Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07S4100
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: VASQUES DINIS
Descritores: INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA
ACESSO À CARREIRA
CATEGORIA PROFISSIONAL
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
RETRIBUIÇÃO
Nº do Documento: SJ200806040041004
Apenso:
Data do Acordão: 06/04/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Sumário :

I – O acesso à carreira profissional do grupo de qualificação de pessoal técnico superior do Instituto Nacional de Estatística (INE), por trabalhador pertencente ao grupo de qualificação de pessoal técnico profissional, depende de declaração, pela Direcção do INE, do reconhecimento de necessidade funcional, sendo outrossim, condicionada, pela posse de habilitações académicas (licenciatura ou grau superior), podendo a falta destas ser suprida por experiência profissional equivalente, nas condições que, caso a caso, sejam fixadas pela Direcção [artigos 4.º, n.º 2, a) e b) e 5.º, n.os 1 e 2, do Regulamento das Carreiras Profissionais e Grupos de Qualificação do Instituto Nacional de Estatística, publicado no Diário da República II Série, n.º 270, de 23 de Novembro de 1989].

II – A referida declaração de necessidade funcional tem o carácter de acto formal, porque necessariamente resultante de deliberação tomada por maioria dos votos em reunião de Direcção, a registar em livro próprio (artigos 19.º, n.os e 2, e 21.º do Estatutos do INE, corporizados no Decreto-Lei n.º 280/89, de 23 de Agosto), e não traduz uma declaração negocial, no sentido de manifestação apta, por si só, a produzir alteração na esfera jurídica de quem a emite e/ou de terceiros, antes configura a expressão de um mero juízo sobre a adequação de meios, em função dos objectivos a prosseguir mediante a utilização de recursos humanos, segundo critérios de racionalidade e objectividade que hão-de presidir às tarefas de gestão de pessoal, pelo que lhe não é aplicável o disposto nos artigos 217.º e seguintes do Código Civil.

III – A falta da declaração de necessidade funcional não pode ser suprida, para efeito de mudança de carreira e acesso a carreira profissional de grupo de qualificação de pessoal técnico superior, pelo facto de o trabalhador ser encarregado, pelo director do respectivo departamento, da execução de tarefas inscritas na carreira do grupo de qualificação superior.

IV – O juízo sobre a necessidade funcional, como pressuposto do acesso de um determinado trabalhador ao grupo profissional de qualificação profissional superior, cabe nos poderes discricionários do INE, pois que se reveste de carácter eminentemente técnico, obedecendo a critérios de gestão, em que se inclui o da oportunidade, não havendo norma que imponha a declaração de necessidade funcional para proporcionar a trabalhadores que preencham os demais requisitos de tal acesso, ainda que venham exercendo tarefas incluídas no descritivo de funções de grupo qualificação superior.

V – As exigências do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, reflectido nas garantias estabelecidas nos artigos 58.º, n.º 2, alínea b) e c), e 59.º, n.º 1, alíneas a) e b), do mesmo diploma, e projectado nos artigos 22.º, 23.º, 28.º e 29.º do Código do Trabalho, traduzem, no fundo, a proibição do arbítrio, não impedindo, pois, em absoluto, toda e qualquer diferenciação de tratamento, mas apenas as diferenciações materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou justificação objectiva e racional;
VI – Decorrendo desse princípio que deve tratar-se por igual o que é substancial e essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual, são legítimas as medidas de diferenciação de tratamento fundadas em distinção objectiva de situações, não baseadas em qualquer motivo constitucionalmente impróprio, que tenham um fim legítimo à luz do ordenamento constitucional positivo, e se revelem necessárias, adequadas e proporcionais à satisfação do objectivo prosseguido.

VII – O simples facto de um trabalhador do INE com a categoria de Técnico Superior desempenhar as mesmas funções de outro trabalhador de categoria inferior, desconhecendo-se as circunstâncias em que o primeiro acedeu àquela categoria, não permite formular qualquer juízo sobre eventual tratamento discriminatório, no que respeita ao acesso à referida categoria; também não é possível formular um tal juízo, quando em presença de dois trabalhadores não habilitados com o grau de licenciaturas, estando um deles classificado como Técnico Superior e outro em carreira inferior, se ignora as condições em que o primeiro ingressou na carreira superior.

VIII – O respeito pelo princípio da igualdade, na vertente de que a trabalho igual deve corresponder salário igual, implica que, em casos em que o trabalhador exerce funções correspondentes a determinada categoria profissional, sem que se verifiquem os requisitos para que esta lhe seja reconhecida, ele adquira o direito a auferir a retribuição correspondente, se esta for superior à da categoria que detém, ainda que não possa invocar o direito à reclassificação na categoria superior.

IX – Tal decorre, também, do artigo 9.º, n.º 3, do Regulamento de Pessoal do INE, em sintonia com o que estabelece o artigo 314.º, n.º 3, segundo segmento, do Código do Trabalho, na linha do que estatuía o n.º 8 do artigo 22.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969.

X – Demonstrando-se que um trabalhador do INE, embora pertencente ao grupo de qualificação de pessoal técnico profissional, exerceu tarefas que integram o descritivo funcional do grupo de qualificação do pessoal técnico superior (consistentes na idealização ou concepção, desenvolvimento e implementação de aplicações ou soluções aplicacionais de informática), tem o mesmo direito a ser remunerado, com referência ao período em que desempenhou tais funções, de acordo com o estabelecido nas tabelas salariais vigentes para os trabalhadores deste grupo.
XI – Reconhecido tal direito, sem que os autos forneçam os elementos necessários para quantificar a diferença entre as remunerações que auferiu e aquelas que deveriam ter-lhe sido pagas, deve, ao abrigo do disposto no artigo 661.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, ser proferida condenação no que vier a ser, posteriormente, liquidado.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I

1. AA demandou, no Tribunal do Trabalho do Porto, mediante acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum, o Instituto Nacional de Estatística (doravante, INE), pretendendo a condenação deste a:
– Atribuir-lhe a categoria de técnico superior (de informática), do grupo de qualificação de pessoal técnico superior, com efeitos a partir do ano 2000 (sendo o nível 10 da tabela salarial em 2001, o nível 11 em 2002 e 2003, e o nível 12 de 2004 em diante), ou no mínimo, a partir do ano 2001 (sendo, neste caso, o nível 10 da tabela salarial em 2002, o nível 11 em 2003 e 2004, e o nível 12 de 2005 em diante);
– A pagar-lhe as diferenças salariais apuradas, no valor de € 29.234,31 e as vincendas, para o nível 12, a partir da data da entrada da acção, tudo com juros legais desde as respectivas datas de vencimento;
– A compensá-lo, por danos não patrimoniais sofridos, mediante indemnização no valor de € 5.000,00, com juros a partir da citação.

Pediu, outrossim, a condenação do Réu na sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento da decisão, no valor de € 1.000,00.

Alegou, em síntese, que:

– Foi admitido pelo Réu em 16 de Março de 1998 para exercer as funções de técnico-adjunto de estatística, da carreira de técnico profissional, tendo passado desde o ano 2000 a exercer as funções correspondentes à categoria profissional de técnico superior de informática;
– A falta de habilitações para o ingresso na carreira, para o acesso à carreira e para a mudança de carreira, não obsta à procedência do pedido, já que a Direcção do Réu declarou a necessidade funcional ao atribuir-lhe o desempenho de funções atinentes à pretendida categoria, para o que detém o perfil adequado, designadamente quanto a uma experiência profissional relevante e ininterrupta, com desempenho avaliado positivamente, sendo que tem formação, experiência e competência exigíveis para a categoria.

Na contestação, o Réu impugnou, em parte, o alegado pelo Autor, quanto às funções que o mesmo vem exercendo e alegou que, não tendo ele habilitações que lhe permitam aceder à carreira de técnico superior, também nunca o Réu fez qualquer declaração expressa de necessidade funcional ou fixou as condições em que a falta de habilitações do autor poderia ser suprida por experiência profissional, pelo que a acção terá de ser julgada improcedente.

Proferido despacho saneador, com dispensa da condensação, veio a realizar-se a audiência de discussão e julgamento e, decidida a matéria de facto, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo a Ré dos pedidos.

2. Inconformado, o Autor interpôs, ao abrigo do disposto no artigo 725.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o presente recurso, que foi admitido, no tribunal recorrido e, também, neste Supremo, para ser processado como revista per saltum.

Oportunamente, veio o recurso a ser motivado mediante peça alegatória rematada com as conclusões redigidas como segue:

1.ª Nos termos do art.º 725.º, n.º 1, do CPC, uma vez que o recurso se limita a questões de direito, requer que seja admitido per saltum para a Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça;

2.ª A questão colocada no processo é a de saber se o A/recorrente, que está classificado pelo R. como técnico-adjunto de estatística, tem o direito a ser classificado como técnico superior de informática, nos termos dos Estatutos do Pessoal do INE, constantes da Portaria 441/95, de 12 de Maio;

3.ª Os factos: O A. foi admitido em 16.3.1998 como técnico-adjunto de estatística, após 2,5 meses de estágio, para funções de registo, processamento e validação de dados no Núcleo das Estatísticas do Comércio Internacional (factos 1 a 4); porém, a partir de 1999, por incentivo do seu Coordenador do Núcleo, o A. sofreu uma alteração nas suas funções, passando para a área informática, por causa da sua apetência por esta área e pela necessidade sentida pelo R. de construção de ferramentas de trabalho para o núcleo e pelo facto de no Porto não existir ninguém na área do desenvolvimento aplicacional (facto 5); em 2000, por instrução da chefia directa, passou a dar suporte técnico e formação no exterior a operadores económicos (facto 6) e em 2001 idealizou, desenvolveu e implementou uma aplicação informática Edimail (facto 7), que teve sucesso e foi proposta a prémio de qualidade (factos 8 e 9); em face desse êxito, a sua chefia solicitou-lhe a concepção de outras soluções aplicacionais, que depois desenvolveu e implementou sozinho (facto 10), redigindo os respectivos manuais de utilização (facto 11), a par de formação específica que foi recebendo (facto 13); reconhecendo a alteração de funções do A., o R., na sequência do seu processo de reestruturação, integrou o A. no Serviço de Desenvolvimento Aplicacional do Departamento de Sistemas de Informação, em 1.6.2005 (facto 18);

4.ª Como resulta, as funções do A. enquadram-se na categoria de técnico superior de informática, desde pelo menos 2001 (facto 7), segundo a noção do grupo de qualificação de pessoal técnico superior, prevista no art.º 14.º dos Estatutos, e da definição do «posto de trabalho padrão» da categoria de Técnico Superior de Informática efectuada pelo Departamento de Recursos Humanos do R. (facto 23);

5.ª Segundo os estatutos do R. INE, para o ingresso na carreira superior exige-se a necessidade funcional, declarada pela Direcção (art.os 3.º e 4.º do regulamento);

6.ª Essa declaração pode ser expressa ou tácita (art.os 217.º e 219.º do CC);

7.ª As funções do A. sofreram uma alteração (em termos de categoria e carreira) em relação ao que tinha sido contratado inicialmente, por instrução/solicitação expressa das chefias e por necessidade dos serviços (cf. factos 5 e segs.), que o A. aceitou; ou seja, a necessidade funcional foi declarada pelas chefias do A. (art.º 800.º, n.º 1, do CC), ao atribuir-lhe o desempenho das funções necessárias;

8.ª Trata-se de uma declaração expressa, como resulta dos factos 5, 7 e 10, ou, no mínimo, tácita (art.º 236.º, n.º 1, do CC), tendo o reconhecimento dessa necessidade passado pela colocação – sem mais (provas ou testes) – no Serviço de Desenvolvimento Aplicacional do Departamento de Sistemas de Informação, em 2005 (facto 18);

9.ª O Regulamento requer também que o candidato tenha perfil adequado (art.os 3.º e 4.º do regulamento), designadamente quanto a habilitações literárias e experiência profissional. A mudança de carreira é condicionada pela posse das habilitações exigíveis, sendo que a falta de habilitações literárias pode ser suprida por experiência profissional equivalente, nas condições que caso a caso sejam fixadas pela Direcção (art.º 5.º do regulamento);

10.ª O A. não possui uma licenciatura (habilitações literárias), daí a alegação que fez na p.i. visando demonstrar toda uma experiência profissional ininterrupta e relevante (que provou), experiência essa aliás que o R. logo confessou no art.º 12.º da contestação;

11.ª O desempenho do A. foi avaliado positivamente (facto 25), o que revela também que tem a formação, experiência e competências exigíveis para a categoria, e por isso o desempenho de funções com sucesso;

12.ª Nos termos do Regulamento, não tendo o A. as habilitações exigíveis (licenciatura), para poder ser suprida por experiência profissional equivalente, nos termos alegados, carece de que as condições sejam fixadas pela Direcção caso a caso (art.º 5.º do regulamento);

13.ª A omissão do R., quanto à (proposta de) promoção do A. ou à definição de condições para o A. ser promovido, não pode prejudicá-lo (muito menos no confronto directo com o seu colega de equipa – conclusão 16.ª);

14.ª O A. tem o direito a ser classificado na carreira em que se integra (informática) e à categoria normativa que o abrange (art.º 8.º, n.º 1, dos Estatutos), tendo ainda o legítimo direito à realização profissional e ao pleno desenvolvimento da respectiva carreira profissional, à igualdade de oportunidades e de tratamento, no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho (art.os 22.º, 23.º, 28.º e 29.º do CT);

15.ª Salvo o devido respeito, é ilegal e inconstitucional a aplicação estrita e a interpretação dada pela douta sentença recorrida ao art.º 5.º do Regulamento, por ofensiva do princípio da igualdade de oportunidades e de tratamento e das garantias constitucionais dos art.os 58.º e 59.º da CRP, segundo a qual não seria bastante o exercício continuado (anos a fio) e relevante (com sucesso) de funções a que corresponde uma carreira diferente da contratada ab initio, de natureza superior, como o R. definiu, por instrução das próprias chefias directas e a sua solicitação, com todo um esforço de formação por iniciativa e a expensas próprias, em benefício da instituição, que por acaso (!?) até é um instituto público, e, por mera formalidade estatutária e inércia administrativa própria da administração pública, denegar o acesso à carreira e à categorização;

16.ª E nem o A. pode ser prejudicado e discriminado face ao colega de trabalho (factos 18, 19, 21 e 22), nos termos da norma constitucional do trabalho igual, salário igual [art.º 59.º, n.º 1, a), da CRP], pelo que também por força deste regime o regulamento do R. devia ceder face à lei superior.

NESTES TERMOS,

DEVE O RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, A ACÇÃO PROCEDER.

O Réu respondeu ao recurso, tendo concluído a sua alegação nos seguintes termos:

A. Para que o Recorrente e qualquer outro trabalhador possam ingressar numa carreira profissional superior torna-se necessário que a Direcção do Recorrido tenha, não só declarado a necessidade funcional, como também definido as condições em que a experiência profissional do candidato possa ser considerada equivalente às habilitações superiores exigidas, não as tendo (artigos 3.º, 4.º e 5.º do Regulamento das Carreiras Profissionais e Grupos de Qualificação);

B. Para além de a necessidade funcional nunca ter sido declarada pela Direcção, a douta sentença refere, e muito bem, que “tal declaração, ao contrário do que parece defender o Autor, não pode ser uma declaração tácita, de formação sucessiva com a atribuição ao longo de tempo de determinadas funções, exigindo-se, antes uma declaração de vontade expressa e inequívoca, sob pena de o acesso a carreira profissional de grupo de qualificação superior se confundir com uma mera progressão na carreira”;

C. Trata-se sim de uma declaração que se insere no âmbito da discricionariedade de actuação conferida pela lei à Direcção do Recorrido, na medida em que “compete ao Réu definir, se, como e quando um determinado trabalhador acede à carreira profissional de grupo de qualificação superior, já que tal acesso não se encontra previsto nem como obrigatório, nem como automático” como muito bem refere a sentença;

D. Sendo a Direcção do Recorrido um órgão administrativo – cfr. artigos 5.º a 9.º do Decreto-Lei n.º 280/89, de 23 de Agosto – e não tendo existido qualquer delegação de poderes na forma prescrita pelo artigo 23.º deste diploma, facilmente se concluirá que o Tribunal a quo trilhou o único caminho legal possível na resolução da presente demanda, no sentido de não se ter substituído ao Recorrido na formulação de valorações que, por já não terem carácter jurídico e envolverem a realização de juízos sobre a conveniência e oportunidade da sua actuação, se inserem no âmbito próprio da discricionariedade administrativa;

E. A experiência profissional do Recorrente (pontos 6, 7, 10, 14, 16 e 17 dos factos provados) apenas em circunstâncias pontuais se enquadrou nas funções de Técnico Superior de Informática, não as tendo desempenhado jamais de forma autónoma e ininterrupta ao longo do tempo;

F. Actualmente, as funções de desenvolvimento aplicacional das soluções tecnológicas desempenhadas pelo Recorrente apenas abrangem 15% do seu tempo de trabalho, destinando-se os restantes 85% [à] programação de tais soluções (facto 19 dos factos provados).

G. O trabalho de programação mencionado, que ocupa 85% do tempo despendido pelo Recorrente, insere-se indubitavelmente nas funções atinentes à categoria de técnico profissional de informática onde este se enquadra, não sendo detentor de qualquer tipo de direito pela circunstância de despender 15% do seu tempo na execução de tarefas inerentes à categoria de técnico superior.

São, pois, termos em que deve recusar-se provimento ao presente recurso, mantendo-se intocada a douta sentença recorrida, que não merece qualquer censura, mas antes elogio, pela forma cuidada e tecnicamente exemplar como se mostra elaborada, com o que se fará JUSTIÇA.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Magistrado do Ministério Público exarou parecer, que não foi objecto de qualquer resposta, no sentido de ser negada a revista, quanto à pretensão do Autor relativa à categoria profissional de Técnico Superior, reconhecendo-se-lhe, no entanto, o direito ao pagamento da retribuição correspondente ao exercício das funções compreendidas naquela categoria.

Corridos os vistos, cumpre decidir.


II

1. Os factos materiais da causa foram, sem impugnação, fixados pelo tribunal recorrido nos seguintes termos:

1) O autor foi admitido para trabalhar, sob a autoridade, direcção e fiscalização do réu, em 16/03/1998, na Direcção Regional do Norte (DRN), sita no Porto, mediante contrato de trabalho a termo certo de 12 meses, como técnico-adjunto de estatística, da carreira de técnico profissional, classe B8, nível 5, após 2 meses e meio de estágio.

2) O autor tinha como função o registo, processamento e validação dos dados recolhidos pelo réu, no Núcleo das Estatísticas do Comércio Internacional (NECI).

3) O NECI tinha como missão coordenar e realizar na região Norte as operações de produção das Estatísticas do Comércio Intracomunitário e Extracomunitário e conceber, coordenar e realizar o Inquérito às Trocas Comerciais Norte de Portugal – Galiza.

4) Em 16/03/1999 o contrato foi prorrogado por 12 meses, mantendo-se as funções inicialmente contratadas de operador de registo de dados, sendo o autor colocado por progressão automática na classe B7, nível salarial 6.

5) A partir do final de 1999, em função dos conhecimentos e apetência do autor pela área da informática, da necessidade sentida de construção de ferramentas de trabalho para o núcleo e de no Porto não existir ninguém da área do desenvolvimento aplicacional, o coordenador do NECI, incentivou o autor a iniciar auto formação em bases de dados e linguagens de programação.

6) Em 2000, por instruções da sua chefia directa, o autor passou a dar suporte técnico e formação no exterior, ao nível de utilização dos meios informáticos disponíveis, a operadores económicos responsáveis pela prestação de informação estatística ao Sistema Intrastat, da aplicação IDEP – Intrastat Data Electronic Package.

7) Em 2001, por causa do volume significativo de informação que a DRN recebia diariamente por via electrónica, o autor em conjunto com as suas chefias e a pedido destas idealizou, desenvolveu e implementou a aplicação denominada EDIMail, destinada à recolha, validação e processamento automatizado de ficheiros, cujos requisitos aplicacionais definiu em conjunto com aquelas chefias.

8) Esta aplicação permitiu ao réu ganhos de eficiência e de volume de produção diária.

9) Aquela solução aplicacional foi proposta à candidatura de um prémio de qualidade promovido pelo INE em 2002, através do documento de fls. 128 a 131, cujo teor se reproduz, tendo ultrapassado o âmbito das Estatísticas do Comércio Intracomunitário e sido utilizada noutros projectos como o Inquérito Mensal à Industria Volume de Negócios e Empresa (IVNEI).

10) Face aos resultados obtidos a colaboração do autor foi solicitada pelas chefias do NECI para a concepção de outras soluções aplicacionais, que depois desenvolveu e implementou sozinho como:

- EDITrans para substituição de uma aplicação adquirida pelo réu denominada Gentran, que nunca funcionou bem e provocava atrasos na disponibilização da informação, visando a tradução da mensagem EDI (Electronic Data Interchange), formato CUSDEC/INSTAT, recolhida e tratada pela aplicação EDIMail, com vista à integração da informação no sistema de apuramento de dados assente na plataforma UNIX e desenvolvido em PRO-IV;

- IPRIPC, para permitir a consulta por código ou por palavra-chave das classificações da PRODCOM, CPA, CER e CAE utilizada no Inventário do Produto de Resíduos Industriais em Portugal Continental;

- CI, destinada ao cálculo e criação de indicadores de detecção automatizada de erros nos preços unitários dos micro dados mensais e à gestão e análise dos respectivos intervalos de admissibilidade.

11) O autor redigiu sozinho manuais de utilização das aplicações EDIMail e EDITrans.

12) Em 16/03/2001 o autor foi colocado por progressão automática na classe B6, nível salarial 7.

13) Em 2002 o autor realizou por sua iniciativa e a expensas próprias uma formação certificada pela Microsoft, designada por Microsoft Certified Solution Developer (MCSD), que finalizou com aproveitamento global de 87%.

14) Em 2003 o autor incluiu a nova plataforma informática conhecida por "NET Framework", na concepção e no desenvolvimento das soluções aplicacionais.

15) Em 16/03/2003 o autor foi colocado por progressão automática na classe B5, nível salarial 8.

16) Por indicação do réu, o autor foi convidado para duas missões de cooperação com o Instituto Nacional de Estatística de Angola, para recuperação de dados estatísticos sobre a importação de mercadorias do período anterior à implementação do sistema harmonizado (Setembro de 1999), com vista à sua publicação, implementação do sistema harmonizado, implementação do novo processo de compilação dos dados primários sobre a importação e exportação de mercadorias baseado no novo documento de registo de mercadorias em implementação no âmbito da reforma do sistema aduaneiro, preparação do novo lay-out das publicações estatísticas de comércio externo, designadamente boletins trimestrais, mensais e publicações anuais, preparação das publicações anuais das estatísticas de comércio externo, referentes aos anos 1999 e 2000, realização de acções de formação para o pessoal ligado à compilação de dados estatísticos do comércio externo.

17) Em Abril de 2005, o autor realizou uma deslocação ao Serviço Regional de Estatística dos Açores com o objectivo de dar formação sobre o projecto estatístico no âmbito do Comércio Internacional e integração das aplicações informáticas EDIMail e EDITrans.

18) Em 01/06/2005, na sequência do processo de reestruturação do INE e da sua nova macro-estrutura orgânica comunicada pela Ordem de Serviço 0/15/04 de 24/09/2004, o autor foi integrado no Serviço de Desenvolvimento Aplicacional do Departamento de Sistemas de Informação, constituído no Porto, por dois técnicos: o autor e BB.

19) O autor e o referido BB têm os mesmos objectivos profissionais, sempre que determinado trabalham em equipa, desempenhando ambos funções de desenvolvimento aplicacional que correspondem em 15% à concepção das aplicações e em 85% a programação.

20) As soluções tecnológicas a utilizar e os modelos lógicos a seguir em cada aplicação são previamente definidos pelas chefias.

21) O mencionado BB tem a categoria de técnico superior de informática, da carreira de pessoal técnico superior e está colocado na classe A 7 da tabela salarial do réu, com o nível salarial 12.

22) O autor continua a estar classificado como técnico-adjunto de estatística, na classe B5 da tabela, com nível salarial 8.

23) O Departamento de Recursos Humanos do réu estabeleceu como sendo o “Posto de Trabalho Padrão” da categoria de Técnico Superior de Informática: função de “concepção e desenvolvimento de soluções aplicacionais”, com o seguinte “descritivo de funções: concepção e desenvolvimento de aplicações informáticas, concebe os modelos lógicos que suportam as aplicações, desenvolve as aplicações e procede à sua implementação, elabora a documentação de apoio à execução das aplicações, colabora na pesquisa, selecção e implementação de novas soluções tecnológicas, novas metodologias e novos produtos de software”.

24) O técnico superior do réu CC, não sendo licenciado, ingressou naquela carreira.

25) O desempenho do autor tem sido avaliado nos termos constantes dos documentos de fls. 26 a 35, cujo teor se dá por reproduzido.

26) O autor sente-se desmotivado e desvalorizado por continuar integrado na carreira de técnico profissional.

27) Como técnico-adjunto de estatística o autor auferiu as remunerações constantes do art. 34.° da petição inicial cujo teor se dá por reproduzido.

28) No NECI existiam técnicos superiores de estatística.

29) Os trabalhos referidos em 6) foram também assegurados por outros técnicos do réu, sem formação superior.

30) A concepção das aplicações informáticas é sempre resultado de um trabalho multi-paticipado, decorrendo da compatibilização das necessidades sentidas pelos técnicos da área estatística com as necessidades sentidas pelos respondentes aos inquéritos (recolha e processamento de informação).

31) Nas deslocações a Angola foram indicados pelo réu vários técnicos independentemente de pertencerem à carreira de técnico profissional ou superior, em função da disponibilidade demonstrada por cada um para participar.

32) No Serviço de Desenvolvimento Aplicacional do Departamento de Sistemas de Informação do réu existem cinco técnicos-adjuntos de estatística.

2. Suscitam-se no recurso as questões de saber se:
– Ao Autor deve ser reconhecida a categoria profissional de Técnico Superior de Informática, com efeitos a partir do ano 2000, ou, no mínimo, a partir do ano 2001;
– Se o Autor tem direito a receber diferenças de remuneração por exercício de funções daquela categoria.
3. Procedendo ao enquadramento jurídico dos factos acima descritos, o tribunal recorrido discreteou assim:

[...]

Ficou provado que o autor foi admitido para trabalhar, sob a autoridade, direcção e fiscalização do réu, em 16/03/1998, na Direcção Regional do Norte (DRN), sita no Porto, mediante contrato de trabalho a termo certo de 12 meses, como técnico-adjunto de estatística, da carreira de técnico profissional, classe B8, nível 5, após 2 meses e meio de estágio, tendo como função o registo, processamento e validação dos dados recolhidos pelo réu, no Núcleo das Estatísticas do Comércio Internacional (NECI).

O contrato foi prorrogado e, apesar de a partir de 2000 lhe terem sido atribuídas, pelos seus superiores hierárquicos no NECI, funções essencialmente da área da informática, aproveitando a sua apetência e conhecimento auto adquiridos nessa área, e de ter passado em 1/6/2005 a integrar o Serviço de Desenvolvimento Aplicacional do Departamento de Sistemas de Informação, na sequência do processo de reestruturação do INE, o autor continua a estar classificado como técnico-adjunto de estatística, na classe B5 da tabela, com nível salarial 8.

A relação de trabalho dos autos rege-se pelo Regulamento de Pessoal do Instituto Nacional de Estatística, aprovado pela Portaria n.º 441/95, de 12 de Maio, e só subsidiariamente pelas normas aplicáveis ao regime do contrato individual de trabalho. É o que resulta dos arts. 1.º e 2.º do citado Regulamento.

Por outro lado, no que respeita às carreiras profissionais e grupos de qualificação vigora o Regulamento aprovado pelo Despacho Conjunto A-215/89 XI, de 6/11, publicado no DR de 23/11/1989 (de ora em diante Regulamento de Carreiras).

Ora, o autor pretende através da presente acção que a ré seja condenada a atribuir-lhe a categoria de técnico superior (de informática) do grupo de qualificação de pessoal técnico superior, o qual se encontra definido no art. 14.º do Regulamento de Carreiras nos seguintes termos: “O grupo de qualificação do pessoal técnico superior integra a categoria de concepção e estudo para a qual se exige conhecimentos a nível de licenciatura ou superior, ou uma experiência profissional equivalente, competindo-lhe prestar apoio técnico-científico ao serviço a que está adstrito, estudando, projectando e aplicando o desenvolvimento de processos próprios das suas áreas de especialidade”.

Ainda que não expressamente, está adquirido nos autos que o autor não possui habilitações académicas de nível superior, pelo que a sua integração em qualquer categoria deste grupo de qualificação só será possível se lhe for reconhecida experiência profissional equivalente a tais habilitações.

Tal reconhecimento é, porém, da estrita iniciativa do réu, não podendo o Tribunal substituir-se àquela.

De facto, nos termos do art. 4.º, n.º 2 do Regulamento de Carreiras o acesso à carreira profissional de grupo de qualificação superior depende da necessidade funcional declarada pela Direcção; da posse das habilitações exigidas, ou de experiência equivalente; da classificação positiva na avaliação de desempenho e da formação profissional exigível para a nova categoria a preencher.

No caso dos autos não resulta da matéria de facto provada, desde logo, que a Direcção do réu tenha feito qualquer declaração de necessidade funcional. Tal declaração, ao contrário do que parece defender o autor, não pode ser uma declaração tácita, de formação sucessiva com a atribuição ao longo do tempo de determinadas funções, exigindo-se, antes uma declaração de vontade expressa e inequívoca, sob pena de o acesso a carreira profissional de grupo de qualificação superior se confundir com uma mera progressão na carreira.

Mas é também uma declaração arbitrária, no sentido de que o réu, não está obrigado a fazê-la, mesmo que se reúnam, em concreto, determinadas circunstâncias, nomeadamente, que se verifiquem todas as demais condições de que depende o acesso de um trabalhador, nomeadamente o autor, a uma carreira de grupo de qualificação superior.

Isto é, compete ao réu definir, se, como e quando um determinado trabalhador acede a carreira profissional de grupo de qualificação superior, já que tal acesso não se encontra previsto nem como obrigatório, nem como automático.

De resto, nos termos do art. 5.º do Regulamento das Carreiras, aplicável no caso dos autos porque a pretensão do autor pressupõe uma efectiva mudança de grupo de qualificação e uma efectiva mudança de carreira, a exigência de intervenção expressa por parte do réu, toma-se mais incontornável, porquanto ali se prescreve que “a mudança de carreira é condicionada pela posse das habilitações exigíveis e pelo reconhecimento de necessidade funcional”, sendo que “a falta de habilitações literárias poderá ser suprida por experiência profissional equivalente, nas condições que, caso a caso, sejam fixadas pela Direcção”.

Quer isto dizer, que além da declaração de necessidade funcional ou do seu reconhecimento, para que o autor pudesse ver deferida a sua pretensão, seria necessário que a Direcção do réu tivesse definido, as condições em que a experiência profissional do autor poderia ser considerada equivalente às habilitações superiores exigidas

Nada consta dos autos nesse sentido.

Por isso, não sendo o autor licenciado, não tendo habilitações de nível superior, nem tendo a Direcção do réu, definido as condições em que a experiência profissional do autor poderia ser considerada equivalente às habilitações necessárias para aceder a uma carreira profissional do grupo de qualificação superior, não se mostram verificados os requisitos legais de que dependia a procedência da acção e que competia ao autor alegar e provar nos termos do art. 342.º, n.º 1 do Código Civil, por serem constitutivos do direito que invocou, ficando prejudicada a apreciação dos demais pedidos, nomeadamente o de condenação da ré a pagar ao autor indemnização por danos morais, por não se ter concluído por qualquer actuação ilícita do réu, ou por qualquer infracção aos limites da relação contratual.

[...]

O Autor, como resulta das conclusões da revista, manifesta a sua discordância em relação ao entendimento expresso na sentença, por entender, em síntese, que:

– A declaração da necessidade funcional, exigida pelos artigos 3.º e 4.º do Regulamento das Carreiras, não carece de ser formal ou escrita, valendo tanto a declaração expressa como a declaração tácita (artigos 217.º e 219.º, do Código Civil), sendo que a atribuição ao trabalhador, pelas chefias, de funções enquadráveis no descritivo da categoria profissional traduz uma declaração expressa ou, no mínimo, tácita, da necessidade funcional, que vincula o Réu, nos termos do artigo 800.º, n.º 1, do mesmo Código;
– Embora o Autor não tenha as habilitações literárias exigidas pelo Regulamento das Carreiras para aceder à carreira de Técnico Superior, demonstrou-se que é possuidor de uma experiência profissional ininterrupta e relevante, adequada a suprir, nos termos do artigo 5.º do mesmo instrumento regulamentar, a falta de habilitações;
– A omissão do Réu, quanto à fixação das condições para aceder à carreira de técnico superior não pode prejudicá-lo, sendo que a situação daí decorrente viola “o legítimo direito à realização profissional e ao pleno desenvolvimento da sua carreira profissional, à igualdade de oportunidades e de tratamento, no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho (artigos 22.º, 23.º, 28.º e 29.º do Código do Trabalho)”;
– A interpretação dada ao referido artigo 5.º pelo tribunal recorrido é ilegal e inconstitucional, por ofensiva do princípio da igualdade de oportunidades e de tratamento e das garantias constitucionais dos artigos 58.º e 59.º da Constituição da República Portuguesa;
– O Autor não pode ser prejudicado e discriminado face ao seu colega de trabalho, que exerce as mesmas funções, “nos termos da norma constitucional do trabalho igual, salário igual [art. 59.º, n.º 1, al. a), da CRP]”, regime perante o qual deve ceder o regulamento do Réu.
4. Vejamos o quadro normativo em que se insere a relação laboral em causa.

A Lei n.º 6/89, de 15 de Abril, que estabeleceu as bases gerais do Sistema Estatístico Nacional, consigna que o INE “é um instituto público dotado de personalidade jurídica, autonomia administrativa e financeira e património próprio”, sujeito à tutela do “ministro responsável pela área do planeamento” (artigo 14.º, n.os 1 e 2), regendo-se por estatutos a aprovar mediante decreto-lei (artigo 15.º).

No desenvolvimento do regime jurídico estabelecido por aquele diploma, veio a ser editado o Decreto-Lei 280/89, de 23 de Agosto, corporizando os Estatutos do INE, onde, entre os órgãos do INE, figura a Direcção, composta por um presidente e dois vogais, à qual, entre outras atribuições, foi conferida competência para submeter à aprovação ministerial o quadro, bem como o regime e a definição de carreiras, categorias e remunerações do pessoal do INE, e, para superintender na gestão do pessoal [artigos 5.º, alínea a), 6.º, n.º 1, e 7.º, alíneas c) e d)].

De acordo com o artigo 19.º dos Estatutos, “[p]ara que os órgãos do INE deliberem validamente é indispensável a presença da maioria dos respectivos membros em exercício” (n.º 1) e “[a]s deliberações serão tomadas por maioria dos votos expressos, tendo o presidente ou quem o substitua, voto de qualidade”, impondo o artigo 21.º que “[d]e todas as reuniões serão lavradas actas em livros próprios”.

E segundo dispõe o artigo 23.º, n.º 1, o INE obriga-se: “a) Pela assinatura de dois dos membros da direcção, um dos quais será necessariamente o presidente, ou de um membro e um representante com poderes para esse efeito”; “b) Pela assinatura de um membro da direcção que para tanto haja recebido, em acta, delegação da direcção para o acto ou actos determinados”; “c) Pela assinatura do funcionário do INE em que a direcção tenha delegado poderes para esse efeito”; “d) Pela assinatura do representante legalmente constituído nos termos e no âmbito dos poderes que lhe sejam conferidos”.

Nos termos do n.º 2 artigo 9.º, “[c]onsidera-se delegada no presidente a prática dos actos de gestão que, pela sua natureza e urgência, não possam aguardar a reunião do órgão competente”, actos esses que, conforme dispõe o n.º 3 do mesmo artigo, “devem ser sujeitos a ratificação na primeira reunião do órgão a que respeitam”.

Sob a epígrafe Estatuto do Pessoal, o diploma que vem sendo referido estabelece, no n.º 1 do seu artigo 30.º, que “[o] pessoal do INE rege-se, na generalidade, pelas normas aplicáveis ao contrato individual de trabalho e, na especialidade, pelo disposto em regulamento interno, aprovado por portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da tutela”.

Ao abrigo desta norma foi editada a Portaria n.º 441/95, de 12 de Maio, que aprovou o Regulamento de Pessoal do Instituto Nacional de Estatística (adiante, Regulamento de Pessoal), que, no seu artigo 2.º, estipula que “[o] pessoal do INE rege-se pelo presente Regulamento e demais regulamentação interna e, subsidiariamente, pelas normas aplicáveis ao regime do contrato individual de trabalho” (n.º 1); “[o] regime do presente Regulamento poderá vir a ser completado nas matérias que o integram por ordens de serviço publicadas pela direcção, dentro dos poderes que a lei e os estatutos lhe concedem” (n.º 2); “[o] conjunto dos instrumentos normativos referidos nos números anteriores constitui o estatuto pessoal do INE” (n.º 3).

Por força do disposto no artigo 7.º, n.º 1, o contrato de trabalho “constará de documento escrito e assinado por ambas as partes”, devendo conter, entre outras menções, a categoria profissional e a carreira profissional [alíneas b) e c)].

De acordo com o artigo 8.º, n.º 1, do mesmo Regulamento, “[t]odo o trabalhador do INE deverá encontrar-se enquadrado numa das categorias e carreiras profissionais cujo elenco consta de regulamento próprio, de acordo com as funções efectivamente desempenhadas”.

E segundo o artigo 9.º, “[o] trabalhador deve exercer uma actividade correspondente à categoria profissional que lhe é atribuída nos termos do artigo 8.º” (n.º 1); “[q]uando, porém, o interesse do INE o justificar, poderá o trabalhador ser temporariamente encarregado pelo director do respectivo departamento da execução de tarefas não compreendidas no objecto do contrato, desde que tal mudança não implique diminuição da retribuição, nem modificação substancial da posição do trabalhador” (n.º 2); e “[q]uando aos serviços temporariamente desempenhados, nos termos do número anterior, corresponder um tratamento mais favorável, o trabalhador terá direito a esse tratamento” (n.º 3).

Conforme previsto no artigo 7.º, alínea c), dos Estatutos do INE, foi aprovado pelo Despacho Conjunto A-215/89-XI dos Ministros das Finanças e do Planeamento e da Administração do Território (1).. o Regulamento das Carreiras Profissionais e Grupos de Qualificação do Instituto Nacional de Estatística (adiante, Regulamento das Carreiras).

Com interesse para a solução do problema do enquadramento profissional do Autor, dispõe o Regulamento das Carreiras:



Artigo 1.º
Conceitos

Para efeitos deste Regulamento, consideram-se:
a) Categoria profissional – classificação atribuída a um trabalhador em correspondência com as tarefas exercidas traduzidas num conjunto de funções da mesma natureza e idêntico nível de qualificação e que constitui o objecto da prestação de trabalho;
b) Carreira profissional – conjunto de classes no âmbito das quais se desenvolve a evolução profissional dos trabalhadores;
c) Classe – situação na carreira profissional correspondente a um determinado nível de vencimento;
d) Grupo de qualificação – a categoria ou conjunto de categorias profissionais que exigem conhecimentos, aptidões e habilitações de nível semelhante.

Artigo 2.º
Grupos de qualificação

Para os efeitos previstos neste Regulamento, as categorias profissionais do INE são integradas nas carreiras profissionais dos seguintes grupos de qualificação:
a) Pessoal de apoio geral;
b) Pessoal técnico profissional;
c) Pessoal técnico superior

Artigo 3.º
Condições gerais de ingresso

1 – São condições gerais de ingresso nas carreiras profissionais:
a) Necessidade funcional declarada pela direcção;
b) Perfil adequado do candidato, designadamente, quanto a habilitações literárias e experiência profissional;
c) O ingresso efectua-se pela classe mais baixa da carreira, salvo se, atentas a qualificação profissional do candidato e a natureza da função a preencher, a direcção entender atribuir-lhe uma classe superior.

Artigo 4.º
Acesso

1 – Para os efeitos estabelecidos neste Regulamento, considera-se:
a) Acesso nas classes – progressão na carreira profissional dependente da antiguidade ou da avaliação de desempenho decidida pela Comissão de Promoções nos termos do art. 7.º
b) Acesso a carreira profissional superior – progressão decorrente da mudança de conteúdo funcional e de acréscimo de responsabilidade.
2 – Em geral, o acesso à carreira profissional de grupo de qualificação superior dependerá de:
a) Necessidade funcional declarada pela direcção;
b) Posse das habilitações exigidas ou de experiência equivalente;
c) Classificação positiva na avaliação do desempenho;
d) Formação profissional exigível para a nova categoria a preencher.
3 – O acesso a carreiras profissionais de grupo de qualificação superior efectua-se para a classe de nível de remuneração imediatamente superior ao da detida pelo trabalhador salvo se, face ao respectivo perfil, a direcção entender atribuir-lhe nível superior.

Artigo 5.º
Condicionantes da mudança de carreira

1 – A mudança de carreira é condicionada pela posse das habilitações exigíveis e pelo reconhecimento de necessidade funcional.
2 – A falta de habilitações literárias poderá ser suprida por experiência profissional equivalente, nas condições que, caso a caso, sejam fixadas pela direcção.

Artigo 11.º
Definição

Consideram-se como técnicos profissionais as categorias profissionais de aplicação e enquadramento para as quais se exigem conhecimentos correspondentes ao 11.º ano ou experiência profissional equivalente.

Artigo 12.º
Categorias profissionais abrangidas

O grupo de qualificação de pessoal técnico profissional integra, nomeadamente, as seguintes categorias profissionais:
[...]
c) Operador de informática;
d) Programador de informática;
[...]
h) Técnico-adjunto de estatística;
l) Técnico de informática;
[...]

Artigo 14.º
Definição


O grupo de qualificação do pessoal técnico superior integra a categoria de concepção e estudo para a qual se exige conhecimentos a nível de licenciatura ou superior, ou uma experiência profissional equivalente, competindo-lhe prestar apoio técnico-científico ao serviço a que está adstrito, estudando, projectando e aplicando o desenvolvimento de processos próprios das suas áreas de especialidade.

Artigo 15.º
Categorias profissionais abrangidas

O grupo de qualificação de pessoal técnico superior integra, nomeadamente, as seguintes categorias profissionais:
[...]
e) Programador de sistemas;
[...]
5. Examinemos os pontos de discordância enunciados.

5. 1. No que diz respeito à declaração de necessidade funcional pela Direcção do INE, como um dos requisitos gerais de ingresso em qualquer das carreiras profissionais [artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento das Carreiras] e, particularmente, de acesso à carreira profissional de grupo de qualificação superior [artigo 4.º, n.º 2, alínea a), do mesmo Regulamento], o recorrente pretende que tal requisito se mostra verificado, pela circunstância de lhe ter sido atribuído “pelas chefias” o desempenho de tarefas que, na sua perspectiva, se acham compreendidas nas funções de Técnico Superior, tal como elas se encontram descritas no artigo 14.º do mesmo Regulamento de Carreiras, sustentando que essa atribuição constitui uma manifestação expressa – ou, no mínimo, tácita – da necessidade funcional, em todo caso, válida para vincular o INE, em face do disposto nos artigos 217.º, 219.º e 800.º, n.º 1, do Código Civil.

Do quadro normativo acima apresentado resulta que:

– À Direcção do INE, e só a ela, compete, no âmbito dos poderes de gestão dos recursos humanos, que lhe estão conferidos, declarar a necessidade funcional que justifica o acesso a determinada carreira profissional [artigos 3.º, n.º 1, a), 4.º, n.º 2, a) e 5.º, n.º 1., do Regulamento das Carreiras];
– Tal declaração há-de resultar de deliberação a tomar, por maioria dos votos expressos, a registar em livro próprio (artigo 19.º, dos Estatutos do INE).

Trata-se, por conseguinte, de um acto formal, cuja prática envolve o respeito por determinados procedimentos, sem o que não pode ter-se por verificado.

Em bom rigor, a declaração de necessidade funcional, não traduz uma declaração negocial, no sentido de manifestação de vontade apta, por si só, a produzir alteração no complexo de direitos e deveres que integram a esfera jurídica de quem a emite e/ou de terceiros eventuais destinatários.

Antes configura a expressão de um mero juízo sobre a adequação de meios, em função dos objectivos a prosseguir mediante a utilização de recursos humanos, segundo critérios de racionalidade e objectividade que hão-de presidir às tarefas de gestão do pessoal.

Tal juízo e a sua expressão formal, pelo órgão competente, apresentam-se como um dos elementos do processo de elaboração da decisão de conceder ao trabalhador o acesso a um determinado grupo de qualificação profissional.

Só esta decisão, tomada em conformidade com as normas regulamentares, pode assumir a natureza de declaração negocial e só em relação a esta se aplicam as regras dos artigos 217.º e segs. do Código Civil, que contemplam, apenas, a declaração que consubstancie uma manifestação de vontade.

A falta daquele juízo, reportado à necessidade funcional, e da sua expressão formal, não pode, em face do regime estatutário do INE, ser suprida, pelo mero facto de o trabalhador ser encarregado pelo director do respectivo departamento da execução de tarefas inscritas em carreira profissional superior à que foi mencionada no contrato escrito.

Essa atribuição de tarefas diferentes está, aliás, prevista no Regulamento de Pessoal, sempre que o interesse do INE o justificar, tendo como consequência, não a subida de categoria, por mudança para carreira superior, mas o direito ao tratamento mais favorável que ao caso couber (artigo 9.º, n.os 2 e 3).

Em suma, não pode acolher-se o argumento do Autor segundo o qual o ter sido incumbido, pelas chefias, de desempenhar tarefas próprias de Técnico Superior, consubstancia a declaração expressa ou, no mínimo, tácita, de necessidade funcional, com virtualidade para satisfazer um dos requisitos exigidos para a pretendida mudança de carreira e de categoria profissional.

É certo que, nos termos do n.º 1 do artigo 800.º do Código Civil, “[o] devedor é responsável pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo devedor”.

Todavia, há que reconhecer que tal preceito não tem aplicação no caso dos autos.

Como resulta do que já se disse, a indispensabilidade da declaração de necessidade funcional não pode ser afastada pela atribuição de tarefas diferentes, mesmo que esta atribuição fosse comunicada pela direcção; por outro lado, não consentem os Estatutos do INE, nem o Regulamento de Pessoal, nem, ainda, o Regulamento das Carreiras, a delegação de poderes para expressar aquela declaração em qualquer representante ou funcionário; finalmente, não consta dos autos que a Direcção do INE tenha, para o efeito, delegado poderes “nas chefias” do Autor.

Acresce que, tendo o INE a natureza jurídica de instituto público, os actos e formalidades tendentes à formação e manifestação da sua vontade e à sua execução estão sujeitos ao regime estabelecido no Código do Procedimento Administrativo, conforme dispõe o seu artigo 2.º, n.os 1 e 2, alínea b) deste diploma.

Ora, decorre do n.º 1 do artigo 35.º do mesmo Código que a delegação de poderes conferidos aos órgãos administrativos só é permitida quando “para tal estejam habilitados por lei”, o que, como se referiu, não sucede no presente caso.

Concluindo a apreciação deste ponto objecto de controvérsia, resta dizer, acompanhando o entendimento da sentença impugnada, que o juízo sobre a necessidade funcional, como pressuposto do acesso de um determinado trabalhador ao grupo profissional de qualificação profissional superior, cabe nos poderes discricionários do INE, pois que se reveste de carácter eminentemente técnico, obedecendo a critérios de gestão, em que se inclui o da oportunidade, não havendo norma que imponha a declaração de necessidade funcional para proporcionar a trabalhadores que preencham os demais requisitos de tal acesso, ainda que venham exercendo tarefas incluídas no descritivo de funções de grupo qualificação superior.

Como tal, não pode o tribunal, substituir-se ao INE no reconhecimento da necessidade funcional, que condiciona a mudança de carreira.

E porque a prova desse requisito é indispensável, cumulativamente com a posse das habilitações exigíveis ou experiência profissional equivalente, para a mudança de carreira (artigo 5.º, n.os 1 e 2, do Regulamento das Carreiras), a sua falta determina, por si só, a improcedência, no que concerne, da pretensão do Autor.

Desta conclusão resulta a inutilidade de apreciar os aspectos relacionados com a omissão de definição, por parte do INE, das condições em que à experiência profissional do Autor poderia ser conferida equivalência às habilitações literárias exigíveis para a mudança de carreira, habilitações essas que o Autor reconhece não possuir.

5. 2. É de referir, no entanto, que, no tocante à aspiração de mudança de grupo profissional de qualificação, não se extrai dos factos provados que, seja pelo não reconhecimento da necessidade funcional, seja pela omissão de definição das condições de equivalência da experiência profissional em ordem a suprir a falta de habilitações académicas, o Autor haja sido alvo de tratamento discriminatório, traduzindo violação do princípio da igualdade, em qualquer das vertentes invocadas na alegação da revista.

De acordo com a matéria de facto apurada (pontos 18, 19, 21, 22 e 24):

– A partir de 1 de Junho de 2005, o Autor passou a desempenhar funções integrado no Serviço de Desenvolvimento Aplicacional do Departamento de Sistemas de Informação, constituído no Porto, trabalhando, sempre que determinado, em equipa com BB, com os mesmos objectivos profissionais, desempenhando ambos funções de desenvolvimento aplicacional que correspondem em 15% à concepção das aplicações e em 85% a programação;
– O mencionado BB tem a categoria de técnico superior de informática, da carreira de pessoal técnico superior e está colocado na classe A 7 da tabela salarial do Réu, com o nível salarial 12, enquanto o Autor continua a estar classificado como técnico-adjunto de estatística, na classe B5 da tabela, com o nível salarial 8;
– O técnico superior do réu CC, não sendo licenciado, ingressou naquela carreira.

Dispõe o artigo 22.º do Código do Trabalho que “[t]odos os trabalhadores têm direito à igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere [...] à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho” (n.º 1), e “[n]enhum trabalhador [...] pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, de ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil situação familiar, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas ou filiação sindical” (n.º 2).

O artigo 23.º do mesmo Código proíbe, no seu n.º 1, a prática pelo empregador de “qualquer discriminação, directa ou indirecta” baseada nos motivos indicados no n.º 2 do artigo anterior, estabelecendo o n.º 3 daquele artigo 23.º que “[c]abe a quem alegar a discriminação fundamentá-la, indicando o trabalhador ou trabalhadores em relação aos quais se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que as diferenças de condições não assentam em nenhum dos factores indicados no n.º 1”.

Os artigos 28.º e 29.º do Código do Trabalho contemplam a proibição de praticas discriminatórias baseadas, exclusivamente, no sexo.

As prescrições contidas em todos os referidos preceitos apresentam-se como corolário do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (adiante, Constituição): “1 – Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”; “2 – Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social”.

E reflectem, de algum modo, as garantias consignadas no n.º 2 do artigo 58.º da Constituição, onde se estabelece que: “Para assegurar o direito ao trabalho, incumbe ao Estado promover: [...]; b) A igualdade de oportunidades na escolha da profissão ou género de trabalho e condições para que não seja vedado ou limitado, em função do sexo, o acesso a quaisquer cargos, trabalho ou categorias profissionais; c) A formação cultural e técnica e a valorização profissional dos trabalhadores”; e no artigo 59.º, n.º 1, na parte em que determina que: “Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito: a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna; b) A organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal [...]”.

Tem este Supremo Tribunal afirmado, em consonância com o entendimento pacífico do Tribunal Constitucional e da doutrina, que as exigências do princípio da igualdade se reconduzem, no fundo, à proibição do arbítrio, não impedindo, pois, em absoluto, toda e qualquer diferenciação de tratamento, mas apenas as diferenciações materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou justificação objectiva e racional, como são as baseadas nos motivos indicados no referido preceito constitucional (cfr., entre outros, o recente Acórdão deste Supremo de 14 de Maio de 2008, em www.dgsi.pt, Documento n.º SJ20080514035194).

É dizer que, devendo tratar-se por igual o que é substancial e essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual, são legítimas as medidas de diferenciação de tratamento fundadas em distinção objectiva de situações, não baseadas em qualquer motivo constitucionalmente impróprio, que tenham um fim legítimo à luz do ordenamento constitucional positivo, e se revelem necessárias, adequadas e proporcionais à satisfação do objectivo prosseguido (2).

No presente caso, ignora-se, relativamente ao trabalhador BB em que condições e em que momento ingressou ou acedeu à categoria profissional de Técnico Superior, apenas se sabendo que, a partir de 1 de Junho de 2005, desempenha funções idênticas às do Autor, o que não permite formular qualquer juízo quanto ao alegado tratamento discriminatório no que respeita ao acesso à referida carreira profissional.

Relativamente ao trabalhador CC, apenas se sabe que, não sendo licenciado, ingressou na mencionada carreira, desconhecendo-se quando e em que condições tal sucedeu, por isso que não é possível, com os dados disponíveis, estabelecer o indispensável confronto entre a situação objectiva que conduziu a tal ingresso e aquela invocada pelo Réu para sustentar a sua pretensão, em ordem a apurar se o comportamento do Réu, ao não declarar a necessidade funcional (e ao não definir as condições em que a experiência profissional do Réu pode ser valorada por forma a suprir a falta de licenciatura), se reveste de algum arbítrio.

É de notar que não vem alegado que a ofensa ao princípio da igualdade consistiu em tratamento diferente baseado em qualquer dos motivos a que se referem os artigos 22.º, n.º 2 e 23.º, n.º 1, do Código do Trabalho, pelo que, não tem aplicação o que dispõe a parte final do n.º 3 deste último artigo, valendo a regra consignada no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, por força do que ao Autor competia alegar e provar os factos que pudessem revelar o tratamento discriminatório.

Visto que isso não sucedeu, improcede o que alegado foi a propósito da violação do princípio da igualdade, quanto ao problema do acesso à carreira profissional de Técnico Superior.

5. 3. Cumpre, finalmente, abordar o problema da violação do princípio “para trabalho igual salário igual”, com projecção no direito a diferenças salariais reclamadas no articulado inicial por via do desempenho de funções de categoria profissional superior.

É que, como se observou no Acórdão deste Supremo de 2 de Novembro de 2005 (Revista n.º 1167/05), sumariado em www.stj.pt/Sumários de Acórdãos, “em respeito pelo princípio da igualdade, justifica-se que, em casos em que o trabalhador exerce funções correspondentes a determinada categoria profissional, sem que se verifiquem os requisitos para que esta lhe seja reconhecida, ele adquira o direito a auferir a retribuição correspondente, ainda que não possa invocar o direito à reclassificação nessa mesma categoria”.

É o que, também, decorre do supra mencionado artigo 9.º, n.º 3, do Regulamento de Pessoal do Instituto Nacional de Estatística, em sintonia com o que estabelece o artigo 314.º, n.º 3, segundo segmento, do Código do Trabalho, na linha do que estatuía o n.º 8 do artigo 22.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969.

Já se viu que, nos termos do artigo 14.º do Regulamento das Carreiras, o grupo de qualificação do pessoal técnico superior integra a categoria de concepção e estudo, competindo-lhe prestar apoio técnico-científico ao serviço a que está adstrito, estudando, projectando e aplicando o desenvolvimento de processos próprios das suas áreas de especialidade.

No que se refere ao período anterior a 1 de Junho de 2005, ficou demonstrado que:

– Em 2001, o Autor, em conjunto com as suas chefias e a pedido desta idealizou, desenvolveu e implementou a aplicação denominada EDIMail, destinada à recolha, validação e processamento automatizado de ficheiros, cujos requisitos aplicacionais definiu em conjunto com aquelas chefias (ponto 7 da matéria de facto);
– Face aos resultados obtidos, a colaboração do Autor foi solicitada pelas chefias para a concepção de outras soluções aplicacionais (EDITrans, IPRIPC e CI), que, depois, desenvolveu e implementou sozinho (ponto 10 da matéria de facto);
– O Autor redigiu sozinho manuais de utilização das aplicações EDIMail e EDITrans (ponto 11 da matéria de facto);
– Em 2003, o Autor incluiu a nova plataforma informática conhecida por “NET Framework”, na concepção e no desenvolvimento de soluções aplicacionais (ponto 14 da matéria de facto).

As funções que vêm de ser referidas integram, sem dúvida, o descritivo do grupo de qualificação do pessoal técnico superior, daí que haja de reconhecer-se que o Autor adquiriu, pelo seu exercício, o direito a receber, no período em que as desempenhou a remuneração correspondente à categoria profissional em que elas se incluem.

Todavia, os factos provados não permitem quantificar o valor que lhe é devido, pois não fornecem os autos elementos concretos que permitam delimitar no tempo a duração daquele exercício, dado que os termos em que a matéria de facto foi fixada não possibilitam, ao menos aproximadamente, estabelecer em que momento do ano de 2001 aquele desempenho teve início, se perdurou sem interrupções e quando terminou.

A situação que se nos depara enquadra-se na previsão do artigo 661.º, n.º 2, do Código de Processo Civil(3).: “Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”.

No que diz respeito ao período posterior a 1 de Junho de 2005, está provado que:

– Na sequência de um processo de reestruturação do INE, o Autor foi integrado no Serviço de Desenvolvimento Aplicacional do Departamento de Sistemas de Informação, constituído no Porto, por dois técnicos: o Autor e BB, ambos com os mesmos objectivos profissionais, trabalhando em equipa quando lhes é determinado, no desempenho de funções de desenvolvimento aplicacional que correspondem em 15% à concepção de aplicações e em 85% a programação;
– Enquanto o Autor continua classificado e a ser remunerado como Técnico-adjunto de Informática, aquele outro trabalhador do INE tem a categoria de Técnico Superior de Informática;
– O Departamento de Recursos Humanos do INE estabeleceu como “Posto de Trabalho Padrão” da categoria de Técnico Superior de Informática: função de “concepção e desenvolvimento de aplicações informáticas”, com o seguinte “descritivo de funções: concepção e desenvolvimento de aplicações informáticas, concebe os modelos lógicos que suportam as aplicações, desenvolve as aplicações e procede à sua implementação, elabora a documentação de apoio à execução das aplicações, colabora na pesquisa, selecção e implementação das novas soluções tecnológicas, novas metodologias e novos produtos de sofware”.

Apesar de se ter demonstrado que as soluções tecnológicas a utilizar e os modelos lógicos a seguir em cada aplicação são previamente definidos pelas chefias, não pode deixar de concluir-se que as funções desempenhadas pelo Autor se incluem no descritivo do referido “Posto de Trabalho Padrão”, sendo as mesmas que exerce o trabalhador que, detendo a categoria de Técnico Superior de Informática, aufere remuneração mais elevada, apenas devido à sua classificação profissional – não está em causa a quantidade e a qualidade da prestação de cada um deles.

Esta situação, além de ofender o princípio “para trabalho igual salário igual”, contraria directamente o disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Regulamento de Pessoal do INE, nos termos do qual, recorde-se, se o trabalhador for incumbido da execução de tarefas não compreendidas no objecto do contrato e a tais serviços corresponder um tratamento mais favorável, ele terá direito a esse tratamento.

Não é, no entanto, possível, face à matéria de facto disponível, fixar já o montante correspondente à diferença entre as remunerações que o Autor recebeu e as que deveria ter auferido no período posterior a 1 de Junho de 2005.

Com efeito,

No artigo 34.º da petição inicial, o Autor indicou os valores dos vencimentos que recebeu, correspondentes à categoria de Técnico-Adjunto de Estatística, tendo essa matéria sido considerada provada (ponto 27 da matéria de facto);

No artigo 35.º daquela peça indicou os valores da remuneração base mensal respeitantes à categoria de Técnico Superior de Informática (que, em seu entender, tinha direito a receber).

Porém, embora estes valores se apresentem reportados a níveis de remuneração, não vêm indicadas as tabelas salariais que foram, sucessivamente, sendo aplicadas, sendo certo que, a tal respeito, nada foi declarado provado.

Do confronto entre os artigos 13.º e 16.º do Regulamento das Carreiras, que estabelecem o desenvolvimento, por referência a classes, da carreira do grupo de qualificação do pessoal técnico profissional e da carreira do grupo de qualificação do pessoal técnico superior, respectivamente, e do exame do Anexo ao mesmo Regulamento, decorre que à categoria atribuída ao Autor corresponde um nível de remuneração inferior à da categoria de Técnico Superior.

Não havendo elementos para quantificar, com rigor, a diferença entre os respectivos valores, há que lançar mão da faculdade consignada no n.º 2 do artigo 661.º do Código de Processo Civil.


III

Por tudo o exposto, decide-se:

– Negar a revista, no tocante ao pedido de reclassificação do Autor na categoria de Técnico Superior de Informática;
– Conceder, parcialmente, a revista, quanto ao pedido de diferenças de remuneração, condenando-se o Réu no pagamento ao Autor do que vier a ser liquidado, em função do apuramento dos lapsos de tempo em que, no período de 2001 a 1 de Junho de 2005, aquele exerceu funções da referida categoria e dos valores inscritos nas tabelas salariais para a mesma categoria, nesses lapsos de tempo e depois de 1 de Junho de 2005.

Fixa-se, provisoriamente, a responsabilidade pelas custas em partes iguais a cargo de ambas as partes, sem prejuízo do que vier a ser apurado, quanto ao vencimento, em sede de liquidação.

Lisboa, 4 de Junho de 2008.

Vasques Dinis (Relator)

Bravo Serra

Mário Pereira

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(1)- Publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 270, de 23 de Novembro de 1989, p. 11691 e segs..
(2)- J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Anotada, Vol. I, 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, 2007, p. 340.
(3)- Na versão que resultou das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março