Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 3ª SECÇÂO | ||
| Relator: | ARMINDO MONTEIRO | ||
| Descritores: | INFRACÇÃO DE REGRAS DE CONSTRUÇÃO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL TRÂNSITO EM JULGADO RESPONSABILIDADE CRIMINAL PESSOA COLECTIVA CRIME DE PERIGO CULPA CAUSALIDADE ADEQUADA NEGLIGÊNCIA CO-AUTORIA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MATÉRIA DE DIREITO INDEMNIZAÇÃO DANOS NÃO PATRIMONIAIS EQUIDADE | ||
| Data do Acordão: | 01/26/2011 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Sumário : | I - O presente recurso é restrito à parte cível – art. 400.º, n.º 3, do CPP – sendo irrecorrível, quanto à parte penal, por expressa disposição do art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, atenta a condenação em multa, o que significa que os factos atinentes à parte penal se tornaram, em princípio, intocáveis; os factos estruturantes da acção penal sustentam, nessa exacta medida, os pressuposto da obrigação de indemnizar, que vai buscar ao direito substantivo as pertinentes regras. II - O trânsito em julgado penal, em termos de matéria de facto, estende-se ao excerto cível, sob pena de se gerarem efeitos contraditórios, ainda menos aceitáveis se se entender que é a acção penal que gera a acção cível, não se podendo afirmar um facto como provado na acção penal e não provado na acção cível. III - O critério de imputação da responsabilidade penal às pessoas colectivas e equiparadas é duplo: cometimento de infracção criminal no nome e interesse da pessoa colectiva por pessoa singular colocada em posição de liderança na pessoa colectiva ou equiparada ou por pessoa que ocupe uma posição subordinada e o cometimento dela se torne possível apenas em virtude de uma violação pelas pessoas que ocupam uma posição de liderança dos seus deveres de controle e supervisão sobre os respectivos subordinados. IV - A condenação do arguido A, sócio-gerente e trabalhador da firma Y, como os demais arguidos, repousa, in casu, na inobservância da 2.ª parte da al. b) do n.º 1 do art. 277.º do CP, com referência ao art. 285.º, que estabelece uma agravação pelo resultado, que pretende sancionar, além do mais, os que, por infracção das regras legais, regulamentares ou técnicas, causem acidentes; aquelas regras legais, regulamentares e técnicas, são as que compõem o saber técnico (know how) indispensável ao planeamento e execução da obra, bem como para a prevenção dos acidentes dos trabalhadores e de terceiros que à obra acorram ou vivam perto. V - As regras técnicas podem ter por fonte a lei, o regulamento ou o uso profissional. Está-se, deste modo, a conferir protecção penal a normas de direito laboral. E o preenchimento deste tipo, que é de perigo concreto, tanto pode ter lugar por via de acção como por omissão – art. 10.º, n.º 2, do CP. O perigo é, aqui, o risco de lesão da vida, integridade física ou do património alheio. Nos crimes de perigo o legislador antecipa a punição para um momento anterior ao resultado, porque a prática de certos actos cria um risco de lesão de bens jurídicos de relevo. E quando o tipo legal pode ser violado por pessoa sobre quem recai um dever especial trata-se de um crime específico próprio, em que a qualidade do agente ou o dever que sobre ele impende fundamenta a ilicitude. VI - A exploração de pedreiras, o rebentamento de pedra a céu aberto, é, reconhecidamente, uma actividade perigosa; o exercício das indústrias extractivas está sujeito a elevado risco de acidentes de trabalho e de doenças profissionais – DL 324/95, de 29-11, que rege sobre a segurança, higiene e saúde no trabalho, dos trabalhadores de tal sector. VII - E sendo uma actividade perigosa, por si, ou por via dos meios usados, incumbe a quem cause danos, repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de aqueles prevenir, nos termos do art. 493.º, n.º 2, do CC, estabelecendo uma presunção de culpa, um regime particularmente severo, com as consequências estabelecidas no art. 350.º, n.º 1, do CC, transferindo para o lesante a obrigação de provar que o resultado não procede de culpa sua – art. 487.º, n.º 1, do CC. VIII - A definição dos pressupostos da responsabilidade por facto ilícito ou aquiliana, enunciada no art. 483.º do CC, não se basta com o acontecer, de forma mais ou menos mecânica, do facto ilícito, no sentido de violador de interesses juridicamente tutelados, antes exige um nexo causal entre ele e o dano. É que entre o facto e o dano indemnizável deve interceder um nexo mais apertado do que a simples coincidência ou sucessão cronológica. O julgador é, assim, colocado no dever de seleccionar, entre as várias condições de certo evento danoso, as que legitimam a imposição ao respectivo autor da obrigação de indemnizar. IX - A formulação mais seguida sobre a causalidade é a que consagra a teoria da causalidade adequada, segundo a qual não basta que o facto tenha sido, no caso concreto, condição do dano, sendo antes de averiguar se, em abstracto ou em geral, o facto é causa adequada do dano, sendo de excluir como causa se se mostrar de todo indiferente, dada a sua natureza, à verificação do dano, originado por circunstâncias anormais, excepcionais, extraordinárias ou anómalas, não previsíveis por um observador experiente, à luz desse juízo abstracto de adequação, devendo o julgador proceder a um juízo de prognose póstuma para aferir da previsibilidade da consequência, colocando-se no momento histórico da conduta do agente. X - Um facto só deve considerar-se causa adequada dos danos sofridos por outrem, quando estes constituem uma consequência normal, típica, provável. O CC dá corpo à teoria da causalidade adequada no art. 563.º, do mesmo modo que o CP, no seu art. 10.º, n.º 1. XI - Vertendo ao caso dos autos, antes mesmo da explosão ocorrida, suposto que não foi provocada pelo atear do rastilho pelo encarregado de realizar o furo, após o carregamento, impendia sobre este o dever legal de assegurar um perímetro de protecção, de segurança, à área de carregamento, o qual deve ser isolado durante a operação de carga, assim permanecendo, até ao rebentamento – art. 128.º, n.ºs 1 e 2, do DL 162/90, de 22-05 (Regulamento Geral da Segurança e Higiene no Trabalho das Minas e Pedreiras). XII - Ora, o sócio-gerente A, encarregado da preparação do tiro, ao carregá-lo, afastou-se do local, sem ter previamente verificado se daí não resultava perigo para terceiros, impedindo a sua presença numa zona em que pudessem ser atingidos, zona em que, seguramente, à luz das regras da experiência comum, aos olhos de um observador normal, não se posicionavam os dois trabalhadores da exploradora da pedreira, a cerca de 5 m do furo aberto, demasiadamente próximo dele, para estarem a salvo de risco para a sua integridade física. XIII - Esse dever de previsão mais se impunha, levando em consideração que o demandado A era portador de licença válida para manusear explosivos, sendo portador de cédula de operador de substâncias explosivas, e portanto maior o dever de cuidado, porque conhecedor do risco. XIV - O demandante não era portador de capacete de protecção, apetrecho que a empregadora, à sua custa, lhe não proporcionou, o que não é indiferente à produção do resultado, dado que a vítima foi atingida por pedra, gravilha e estilhaços advindos do rebentamento da pedra e que algumas das lesões corporais sofridas se situam ao nível da cabeça. XV - Houve, pois, violação de regras de condições de segurança na preparação do tiro, pelo consentimento do encarregado da preparação do tiro da permanência no local, adentro da zona de fogo, daqueles trabalhadores, sem estarem munidos de capacete de protecção; a relação de causalidade entre o facto ilícito e o dano está demonstrada. XVI - A violação de tais regras é elemento visivelmente integrante do conceito de negligência, forma de culpa, a mera culpa, prevista no art. 483.º do CC, e no art. 15.º do CP, que pressupõe a violação de um dever de cuidado, que é materializado pelas normas jurídicas (legais, regulamentares, estatutárias, costumeiras, respeitantes à actividade em causa), bem como pelas normas não jurídicas (prudenciais, usuais). XVII - O resultado danoso, em princípio, é só imputável a quem desencadeou a acção material, mas se esse resultado for previsível e evitável por outros, pode ocorrer uma co-autoria negligente, se o resultado for devido a uma acção conjunta, por via de uma conjugação de vontades. XVIII - Os demandados B e C sustentam que, por não dominarem o facto, ou seja, pelo facto de não lhes incumbir a preparação do tiro, não lhes pode ser imputada a omissão do dever de segurança e de protecção que funda a responsabilidade civil do demandado A. Mas o domínio do facto está ligado ao poder de praticar ou deixar de praticar o facto. Os demandados B e C são sócios-gerentes, como o A, da empresa Y, e, nessa medida, a extracção da pedra, sob a forma de contrato de prestação de serviços celebrado com a empresa Z, fazia-se no interesse de todos, e todos eles estavam co-obrigados a elaborar um plano de segurança. XIX - Esse plano de segurança deriva da lei, independentemente da sua alegação pelo demandado – jura novit curia –, que não estabelece qualquer distância que deve interceder entre o local do tiro e as pessoas que a ele acedem, deixando ao tribunal, ao seu prudente arbítrio, a fixação dos seus concretos contornos, sendo de concluir, como as instâncias o fizeram, que a presença dos atingidos à distância de cerca de 5 m do furo não era adequada a prevenir o risco de lesão, à luz das regras da experiência comum. XX - Neste particular, as instâncias deram como provado matéria de facto, insindicável pelo STJ, que conhece, em princípio, de direito, como tribunal de revista que é. Por isso, sendo o nexo de causalidade matéria de facto e estabelecida nela, em forma imutável para o STJ, com o alcance fixado nas instâncias de também os restantes sócios terem omitido deveres de cuidado, quanto ao plano de segurança e falta de capacete, não prevendo, como deviam, ofensa à integridade física, são também corresponsáveis, todos eles, nos termos dos arts. 483.º, 486.º e 497.º, n.º 1, do CC, pela negligência manifestada, com origem no seu descrito comportamento omissivo, causal do sinistro, que não é afastada pelo simples facto de se dizer que o demandado A era sujeito de deveres específicos por força dos seus conhecimentos especiais de que era portador, porque o que se quis significar foi que o grau de censura a endereçar-lhe, reflectido, desde logo, na medida concreta da pena, era maior, e não já que aqueles deveres, se por ele cumpridos, o perigo poderia ter sido excluído e o dano teria sido evitado. XXI - O demandante reclama uma indemnização pelos danos morais sofridos, de extrema gravidade, bastante para merecer a tutela do direito, fora do contexto redutor do seu quantum, que o art. 494.º do CC acolhe. O preceito está inserto no CC por uma ideia de equidade, evitando que sendo a culpa do agente diminuta se obrigue à satisfação de uma indemnização severa, sobretudo atendendo à sua condição económica e à do lesado, se eventualmente melhor do que a daquele; nesta altura o juiz pode atribuir uma indemnização inferior se, ainda, as demais circunstâncias do caso o justificarem. XXII - O grau de negligência dos agentes do facto é elevado, o que, desde logo, e sem necessidade de mais considerações, exclui o tratamento de favor consentido naquele dispositivo legal. A gravidade há-de aferir-se por um padrão objectivo, segundo as circunstâncias do caso concreto, que exclui uma sensibilidade embotada ou particularmente sensível, hiperbolizando o grau de satisfação a ter presente, pois que o dano deve assumir uma gravidade tal que não fique sem compensação. XXIII - Aqui a função da obrigação de indemnizar não é a de reconstituir, à luz da teoria da diferença, pela atribuição de uma soma em dinheiro, posicionando o lesado na situação anterior à lesão, nos termos do art. 562.º do CC. Os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis, não podendo ser reintegrados mesmo por equivalente. A indemnização reconduz-se, antes, àquela compensação pecuniária pelo poder de proporcionar de prazer que atenue a dor. XXIV - O demandante é um ser humano que ficou fisicamente destroçado, abalado psiquicamente, sofreu inevitável e prolongadamente dores físicas, pois o tempo de incapacidade perdurou por 545 dias, mas a dor moral, ainda subsistente, quiçá permanente, é de muito mais intensidade, pois viu a sua figura e identidade humanas serem alteradas, a sua capacidade laboral reduzida a nada, o seu convívio com os outros anulado, mercê dos complexos e frustração que o afectam. XXV - Nestes termos, o pretium doloris pelos danos não patrimoniais sofridos, estimado em € 40 000, arbitrado em pura equidade, nos termos do art. 496.º, n.º 3, do CC, que não é mais do que a justa medida das coisas, a boa prudência e senso prático, a criteriosa ponderação da vida, não merece qualquer reparo. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça : Em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, sob o n.º 357/03 .1GBMCN, do 1.º juízo do Tribunal judicial de Marco de Canavezes , após pronúncia , foram submetidos a julgamento : “AA”, “BB”, “CC”, “DD”, LDA, , “EE”, “FF”, LDA, Vindo , a final , a decidir-se : I – Condenar o arguido “BB” pela prática, como autor material, de um crime de infracção de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços, pº. e pº pelos artigos 277º, nºs 1, al. b), 2ª parte e 3 e 285º, todos do Código Penal, na pena de 12 meses de prisão, substituida por igual número de dias de multa, à razão diária de € 6, o que perfaz o quantitativo global de €2190,00. II – Condenar o arguido “AA” pela prática, como autor material, de um crime de infracção de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços, pº. e pº pelos artigos 277º, nºs 1, al. b), 2ª parte e 3 e 285º, todos do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão, substituída por igual número de dias de multa, à razão diária de € 6, o que perfaz o quantitativo global de €1800,00. III – Condenar o arguido “CC” pela prática, como autor material, de um crime de infracção de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços, pº. e pº pelos artigos 277º, nºs 1, al. b), 2ª parte e 3 e 285º, todos do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão, substituída por igual número de dias de multa, à razão diária de € 6, o que perfaz o quantitativo global de €1800,00. IV – Absolver o arguido “BB” da prática, como autor material, de um crime de incêndio, explosões ou outras condutas especialmente perigosas, pº e pº pelo artigo 272º, nº1, al. b) e nº2, com a agravação pº e pº pelo artigo 285º, do Código Penal. V – Absolver o arguido “EE” da prática, como autor material, de um crime de infracção de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços, pº. e pº pelos artigos 277º, nºs 1, al. b), 2ª parte e 2 e 285º, todos do Código Penal. VI – Absolver as sociedades arguidas “DD”, Lda e “FF”, Lda, da prática do crime de infracção de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços, pº. e pº pelos artigos 277º, nºs 1, al. b), 2ª parte e 2 e 285º, por referência ao artigo 11º, todos do Código Penal. Julgar-se o pedido cível formulado pelo demandante “GG” procedente, por provado e, em consequência, condenar os demandados “BB”, “AA” e “CC”solidariamente a pagar ao demandante a quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros), acrescida dos respectivos juros legais, contados desde a data da presente decisão até efectivo e integral pagamento. I . Os arguidos interpuseram recurso para a Relação , que , negando-lhes provimento , alterou a matéria de facto como se consignará . II. De novo inconformados , os arguidos interpuseram recurso para este STJ , restrito à matéria cível , apresentando na motivação as seguintes conclusões : III . A considerar-se que a explosão é o facto ilícito os recorrentes devem ser absolvidos do pedido cível , já que o arguido “BB” foi absolvido e os restantes nem sequer disso foram acusados . Para que a explosão fosse facto ilícito seria preciso que se provasse que foi despoletada violando , sem razão , a integridade física do demandante , sendo que resulta dos autos que a explosão decorreu sem ter sido ateado o rastilho , não tendo sido provada a violação de qualquer regra na preparação do tiro Estamos ante a responsabilidade por omissão e nessa medida o facto ilícito terá sido a omissão da instalação da aparelhagem ou outros meios destinados a prevenir acidentes no local de trabalho particularmente a violação de regras técnicas ou regulamentares legais . falta de meios de prevenção do acidente e o dano . Competia ao demandante alegar e provar a existência , para além da omissão de comportamento também que a omissão interveio no processo causal do dano , ou seja cabia ao demandante alegar e provar que a existência dos meios omitidos teria evitado a ocorrência de danos . Não é suficiente a constatação da omissão ilícita , urge verificar a existência de nexo causal entre a falta de meios destinados a prevenir o dano e este . Os recorrentes não concordam com a criminalização da conduta enquanto integrante da previsão do tipo previsto no art.º 277 .º n.º 1 b) 2.ª parte, do CP . O crime em causa não se preenche só pela simples violação de um dever , mas tem como critério o domínio do facto . É autor do crime quem , tendo a possibilidade prática de evitar situação de perigo e estando jurídico-legalmente obrigado a fazê-lo , omite o cumprimento desse dever , pelo que os arguidos “AA” e “CC” não tinham o domínio do facto , não foram eles quem determinou os acontecimentos , já que não eram eles quem preparava o tiro de pólvora , mas o arguido “BB” . Civilmente a conduta omissiva de um plano de segurança e a falta de um capacete , reputa-se um facto ilícito , por omissão de um dever de agir , todavia , no que diz respeito a relação de causalidade entre omissão e dano , não resultam apurados factos , em termos de prognose póstuma , que permitam estabelecer o nexo de causalidade entre a conduta omissiva e os danos , nos termos do art.º 563.º , do CC: A conclusão lógica , de acordo com as regras da experiência , vistas as lesões sofridas é a de que a utilização do capacete não teria impedido os danos , particularmente em que medida um plano de segurança impediria a ocorrência dos danos . Cabia ao demandante alegar e provar que o plano de segurança estabeleceria um perímetro de segurança à zona de carregamento de tiro superior a 5 metros , bem como estabeleceria regras de vestimenta de conduta e vestimenta especial para utilizar naquela zona , para além do capacete , cuja utilização evitaria os danos que veio a sofrer . A existência ou inexistência de um plano de segurança é totalmente indiferente à produção de danos , pois segundo as instâncias o arguido “BB” era sujeito de deveres muito mais específicos , por força da “ função e ofício “ , que não cumpriu e que cumpridos , poderiam, segundo as regras da experiência , ter evitado o perigo e , em consequência , o dano , pelo que inexistindo nexo de causalidade entre a conduta omissiva e o dano , os arguidos “AA” e “CC” deviam ser absolvidos do pedido cível . A prevalecer os fundamentos de absolvição dos três arguidos enquanto gerentes , o quantum da compensação deverá necessariamente ser revisto em função de critérios de equidade , atendendo ao grau de culpa do responsável à sua condição económica e às do lesado , devendo , ainda , ser proporcionado à gravidade do dano Tendo o tribunal condenado o arguido “BB” , absolvidos que sejam os demais arguidos , ainda assim , a indemnização justa , considerando a mera culpa do agente , a sua condição económica e a do assistente , o quantum a arbitrar não devia ser superior a um terço de tal valor , com o que se violaram os art.ºs 486.º , 494 .º , 496.º e 563.º , do CC: IV . Os factos provados resultantes do julgamento , são os seguintes : 1. A empresa “FF”, Lda, dedica-se à extracção e transformação de granitos. 2. A empresa “FF”, Lda, era proprietária, em 2003, de pelo menos duas pedreiras, na área desta Comarca, designadamente em Vila ... e no Lugar de Lages. 3. A ““FF”, Lda” e a ““DD”, Lda” celebraram entre si um contrato de prestação de serviços para extracção de pedra numa pedreira sita em …, Marco de Canavezes( após alteração pela Relação) . 4.O arguido “EE” era sócio e gerente da empresa "“FF”s, Lda", podendo com a sua assinatura obrigar a sociedade arguida. 5. Em 21 de Novembro de 2001 o arguido “EE”, na qualidade de sócio-gerente da sociedade arguida “FF”, por procuração outorgada no Segundo Cartório Notarial de Matosinhos, constituiu seu procurador “HH”, conferindo-lhe os poderes constantes da certidão junta a fls. 1210 a 1212. 6. Os arguidos “AA”, “BB” e “CC” eram sócios da sociedade arguida “DD”, Lda. 7. A sociedade arguida “DD”, Lda, obriga-se com a assinatura do arguido “AA”, ou com a assinatura dos dois arguidos “BB” e “CC”. 8. Os arguidos “AA”, “BB” e “CC” eram gerentes da sociedade arguida “DD”, Lda. 9. O arguido “BB”, para além de sócio-gerente da sociedade arguida “DD”, Lda, exercia as funções de carregador de fogo na exploração de pedra junto da pedreira mencionada em 3). 10. Para o efeito o arguido possuía licença para manusear explosivos, sendo portador de cédula de operador de substâncias explosivas sob o n° 10330, desde 1998, a qual foi renovada em 1 de Outubro de 2007 e é válida até 1 de Outubro de 2012. 11. Durante o ano de 2003 decorriam os trabalhos de extracção de granito na pedreira mencionada em 3). 12 .Os trabalhos de extracção de pedra estavam a ser efectuados e realizados por trabalhadores da ““DD”, Lda” que entregava a pedra à “FF”, mediante o pagamento do preço convencionado nos termos do contrato referido em 3 ( após alteração pela Relação ) . 13 .”II”exercia a profissão de manobrador e “GG” exercia as funções de condutor manobrador. Ambos exerciam funções na sociedade arguida “DD”, Lda, sendo trabalhadores dessa sociedade e desempenhavam as suas funções, em Dezembro de 2003, na pedreira mencionada em 3). 14 .No dia 4/12/2003, na área de extracção da pedreira mencionada em 3), o arguido “BB” procedia à preparação "de um tiro de levante", ou seja, posicionado lateralmente, tendo sido efectuado um furo numa pedra, com cerca de 1,20 m de profundidade, o qual o arguido “BB” encheu com cerca de 100 a 200 gramas de pólvora. 15. Após tal procedimento afastou-se daquela zona, para limpar as mãos, sem atear o rastilho. 16 .Nessa ocasião, “GG” e “II”encontravam-se a estacionar os respectivos camiões, após o que saíram dos mesmos no intuito de planificarem as tarefas que de seguida iam executar, designadamente o carregamento de pedra. 17. Quando “GG” e “II”estavam no solo, a uma distância de cerca de 5 metros do local onde o tiro estava preparado, sem capacete e sem máscara, deu-se uma violenta explosão que os atingiu, projectando pedra, gravilha e estilhaços contra os corpos destes. 18 .A referida explosão deu-se no local onde o arguido “BB” tinha preparado o tiro de pólvora, local de extracção de pedra e onde se encontravam, a uma distância de cerca de 5 metros, os ofendidos “GG” e “II”. 19 .Em consequência directa da referida explosão o ofendido “GG” foi levado de urgência para o Hospital do Marco de Canaveses, onde lhe foram prestados os primeiros socorros, tendo de seguida sido no mesmo dia transferido para o Hospital de S. João, no Porto. Esteve nos cuidados intensivos cerca de 6 semanas, após o que foi transferido para o Hospital de Penafiel, onde permaneceu de 9 de Janeiro de 2004 a 14 de Janeiro de 2004. Posteriormente foi transferido para os Hospitais Particulares do Porto (Clérigos), onde permaneceu internado até 3 de Dezembro de 2004. 20 .Em consequência directa da referida explosão o ofendido “II”foi levado de urgência para o Hospital do Marco de Canaveses, tendo sido de imediato transferido para o Hospital Santa Maria, em Lisboa, onde permaneceu na unidade de queimados até 6 de Dezembro de 2003, após o que foi transferido para o Hospital S. João no Porto, aqui tendo permanecido internado até 15 de Dezembro de 2003. 21 .Como consequência directa e necessária da descrita explosão o ofendido “GG” sofreu escoriações e queimaduras da face do 3º grau, queimaduras do membro superior e mão esquerda; hematoma extradural temporal direito; contusões hemorrágicas na região frontoparietal esquerda; fracturas cominutivas frontotemporal esquerda e do tecto da órbita com saída de liquor; desvio externo do globo ocular esquerdo com hipotonia; lesões do esfacelo na mão e membro superior esquerdo. 22 . Tais lesões provocaram-lhe dores, mal estar físico e psicológico, com consequências permanentes, designadamente síndroma pós-traumático, epilepsia pós-traumática, cicatrizes na face, amaurose à esquerda e hipovisão à direita, e alteração do campo visual, as quais do ponto de vista médico-legal, se traduzem em lesões que afectam de forma grave e permanente a funcionalidade do ofendido e o impossibilitam de exercer qualquer profissão, com uma incapacidade de 91,84%. 23 .Tais lesões determinaram 545 dias para a consolidação médico-legal, com afectação da capacidade de trabalho geral (545 dias) e com afectação da capacidade de trabalho profissional (545 dias). 24 .O ofendido “GG” ficou ainda dependente de ajudas medicamentosas. 25 .O ofendido “GG” ficou desfigurado, aparentando ser mais velho do que na realidade é, o que lhe causa enorme sofrimento e desgosto. 26 .Tem vergonha de andar na rua, recusa-se a conviver com amigos e familiares, nutre um sentimento de inferioridade em relação a todos quanto o rodeiam, sendo que muitas das vezes e para superar a dor, refugia-se no álcool. 27 .Como consequência directa e necessária da descrita explosão o ofendido “II”sofreu queimaduras de 2º grau na face e membro superior esquerdo, atingindo 5% de área corporal, com múltiplos estilhaços. 28 .Tais lesões provocaram-lhe dores, mal estar físico e psicológico com consequências permanentes, designadamente tatuagem de pólvora dispersa por toda a face e pelo membro superior esquerdo, as quais lhe determinam uma incapacidade permanente parcial de 1,25%. 29 .Essa lesões determinaram 224 dias para a consolidação médico-legal, com afectação da capacidade de trabalho geral (13 dias) e com afectação da capacidade de trabalho profissional (190 dias). 30 . Os ofendidos “GG” e “II” não usavam capacete, máscara ou colete de protecção, por forma a evitar a intensidade das lesões descritas. 31 . O arguido “BB” após encher o tiro, com cerca de 100 a 200 gramas de pólvora, afastou-se sem previamente ter verificado as condições de segurança do local. 32 .O arguido “BB” omitiu os deveres de cuidado que lhe estavam impostos em razão das suas funções e ofício, designadamente, não deixar estacionar qualquer tipo de máquina perto de "um tiro", esperar que todos os trabalhadores estivessem a uma distância considerável do local da extracção de pedra aquando da preparação "de tiros" de pólvora, não deixar que qualquer trabalhador se aproximasse do referido local sem capacete. 33 . O arguido “BB”, ao afastar-se do local sem previamente ter verificado as condições de segurança, possibilitando assim o estacionamento dos camiões conduzidos pelos ofendidos “GG” e “II”a uma distância de cerca de 5 metros do local onde o “tiro” estava preparado e a aproximação dos dois trabalhadores do referido local sem capacete, não previu, como podia e devia ter previsto, que a ausência de um perímetro de segurança relativamente ao local onde o tiro estava preparado e a falta de uso de capacete, nos trabalhadores que dele se aproximassem, era susceptível de pôr em perigo a vida ou a integridade física dos trabalhadores daquela pedreira, como veio a suceder com os ofendidos. 34 .Os sócios da sociedade arguida ““DD”, Lda”, não zelaram por um plano de segurança e práticas concretas àquela pedreira e que previsse condutas a adoptar no local de extracção de pedra, designadamente práticas a utilizar "no tiro" de pólvora, na vestimenta a usar no acesso àquele local, no acesso restrito ao local de extracção, na sinalização (visual, sonora, luminosa) dos diferentes locais da pedreira, nem forneceram aos ofendidos “”GG” e “II” capacetes. 35 .Os sócios da sociedade arguida “DD”, Lda, sabiam que aquele terreno era um terreno de extracção de pedra, com riscos acrescidos devido ao manuseamento de pólvora, pelo que deveriam ter fixado práticas a adoptar no "tiro de pólvora" e na extracção de pedra. 36 .Os sócios da sociedade arguida “DD”, Lda não previram, como podiam e deviam ter previsto, que a falta de um plano de segurança respeitante à pedreira mencionada em 3) e a falta de uso do capacete pelos trabalhadores era susceptível de pôr em perigo a vida ou a integridade física dos trabalhadores daquela pedreira, como veio a suceder com os ofendidos. 37 .Infringiram os arguidos “BB”, “AA” e “CC” os deveres de zelo, cuidado e diligência referidos que impendem sobre aqueles que exploravam e laboravam em pedreiras. 38 .Os arguidos “BB”, “AA” e “CC” não actuaram com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estavam obrigados e eram capazes, desrespeitando as medidas de segurança destinadas a evitar pôr em perigo a saúde dos trabalhadores. 39 .Tais comportamentos são proibidos e punidos por lei. 40 .O arguido “CC” aufere a título de vencimento de sócio-gerente da sociedade “DD”, Lda, a quantia de €848,21 por mês. 41 .Para além disso anima eventos com música, actividade na qual obtém, em média, cerca de 250 euros por mês. 42 .A esposa é secretária, auferindo um vencimento mensal de 750 euros por mês. 43 .É pai de duas menores. 44 .Vive em casa própria, pagando 300 euros por mês a título de prestação de empréstimo contraído para aquisição da casa de morada de família. 45 .Tem como habilitações o 6º ano de escolaridade. 46 .Aos arguidos “BB”, “AA”, “CC” e “EE” não são conhecidos antecedentes judiciários. - A sociedade arguida “DD”, Lda, obriga-se mediante a aposição da assinatura dos três sócios em conjunto. - O ofendido “GG” permaneceu 1 ano em coma. - O ofendido “II”foi transferido para o Hospital S. José, em Lisboa. -O ofendido “II”, como consequência directa e necessária da explosão , sofreu amputação da perna pelo 1/3 superior substituída por prótese . A referida pedreira não tinha , à data dos factos , qualquer separação ou rede que impedisse o acesso ao local de exploração da pedra . V. Colhidos os legais vistos , cumpre decidir : O recurso é restrito à parte cível –art.º400.º n.º 3 , do CPP – sendo irrecorrível , quanto à parte penal , por expressa disposição do art.º 400.º n.º 1 e) , do CPP , atenta a condenação em multa , o que significa que os factos atinentes à parte penal se tornaram , em princípio , intocáveis ;os factos estruturantes da acção penal sustentam , nessa exacta medida , os pressupostos da obrigação de indemnizar, que vai buscar ao direito substantivo as pertinentes regras . O trânsito em julgado penal , em termos de matéria de facto , estende-se ao enxerto cível , sob de se gerarem efeitos contraditórios , ainda menos aceitáveis se se entender que é a acção penal que gera a acção cível , não se podendo afirmar um facto como provado na acção penal e não provado na acção cível –Ac. deste STJ , de 7.7.2019 , P.º n.º 893/01.TALSD .S1, de 24.2.2010 , P.º n.º 151/99. 2PLSD.L1.S1 , de 10.2. 2008, P.º n.º 363/08 e de 5.10.2008, P.º n.º 3182 /08 . Ponderou –se no acórdão de 1.ª instância que as sociedades arguidas “DD”, Lda e “FF”, Lda, se acham pronunciadas pela prática de um crime de infracção de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços, p. e p. pelo artigo 277º, nº1, al. b) e nº2, com a agravação p. e p., pelo artigo 285º, por referência ao artigo 11º, todos na versão actual do Código Penal. Mas porque os factos apurados ocorreram no dia 4 de Dezembro de 2003, nesta data, a redacção do artigo 11º do Código Penal, era substancialmente diferente, dispondo que “Salvo disposição em contrário, só as pessoas singulares são susceptíveis de responsabilidade criminal “ , pelo que não poderiam ser alvo de perseguição penal , só restando absolvê-las na parte penal . E na verdade assim era . O art.º 11 .º n.º 1 , na redacção actual introduzida pela lei n.º 59/07, de 4/9 , continua a acentuar que só as pessoas singulares são susceptíveis de responsabilidade criminal , salvo nos casos previstos por lei , e no n.º2 . Do regime antecedente já se submetiam a responsabilidade criminal as pessoas colectivas e equiparadas em caso de delitos contra a economia e saúde pública , crimes informáticos , tributários , terroristas e laborais ( Dec.º –Lei n.º 28/84 , de 20/1 , Lei n.º 109/91 , de 17/8 , Lei n.º 15/2001 , de 5/6 , Lei n.º 52/2003 , de 22/8) , mas a inovação trazida naquele n.º 2 é a de consagrar a regra da responsabilidade criminal das pessoas colectivas e entidades equiparadas , com excepção do Estado, outras pessoas colectivas públicas e organizações internacionais de direito público, abrangendo nas pessoas colectivas públicas as pessoas colectivas públicas, entidades públicas empresariais e as entidades concessionárias de serviços públicos e demais pessoas colectivas que exerçam prerrogativas de poder público , equiparando às pessoas colectivas as sociedades civis e as associações de facto –n.º 5, sem contudo excluir a responsabilidade individual dos respectivos agentes –n.º 7 O critério de imputação da responsabilidade penal às pessoas colectivas e equiparadas é duplo : cometimento de infracção criminal no nome e interesse da pessoa colectiva por pessoa singular colocada em posição de liderança na pessoa colectiva ou equiparada ou por pessoa que ocupe uma posição subordinada e o cometimento dela se torne possível apenas em virtude de uma violação pelas pessoas que ocupam uma posição de liderança dos seus deveres de controle e supervisão sobre os respectivos subordinados –cfr. Comentário do Código Penal , 94 , Prof. Paulo Pinto de Albuquerque . A condenação do arguido “”BB” , sócio gerente e trabalhador da firma “DD”, Lda”, como os demais dois arguidos , repousa , in casu , na inobservância da alínea b), segunda parte , do nº1, do artigo 277º, do CP , com referência ao art.º 285.º , que estabelece uma agravação pelo resultado , que pretende sancionar , além do mais , os que, por infracção das regras legais , regulamentares ou técnicas causem acidentes ; aquelas regras legais , regulamentares e técnicas , são as que compõem o saber técnico ( knowhow ) indispensável ao planeamento e execução da obra , bem como para a prevenção dos acidentes dos trabalhadores e de terceiros que à obra acorram ou vivam perto . As regras técnicas podem ter por fonte a lei , o regulamento ou o uso profissional , no dizer de Paulo Pinto de Albuquerque , in Comentário do Código Penal , pág. 797. Significa-se , deste modo , que se está a conferir protecção penal a normas de direito laboral. Se bem que, como de resto o afirmou EDUARDO CORREIA,in Actas 1966, a propósito da disposição em tudo equivalente do art. 264° da versão originária do mesmo Código, não se encontrem previstos pelo legislador "os crimes resultantes da violação das regras de trabalho, por se entender que a transitoriedade destas regras obriga a constantes modificações da incriminação, incompatíveis com a estabilidade e a durabilidade que devem assistir às normas do Código Penal, isso porém não exclui que algumas dessas violações devam, pela sua gravidade, ser incluídas no diploma fundamental, como é o caso deste artigo". E o preenchimento deste tipo, que é de perigo concreto como se infere do uso da locução no art.º 277 .º , do CP , “ criar perigo para a vida ou para a integridade física alheia ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado” tanto pode ter lugar por via de acção como por omissão –art.º 10.º n.º 2 , do CP . O perigo é , aqui , o risco de lesão da vida , integridade física ou do património alheio . Nos crimes de perigo o legislador antecipa a punição para um momento anterior ao resultado porque a prática de certos actos cria um risco de lesão de bens jurídicos de relevo . E quando o tipo legal pode ser violado por pessoa sobre quem recai um dever especial de trata-se de crime específico próprio em que a qualidade do agente ou o dever que sobre ele impende fundamenta a ilicitude . A exploração de pedreiras , o rebentamento da pedra a céu aberto , é , reconhecidamente , uma actividade perigosa , o exercício das indústrias extractivas está sujeito a elevado risco de acidentes de trabalho e de doenças profissionais , acentuou-se no preâmbulo do Dec.º-Lei n.º 324/95 , de 29/11 , regendo sobre a segurança , higiene e saúde no trabalho dos trabalhadores de tal sector , transpondo para a ordem jurídica interna as Directivas n.ºs 92/91/CEE , de 3/11 e 92/104/CEE, de 3/12 E sendo uma actividade perigosa , por si , ou por via dos meios usados , incumbe a quem causa danos , repará-los , excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de aqueles prevenir , nos termos do art.º 493.º , do CC , seu n.º 2 , , subordinado à epígrafe “ Danos causados por coisas , animais ou actividades “ , estabelecendo uma presunção de culpa , um regime particularmente severo , com as consequências estabelecidas no art.º 350.º n.º 1 , do CC., transferindo para o lesante a obrigação de provar que o resultado não procede de culpa sua –art.º 487.º n.º 1 , do CC . VI . Relativamente à exploração de pedreiras, prescreve o artigo 128º, do Regulamento Geral de Segurança e Higiene no Trabalho das Minas e Pedreiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº 162/90, de 22 de Maio, que: 1 – Deve ser definido um perímetro de protecção à área de carregamento de fogo. 2 – Este perímetro será isolado durante a operação de carga, assim permanecendo até ao rebentamento. 3 – Só os trabalhadores e, bem assim, os equipamentos para o carregamento do tiro e explosão podem circular no perímetro isolado. Mesmo antes do início dos trabalhos, nos termos dos seus art.ºs 3º e 4º , o empregador deve assegurar a existência de um plano de segurança e de saúde que satisfaça os requisitos do art.º 8.º , do Dec.º Lei n.º 441/91 , de 14/11, que contém as linhas programáticas em ordem a estabelecer a segurança , higiene e saúde no trabalho ,à luz dos art.ºs 59.º e 64 .º , da CRP , contemplando os riscos a que estão expostos os locais de trabalho , nomeadamente as fontes de possíveis explosões, de propagação , possíveis incêndios e medidas a tomar . Por seu lado, o art. 129º, daquele Regulamento prescreve que “O encarregado deve dispor os trabalhadores de modo que fiquem protegidos do risco de serem atingidos por blocos ou ferramentas”. Acrescenta ainda o artigo 159º, nº2, do citado diploma que “Nos trabalhos abrangidos pelo presente Regulamento é obrigatório o uso de capacete” . E esse equipamento, de clara protecção individual , é fornecido gratuitamente ao trabalhador, nos termos do art.º 2.º al.j) , do Regulamento . O operador de explosivos deve ser o último a abandonar o local de trabalho e nenhuma explosão pode ter lugar senão depois de verificar que todos os trabalhadores abandonaram aquele local –art.º 99 .º do citado Regulamento . O atacador do furo deve ser de madeira ou de outro material que não produza faísca ou carga eléctrica quando em contacto com as paredes do furo –art.º 96.º n.º 4 , do Regulamento . Da matéria de facto provada não resulta- porque não foi possível saber -, qual a verdadeira causa da explosão ; de positivo e concreto somente se apurou que o demandado cível “BB” , sócio-gerente da sociedade , “DD”, Lda como o são os demais dois demandados civis , sociedade que procedia à exploração da pedreira de outra sociedade , a “FF”, Lda, a quem , de seguida , se vinculava a entregar-lhe a pedra fruto da extracção , enquanto encarregado do enchimento de furo , no dia 4.12.2003 , abriu um furo numa pedra , com cerca de 1, 20 metros , tipo levante ou seja, posicionado lateralmente, que encheu com cerca de 100 a 200 gramas de pólvora. E depois do enchimento e atacamento do furo saiu do local para limpar as mãos e , quando assim estava surgiram os ofendidos “GG” e “II”, condutor manobrador e manobrador, trabalhadores da firma “DD” Ld.ª , que , depois de estacionarem os camiões que conduziam, se posicionaram fora deles a fim de delinearem o trabalho a efectuar de seguida . Nessa altura e estando posicionados a cerca de 5 metros do local do furo seguiu-se a explosão que lhes acarretou ferimentos , graves , mas sobretudo para o “GG” , que sofreu escoriações e queimaduras da face do 3º grau, queimaduras do membro superior e mão esquerda; hematoma extradural temporal direito; contusões hemorrágicas na região frontoparietal esquerda; fracturas cominutivas fronto temporal esquerda e do tecto da órbita com saída de liquor; desvio externo do globo ocular esquerdo com hipotonia; lesões do esfacelo na mão e membro superior esquerdo. Tais lesões provocaram-lhe dores, mal estar físico e psicológico, com consequências permanentes, designadamente síndroma pós-traumático, epilepsia pós-traumática, cicatrizes na face, amaurose à esquerda e hipovisão à direita, e alteração do campo visual, as quais do ponto de vista médico-legal, se traduzem em lesões que afectam de forma grave e permanente a funcionalidade do ofendido e o impossibilitam de exercer qualquer profissão, com uma incapacidade de 91,84%. Os arguidos não controvertem este resultado , somente divergem do entendimento das instâncias de que seja de lhes imputar em nexo causal adequado , por omissão de regras legais , regulamentares ou técnicas , preenchendo o tipo legal de crime , previsto no art.º 277.º n.º 1b) , 2.ª parte , do CP . A considerar-se que a explosão é o facto ilícito os recorrentes devem ser absolvidos do pedido cível , já que o arguido “BB” foi absolvido e os restantes nem sequer disso foram acusados , dizem. VI . A definição dos pressupostos da responsabilidade por facto ilícito ou aquiliana , enunciados no art.º 483.º , do CC , não se basta com o acontecer , de forma mais ou menos mecânica , do facto ilícito , no sentido de violador de interesses juridicamente tutelados , antes exige um nexo causal entre ele e o dano . É que entre o facto e o dano indemnizável deve interceder um nexo mais apertado do que a simples coincidência ou sucessão cronológica , escreve o Prof. Antunes Varela , in Das Obrigações em Geral ; I , 736. O julgador é , assim , colocado no dever de seleccionar , entre as várias condições de certo evento danoso as que legitimam a imposição ao respectivo autor da obrigação de indemnizar. No acervo das circunstâncias que concorrem para a produção do dano , escreve aquele autor , in op . e loc . cit . alguns autores distinguiram entre aquelas condições sem cujo concurso o dano se não verificaria e aquelas que também contribuíram para o evento , mas cuja falta não teria obstado à sua verificação .; as primeiras seriam condição sine qua do dano , sua causa sem a qual o efeito se não teria verificado . Causa , seria , toda a condição sem a qual o dano se não teria verificado . Alguns autores , aperfeiçoando o conceito de causa , retirando-lhe a equivalência à condição , identificam a causa como condição mais eficaz ou mais próxima, por oposição à causa remota , do evento , como condição decisiva do dano , distintas das condições impulsivas ou meramente obstativas . O resultado não deve ser imputado ao agente quando a conduta perigosa do mesmo se concretiza num resultado não incluído no âmbito de protecção da norma de cuidado , segundo a teoria do âmbito de protecção da norma de cuidado ; evento imputável ao agente é todo aquele que deriva da conduta que cria ou aumenta o perigo , segundo a teoria da potenciação do risco , mas sempre que o comportamento lícito alternativo fosse conducente ao mesmo resultado então não deve ser-lhe imputado o resultado , segundo a teoria do comportamento lícito alternativo , advogada por Claus Roxin e entre nós por Figueiredo Dias e Taipa de Carvalho , citados por Paulo Pinto de Albuquerque , in Comentário ao Código Penal , págs . 70 e 71 . Mais recentemente Luis Meneses Leitão defende que a melhor forma de determinação do nexo de causalidade é pelo recurso à teoria do escopo da norma segundo a qual será bastante para definição do nexo causal a averiguação sobre se os danos que advieram do facto correspondem à frustração das utilidades que a norma visava conferir ao sujeito através do direito subjectivo ou da norma de protecção –Direito das Obrigações , I , 327 . A formulação mais seguida sobre a causalidade é que consagra a teoria da causalidade adequada , segundo a qual não basta que o facto tenha sido, no caso concreto , condição do dano , sendo antes de averiguar se , em abstracto ou , em geral , o facto é causa adequada do dano , sendo de excluir como causa se se mostrar de todo indiferente , dada a sua natureza , à verificação do dano , originado por circunstâncias anormais , excepcionais , extraordinárias ou anómalas , não previsíveis por um observador experiente , à luz desse juízo abstracto de adequação , devendo o julgador proceder a um juízo de prognose póstuma para aferir da previsibilidade da consequência , colocando-se no momento histórico da conduta do agente . Um facto só deve considerar-se causa adequada dos danos sofridos por outrem que constituem uma consequência normal , típica , provável , segundo o eminente civilista que foi o Prof . Antunes Varela , in op . cit., pág. 749 . VII . O CC dá corpo à teoria da causalidade adequada no art.º 563.º, do mesmo modo que o CP , no seu art.º 10.º .n.º 1 . Para que a explosão fosse facto ilícito, alegam, seria preciso que se provasse que foi despoletada violando , sem razão , a integridade física do demandante , sendo que resulta dos autos que a explosão decorreu sem ter sido ateado o rastilho , não tendo sido provada a violação de qualquer regra na preparação do tiro , dizem . Não podemos concordar com esta forma de argumentar . Na verdade antes mesmo da explosão ocorrida , suposto que não foi provocada pelo atear do rastilho pelo encarregado de realizar o furo ,após o carregamento , nos termos do já sobre este impendia o dever legal de assegurar um perímetro de protecção , de segurança , à área de carregamento , o qual deve ser isolado durante a operação de carga, assim permanecendo , até ao rebentamento- art.º 128.º n.ºs 1 e 2, daquele Regulamento . E compreende-se porque o legislador parte do pressuposto de que o uso de explosivos é perigoso , passível de gerar efeitos danosos , que escapam ou podem escapar ao poder de previsão do comum das pessoas , por isso antecipa a protecção jurídico-penal e consequente segurança física das pessoas para um momento “ exa ante “ à explosão . Ora o sócio gerente “BB” , encarregado da preparação do tiro, ao carregá-lo , afastou-se do local , sem ter previamente verificado se daí não resultava perigo para terceiros , impedindo a sua presença numa zona em que pudessem ser atingidos , zona em que , seguramente , à luz das regras da experiência comum , aos olhos de um observador normal , não se posicionavam os dois trabalhadores da exploradora da pedreira , a cerca de 5 metros do furo aberto , demasiadamente próximo dele, para estarem a salvo de risco para a sua integridade física. Esse dever de previsão mais se impunha levando em consideração que o demandado “BB” era portador de licença válida para manusear explosivos , sendo portador de cédula de operador de substâncias explosivas , e portanto maior o dever de cuidado porque conhecedor do risco . O demandante não era portador de capacete de protecção , apetrecho que a empregadora , à sua custa , lhe não proporcionou , causando profunda estranheza a afirmação de que essa circunstância foi indiferente à produção do resultado , a menos que se ignore , não o devendo , que a vítima foi atingida por pedra , gravilha e estilhaços advindos do rebentamento da pedra e que algumas das lesões corporais sofridas se situam ao nível da cabeça, pois o hematoma extradural temporal direito; contusões hemorrágicas na região frontoparietal esquerda; fracturas cominutivas frontotemporal esquerda e do tecto da órbita com saída de liquor; desvio externo do globo ocular esquerdo com hipotonia, são lesões em tal área nobre do organismo humano que o capacete protege , é indubitável , afigura-se-nos . Mesmo o atacamento do furo, á completa revelia da lei , foi feito com vara de ferro , embora as “ extremidades fossem revestidas de nylon “ , conclui o relatório de Inspecção Geral de Trabalho –fls. 420 e segs . , como também concluiu impressiva e desfavoravelmente aos demandados, que : “O trabalhador que preparava o tiro estava deficientemente habilitado em termos de segurança no trabalho e que “ houve falta de identificação e avaliação dos riscos associados à operação efectuada aquando do acidente e consequente falta de implementação de medidas de prevenção adequadas a prevenir tais riscos “ . Houve , pois , violação de regras de condições de segurança na preparação do tiro pelo consentimento pelo encarregado da preparação de tiro da permanência no local , adentro da zona de fogo , daqueles trabalhadores , sem estarem munidos de capacete de protecção ; a relação de causalidade entre o facto ilícito e o dano está demonstrada . Num juízo de prognose a ocorrência do dano é normal consequência da explosão , só sendo de excluir como causa aquele circunstancialismo prévio se ele se mostrasse de todo indiferente , dada a sua natureza , à verificação do dano , originado , então , por circunstâncias anormais , excepcionais , extraordinárias ou anómalas , não previsíveis por um observador experiente , à luz desse juízo abstracto de adequação . A violação de tais regras é elemento visivelmente integrante do conceito de negligência , forma de culpa , a mera culpa , prevista no art.º483.º , do CC e no art.º 15.º , do CP , que pressupõe a violação de um dever de cuidado , que é materializado “ pelas normas jurídicas ( legais , regulamentares , estatutárias , costumeiras ) , respeitantes à actividade em causa) , bem como por normas não jurídicas ( prudenciais , usuais ) , no dizer de Paulo Pinto de Albuquerque , in Comentário , cit . , pág . 95. E neste último aspecto o peso de tais normas não é mais do que o fruto de uma constatação da realidade formada à luz de um empirismo , de quase acrítica aceitação , tão evidente é pela projecção de materiais da explosão , se se pretende evitar lesões graves à integridade física e à vida humanas, impondo , por isso , cautelas de rigor . O resultado danoso , em princípio é só imputável a quem desencadeou a acção material , mas se esse resultado for previsível e evitável por outros , pode ocorrer uma co-autoria negligente , se o resultado for devido a uma acção conjunta , por via de uma conjugação de vontades , como defendem Germano Marques da Silva , in Direito Penal Português , Tomo II , 288 , Ed. Verbo e Cavaleiro de Ferreira , in Direito Penal Português , Ed. Verbo , 1992 , pág. 479 . Os demandados “AA” e “CC” sustentam que , por não dominarem o facto , ou seja pelo facto de não lhes incumbir a preparação do tiro , não lhes pode ser imputada a omissão ao dever de segurança e de protecção que funda a responsabilidade civil do demandado “BB” . VII . Reconhecem, no entanto , na conclusão IX do recurso, que “ Civilmente a conduta omissiva da existência de um plano de segurança e a falta de fornecimento do capacete considera-se um facto ilícito , por omissão de dever de agir para efeitos do disposto no art.º 486.º , do Código Civil , mas , pela sobredita razão ( do não domínio do facto) autoexcluem –se da indemnização peticionada . Não se subscreve o argumento assim trazido em recurso . O domínio do facto está ligado ao poder de praticar ou deixar de praticar o facto . Os demandados “AA” e “CC” são sócios gerentes , como o “BB” , da sociedade “DD” Ld.ª ,e nessa medida a extracção da pedra, sob a forma de contrato de prestação de serviços celebrado com a “FF”, LDA, fazia-se no interesse de todos , e todos eles estavam co-obrigados a elaborar um plano de segurança . Esse plano de segurança deriva da lei, independentemente da sua alegação pelo demandado –jura novit curia -, que não estabelece qualquer distância que deve interceder entre o local do tiro e as pessoas que a ele acedem, deixando ao tribunal , ao seu prudente arbítrio , a fixação dos seus concretos contornos, sendo de concluir , como as instâncias o fizeram , que a presença dos atingidos à distância de cerca de 5 metros do furo não era adequada a prevenir o risco de lesão , à luz das regras da experiência comum . E o fornecimento de capacetes de protecção era uma obrigação legal , de elementar observância , para protecção dos direitos à saúde e segurança no trabalho dos seus subordinados , sem cabimento se apresentando o argumento da indiferença para a produção do resultado de que fazem uso . As instâncias deram como provado matéria de facto , insindicável por este STJ , que conhece , em princípio de direito , como tribunal de revista que é , “ não zelaram por um plano de segurança e práticas concretas àquela pedreira e que previsse condutas a adoptar no local da extracção da pedra , designadamente práticas a utilizar no tiro de pólvora , na vestimenta a usar no acesso àquele local , no acesso restrito ao local de extracção , na sinalização ( visual , sonora , luminosa ) dos diferentes locais da pedreira , nem forneceram aos ofendidos “GG” e “II” , capacetes “ , sabendo era usada pólvora no terreno de extracção de pedra , com riscos acrescidos, impondo a observância de regras nessa actividade . E mais disseram as instâncias que não previram , como deviam, que as omissões do plano de segurança e da falta de capacete , eram susceptíveis de porem em risco a vida e a integridade física , além do mais , do demandante . Por isso que sendo o nexo de causalidade matéria de facto e estabelecida nela , em forma imutável para este STJ, com o alcance fixado nas instâncias de também os restantes sócios terem omitido deveres de cuidado, quanto ao plano de segurança e falta de capacete, não prevendo , como deviam, ofensa à integridade física , são também corresponsáveis , todos eles , nos termos dos art.ºs 483.º, 486.º 497.º n.º 1 , do CC, pela negligência manifestada, com origem no seu descrito comportamento omissivo , causal do sinistro, que não é afastada pelo simples facto de se dizer que o demandado “BB” era sujeito de deveres específicos por força dos conhecimentos especiais de que era portador , porque o que se quis significar foi que o grau de censura a endereçar-lhe por via de ser portador de licença de para manusear explosivos e cédula de operador de substâncias explosivas , reflectido , desde logo , na medida concreta da pena , era maior e não já que aqueles deveres , se por ele cumpridos , o perigo poderia ter sido excluído e o dano teria sido evitado. VIII . De facto o nexo de causalidade , assim descortinado , é matéria de facto , insindicável- art.º 434.º , do CPP - pelo STJ , “ inscrevendo-se numa perspectiva puramente naturalística de apuramento da relação causa –efeito “ , como se decidiu no Ac. deste STJ , de 2.11.2010 , in P.º n.º 2290/04 .OTBBCLGL.S1. Deriva , assim ,que todos eles estavam em condições de desencadear um processo causal idóneo destinado a evitar o perigo de concretização da lesão , sendo essa possibilidade conhecida ou cognoscível , aferida à luz de um juízo “ ex ante “ , segundo um nexo de ( hipotético ) de causalidade adequada , enquanto deveres de garantes da não produção do resultado por dispositivo legal , no comentário de Paulo Pinto de Albuquerque , op . cit . pág. 73 . Donde a irrelevância da argumentação supracitada, sendo patente que , se registou a omissão de regras legais , por falta de cuidado dos demandados , que , se observados , obstariam à configuração da acção típica , por que , e bem , foram sancionados . Nestes termos e nos taxativamente indicados no précitado Ac. deste STJ , de 24.2.2010 , na acção cível não é possível alterar a culpa pena, aqui atribuída aos três arguidos, ora demandados . O demandante reclama uma indemnização pelos danos morais sofridos , de extrema gravidade , bastante para merecer a tutela do direito, fora do contexto redutor do seu “ quantum “ , que o art.º 494.º , do CC , acolhe . O preceito está inserto no CC por uma ideia de equidade , evitando que sendo a culpa do agente diminuta se obrigue à satisfação de uma indemnização severa , sobretudo atendendo à sua condição económica e à do lesado, se eventualmente melhor do que a daquele ; nesta altura o juiz , pode atribuir uma indemnização inferior , se , ainda , as demais circunstâncias do caso , o justificarem O grau negligência dos agentes do facto é elevado , o que desde logo , e sem necessidade de mais considerações , exclui o tratamento de favor consentido naquele dispositivo legal . A gravidade há-de aferir-se por um padrão objectivo , segundo as circunstâncias do caso concreto , que exclui uma sensibilidade embotada ou particularmente sensível hiperbolizando o grau de satisfação a ter presente , como teoriza o Prof . Antunes Varela , in Das Obrigações em Geral , I , pág. 486 ., ed. de 1978 . pois que o dano deve assumir uma gravidade tal que não fique sem compensação . Aqui a função da obrigação de indemnizar não é a de reconstituir, á luz da teoria da diferença , pela atribuição de uma soma em dinheiro , posicionando o lesado na situação anterior à lesão, nos termos do art.º 562.º , do CC. Os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis, não podendo ser reintegrados mesmo por equivalente. Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas da utilização do dinheiro( … ) em virtude da aptidão [deste] para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses” – cf. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, pág. 86. A indemnização reconduz-se , antes , àquela compensação pecuniária pelo poder de proporcionar de prazer que atenue a dor . No ensinamento de Antunes Varela “a indemnização reveste, ainda , no caso de danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa compensar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente” – in Das Obrigações em Geral, vol. I, pág. 488. O demandante “GG” sofreu um extenso rol de ferimentos e, daí, danos que são insusceptíveis de avaliação patrimonial e que correspondem a dores, mal estar físico e psicológico, com consequências permanentes, desde logo epilepsia e síndroma pós-traumáticos, cicatrizes na face, amaurose à esquerda e hipovisão à direita, e alteração do campo visual, afectando –lhe gravemente a sua qualidade de vida , tanto mais que ficou impossibilitado de exercer qualquer profissão, com uma incapacidade de 91,84%. O ofendido “GG” ficou ainda dependente de ajudas medicamentosas , desfigurado, aparentando ser mais velho do que na realidade é, o que lhe causa enorme sofrimento e desgosto. Tem vergonha de andar na rua, recusa-se a conviver com amigos e familiares, nutre um sentimento de inferioridade em relação a todos quanto o rodeiam, sendo que muitas das vezes e para superar a dor, refugia-se no álcool. Ao fim e ao cabo o demandante é um ser humano que ficou fisicamente destroçado , abalado psiquicamente , sofreu inevitável e prolongadamente dores físicas , pois o tempo de incapacidade perdurou por 545 dias , mas a dor moral , ainda subsistente , quiçá permanente , é de muito mais intensidade pois viu a sua figura e identidade humanas ser alterada , a sua capacidade laboral reduzida a nada , o seu convívio com os outros anulado , mercê dos complexos e frustração que o afectam. Nestes termos o “ pretium doloris “ pelos danos não patrimoniais sofridos estimado em 40.000 ( quarenta mil ) € , arbitrado em pura equidade , nos termos do art.º 496.º n.º 3 , do CC , que não é mais do que a justa medida das coisas , a boa prudência e senso práticos , a criteriosa ponderação das realidades da vida ( cfr. Prof. Antunes Varela , op. cit , pág. 486 , nota 3 ) , não merece qualquer reparo , acrescendo juros nas condições já fixadas . IX . Pelo exposto se confirma o acórdão recorrido , negando-se provimento ao recurso . Custas pelos recorrentes . Lisboa, 26 de Janeiro de 2011 Armindo Monteiro (relator) Santos Cabral |