando o pénis nos órgãos genitais da mesma e penetrando-a ao nível da vulva, onde veio a ejacular; - Após ter obtido satisfação sexual, o arguido conduziu a ofendida ao Bairro dos Assentos, largando-a próximo da casa dela; - A vivência forçada de uma tal experiência deixou a ofendida num estado psicológico tal que esta deixou de frequentar a escola onde se encontrava matriculada, abandonando durante um ano, os estudos; - O arguido agiu livre e conscientemente, com o propósito de manter relações sexuais com a ofendida e, desse modo, satisfazer os seus instintos sexuais, mesmo contra a vontade dela e apesar de saber que a sua conduta é proibida por lei; - O arguido tinha, na data da prática dos factos, 35 anos de idade; - A ofendida tinha, na data da prática dos factos, 15 anos de idade; - O arguido é casado, profissional de futebol, encontrando-se à espera de ultimar uma contratação e tem a seu cargo a mulher e três filhos menores; - É delinquente primário; - A ofendida retomou os estudos, é órfã de pai e vive com a mãe e uma irmã deficiente; e - Ela e o arguido não se conheciam um ao outro. IV- Este o contexto factológico que a 1 Instância deu como firmado e que este Supremo Tribunal tem de acatar, em toda a sua plenitude e como insindicável, dada a sua dignidade de tribunal de revista, nos termos do que dispõem os artigos 433 e 29, respectivamente, do Código de Processo Penal e da Lei n. 38/87, de 23 de Dezembro. Extractada que foi a matéria fáctica apurada, compete-nos determinar o seu enquadramento na arquitectura do direito criminal. Foi o arguido trazido ao proscénio do tribunal acusado da prática de um crime de violação previsto e punido pelo artigo 201 n. 1 do Código Penal. Reza assim tal mandamento penal:- "1- Quem tiver cópula com mulher, por meio de violência, grave ameaça ou, depois de, para realizar a cópula, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir ou ainda, pelos mesmos meios, a constranger a ter cópula com terceiro, será punido com prisão de 2 a 8 anos...". Para que se verifique o crime de violação nele compendiado necessária se torna a presença dos seguintes pressupostos, que passamos a indicar, na parte que nos interessa:- 1- que o agente mantenha cópula com mulher, através de:- - violência, tanto física como moral; - grave ameaça; e - a tornar inconsciente ou posta na impossibilidade de resistir. 2- elemento subjectivo: consubstanciado no agente querer manter cópula com mulher através de qualquer dos meios indicados. Antes de passarmos à averiguação se todos os requisitos em foco se observam no caso do pleito, torna-se forçoso que alinhemos algumas considerações sobre o significado da expressão cópula, já que a lei não nos oferece o seu conceito, o que, aliás, já acontecia com o velho Código Penal de 1886 (confira artigos 392 e 393). Para tanto há que fazer um pouco de história. Nos primeiros tempos da dominação do Código Penal de 1886 sempre se sufragou que a cópula era constituída pela introdução total ou parcial do membro viril na vagina da mulher (confira Luís Osório in Notas ao Código Penal - Volume III - a páginas 241). Posteriormente, Beleza dos Santos in Revista Decana - Ano 57 - a páginas 554, escreveu, em referência à cópula como elemento material do crime de violação, em dado passo: "... Também não é elemento essencial da consumação que se dê a ejaculação de esperma na vagina da mulher, como já se afirmou nos nossos Tribunais. A lei não exige este facto como elemento de consumação, nem se pode pressupor a sua exigência, que a existir abriria uma porta fácil à fraude e constituiria, sem razão, um obstáculo grave à prova do crime...". E parece-nos que também Eduardo Correia o mesmo entendimento assumiu num parecer que fez juntar ao Recurso n. 31968, a que fez alusão o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Fevereiro de 1966, in Boletim 154 - a páginas 198, onde se proclama que a generalidade da Doutrina não exige que através da relação sexual seja depositado sémen na vagina da mulher (a chamada "emissio" ou "emissio seminis". No entanto, nem sempre as posições de tão Ilustres Mestres, sobre o aspecto da cópula, coincidiram inteiramente. Assim, Beleza dos Santos começou a perfilhar que, para que estivéssemos em face de uma cópula, haveria que proceder a uma importante distinção:- Haveria cópula vulvar, isto é, sem penetração na vagina, desde que tivesse havido a apelidada "emissio" ou "emissio seminis". Quanto à cópula vaginal não se tornava necessária a "emissio" ou "emissio seminis". Por seu turno, Eduardo Correia protege a interpretação de que a cópula exigia sempre a introdução total ou parcial do membro viril na vagina da mulher, integrando os meros contactos externos o crime de atentado ao pudor, orientação esta que se ajusta com o conceito de cópula, segundo o critério médico-legal. Para tanto e em abono da doutrina a que aderira, citava as definições de cópula da Lacerague, que defendia que a cópula consistia na "penetração do membro viril na cavidade vaginal", a de Asdrúbal de Aguiar em Medicina Legal que a definia como a "penetração total ou parcial do pénis na vagina" e, finalmente que tal conceito médico-legal era o adoptado no Direito Penal francês e alemão, e dadas as conhecidas influências de tais legislações no Direito Penal Português não deveria o conceito exacto de cópula ser mais lato que aqueles (confira com interesse Notas ao Código Penal - de Simas Santos e Leal Henriques, a páginas 222). Contudo, não foi a tese sustentada por Eduardo Correia que prevaleceu, como é de todos sabido. Durante largos anos e no império do Código Penal de 1886, foi a teoria de Beleza dos Santos, alicerçada em critérios ético-sociais, que acabou por se impor aos nossos tribunais e muito especialmente a este Supremo Tribunal de Justiça, que inteiramente e "una voce sine discrepante" a consolidou (confira entre tantos outros os Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Março de 1967, 5 de Abril de 1967 e 5 de Julho de 1967, in, respectivamente Boletins 165-234, 166-269 e 169-143). Presentemente, porém, outro ordenamento jurídico-criminal nos rege, ou seja o Código Penal de 1982. E daí a pergunta: que atitude tomar referentemente ao problema do conceito de cópula? Antes de mais, demos a palavra a Maia Gonçalves, que no seu Código Penal Português Anotado - 4 edição - 1988 - a páginas 447 e seguintes, em anotação ao artigo 201, escreve: "... A questão, em face do Código actual deve ser repensada, pois embora este diploma não tome posição expressa há bons argumentos no sentido de que a definição de cópula deve ser agora aferida pelo conceito médico-fisiológico de penetração do membro viril na vagina da mulher, embora só parcialmente. Na verdade, em primeiro lugar, os conceitos ético-sociais na matéria, que têm sempre norteado a questão, evoluíram muito nos últimos decénios e mesmo nos últimos anos, o que está amplamente reflectido na descriminalização que o Código operou no domínio dos crimes sexuais, e muito particularmente na circunstância de a virgindade ter deixado de ser elemento constitutivo de qualquer infracção. Sucede ainda que o atentado ao pudor com violência (artigo 205) agora é punido com uma pena de prisão cujo limite máximo é superior ao do Código anterior (artigo 391), o que, contrariando a orientação geral do Código, inculca que terão agora passado a ser punidos como atentado ao pudor casos que anteriormente eram de violação (cópula vulvar com "imissio seminis". Por outro lado, quando em virtude do atentado ao pudor resulta a gravidez da mulher, o crime é qualificado nos termos do n. 3 do artigo 208, o que pressupõe que pode haver "imissio seminis" em virtude de acto de natureza sexual que não é considerado cópula, normalmente o caso da chamada cópula vulvar ou vestibular. Pode-se referir também que, dentro de um conceito ético social, seria desnecessário que o n. 2 deste artigo 201 prevenisse a prática de "acto análogo" à cópula com menor de 12 anos. A previsão foi feita precisamente porque as menores dessa idade, pelo seu atrasado desenvolvimento fisiológico, não são passíveis de cópula vaginal. Por último, será pertinente referir que o Professor Eduardo Correia, autor do Projecto, defendeu um conceito médico-legal." Ora, dados os argumentos apresentados e não esquecendo que o critério médico-legal se apresenta como o mais rigoroso, parece-nos ser esta a posição a abraçar a partir da entrada em vigor do actual Código Penal de 1982. E, sendo assim, podemos dar como firmada a seguinte proposição:- "- Para que se verifique a cópula, para os efeitos expressos no artigo 201 n. 1 do Código Penal (em que a ofendida é mulher com idade superior a 12 anos) necessário se torna que o agente introduza, completa ou incompletamente, o seu membro viril na vagina, quer haja ou não "imissio seminis". E ao defendermos tal ponto de vista, não nos achamos sós, pois connosco se encontra, em igual pendor, não só a Doutrina, atrás referenciada, como também o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1987, in Boletim 369 - a páginas 365. V- Apresentado, em apertada síntese, este proémio, já em condições estamos para decidir se, no caso da demanda, se mostram patentes todos os predicados que, atrás, deixamos sublinhados, e exigidos pela lei para a observação do crime de violação previsto e punível pelo artigo 201 n. 1 do Código Penal, de que o arguido vem querelado e pelo que se mostra até condenado. No que pertine ao primeiro, ou seja, que o acusado haja mantido cópula com a ofendida, desde já, com toda a firmeza, e em acatamento à tese que acima deixamos expendida, nos temos de pronunciar pela negativa. Com efeito e no aspecto em referência, o acórdão sob censura deu como unicamente certificado "que o arguido, aproveitando o estado de choque e a incapacidade de resistir da ofendida, prostrou-se sobre o corpo desta e encetou relações de sexo com ela, colocando o pénis nos órgãos genitais da mesma e penetrando-a ao nível da vulva, onde veio a ejacular-se." Quer tudo isto significar que o acusado se limitou a ter coito vulvar com a ofendida, não chegando o seu pénis a penetrar total ou parcialmente na vagina da ofendida. Logo, não manteve o arguido cópula com a ofendida, segundo a tese que cingimos. Ora, desaparecido tal requisito, jamais podemos sufragar que o arguido, com o seu actuar desenhou o tipo legal de crime porque foi condenado, ou seja não se constituiu autor do crime de violação previsto e punível pelo artigo 201 n. 1 do Código Penal. Mas, se não se pode responsabilizar pelo crime em estudo, pergunta-se: que crime terá ele perpetrado? Sem dúvida, que o arguido, com a sua actuação, retratou os elementos configurantes de um crime de atentado ao pudor previsto e punível pelo artigo 205 n. 1 do Código Penal, que reza assim:- "1- Quem, por meio de violência, ameaça grave ou depois de, para esse fim, a tornar inconsciente ou a ter posto na impossibilidade de resistir, praticar contra outra pessoa atentado ao pudor, será punido com prisão até 3 anos. ... 3- Entende-se por atentado ao pudor o comportamento pelo qual outrem é levado a sofrer, presenciar ou praticar um acto que viola, em grau elevado, os sentimentos gerais de moralidade sexual." Relembrando a congénie factual, dada como atestada, dúvidas não nos assaltam no sentido de que o arguido, no condicionalismo de tempo, lugar e modo referenciados:- - realizou, na pessoa da ofendida, um comportamento pelo qual esta foi levada a suportar um acto que violou, em grau elevado, os sentimentos gerais de moralidade sexual, através de: - violência física, consubstanciada nos murros no rosto e nas pernas para a dominar, que lhe infligiu, e na força com que usou para a manietar; - nas ameaças de morte que lhe dirigiu; e - colocando-a, por via de tal exercida acção, na impossibilidade de lhe resistir; e - finalmente, o agente quis praticar o acto contra a vontade da ofendida, bem sabendo que atentava contra o pudor da mesma e que o seu procedimento era proibido e punido por lei. Preenchidos inteiramente se mostram, pois, os pressupostos que a lei exige para a observação do crime de atentado ao pudor previsto e punível pelo artigo 205 n. 1 do Código Penal e, consequentemente, por ele há-de ser responsabilizado. Desta forma se altera a subsunção jurídico-criminal operada pela 1 Instância. VI- Exposta a definição dos factos na sua grandeza criminal, passemos, de seguida, ao problema do doseamento da pena a aplicar. Neste aspecto, surge-nos, em primeira linha, o comando do artigo 72 do Código Penal, que estabelece as directrizes a que o julgador tem de atender em tão árdua tarefa: a culpa do agente, as exigências de prevenção de futuros crimes e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, sem prejuízo, é claro, do respeito pelos limites mínimo e máximo da pena aplicável em abstracto, que, na situação vertente no pleito, se situam, respectivamente, em 30 dias e 3 anos de prisão. Muito elevado se mostra o grau de ilicitude do facto, tendo o arguido demonstrado a sua grande insensibilidade e falta de respeito para com a liberdade de determinação sexual da ofendida. O modo de execução do facto - perpetrado em relação a uma rapariga de 15 anos de idade, vinte anos mais nova do que o arguido, que era casado e tinha três filhos menores, com superioridade, portanto, em razão da idade e do sexo, a altas horas da madrugada, em caminho secundário e em lugar ermo - grandemente desabona o arguido. Muito graves foram as suas consequências, na medida em que a vivência forçada da acção concretizada pelo acusado deixou a ofendida num estado psicológico tal que implicou que esta deixasse de frequentar a escola onde se encontrava matriculada, abandonando durante um ano os estudos. Muito intenso o dolo com que o arguido agiu (dolo directo). A ofendida e o arguido não se conheciam um ao outro. Nenhuma circunstância se enxerga a minorar a responsabilidade criminal do arguido, a não ser o facto de não ter precedentes criminais. O arguido é casado, tem três filhos menores a seu cargo. É profissional de futebol, encontrando-se à espera de ultimar uma contratação. Ora, ponderando todos estes componentes de facto e não perdendo de memória as exigências de prevenção de futuros crimes - que campeiam com uma assustadora frequência - e que reclamam uma certa severidade para com os seus autores, somos de parecer de que a reacção criminal que se nos antolha justa e equilibrada para estigmatizar o arguido A é a pena de dezasseis meses de prisão, sanção esta que se lhe aplica e nela fica condenado. VII- Desta sorte e pelos expostos fundamentos, decidem os juizes deste Supremo Tribunal de Justiça conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente, alterar o acórdão recorrido, nos termos sobreditos, e confirmá-lo no demais. O recorrente, pela sucumbência parcial do recurso, vai condenado na taxa de justiça de 5 Ucs e na procuradoria de 1/3 da referida taxa. Lisboa, 21 de Abril de 1993 Ferreira Dias, Pinto Bastos, Abranches Martins, Sá Nogueira (vencido. De acordo com a posição expendida no processo 43514, de que fui relator, entendo que é acto de cópula a simples "cópula vulvar", mesmo sem "emissio seminis". Negaria, por isso, provimento ao recurso). Decisão impugnada: Acórdão de 92.10.21 do Tribunal do Círculo de Portalegre. |