Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08B245
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SERRA BAPTISTA
Descritores: GARANTIA DE BOM FUNCIONAMENTO
CADUCIDADE
PRAZO DE PROPOSITURA DA ACÇÃO
Nº do Documento: SJ20080403002452
Data do Acordão: 04/03/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA REVISTA
Sumário :
1. Mediante a garantia de bom funcionamento estipulada no art. 921º do CC, é pelo vendedor assegurado, por certo período de tempo, um determinado resultado, a manutenção em bom estado ou o bom funcionamento (idoneidade para o uso) da coisa.
2. Devendo o defeito de funcionamento ser denunciado ao vendedor dentro do prazo da garantia, caducando a acção passados seis meses sobre a data em que a denúncia foi efectuada.
3. Não se suspendendo nem se interrompendo o prazo de caducidade a não ser nos casos que a lei o determine, sendo certo que se impede a caducidade pelo exercício do direito dentro dos limites prefixados.
4. Impedindo também a caducidade o reconhecimento do direito, de forma que inequivocamente o exprima – tendo, assim, de ser inequívoco e preciso -, por parte daquele contra quem deva ser exercido.
5. Tendo ficado apenas provado, a propósito do alegado reconhecimento do direito por banda do vendedor de um automóvel usado, que este, após a queixa do comprador, sempre se “disponibilizou a resolver os problemas inerentes à viatura”, sem nada fazer durante mais de seis meses para concretizar esse seu alegado propósito, nem qualquer justificação dando a tal respeito, não se pode, sem mais, concluir de tal dúbio comportamento, um inequívoco reconhecimento do direito da autora.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


A…… 2000 – A…… C……. E F……., LDA veio intentar acção, com processo ordinário, contra Á…… S…… & J….. L….. P….., C…… DE A……., LDA, pedindo a anulação do contrato de compra e venda entre as partes celebrado e a condenação da ré a pagar-lhe as quantias de € 24.106,90, a título de montante despendido no crédito para aquisição de bens de consumo duradouros, de € 320,45, relativa ao prémio anual de seguro automóvel obrigatório e de € 1.500, a título de indemnização por danos não patrimoniais, tudo acrescido de juros de mora até efectivo e integral pagamento.

Alegando, para tanto, e em suma:
Celebrou com a ré um contrato de compra e venda de um veículo automóvel, o qual, no prazo de garantia convencionada, apresentou defeitos pela ré não reparados, que impedem o seu normal funcionamento.
Sofreu, por via disso, prejuízos, que melhor descreve na sua p. i.
E que agora reclama.

Citada a ré, veio a mesma contestar, deduzindo a excepção da caducidade do direito de acção e impugnando, ainda, da forma melhor constante na sua defesa, os factos pela autora alegados que possam conduzir à procedência do pleito.

Replicou a autora, pugnando pela improcedência da excepção deduzida e pela procedência final da acção.

Foi proferido o despacho saneador, no qual, alem do mais, se julgou procedente a excepção peremptória da caducidade, com a absolvição da ré do pedido.

Após recurso da autora, veio o processo, por imposição do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 7/3/2005, que relegou o conhecimento da excepção da caducidade para sentença final, a prosseguir seus termos com a fixação dos factos tidos por assentes e com a organização da base instrutória.

Realizado o julgamento, foi decidida a matéria de facto da base instrutória pela forma que do despacho junto de fls 262 a 265 melhor consta.

Foi proferida a sentença, na qual, a senhora Juíza, julgando a acção parcialmente procedente, anulou o negócio jurídico de compra e venda entre as partes celebrado e condenou a ré a pagar à autora uma indemnização a liquidar em execução de sentença, correspondente ao valor por esta pago àquela, por conta do preço do veículo automóvel, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, desde a citação e até integral pagamento.

Inconformada, veio a ré interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, onde, por acórdão de 17/9/2007, foi o mesmo julgado improcedente.

De novo irresignada, veio a ré pedir revista para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões:

1ª - A douta decisão recorrida "convolou" o pedido expresso de anulação do contrato para resolução por incumprimento definitivo.

2ª - Não o poderia ter feito, mormente, por tal não resultar do pedido e/ou da causa de pedir.

3ª - Não existiu incumprimento definitivo, porquanto é a própria A. que alega não pretender a reparação. Por outro lado,

4ª - O direito à resolução só poderia, eventualmente, ser configurada em caso de
impossibilidade de cumprimento que, manifestamente, se não verifica.

5ª- A "convolação" efectuada vai muito para além da mera alteração da qualificação jurídica, porquanto a factualidade alegada, como causa de pedir, afasta, ela
própria, a possibilidade de cumprimento.

6ª - É a própria A. que alega não pretender que a R. cumpra e foi neste âmbito que se estruturou a defesa.

7ª - Por outro lado: é evidente ocorrer caducidade de acção.

8ª - Configurar-se a recusa da R. em suportar os custos da reparação como
incumprimento, tal ocorreu em 30 de Junho de 2002.

9ª - A acção só deu entrada em Juízo em 4 de Março de 2004, decorridos muito mais de seis meses.

10ª - A R. disponibilizou-se "a resolver os problemas inerentes à viatura" o que não significa que aceitasse arcar com os custos. No entanto,

11ª - Mesmo que isso se pudesse interpretar como reconhecimento dos defeitos tal só relevaria para o prazo de caducidade da denúncia dos defeitos.

12ª - Nunca para o prazo de propositura da acção.

13ª - Este ter-se-á iniciado (e não recomeçado, como se diz) em 30 de Junho de 2002, data em que, inequivocamente, a R. não aceitou suportar os custos da reparação.

14ª - Nenhum expediente ou ardil foi usado pela R. que pudesse induzir a A. a pensar que aquela iria suportar os custos de reparação. Muito pelo contrário!

15ª - Aliás é a própria A. que alega não pretender a reparação.

16ª - Decidindo-se como se decidiu violou-se o disposto nos artigos 801°, 914°, 916°, 917º e 921° do Código Civil e 668° do Código de Processo Civil.

Contra-alegou a recorrida autora, pugnando pela manutenção do decidido.

Corridos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.
*
Vem dado como PROVADO:

A autora celebrou em 16/01/2001 um contrato de compra/venda de uma viatura automóvel com a ré, Soc. C…. por Q….. que se dedica ao Comércio de automóveis – alínea A) dos factos assentes;

O objecto do referido contrato foi a viatura marca Audi – modelo A 4 1.8 matrícula … - … - …, com 93 370 km, cujo ano de fabrico se reporta a 1996 – al. B);

A Autora e a Ré acordaram uma garantia de bom funcionamento desde 6-01-2001 a 15-01-2002 – al. C);

A referida viatura foi adquirida mediante contrato de financiamento para aquisição de bens de consumo duradouros, sob o nº …., com a B…. C…. - Soc. F….. para A…. a C…., SA. – al. D);

O custo total do crédito, supra identificado, composto pelo montante financiado, pelas despesas, impostos e seguro perfez a quantia de Euros 24.106,90, a ser liquidado em 60 mensalidades, com início em 15/02/2001 – al. E);

Em virtude da aquisição do veículo, foi celebrado com a Companhia de Seguros M…. C…., SA um seguro automóvel de responsabilidade civil, apólice nº ….., mediante o pagamento de 320,45 Euros, a título de prémio anual – al. F);

A viatura foi adquirida com a finalidade de servir os interesses da Autora, no âmbito da actividade que exerce, e passou a ser utilizada pelo Sr. AA, habitual colaborador desta – al. G);

Desde a aquisição da viatura surgiram problemas, nomeadamente com o tecto de abrir, o qual se abria sem ordem de comando e depois não fechava – al. H);

Em Junho de 2001, numa viagem ao Algarve, a viatura teve de ser sujeita a reparação devido a um problema de sobreaquecimento (o termóstato do veículo indicava temperatura máxima) – al. I);

Após a reparação referida no ponto anterior o Sr. AA dirigiu-se à Ré a fim de resolver o problema a que se alude na alínea I) (ponto 9) e foi-lhe comunicado que o veículo não tinha qualquer anomalia no sistema de refrigeração - al. J);

Á viatura supra identificada, foi atribuído “ Titulo de Garantia Plus “ pela ACAP, á qual a ré se encontra vinculada na categoria de sócia sob o nº ….. – al. L);

A garantia emitida pela ACAP*, na aquisição da 1ª viatura, atribui ao comprador “ (…) o direito de exigir ao vendedor a reparação gratuita dos eventuais defeitos ou avarias que venham a ser detectados nos órgãos pelos quais o vendedor garante o seu bom funcionamento – al. M);

A Ré aceitou a reclamação feita pela Autora em Junho de 2001 – al. N);

Os Técnicos da Ré referiram que a avaria apresentada em Junho de 2001 não resultava de qualquer anomalia no sistema de refrigeração – al. O);

Os defeitos do tecto de abrir protelaram-se até Abril / Maio de 2001 – resposta ao quesito 1º;

Em 10-11-2001 quando o veículo estava a circular na A1 parou e não circulou mais devido a uma falta de vários dentes na correia de distribuição do motor, o que, originou o descomando do motor – resposta ao quesito 2º;

Nessa ocasião o veículo tinha 109 816 km – resposta ao quesito 3º;

E foi rebocado no âmbito da “ assistência em viagem” da Cª de Seguros M…. C… – resposta ao quesito 4º;

Desde Novembro de 2001 que o veículo se encontra na oficina da Ré para ser reparado – resposta ao quesito 5º;

O veículo foi entregue à Autora com 93 370 km, teve as avarias referidas nas als H) e I) (pontos 8 e 9) da matéria assente e aquela referida na resposta ao quesito 2º e deixou de circular em 10-11-2001, apresentando nessa altura 109 816 km – resposta ao quesito 6º;

A Autora celebrou um contrato de Aluguer sob o nº ….. com a locadora W….. R….. – A…. de E….. , Lda. – resposta ao quesito 7º;

No contrato referido ficou estipulado o prazo de 61 meses para o cumprimento do contrato, com o vencimento da 1ª prestação/ aluguer em 15/12/2001, no valor de Euros 452.27 cada (montante correspondente ao valor de cada prestação, acrescido do IVA respectivo) - resposta ao quesito 8º;

Do mencionado contrato resultaram ainda despesas, inerentes a este, suportadas pela Autora, no valor de Euros 145, 89 – resposta ao quesito 9º;

Em Junho de 2002 o Sr. AA, colaborador da Autora, deslocou-se à oficina da Ré – resposta ao quesito 10º;

Nessa data o veículo continuava a ter as mesmas deficiências e avarias referidas na resposta ao quesito 2º - resposta ao quesito 11º;

A Ré desde a data referida na resposta ao quesito 2º até data não concretamente apurada de Junho de 2002 sempre se disponibilizou a resolver os problemas inerentes à viatura, a qual, durante esse período esteve parada nas instalações da Ré - resposta ao quesito 12º.

Após Junho de 2002 a Ré informou a Autora que teria de ser esta a reparar (querer-se-á dizer “suportar”) o preço da reparação e que desde então até à presente data o veículo permaneceu e permanece nas instalações da Ré – resposta ao quesito 13º;

Quando o veículo foi deixado na oficina da Ré para reparação o veículo marcava 109 816 km - resposta ao quesito 14º;

Em consequência da avaria descrita na resposta ao quesito 2º a viatura não podia nem pode circular - resposta ao quesito 15º.

Mais se explicitando, no aludido “título de garantia plus”, que os órgãos garantidos são: o motor, a direcção, a caixa de velocidades, o difeerncial e o sistema de travagem” – doc. de fls 7
*

As conclusões da alegação dos recorrentes, como é bem sabido, delimitam o objecto do recurso – arts 684º, nº 3 e 690º, nº 1 e 4 do CPC, bem como jurisprudência firme deste Supremo Tribunal.
Sendo, pois, as questões atrás enunciadas e que pela recorrente nos são colocadas que urge apreciar e decidir.

Sendo também sabido que o STJ, como tribunal de revista, aplica definitivamente aos factos fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico que julgue adequado – art. 729º, nº 1 do CPC.
Não podendo a decisão proferida pelo tribunal recorrido sobre a matéria de facto ser alterada – constituindo jurisprudência pacífica que o erro na apreciação das provas não pode ser objecto de recurso de revista a não ser nos casos excepcionais previstos no nº 2 do art. 722º do mesmo diploma legal – salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova – art. 729º, nº 2

Resumindo-se a duas as questões que pela recorrente nos são suscitadas:
a) a sua discordância em relação à decretada resolução do contrato;
b) a sua discordância em relação à improcedência da excepção da caducidade deduzida.

Vejamos, pois, começando-se, por imperativo de ordem lógica, pela análise desta última questão:

Alegando ter adquirido à ré, em 16/1/2001, um veículo automóvel usado, com garantia de bom funcionamento durante o período de um ano, ocorreu - alem de outras avarias de menor relevo, ao que se crê até já resolvidas – e no período de garantia, uma avaria originada pela correia de distribuição partida, que, por seu turno, provocou a imobilização do veículo desde 10 de Novembro de 2001.
A Ré, que até Junho de 2002 se disponibilizara a resolver tal avaria, relegou a partir de então as respectivas responsabilidades para a autora, que as não assume.
Também a autora não coloca mais a hipótese de ulteriores reparações pela ré, não lhe oferecendo a oficina desta qualquer credibilidade.
Pede, em acção intentada em 4/3/2004, a anulação do contrato de compra e venda com base na existência de defeitos que impedem o normal funcionamento do veículo.
Além de indemnização por prejuízos que sofreu.

Tendo ficado a propósito provado, recorda-se agora:
Em 16/1/2001 a autora adquiriu um veículo automóvel à ré, para satisfação dos seus interesses, em estado de usado, com garantia de bom funcionamento desde tal data até 15/1/2002.
Em 10/11/2001, quando o veículo circulava na A1 parou devido a falta de vários dentes na correia de distribuição do motor, que provocou o descomando deste e impossibilidade do veículo circular.
Encontrando-se o veiculo desde essa data nas oficinas da ré para ser reparado, a qual, desde aquele dia 10 de Novembro e até data não apurada de Junho de 2002, “sempre se disponibilizou a resolver os problemas inerentes à viatura”, sucedendo que, após tal data, informou a autora que não repararia o veículo à sua custa, tendo de ser esta a suportar o respectivo custo.

Sendo, ainda, certo, que, desde a aquisição do veículo, surgiram problemas com o tecto de abrir e que em Junho de 2001, numa viagem ao Algarve, a viatura teve que ser sujeita a reparação devido a um problema de sobreaquecimento.
E que a ré, tendo aceitado a reclamação da avaria ocorrida em Junho de 2001, comunicou à autora que a mesma não resultara de qualquer anomalia no sistema de refrigeração.
Mantendo-se os defeitos do tecto de abrir até Abril/Maio de 2001.

Ora bem,

Dúvidas não restarão – mesmo não se encontrando, então, e ainda, em vigor o DL 67/2003, de 8 de Abril, que procedeu à transposição para o ordenamento jurídico português da directiva nº 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, que tem por objectivo a aproximação das disposições dos Estados membros da União Europeia sobre certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas – que, mediante a garantia de bom funcionamento estipulada no art. 921º do CC (sendo deste diploma legal todas as disposições a seguir citadas sem referência expressa), assegura o vendedor, durante certo período de tempo, o bom funcionamento e as boas condições de utilização da coisa, em termos de uso normal, sendo responsável por todas as anomalias, avarias, falta ou deficiente funcionamento por causa inerente da coisa.
Garantindo-se, assim, a duração do bom funcionamento da coisa vendida, por tempo determinado.
Assegurando, por certo período de tempo, um determinado resultado, a manutenção em bom estado ou o bom funcionamento (idoneidade para o uso) da coisa – Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, p. 62 e 63.

Tal como, aliás, também assim determinava o art. 4º da Lei 24/96, de 31 de Julho (Lei da Defesa dos Consumidores), na redacção anterior à que lhe foi dada pelo citado DL 67/2003.

Devendo, na venda de veículos automóveis ligeiros de passageiros usados ser prestada garantia de usado: prazo, quilómetros ou outra que o vendedor conceda – art. 2º, nº 1, al. g) do DL 74/93, de 10 de Março.

Valendo, desde logo, como prazo de garantia de bom funcionamento o fixado em cláusula contratual – nº 2 do citado art. 921º.

Aplicando-se este preceito já fora do domínio do erro acerca das qualidades da coisa – P. Lima e A. Varela, CCAnotado, vol. II., p. 221.

Sendo certo que, in casu, e não obstante o pedido de anulação pelo autor formulado, não se encontram, desde logo, alegados os requisitos legais da anulabilidade por simples erro – art. 917º.
Pois, se bem que a garantia de bom funcionamento não exclua os defeitos ocasionados pela falta de outras qualidades ou a existência de outros vícios, também sucede, por outro lado, que, se o funcionamento deficiente da coisa ou o seu não funcionamento provier de vício ou de falta de qualidades compreendidas no art. 913º ou no art. 919º, pode também o comprador requerer a anulação do contrato, se para tal houver os necessários requisitos – P. Lima e A. Varela, ob. e vol. cit., p. 222.
Havendo lugar à acção redibitória, por banda do comprador, se se verificarem os requisitos legais da anulabilidade por erro ou dolo, que ele tem de provar.
Podendo, assim pedir a anulação do contrato se se verificarem os requisitos legais da anulabilidade por erro ou dolo, provando a essencialidade do erro e a cognoscibilidade, por parte do vendedor, da essencialidade para aquele do elemento sobre que incidiu o erro – Calvão da Silva, ob. cit., p. 77.

Devendo o defeito de funcionamento ser denunciado ao vendedor dentro do prazo da garantia (nº 3 do citado art. 921º) – tal como in casu ocorreu – caducando a acção, no que ora releva, passados seis meses sobre a data em que a denúncia foi efectuada.

Ora, a autora terá denunciado a avaria ocorrida no veículo em causa dentro do período da garantia, mais concretamente em Novembro de 2001, logo que aquela ocorreu – cfr., alem do mais, respostas aos quesitos 2º, 4º e 5º.
Sendo, assim, tal denúncia tempestiva.

Mas, apenas propôs a acção em 4 de Março de 2004.
Ou seja, muito tempo após terem decorrido seis meses sobre a data da denúncia.

E, como resulta expressamente da lei, o prazo da caducidade não se suspende nem se interrompe a não ser nos casos em que a lei o determine – art. 328º.

Impedindo-se, porém, a caducidade pelo exercício do direito dentro dos limites prefixados.
Ou seja, pela prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo – art. 331º, nº 1.
Pelo que, a única forma de evitar a caducidade é praticar, dentro do prazo correspondente, o acto que tenha efeito impeditivo.
E, se tal prazo respeita ao exercício de uma acção judicial, a única forma de evitar a caducidade é propor a mesma dentro do prazo – art. 332º e Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito civil, vol. II, p. 571.

Tendo o acto impeditivo um sentido e alcance diferente do facto interruptivo da prescrição.
Sendo certo que a interrupção, porque não esvazia o direito, alarga-lhe ou amplia-lhe o tempo de exigibilidade; o impedimento, porque esgota o seu conteúdo, traduz-se na sua realização.
E, assim, o impedimento, correspondendo à efectivação do direito, não gera novo prazo – ao contrário da interrupção - ficando o direito definido sujeito às disposições que regem a prescrição – Aníbal de Castro, A Caducidade, p. 144 e 145.
Não fazendo mais sentido, após a prática do acto impeditivo, falar mais em caducidade – Carvalho Fernandes. ob. e pag. cit.

Contudo, determina, ainda, e a propósito das causas impeditivas da caducidade, o nº 2 do citado art. 331º, que assim reza:

“Quando, porém, se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido”.

Não tendo, como já visto, o reconhecimento impeditivo da caducidade, ao contrário do reconhecimento que impede a prescrição, como efeito abrir-se um novo prazo de caducidade: reconhecido o direito, a caducidade fica definitivamente impedida – Vaz Serra, Prescrição extintiva e caducidade, nº 118, Bol. 107.

Sendo por isso que alguns autores entendem que tal reconhecimento, como facto impeditivo, não tem relevância se não produzir o mesmo resultado que se alcançaria com a prática tempestiva do acto a que a lei ou uma convenção atribuam efeito impeditivo.
E, se se trata do prazo de proposição de uma acção judicial – como in casu sucede – o reconhecimento “deve ser tal que torne o direito certo e faça as vezes de sentença, porque tem o mesmo efeito que a sentença pela qual o direito fosse reconhecido” - P. Lima e A. Varela, CCAnotado, vol. I., p 295 e 296, citando Vaz Serra.

Cremos, todavia, e acompanhando os ensinamentos a propósito de Pedro Romano Martinez (Cumprimento Defeituoso em especial na compra e venda e na empreitada, p. 427 e ss), que o citado art. 331º, nº 2, falando só em reconhecimento do direito, e não obstante as diferenças entre a caducidade e a prescrição, não exige interpretação tão restritiva, muitas vezes conducente a situações de manifesto abuso de direito, violadoras do princípio da boa fé.
Bastando-nos, tal como na prescrição (art. 325º) com o reconhecimento do direito efectuado perante o respectivo titular, de forma que inequivocamente o exprima.
Tendo o procedimento do responsável que ser bem claro, no sentido de aceitar que o cumprimento se apresenta como defeituoso.
Tendo, de qualquer forma, de ser inequívoco e preciso, não podendo subsistir quaisquer dúvidas sobre a aceitação pelo devedor do direito do credor – Acs do STJ de 25/1/98, Bol. 481, p. 430 e de 13/12/07 (Pº 07A4160), www.dgsi.pt.
Exigindo-se que o reconhecimento do direito seja tal que, em boa fé, torne efectivamente desnecessário o recurso à via judicial – Ac. do STJ de 4/7/2002 (Pº 02B1932), www.dgsi.pt.

Ora, no caso vertente, a propósito do eventual reconhecimento por banda da ré que possa ser tido como impeditivo da caducidade, apenas se provou que a mesma, desde a data da mencionada avaria na correia de distribuição, “que originou o descomando do motor”, ou seja, desde Novembro de 2001, e até Junho de 2002, “sempre se disponibilizou a resolver os problemas inerentes às viatura, a qual, durante esse período esteve parada nas instalações da ré”.

É pouco, convenhamos, para podermos concluir, de forma segura, que a mesma ré aceitou reparar, à sua custa, a avaria em causa, assim reconhecendo o direito da autora que da garantia do bom funcionamento lhe adviria.
Desconhecendo-se, desde logo, em que termos é que a ré se disponibilizou para a resolução dos aludidos problemas do veículo; quais os concretos problemas é que estariam abrangidos por tal disponibilidade; se tal resolução abrangeria a reparação gratuita da avaria detectada e que imobilizou o veículo.
Sendo muito estranho – e por isso pouco concludente – que, caso a ré pretendesse assegurar, à sua custa, a reparação em causa, assim cumprindo a garantia a que se obrigara, estivesse mais de meio ano para o fazer.
Mal se compreendendo, por outro lado, que a autora, tendo em conta tal lapso de tempo, julgasse impedida a caducidade do seu direito.
Aguardando até Junho de 2002 – ao que parece sem insistências – para se deslocar à oficina da Ré onde o veículo ainda se encontrava sem reparação.
Não se vislumbrando até aí, qualquer comportamento da ré – salvo a sua manifestação de intenção genérica de se disponibilizar para resolver o problema – que permitisse concluir, sem margem para dúvidas, que aceitava o direito que autora queria exercer ao abrigo da garantia antes prestada.

Não se podendo, assim, entender o comprovado comportamento da ré como reconhecimento inequívoco do direito da autora.

Tendo, pois, caducado o exercício do direito desta.
Assim se tornando impossível o seu exercício judicial.

Sendo certo que a decisão ora tomada prejudica, por desnecessidade, o conhecimento da outra questão suscitada.
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Face a todo o exposto, acorda-se neste Supremo Tribunal de Justiça em se conceder a revista e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, julgando-se antes procedente a excepção da caducidade deduzida, com a absolvição da ré do pedido.
Custas pela recorrente.
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Supremo Tribunal de Justiça, 3 de Abril de 2008


Serra Baptista (relator)
Duarte Soares
Santos Bernardino