Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5075/16.8T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
DEPÓSITO BANCÁRIO
Data do Acordão: 01/11/2024
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
I. Em resultado da aplicação ao caso dos autos da decisão uniformizadora proferida pelo Pleno das Secções Cíveis do STJ (AUJ n.º 8/2022), consideram-se preenchidos os pressupostos da ilicitude e do nexo de causalidade de que depende a responsabilidade civil do intermediário financeiro.

II. Tendo sido alegado e provado que, se tivessem sido adequadamente esclarecidos e informados, os autores não teriam subscrito os produtos financeiros em causa, à luz dos princípios gerais da obrigação de indemnização consagrados nos arts. 562.º e 563.º do CC, é admissível que pretendam que seja reconstituída a situação que existiria se não tivessem subscrito tal produto e tivessem antes subscrito um depósito a prazo; mas já não que pretendam que seja reconstituída a situação que existiria se, tendo subscrito tal produto, as obrigações tivessem sido pagas na data do seu vencimento.

III. No caso dos autos, a aplicação da regra do art. 562.º do CC, da qual resulta que a indemnização deve reconstituir a situação que existiria se não tivessem sido subscritas as obrigações, implica, antes de mais, que se exclua o valor correspondente aos juros remuneratórios contratados e não pagos pela entidade emitente; implica também: (i) que o valor do capital investido seja deduzido do valor actual das obrigações adquiridas; (ii) e que o valor do capital investido seja deduzido do valor dos juros remuneratórios pagos pela entidade emitente, na parte em que excedam o valor dos juros que teriam sido pagos a título de remuneração de um depósito a prazo equivalente.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


1. AA intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Banco BIC Português, S.A., pedindo a condenação do R. a restituir-lhe a quantia de € 52.897,27€, acrescida de juros à taxa supletiva legal para as operações comerciais, contados sobre € 50.000,00, desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese, que, em Dezembro de 2006, tinha no Banco Português de Negócios, S.A. um depósito a prazo, no montante de € 50.000,00. Convencido e seduzido pela conversa dos funcionários do referido Banco que com ele lidavam (nomeadamente o seu gestor de conta), que lhe garantiram que se tratava de um produto sucedâneo de um mero depósito a prazo, com garantia de reembolso do capital dada pelo próprio Banco, resgatou o referido depósito a prazo e subscreveu, em 19/12/2006, o formulário de compra, por via de transmissão por endosso, de uma Obrigação SLN Rendimento Mais 2006, no valor de €50.000,00, que foi colocado à sua frente, já preenchido, limitando-se a assiná-lo, julgando que se tratava de uma variante de um depósito a prazo, só que melhor remunerado.

Alegou ainda que só subscreveu a referida obrigação com base na confiança que tinha na relação bancária estabelecida com os funcionários do BPN, sendo que, se soubesse que perdia o controlo do dinheiro, que só poderia ser reembolsado a partir de 8 de Maio de 2016 e se tivesse sido informado das características do produto, nunca teria efectuado essa operação.

Entretanto, a SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., hoje denominada Galilei, SGPS, S.A., não pagou as obrigações na data do seu vencimento, em 8 de Maio de 2016, apenas tendo pago os juros semestrais até 30 de Abril de 2015, tendo o A. entretanto tomado conhecimento que a entidade emitente SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., apresentou no Tribunal de Comércio da Comarca de Lisboa um Processo Especial de Revitalização

Pretende, assim, ser ressarcido dos prejuízos sofridos por força da actividade do R. BPN como entidade bancária e intermediário financeiro, nos termos dos artigos 73.º, 74.º, 75.º e 78.º do Regime Geral das Instituições Financeiras e Sociedades de Crédito e dos artigos 7.º, n.º 1, 304.º, e 312.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários.

Conclui formulando o pedido de que o Banco R. seja «condenado a restituir ao autor a quantia de € 52.897,27 (cinquenta e dois mil oitocentos e noventa e sete euros e vinte e sete cêntimos), acrescida de juros à taxa supletiva legal para as operações comerciais, contados sobre € 50.000,00, desde a citação e até integral e efetivo pagamento, bem como em custas e em procuradoria condigna».

Citado, veio o R. contestar, por excepção e por impugnação. Por excepção, invocou: (i) a prescrição, argumentando que o A. tem conhecimento da suposta subscrição abusiva da Obrigação SLN RM 2006, pelo menos desde o início da nacionalização do BPN, em 2009, pelo que o prazo de dois anos previsto no artigo 342.º do CVM para o demandar por negócio em que haja intervindo como intermediário financeiro, já se encontrava prescrito quando a acção deu entrada em juízo (em 24/02/2016); e (ii) o abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, atendendo à propositura da presente acção decorridos cerca de seis anos após a nacionalização do BPN e a verificação pelo A. da suposta subscrição abusiva, tendo este aguardado pelo vencimento das obrigações, bem como pelo desenrolar das assembleias de obrigacionistas, sem olvidar o facto de a sociedade Galilei se ter apresentado recentemente a um PER, o que demonstra a consciência que o mesmo tinha e tem do produto que subscreveu e que se conformou com o mesmo. Por impugnação, contrapôs, no essencial, que o Banco R., na pessoa dos seus funcionários, agiu sempre de acordo com a vontade do A. e com as instruções recebidas do mesmo, sendo que, quando subscreveu a Obrigação SLN, foram explicadas ao A., pelos funcionários do R., quer pessoalmente, quer por telefone, as características do produto, tendo aquele assinado o boletim de subscrição de forma deliberada e consciente. Alegou ainda que o A. sempre recebeu um extracto mensal onde aparecia a aludida obrigação como integrando a sua carteira de títulos e que desde então recebeu, semestralmente, a remuneração dos respectivos cupões. Argumentou, igualmente, que o A., quer previamente à subscrição da aludida obrigação, quer posteriormente, efectuou diversos investimentos em títulos tais como BPNDXE, BPNCSE, BPNEXE e BPN2008, não sendo, assim, crível, até pela menção «Obrigação», por todos sobejamente conhecida, constante quer dos extractos mensais, quer da informação prestada antes do acto de subscrição, que o A. se pudesse convencer de que se tratava de um depósito a prazo ou que desconhecesse as condições de reembolso da Obrigação SL RM 2006 por si subscrita e que o mesmo era da inteira responsabilidade da entidade emitente, a SLN, SGPS, S.A.. Termos em que concluiu pela improcedência da acção.

Em resposta, o A. pugnou: (i) pela improcedência da excepção peremptória de prescrição, argumentando: que o R. agiu com dolo ou culpa grave, sendo como tal aplicável o prazo de prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309.º do Código Civil; que o R., à data da subscrição da Obrigação SL RM 2006, nem sequer estava autorizado pelo Banco de Portugal para o exercício da actividade de intermediação financeira; (ii) pela improcedência da excepção de abuso de direito, reiterando que sempre teve plena confiança nos seus interlocutores no BPN, por achar que eram pessoas íntegras e de palavra, que se preocupavam com os interesses dos clientes do Banco e que o seu gestor de conta lhe prestava aconselhamento profissional quanto à gestão das suas poupanças, sendo certo que nunca teria aceitado subscrever uma Obrigação SLN 2006 se lhe tivessem sido explicadas as características do produto que lhe estava a ser vendido e, sobretudo, se lhe tivessem sido mostrados os documentos n.ºs 6 e 7 juntos com a p.i., nomeadamente nos capítulos “Reembolso antecipado”, “Liquidez” e “Subordinação”, bem como a ausência de garantia do Banco quanto à subscrição. Alegou ainda que, enquanto os juros iam sendo pagos, os incautos, como o A., iam sendo deixados inertes e adormecidos, e que, após se ter apercebido de ter sido vítima de uma refinada burla por parte do Banco R., por diversas vezes o interpelou, no seu balcão, no sentido de o mesmo lhe restituir as quantias que lhe foram confiadas, o que aquele sempre se recusou a fazer, por isso tendo intentado a presente acção.

Em 14/10/2016 teve lugar audiência prévia, no decurso da qual foi elaborado despacho saneador tabelar, relegando-se para a decisão final o conhecimento da excepção da prescrição.

Por sentença de 10/04/2017 foi julgada procedente a excepção de prescrição, absolvendo-se o R. do pedido.

Inconformado, interpôs o A. recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de 15/03/2018 foi alterada a decisão da matéria de facto e, a final, foi proferida a seguinte decisão:

«Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e em consequência revogar a sentença recorrida, que substituem pelo presente acórdão, que julga a acção parcialmente procedente e provada, condenando o Réu Banco BIC Português, S.A. a restituir ao Autor a quantia de €50.000.00 (cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa Euribor+1,5%, em vigor entre 30/04/2015 e 08/05/2016 e à taxa de 4% ao ano, desde 09/05/2016 até efectivo e integral pagamento.».

2. Veio o R. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

«1. A decisão recorrida, tendo revisto a decisão sobre a matéria de facto quanto a 13 dos factos não provados na primeira instância, vem depois a condenar o Banco-R. por responsabilidade civil na qualidade de intermediário financeiro, por prestação de informação falsa, concretamente a constante de parte daqueles factos, na colocação de instrumento financeiro junto dos AA.

2. Para tanto, o douto aresto verifica o cumprimento dos gerais pressupostos da responsabilidade civil, e concretamente a ilicitude - que identifica com a dita falsidade de informação -, a culpa - que se presume nos termos gerais do artº 799º do CCiv. e 314º do CdVM -, e o dano - correspondente ao valor da prestação não cumprida pela entidade emitente!

3. Já quanto ao nexo de causalidade, o douto acórdão, caracterizando esta como uma responsabilidade contratual, limita-se a invocar a sua presunção, por extensão da presunção de culpa do artº 799º, aliás, a par da presunção também da ilicitude - na esteira de posição do Prof. Menezes Cordeiro.

4. Olvida o Tribunal recorrido que tal posição doutrinária assenta na aproximação à solução histórica francesa da faute, quando o sistema acolhido no nosso Código Civil tem origem germânica, e, portanto, em pouco toca aqueloutro.

Mais,

5. Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade. E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

6. E não se alcançam razões (que o acórdão recorrido também não adianta...) que justifiquem que a presunção própria da censura ético-jurídica da conduta do agente deva ser estendida à relação consequencial entre o facto e o dano.

Ainda que se admitisse a solução de extensão de presunção de culpa à causalidade,

7. A verdade é que uma tal solução não é adequada aos casos de incumprimento de prestações contratuais acessórias, apesar do cumprimento da prestação principal.

8. Prestação principal será aquela que é típica de um contrato, que o define enquanto figura contratual.

9. No âmbito do contrato de execução de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem, a prestação principal não pode deixar de ser só a boa recepção da ordem e sua retransmissão a fim de ser executada nos termos ordenados - é este o único conteúdo típico essencial do contrato.

10. A prestação de informação exaustiva, suficiente, clara sobre o produto em causa constitui já uma prestação daquela secundária, destinada a complementar ou tornar perfeita aquela prestação principal.

11. De todo o modo, no âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

Acresce que,

Mesmo que se admitisse a dita presunção,

12. A douta decisão recorrida afirma que "quando na presença de acordo entre o banqueiro e o seu cliente [caso em que a «falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade»] a mera falta de informação responsabiliza, automaticamente, o obrigado (...)"

13. Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato.

14. Fica por determinar, de forma expressa, qual o resultado normativamente prefigurado a que se refere no caso, a douta decisão sob recurso.

15. O único resultado relevante será o referente ao reembolso do investimento efectuado. (...) neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da subscrição de emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira, aliás, há muito cumprido.

16. Todavia, não pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato!

17. Vale isto por dizer que o incumprimento alegado não é apto a desencadear a tão desejada presunção!

De todo o modo,

18. No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrara ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

19. A prestação de informação falsa (ou a falta de prestação de informação) está umbilicalmente ligada ao regime do erro, no que diz respeito ao nexo de causalidade.

Ou seja,

20. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.

21. E nada disto foi feito!

22. Ou o Autor alegava e provava que se tivesse sido cumprido o dever de informação, não teria realizado o investimento, ou então, tem que arcar com as normais consequências de um investimento que se tornou ruinoso, pois não há forma de corrigir a titularidade do risco, pela responsabilidade — the risk lies where it falls!

23. O Tribunal a quo violou, portanto, por errónea interpretação e aplicação, o disposto nos artºs 344º, 563º e 799º todos do Código Civil!».

O Recorrido contra-alegou, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

3. Foi entretanto proferido despacho de suspensão da instância até ao julgamento do recurso para uniformização de jurisprudência, a realizar no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, no que se refere à apreciação dos pressupostos da ilicitude e do nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Posteriormente, foi proferido despacho de manutenção da suspensão da instância até ao julgamento do recurso para uniformização de jurisprudência, a realizar no âmbito do Processo n.º 2547/16.8T8LRA.C2.S1-A, no que se refere à apreciação do pressuposto do dano indemnizável.

4. No Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A veio a ser proferido o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ) n.º 8/2022, publicado no Diário da República, Iª Série, de 03/11/2022.

No Processo n.º 2547/16.8T8LRA.C2.S1-A veio o Pleno das Secções Cíveis, em acórdão de 17/10/2023, já transitado em julgado, a decidir pelo não conhecimento do objecto do recurso.

Declarada cessada a suspensão da instância, cumpre apreciar e decidir o recurso.

5. Vem provado o seguinte (mantêm-se a numeração e a redacção do acórdão da Relação):

1 - Em 19-12-2006, o A. subscreveu o boletim de uma obrigação SLN 2006 no valor nominal de € 50 000, 00 (doc. 10 junto com a petição inicial).

2 - As obrigações em causa, subordinadas ao portador e escriturais com o valor nominal de €50 000,00, cada uma, foram emitidas por um prazo de 10 anos (de 10 de Abril de 2006 a 5 de Maio de 2016), não sendo permitido o reembolso antecipado da emissão por iniciativa dos obrigacionistas (doc. 6 da petição inicial, a fls. 65 e ss.).

3 - Eram remuneradas no primeiro semestre à taxa anual nominal bruta de 4,5%, nos cupões vencidos entre 8 de Maio de 2007 e 8 de Maio de 2011, inclusive, à taxa Euribor a seis meses, em vigor no segundo dia útil Target imediatamente anterior à data de início de cada um dos períodos de contagem de juros, acrescida de 1,15% e à taxa Euribor + 1,5% nos restantes cupões.

4 - A responsabilidade pelo pagamento da obrigação no momento do vencimento era da entidade emitente, a "SLN, SGPS, S.A." (posteriormente "Galilei, SGPS, S.A.").

5 - O R. omitiu a entrega de cópia dos docs. 6 e 7 (nota informativa do produto e anexos), não havendo à época boletins de subscrição, por essa fase já ter decorrido.

6 - O R. transmitiu ao A. que o produto consistia em obrigações da sociedade dona do Banco, que o grau de risco era similar ao de um depósito a prazo, que se tratava de um produto seguro e que a única forma de o produto ser liquidado de forma unilateral e antecipada consistia em transmitir as suas obrigações a terceiro, mediante endosso, havendo grande procura do produto.

7 - O A. já tinha investido noutras obrigações.

8 - A entidade emitente pagou ao A. a remuneração prevista até 30 de Abril de 2015, enviando-lhe os documentos correspondentes.

9 - A entidade emitente não procedeu ao pagamento das obrigações SLN 2006 na data prevista.

10. O Autor sempre fez saber ao Réu que pretendia um produto sem risco de capital; [aditado pela Relação]

11. O gestor de conta, BB, disse ao Autor, quando o contactou para a compra da Obrigação SLN Rendimento Mais 2006, que o retorno do capital era garantido pelo BPN na maturidade do produto. [aditado pela Relação]

12. O Autor tinha, no BPN, em Dezembro de 2006, um depósito a prazo, no montante de 650.000,00 (cinquenta mil euros). [aditado pela Relação]

13. A "SLN — Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.", a "SLN, SGPS, S.A." e o "BPN — Banco Português de Negócios, S.A.", à data dos factos relatados neste processo, e mais uma vintena de empresas do "universo BPN/ SLN", repartidas entre a área financeira e a área não financeira, tinham por Presidente do Conselho de Administração a mesma pessoa, o omnipotente, hoje caído em desgraça, José de Oliveira Costa. [aditado pela Relação]

14. As Administrações do BPN e da sua única accionista, a SLN, SGPS, S.A. para além de se confundirem, prosseguiam desideratos e objectivos comuns. [aditado pela Relação]

15. Os clientes deviam ser convidados a aderir ao novo produto como se se tratasse de um simples sucedâneo de um depósito a prazo. [aditado pela Relação]

16. Vigorava, na altura, a Instrução de Serviço (IS.) n.° 19/01, de 05-02-2003, cujo tema é, precisamente, "Mercado de Capitais e Papel Comercial", a qual determinava que a entidade que garantia a solvabilidade do papel comercial emitido era o BPN e/ou Banco Elisa (Doe. de fls. 116 a 122). [aditado pela Relação]

17. Tal como com a generalidade dos incautos que se deixaram levar na conversa do BPN, também o Autor foi objecto de aliciamento por parte do seu gestor de conta no BPN para a compra do produto (papel comercial) em questão. [aditado pela Relação]

18. O Autor é por natureza avesso a qualquer tipo de jogo ou de risco e sempre fez questão de o frisar junto dos seus interlocutores do BPN. [aditado pela Relação]

19. Os funcionários do BPN que lidavam com o Autor sabiam que este não tinha por hábito investir na Bolsa e que era cliente de perfil conservador, que detinha depósitos a prazo e subscrevera obrigações emitidas pelo BPN ou pela SLN. [aditado pela Relação]

20. O Autor, se fosse devidamente informado sobre as características e risco associado das Obrigações SLN Rendimento Mais 2006 não aceitaria subscrever tal produto. [aditado pela Relação]

21. O Autor tinha plena confiança nos seus interlocutores do Banco, por achar que eram pessoas íntegras e de palavra, que se preocupavam com os interesses dos clientes do Banco e que, especialmente no que toca ao seu gestor de conta, lhe prestava aconselhamento profissional quanto à gestão das suas poupanças. [aditado pela Relação]

22. Muitos gestores de conta do BPN aconselharam os seus clientes a subscrever o novo produto (SLN Rendimento Mais 2006) que lhes era oferecido sem terem a exacta noção do que se tratava. [aditado pela Relação]

6. Tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.

Assim, o presente recurso tem como objecto a seguinte questão:

• Verificação dos pressupostos (ilicitude, nexo de causalidade e dano indemnizável) da responsabilidade do intermediário financeiro.

7. Entenderam as instâncias, e não vem posto em causa, que a intervenção do Banco BPN no processo de subscrição pelo A., em 19/12/2006, do produto financeiro Obrigação SLN 2006, é qualificável como actividade de intermediação financeira, abrangida pelo regime do Código dos Valores Mobiliários, na redacção em vigor à data da subscrição.

Nos termos da fundamentação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 8/2022, proferido em processo no qual estavam em causa o mesmo produto financeiro e as mesmas entidades financeiras, diferindo apenas a pessoa do investidor, termos que são, por isso, válidos para o caso dos autos:

«Enquanto intermediário financeiro, o Banco tratou da comercialização, aos seus balcões, das Obrigações SLN, executando ordens de subscrição – que lhe foram transmitidas pelo Autor – das obrigações emitidas por uma terceira entidade – a SLN-Sociedade Lusa de Negócios, S.A. [artigos 289.°, n.°1, 290.°, n.°1, al. b) e 293.°, n.°1, al. a), todos do Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.°486/99, de 13 de novembro], donde resulta a qualificação jurídica da intervenção do Banco como um serviço e uma atividade de intermediação financeira e o contrato celebrado entre o Autor e a Ré um contrato de intermediação financeira (...).

Atendendo ao papel dos “denominados intermediários financeiros, cuja função é, precisamente, promover (de forma interessada) a conciliação entre as duas vontades de sentido oposto mas convergente, fazendo com que as poupanças dos (potenciais) investidores sejam eficientemente afetadas à atividade de quem as procura – cabe-lhes, pois relacionar e conciliar a oferta e a procura de valores mobiliários (…) dúvidas não há que a formação de decisões de investimento informadas e a prevenção de lesões dos interesses patrimoniais dos clientes investidores não deixarão de figurar como corolário dos deveres a que os intermediários financeiros estão vinculados.” (...)

Assim, os intermediários financeiros na qualidade de agentes económicos especialmente qualificados que, no mercado de valores mobiliários, prestam, simultaneamente, aos emitentes e aos investidores, contra remuneração, os serviços de realização das transações por sua conta (ou seja, propiciam o encontro entre os investidores/aforradores e os emitentes/captadores de fundos) e estão obrigados a providenciar ao investidor todos os elementos necessários à tomada de decisões esclarecidas de investimento. Daí que, de entre os deveres dos intermediários financeiros previstos especialmente no Código de Valores Imobiliários (CVM), ressaltem, entre outros, os deveres de informação ao cliente.

Enquanto intermediário financeiro [cf. artigos 289.º, n.°1, al. a) e 290.º, n.º 1, al. c) do CVM] o banco estava obrigado ao cumprimento dos princípios ou regras de conduta estabelecidas nos artigos 304.º a 342.º do CVM.».

7.1. Entre esses deveres assumem especial relevância os deveres de informação, considerando-se que, mais uma vez nos termos da fundamentação do AUJ n.º 8/2022:

«[A] informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor (cliente) relativa a atividades de intermediação e emitentes, que seja suscetível de influenciar as decisões de investimento, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (artigo 7.º do CVM), devendo o intermediário financeiro prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, sendo que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência do cliente, informando dos riscos especiais que as operações envolvem (artigo 312.º do CVM) e orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, devendo observar os ditames da boa fé, com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, informando-se, previamente, sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência e investimentos (aspetos que o intermediário financeiro tem o dever de conhecer) e sem esquecer que compete ao intermediário financeiro tomar a iniciativa de prestar todas as informações e não aguardar que o investidor (cliente) as solicite.».

O não cumprimento ou o cumprimento defeituoso dos deveres de informação gera responsabilidade civil, conforme enunciado na fundamentação do AUJ n.º 8/2022, que vimos seguindo de perto:

«O artigo 314.º, n.º 1, do CVM, estabelece que “os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.”

E, no seu n.º 2, por sua vez, refere que “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”

Estabelece-se neste preceito a responsabilidade do intermediário financeiro em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou regulamento emanado de autoridade pública.

No que respeita à regra do n.º 2 do artigo 314.º, estabelece-se a presunção de culpa do intermediário financeiro se o dano for causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja causado pela violação dos deveres de informação (...).

Trata-se de uma presunção de culpa ilidível, suscetível de prova do contrário (artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil).».

7.2. Temos assim que, no que se refere aos pressupostos da responsabilidade civil do intermediário financeiro – ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o não cumprimento do dever e o dano – não oferece dúvidas que a culpa se presume, tendo-se, porém, suscitado dúvidas na jurisprudência deste Supremo Tribunal, sobre quem recai o ónus da prova da ilicitude e do nexo de causalidade entre o não cumprimento do dever de informação e o dano.

Essas dúvidas foram resolvidas da seguinte forma pelo Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça na decisão uniformizadora (AUJ n.º 8/2022) a que vimos fazendo referência:

«1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.».

7.3. Tendo-se igualmente gerado, na jurisprudência deste Supremo Tribunal, controvérsia significativa em torno dos parâmetros pelos quais o cumprimento dos deveres de informação dever ser aferido, a mesma decisão uniformizadora (AUJ n.º 8/2022) unificou a jurisprudência no seguinte sentido:

«2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.».

Procuremos aplicar esta orientação ao caso sub judice.

Relevam os seguintes factos provados:

6 - O R. transmitiu ao A. que o produto consistia em obrigações da sociedade dona do Banco, que o grau de risco era similar ao de um depósito a prazo, que se tratava de um produto seguro e que a única forma de o produto ser liquidado de forma unilateral e antecipada consistia em transmitir as suas obrigações a terceiro, mediante endosso, havendo grande procura do produto.

10. O Autor sempre fez saber ao Réu que pretendia um produto sem risco de capital.

11. O gestor de conta, BB, disse ao Autor, quando o contactou para a compra da Obrigação SLN Rendimento Mais 2006, que o retorno do capital era garantido pelo BPN na maturidade do produto.

14. As Administrações do BPN e da sua única accionista, a SLN, SGPS, S.A. para além de se confundirem, prosseguiam desideratos e objectivos comuns.

15. Os clientes deviam ser convidados a aderir ao novo produto como se se tratasse de um simples sucedâneo de um depósito a prazo.

17. Tal como com a generalidade dos incautos que se deixaram levar na conversa do BPN, também o Autor foi objecto de aliciamento por parte do seu gestor de conta no BPN para a compra do produto (papel comercial) em questão.

18. O Autor é por natureza avesso a qualquer tipo de jogo ou de risco e sempre fez questão de o frisar junto dos seus interlocutores do BPN.

19. Os funcionários do BPN que lidavam com o Autor sabiam que este não tinha por hábito investir na Bolsa e que era cliente de perfil conservador, que detinha depósitos a prazo e subscrevera obrigações emitidas pelo BPN ou pela SLN.

21. O Autor tinha plena confiança nos seus interlocutores do Banco, por achar que eram pessoas íntegras e de palavra, que se preocupavam com os interesses dos clientes do Banco e que, especialmente no que toca ao seu gestor de conta, lhe prestava aconselhamento profissional quanto à gestão das suas poupanças.

22. Muitos gestores de conta do BPN aconselharam os seus clientes a subscrever o novo produto (SLN Rendimento Mais 2006) que lhes era oferecido sem terem a exacta noção do que se tratava.

Perante a factualidade dada como provada, e aplicando o critério de ilicitude definido no ponto 2. do AUJ n.º 8/2022, forçoso é concluir que, no caso, dos autos, o Banco BPN desrespeitou os deveres de informação a que se encontrava adstrito.

7.4. Provada a ilicitude da conduta do Banco BPN, presume-se a culpa do mesmo ao abrigo da norma do referido n.º 2 do art. 314.º do CVM.

7.5. Relativamente à prova do pressuposto do nexo de causalidade entre o não cumprimento/cumprimento defeituoso do dever e o dano, matéria acerca da qual surgiram igualmente dúvidas interpretativas na jurisprudência deste Supremo Tribunal, o AUJ n.º 8/2022 unificou a jurisprudência nos seguintes termos:

«3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.».

Procurando aplicar esta orientação ao caso dos autos, importa considerar ter ficado provado o seguinte facto:

20. O Autor, se fosse devidamente informado sobre as características e risco associado das Obrigações SLN Rendimento Mais 2006 não aceitaria subscrever tal produto.

Conclui-se, assim, pela verificação do pressuposto do nexo de causalidade entre o não cumprimento dos deveres de informação por parte do Banco BPN e o dano (perda do capital) invocado pelo A. investidor, isto é, pela verificação do nexo de causalidade enquanto fundamento de responsabilidade do intermediário financeiro.

7.6. Assente que existe violação ilícita e culposa dos deveres de esclarecimento e de informação e que esta violação foi condição sine qua non da celebração do contrato, há que averiguar se esta mesma celebração do contrato foi causa de um dano patrimonial de valor correspondente ao fixado pelo acórdão recorrido, no qual se admitiu expressamente que a indemnização devia ser calculada em função do interesse contratual positivo, o que, de acordo com o mesmo acórdão, implicaria: (i) a restituição do capital investido (€ 50.000,00); (ii) o pagamento dos juros remuneratórios, contratados e não pagos pela entidade emitente, «entre 30/04/2015 (data de pagamento do último cupão de juros) e 8/05/2016 (data de vencimento da obrigação)»; (iii) e, a partir desta última data, o pagamento de juros moratórios à taxa das dívidas civis, até efectivo e integral pagamento.

A questão do montante do dano encontra-se suscitada pelo recorrente, nas conclusões recursórias ao alegar que «[o] nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta deficiente explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético); Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.; Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.; E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.; E nada disto foi feito».

Vejamos.

Os arts. 562.º e 563.º do Código Civil consagram os princípios gerais relativos à obrigação de indemnização, determinando que «[q]uem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação» e ainda que «[a] obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão».

De acordo com a prova feita (facto 20), se o A. «fosse devidamente informado sobre as características e risco associado das Obrigações SLN Rendimento Mais 2006 não aceitaria subscrever tal produto».

No caso dos autos, é, pois, admissível que seja reconstituída a situação que existiria se o A. não tivesse subscrito tal produto e tivesse antes subscrito um depósito a prazo (indemnização pelo interesse contratual negativo). Diversamente do entendimento do acórdão recorrido, já não será admissível que seja reconstituída a situação que existiria se o A. tivesse subscrito o dito produto e, simultaneamente, os juros remuneratórios tivessem sido pontualmente pagos pela entidade emitente e o valor das obrigações tivesse sido por esta restituído na data do seu vencimento (indemnização pelo interesse contratual positivo).

Neste sentido, ver os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça proferidos em 05/06/2018, no processo n.º 18331/16.6T8LSB.L1.S1; em 02/02/2023, nos processos n.º 438/19.0T8LRA.C1.S1, n.º 2992/18.4T8STR.E1.S1, n.º 5050/17.5T8LRA.C2.S1, 4081/17.0T8VIS.C1-A.S2, n.º 30290/16.0T8LSB.L1.S1, n.º 3196/16.6T8LRA.L1.S2 e n.º 2208/16.8T8STR.E1.S2; em 14/10/2023, no processo n.º 949/16.9T8LSB.L1.S1; em 07/12/2023, nos processos n.º 2227/18.0T8AVR.P1.S1, n.º 499/18.9T8AVR.P1.S1 e n.º 10221/18.4T8LRS.L1.S2, todos consultáveis em www.dgsi.pt.

O sumário dos acórdãos de 02/02/2023 dos processos n.º 3196/16.6T8LRA.L1.S2 e n.º 2208/16.8T8STR.E1.S2 sintetiza o essencial do que vimos afirmando:

«Estando demonstrado que o intermediário financeiro violou deveres de esclarecimento e/ou de informação ao apresentar ao investidor um determinado produto financeiro e que a violação do dever foi condição sine qua non da decisão de investir, o art. 562.º do Código Civil determina que deva ser reconstituída a situação que existiria se o investidor não tivesse adquirido o produto financeiro que lhe foi apresentado». [negrito nosso]

No caso dos autos, a aplicação da regra do art. 562.º do Código Civil, da qual resulta que a indemnização deve reconstituir a situação que existiria se não tivessem sido subscritas as Obrigações SLN, implica, antes de mais, que se exclua o valor correspondente aos juros remuneratórios contratados e não pagos pela entidade emitente «entre 30/04/2015 (data de pagamento do último cupão de juros) e 8/05/2016 (data de vencimento da obrigação)», valor que o tribunal a quo incluiu no montante indemnizatório mas, aliás, não fora peticionado. A aplicação da regra do art. 562.º do CC implica também: (i) que o valor do capital investido seja deduzido do valor actual das obrigações adquiridas (se superior a zero); (ii) e que o valor do capital investido seja deduzido do valor dos juros remuneratórios pagos pela entidade emitente, na parte em que excedam o valor dos juros que teriam sido pagos a título de remuneração de um depósito a prazo de € 50.000,00 em cada um dos semestres em que foram pagos juros pela entidade emitente, incidindo sobre o valor assim apurado os juros de mora à taxa de juros civis a partir da citação (utilizando-se a respeito de (ii) a formulação adoptada no acórdão do Pleno das Secções Cíveis de 12.12.2023, proferido no processo n.º 2340/16.8T8LRA.C2.S1-A).

7.7. Em conformidade, e ao abrigo do princípio ínsito no n.º 3 do art. 3.º do CPC, foram as partes notificadas para se pronunciarem sobre a possibilidade de o cômputo do dano ser realizado em função do interesse contratual negativo e não em função do interesse contratual positivo.

Não se tendo as partes pronunciado, conclui-se nos termos enunciados no ponto anterior.

8. Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, revogando-se a decisão do acórdão recorrido e condenando-se o réu Banco BIC Português, S.A. a pagar ao autor uma indemnização no valor a liquidar, devendo ter-se em consideração:

a. Que o autor tem direito a uma indemnização por danos patrimoniais correspondente ao valor do capital investido que foi reconhecido pelas instâncias (€ 50.000,00), deduzido do valor actual das obrigações (se superior a zero) - sem prejuízo da possibilidade de o Banco réu exercer a faculdade prevista no art. 568.º do Código Civil, requerendo a cedência das obrigações -, bem como do valor dos juros pagos pela entidade emitente SLN, na parte em que excedam o valor dos juros que teriam sido pagos como remuneração de um depósito a prazo de € 50.000,00 em cada um dos semestres em que foram pagos juros pela entidade emitente;

a. Que o valor resultante da aplicação dos critérios enunciados em a) deve ser acrescido de juros à taxa legal a contar do momento em que o réu tenha sido citado para a presente acção até integral pagamento.

Custas na acção e nos recursos pelas partes na proporção do decaimento

Lisboa, 11 de Janeiro de 2024

Maria da Graça Trigo (relatora)

Catarina Serra

João Cura Mariano (parcialmente vencido pelas razões constantes da declaração que junto)


Declaração de voto

Voto parcialmente vencido o presente acórdão, porque não concordo com o conhecimento da questão do valor da indemnização a atribuir ao Autor, uma vez que ela não foi suscitada nas alegações apresentadas pelo Réu, pelo que a mesma não integra o objeto do recurso, não tendo a audição das partes, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, reveladora do cariz surpreendente, pela novidade, dessa questão, a virtualidade de permitir uma ampliação do objeto do recurso.

Apurada a improcedência das alegações quanto às únicas questões nela suscitadas relativas à ilicitude do comportamento do Réu e ao nexo de causalidade entre esse comportamento e os prejuízos invocados pelo Autor, deveria o recurso ter sido julgado totalmente improcedente, confirmando-se integralmente o acórdão do Tribunal da Relação.

João Cura Mariano