Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | RICARDO COSTA | ||
Descritores: | LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO LEGITIMIDADE PROCESSUAL EXCEÇÃO DILATÓRIA ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA RENOVAÇÃO DA INSTÂNCIA AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO USUCAPIÃO BEM IMÓVEL COMPROPRIEDADE LEGITIMIDADE ATIVA INTERVENÇÃO PRINCIPAL INTERVENÇÃO PROVOCADA | ||
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Data do Acordão: | 09/23/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | REVISTA IMPROCEDENTE | ||
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Sumário : | No pedido de reconhecimento da aquisição por usucapião para bem imóvel em situação de compropriedade, relativamente a “quotas” reivincadas na contitularidade plural, a natureza da relação jurídica controvertida obriga, em face da indivisibilidade subjectiva dos efeitos substantivos pretendidos, à intervenção na acção de todos os comproprietários (com «interesse em contradizer»), a fim de a decisão produzir o seu «efeito útil normal» e «regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado», sob pena de ilegitimidade, por preterição de litisconsórcio necessário “natural” (e até “legal implícito”, em face do regime da compropriedade como um todo: arts. 1403º e ss do CCiv.), da(s) parte(s) integrante(s) da acção (arts. 33º, 30º, 1 e 2, CPC) e absolvição da instância por procedência da correspondente excepção dilatória (arts. 278º, 1, d), 576º, 1 e 2, 577º, e), e 578º+590º, 1, CPC), sem prejuízo da aplicação sucessiva do art. 261º+316º e ss do CPC. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO 1. «Frasac Construções e Administração, S.A.» intentou acções declarativas de condenação, sob a forma de processo comum, contra (a) AA e cônjuge mulher BB, Réus no processo principal, (b) CC (Ré no apenso “A”), (c) DD e cônjuge mulher EE (Réus no apenso “B”), (d) FF (Ré no apenso “C”), GG (Ré no apenso “D”), (e) HH (Ré no apenso “E”), (f) II e cônjuge mulher JJ (Réus no apenso “F”) e (viii) KK e LL (Réus no apenso “G”). Em cada uma das Petições Iniciais, a Autora peticionou que fosse(m) condenado/a(s) o/a(s) Ré(us) a: a) Reconhecerem que a Autora é legítima comproprietária e compossuidora, na proporção de 47/48 avos, do prédio composto por uma zona ampla em cave, destinada a parqueamento de veículos automóveis ligeiros, com 48 lugares de estacionamento e uma sala de reuniões (…), situado na Rua 1 em Oeiras, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o número 000588 da freguesia de Oeiras e S. Julião da Barra e inscrito na matriz sob o artigo ..56 da União das freguesias de Oeiras e S. Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias; b) A desocupar o lugar de estacionamento que vêm usando no mesmo prédio; c) A pagar à Autora a importância mensal de 120 € desde a instauração da presente ação até a entrega à Autora do lugar de estacionamento que vem usando, como indemnização relativa à privação da utilização do espaço pela Autora, correspondendo à receita que poderia obter pela cedência do seu uso a terceiros.” Alegou, para tanto e em síntese, que: a Autora é comproprietária e legítima compossuidora, na proporção de 47/48 avos, do prédio referido; o outro comproprietário é MM, que adquiriu a sua quota de 1/48 avos a NN, que, por sua vez, a tinha adquirido à referida sociedade Silvassantos; a Garagem foi construída pela mesma empresa que construiu um prédio urbano contíguo àquela, destinado a habitação, com 48 fogos, designado por “T...”, destinando-se a garagem a ser vendida aos condóminos desse “T...”; os Réus são proprietários de fracções autónomas desse prédio; aquela sociedade (entretanto extinta) terá celebrado alguns contratos promessa de compra e venda com proprietários de frações autónomas na “T...”, mas a Autora não dispõe de exemplares desses contratos e desconhece quais os preços acordados e os sinais recebidos; os Réus vêm usando a garagem para aí parquear os seus veículos; a Autora propôs vender aos Réus cada um dos 1/48 que possui, por 5.000 €, um preço que corresponde a metade do seu valor de mercado, descontando os sinais (ou a totalidade do preço) eventualmente pagos àquela sociedade, devendo pagar apenas os encargos que a Autora vem suportando, designadamente com o IMI; como não aceitaram, a Autora viu-se obrigada a intentar uma ação contra cada um dos diferentes condóminos da T... que estão nessa situação. 2. Os Réus no processo principal apresentaram a sua Contestação, em que se defenderam por impugnação motivada, de facto e de direito, por excepção e reconvenção, requerendo a final o seguinte: “a) Deve ser julgada procedente a exceção da nulidade de registo de destaque, com a consequente nulidade da aquisição pela Autora da parte do prédio sujeito à desanexação, devendo os sucessivos registos de aquisição e outros lavrados no prédio descrito sob o n.º .33, ingressarem na descrição do prédio “mãe”, atualmente descrito sob o n.º .88, devendo ser cancelados os registos lavrados neste mesmo prédio após o destaque, sendo os Réus absolvidos dos pedidos formulados na petição inicial; b) Subsidiariamente, caso não proceda a exceção anterior, deve ser julgada procedente a exceção da nulidade da aquisição do prédio descrito sob o n.º .88 de 24/3/1993, registada a favor da Autora em 12/4/1993, por violação de normas imperativas de licenciamento impostas pela entidade camarária, devendo ser cancelados os posteriores registos de aquisição lavrados neste mesmo prédio, sendo os Réus absolvidos dos pedidos formulados na petição inicial; c) Em todo o caso, deve a ação ser julgada totalmente improcedente, por não provada, sendo os Réus absolvidos de todos os pedidos formulados na petição inicial, com a consequente condenação da Autora nas custas do processo; d) Subsidiariamente, caso não procedam as exceções invocadas, deve ser julgado procedente o pedido reconvencional da aquisição da propriedade por usucapião, sendo a Autora/Reconvinda condenada a reconhecer os Réus/ Reconvintes como proprietários de 1/48 avos do prédio atualmente descrito com o número .88 da freguesia de Oeiras e São Julião da Barra, retroagindo-se os efeitos da aquisição a 25/6/1991 ou ao ano de 1981, conforme seja, ou não, procedente, a invocação da acessão de posse, ou, caso assim não se entenda, deve ser julgado procedente o pedido da aquisição do usufruto por usucapião, sendo a Autora/Reconvinda condenada a reconhecer os Réus/Reconvintes como usufrutuários de 1/48 avos do prédio atualmente descrito com o número .88 da freguesia de Oeiras e São Julião da Barra, retroagindo-se os efeitos da aquisição a 25/6/1991 ou ao ano de 1981, conforme seja, ou não, procedente, a invocação da acessão de posse; e) Subsidiariamente, caso não proceda o pedido reconvencional a que se reporta a alínea anterior, deve ser julgado procedente o pedido reconvencional de execução específica, por incumprimento do contrato-promessa, devendo o tribunal substituir-se à declaração negocial da Autora/Reconvinda, comprometendo-se os Réus/Reconvintes a depositar o remanescente do preço acordado no prazo que lhes vier a ser fixado para o efeito. 3. A Autora-reconvinda apresentou a sua Réplica, em que pugnou pela improcedência dos pedidos reconvencionais, requerendo ainda, para o caso de ser julgado procedente o pedido de execução específica, que fosse atualizada a prestação devida pelos Réus com base nos coeficientes de desvalorização monetária. Notificada para se pronunciar sobre a matéria das excepções, a Autora apresentou ainda articulado de Resposta, pugnando pela improcedência das exceções. 4. Foi determinada, por despacho proferido em 22/8/2022, a apensação aos presentes autos de sete outras acções intentadas pela Autora, a saber, as que corriam termos como: Proc. n.º 2718/21.5T8OER, intentada contra DD e EE; Proc. n.º 2726/21.6T8OER, intentada contra II e JJ; Proc. n.º 2727/21.4T8OER, intentada contra HH; Proc. n.º 2728/21.2T8OER, intentada contra GG; Proc. n.º 2893/21.9T8OER, intentada contra FF; Proc. n.º 2935/21.8T8OER, intentada contra CC; Proc. n.º 2936/21.6T8OER, intentada contra KK e LL. Em todos estes processos a Autora peticionou a condenação dos Réus no reconhecimento de que é comproprietária e legítima (com)possuidora de 47/48 avos do prédio composto por uma cave destinada ao parqueamento de veículos automóveis ligeiros, com 48 lugares de estacionamento e uma sala de reuniões, situado na Rua 1, em Oeiras, bem como a condenação dos Réus na desocupação de um determinado lugar de estacionamento e pagamento de uma importância mensal até efetiva desocupação, alegando designadamente que todos os Réus nestas ações são proprietários de frações autónomas do prédio urbano, com 48 fogos, destinado à habitação, e utilizam, sem qualquer título, lugares de estacionamento do prédio contíguo descrito sob o n.º .88. Nesses outros processos, os Réus apresentaram a sua Contestação, invocando as mesmas excepções (nulidade do registo de destaque e nulidade do registo de aquisição a favor da Autora); para o caso de improcedência das excepções, deduziram, subsidiariamente, contra a Autora pedidos reconvencionais idênticos de aquisição do direito de compropriedade por usucapião de 1/48 avos e, no caso do apenso “D”, 2/48 avos; subsidiariamente, peticionaram ainda a execução específica do contrato promessa; alegaram, em síntese, serem proprietários das frações autónomas a seguir indicadas, e que às mesmas está afecto, pelo menos desde o ano 1981, o lugar de estacionamento que indicam, o qual vem sendo ininterruptamente usado pelos proprietários das ditas frações; assim, referem que: quanto à fracção designada pela letra “T”, propriedade dos Réus no processo principal, está afecto o lugar de estacionamento n.º 6; quanto à fracção AG (8.º andar-B), propriedade da Ré no apenso “A”, está afecto o lugar de estacionamento n.º 4; quanto à fracção F, propriedade dos Réus no apenso “B”, está afeto o lugar de estacionamento n.º 23; quanto à fração Z, propriedade dos Réus no apenso “C”, está afecto o lugar de estacionamento n.º 3; quanto às frações V e X, propriedade da Ré no apenso D, estão afectos, respectivamente, os lugares de estacionamento n.os 32 e 31; quanto à fração P, propriedade dos Réus no apenso “E”, está afecto o lugar de estacionamento n.º 44; quanto à fração L, propriedade dos Réus no apenso “F”, está afecto o lugar de estacionamento n.º 19; quanto à fracção AJ, propriedade dos Réus no apenso no apenso “G”, está afeto o lugar de estacionamento n.º 47. A Autora-Reconvinda replicou e respondeu, conforme fez no processo principal. 5. Foi proferido despacho de admissão das reconvenções formulada nos autos principais e nos demais apensos, bem como despacho saneador (30/12/2022). 6. Após realização da audiência final de julgamento, o Juiz 1 do Juízo Central Cível de Cascais proferiu sentença (8/4/2024), decidindo: “(principal) I. Julgar improcedente por não provada a acção proposta por Frasac Construções e Administração SA, contra AA e BB, absolvendo os RR. dos pedidos. II. Julgar procedente o pedido reconvencional da aquisição da propriedade por usucapião, sendo a Autora/Reconvinda condenada a reconhecer os Réus/ Reconvintes AA e BB como proprietários de 1/48 avos do prédio actualmente descrito com o número .88 da freguesia de Oeiras e São Julião da Barra. Apenso A III. Julgar improcedente por não provada a acção proposta por Frasac Construções e Administração SA, contra, CC, absolvendo a R. do pedido. IV. Julgar procedente o pedido reconvencional da aquisição da propriedade por usucapião, sendo a Autora/Reconvinda condenada a reconhecer a R. CC, como proprietária de 1/48 avos do prédio actualmente descrito com o número .88 da freguesia de Oeiras e São Julião da Barra. Apenso B V. Julgar improcedente por não provada a acção proposta por Frasac Construções e Administração SA, contra DD e EE, absolvendo os RR. do pedido. VI. Julgo procedente o pedido reconvencional da aquisição da propriedade por usucapião, sendo a Autora/Reconvinda condenada a reconhecer DD e EE, como proprietários de 1/48 avos do prédio actualmente descrito com o número .88 da freguesia de Oeiras e São Julião da Barra. Apenso C VII. Julgar improcedente por não provada a acção proposta por Frasac Construções e Administração SA, contra, FF, absolvendo a R. do pedido. VIII. Julgo procedente o pedido reconvencional da aquisição da propriedade por usucapião, sendo a Autora/Reconvinda condenada a reconhecer a R. FF, como proprietária de 1/48 avos do prédio actualmente descrito com o número .88 da freguesia de Oeiras e São Julião da Barra. Apenso D IX. Julgar improcedente por não provada a acção proposta por Frasac Construções e Administração SA, contra, GG, absolvendo a R. do pedido. X. Julgo procedente o pedido reconvencional da aquisição da propriedade por usucapião, sendo a Autora/Reconvinda condenada a reconhecer a R. GG, como proprietária de 2/48 avos do prédio actualmente descrito com o número .88 da freguesia de Oeiras e São Julião da Barra. Apenso E XI. Julgar improcedente por não provada a acção proposta por Frasac Construções e Administração SA, contra, HH, absolvendo a R. do pedido. XII. Julgo procedente o pedido reconvencional da aquisição da propriedade por usucapião, sendo a Autora/Reconvinda condenada a reconhecer a R. HH, como proprietária de 1/48 avos do prédio actualmente descrito com o número .88 da freguesia de Oeiras e São Julião da Barra. Apenso F XIII. Julgar improcedente por não provada a acção proposta por Frasac Construções e Administração SA, contra, II e JJ, absolvendo os RR. do pedido. XIV. Julgo procedente o pedido reconvencional da aquisição da propriedade por usucapião, sendo a Autora/Reconvinda condenada a reconhecer os RR. R. II e JJ, como proprietários de 1/48 avos do prédio actualmente descrito com o número .88 da freguesia de Oeiras e São Julião da Barra. Apenso G XV. Julgar improcedente por não provada a acção proposta por Frasac Construções e Administração SA, contra os RR. KK e LL, absolvendo os RR. do pedido. XVI. Julgo procedente o pedido reconvencional da aquisição da propriedade por usucapião, sendo a Autora/Reconvinda condenada a reconhecer os RR. KK e LL, como proprietários de 1/48 avos do prédio actualmente descrito com o número .88 da freguesia de Oeiras e São Julião da Barra. XVII. Ordeno registo de inscrição de propriedade a favor dos RR. no registo predial.” 7. Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, com ampliação do objecto nas contra-alegações dos Réus e Reconvintes, que conduziu a ser proferido acórdão (13/3/2025), que, no que se refere à primeira questão do recurso da Autora, limitado a decidir “[s]e as reconvenções – atinentes à aquisição, por usucapião, por parte de cada um dos oito Réus-reconvintes, de 1/48 avos (ou 2/48 avos, no caso do apenso D) de um prédio em compropriedade – deviam ter sido indeferidas, por não terem sido deduzidas contra todos os comproprietários, sendo um caso de litisconsórcio necessário passivo”, decidiu conceder parcial provimento ao recurso, sem conhecimento das demais questões objecto do recurso e do requerimento de ampliação do seu âmbito, revogando-se a sentença recorrida e, em substituição, julgando-se “verificada a exceção dilatória de ilegitimidade processual por preterição de litisconsórcio necessário passivo nas reconvenções, absolvendo-se a Autora-reconvinda da instância reconvencional nos diferentes processos, anulando-se a tramitação subsequente ao despacho saneador, sem prejuízo do disposto no art. 261.º do CPC, e, ouvidas as partes, do aproveitamento dos termos processuais subsequentes que não dependam absolutamente das reconvenções”. 8. Agora sem se resignarem, os Réus e Reconvintes interpuseram recurso de revista para o STJ, com base no art. 671º, 1, do CPC, finalizando as suas alegações com as seguintes Conclusões: “A) Do trânsito em julgado da sentença que julgou integralmente improcedentes as acções propostas pela Autora/Reconvinda contra os ora Réus/Reconvintes: 1. A Autora/Reconvinda, aqui Recorrida, não impugnou a decisão do Tribunal de 1ª Instância que julgou improcedentes as acções deduzidas contra os Réus/Reconvintes, aqui Recorrentes, e que os absolveu dos pedidos contra si formulados, pelo que a mesma transitou em julgado. 2. O acórdão recorrido, que concedeu parcial provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida,julgando verificadaa excepçãodilatória deilegitimidade processualpor preterição de litisconsórcio necessário passivo nas reconvenções, absolvendo a Autora/Reconvinda da instância reconvencional nos diferentes processos, anulando a tramitação subsequente ao despacho saneador, sem prejuízo do aproveitamento dos termos processuais subsequentes que não dependam absolutamente das reconvenções, em nada afectou a decisão da 1ª Instânciaquejulgouimprocedentesas acções, devendoconfirmar-se quea mesma transitou em julgado. B) Da decisão que julgou verificada a excepção dilatória de ilegitimidade processual por preterição de litisconsórcio necessário passivo nas reconvenções: 3. Ao julgar verificada a excepção dilatória de ilegitimidade processual por preterição de litisconsórcionecessáriopassivonasreconvenções,absolvendoa aqui Recorrida da instância reconvencional nos diferentes processos, por considerar que o reconhecimento dos direitos de propriedade de 1/48 avos do prédio a cada um dos Réus (ou 2/48 avos no caso de uma das Rés), não podia deixar de afectar o direito de propriedade de MM, comproprietário de 1/48 avos do prédio em causa, o qual teria de ter sido demandado, o Tribunal recorrido fez uma errada interpretação da situação e aplicou incorrectamente o Direito. 4. Ao contrário do mencionado no acórdão recorrido, não é verdade que os Réus/Reconvintes, tenham peticionado, em sede de reconvenção, que fossem reconhecidos os direitos de compropriedade de uma quota determinada do prédio, invocando a sua aquisição por usucapião, e, cumulativamente, o cancelamento dos registos lavrados após o destaque (onde se incluiria o registo de aquisição e 1/48 avos a favor do outro comproprietário). 5. Em sede de contestação, os Réus peticionaram, em primeiro lugar, que fosse julgada procedente a excepção da nulidade de registo de destaque invocada, com a consequente nulidade da aquisição pela Autora da parte do prédio sujeito à desanexação, devendo os sucessivos registos de aquisição e outros lavrados no prédio descrito sob o n.º .33, ingressarem na descrição do prédio “mãe”, actualmente descrito sob o n.º .88, sendo cancelados os registos lavrados neste mesmo prédio após o destaque, e só subsidiariamente, para o caso de não proceder essa excepção, peticionaram, em sede de reconvenção, que fosse reconhecida a aquisição da propriedade por usucapião, sendo a Autora/Reconvinda condenada a reconhecer os Réus/ Reconvintes como proprietários de 1/48 avos do prédio actualmente descrito com o número .88 da freguesia de Oeiras e São Julião da Barra, retroagindo-se os efeitos da aquisição à data do início da posse. 6. Assim, não é verdade que os Réus tenham peticionado, cumulativamente, que fosse reconhecido o seu direito de compropriedade de uma parte determinada do prédio, invocando a sua aquisição por usucapião, bem como o cancelamento dos registos de aquisição lavrados após o destaque, sendo que estavam em causa pedidos distintos e subsidiários entre si. 7. Em conformidade, o Tribunal recorrido ao julgar procedente o pedido reconvencional, condenou a aqui Recorrida a reconhecer cada um dos Recorrentes como proprietários de 1/48 avos do prédio (ou 2/48 avos, no caso da Recorrente GG), com o consequente registo de inscrição da propriedade, sem que tenha determinado o cancelamento de qualquer registo. 8. Desta forma, o Tribunal a quo incorreu em erro ao analisar a questão como se os pedidos reconvencionais de aquisição de propriedade por usucapião julgados procedentes pelo Tribunal de 1ª Instância implicassem (ou pudessem implicar) o cancelamento dos registos após o destaque, nomeadamente o registo de aquisição de 1/48 avos a favor MM, sendo que, como se demonstrou, estavam em causa pedidos distintos e subsidiários entre si. 9. A usucapião constitui um modo de aquisição originária, ou seja, é uma forma de constituição de direitos reais e não uma forma de transmissão, por isso, a propriedade conferida com base na usucapião não está dependente de qualquer outro circunstancialismo juridicamente relevante. 10. Nos pedidos reconvencionais em causa, cada um dos Recorrentes peticionou que a Recorrida fosse condenada a reconhecer a aquisição da propriedade por usucapião de uma parte determinada do prédio (1/48 avos) e não da totalidade do mesmo, pelo que a decisão recorrida não afecta a quota de 1/48 avos do outro comproprietário. 11. Contrariamente ao sustentado pelo Tribunal recorrido, não faria qualquer sentido cada um dos aqui Recorrentes peticionar a aquisição da titularidade de 1/47 avos pertencentes à Recorrida porque o que está em causa é a aquisição por usucapião do espaço correspondente a um dos 48 lugares de estacionamento existentes no prédio, assente na posse pública, pacifica e de boa-fé desse espaço, que corresponde a 1/48 avos do prédio. 12. É evidente que, sendo os pedidos reconvencionais apresentados contra a Recorrida, à data titular de 47/48 avos do prédio, pedindo-se a condenação da mesma no reconhecimento da compropriedade de cada um dos Recorrentes de uma parte determinada do prédio (num total de 9/48 avos), a decisão que a condenou a reconhecer tal compropriedade em nada pode afectar ou comprimir a compropriedade da quota de 1/48 avos pertencente a MM. 13. O Tribunal recorrido sustenta a sua posição com base no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 30.04.2020, proferido no proc. n.º 2052/18.8T8CHV.G1, sendo que a situação aqui descrita não se confunde com o caso dos presentes autos, na medida em que estava em causa a procedência de um pedido reconvencional que declarou os Réus como únicos e exclusivos proprietários de um prédio que pertencia a vários herdeiros em regime de compropriedade, tendo apenas sido demandado um desses comproprietários. 14. No caso dos autos, a sentença que condenou a Recorrida a reconhecer a compropriedade de cada um dos Recorrentes de uma parte determinada do prédio não era susceptível de afectar ou comprimir a quota de que é titular MM. 15. O Tribunal a quo errou ao julgar procedente a excepção de ilegitimidade processual por preterição de litisconsórcio necessário passivo nas reconvenções, tendo interpretado e aplicado incorretamente o artigo 33º do Código de Processo Civil, na medida em que não era exigível a intervenção do comproprietário de 1/48 avos do imóvel para que a decisão pudesse produzir o seu efeito útil normal, que era a composição definitiva do litígio entre as partes relativamente ao pedido formulado.” ∗ Foram colhidos os vistos legais. Cumpre apreciar e decidir. II) APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS 1. Admissibilidade e objecto da revista 1. Estão verificados os pressupostos gerais de recorribilidade da revista (arts. 629º, 1, 631º, 1, CPC). Em particular, o valor da causa é superior ao valor da alçada da Relação, considerando o despacho com tal decisão, proferido em 18/3/2022, que o fixou no montante de € 140.719,81, transitado em julgado (arts. 619º, 1, 620º, 1, 621º, CPC), pelo Juiz 2 do Juízo Local Cível de Oeiras; a superveniente fixação de valor da causa no despacho saneador, proferido em 30/12/2022, é processualmente ineficaz, por aplicação do art. 625º, 1 e 2, do CPC. 1.2. O objecto da revista consiste na reapreciação da excepção dilatória consistente na ilegitimidade resultante da preterição de litisconsórcio necessário passivo do lado da Autora e Reconvinda quanto aos pedidos reconvencionais dos Réus, de acordo com os arts. 278º, 1, d), 576º, 1 e 2, 577º, e), e 578º+590º, 1, CPC – Conclusões 3. a 15. da revista; correspondendo à parte dispositiva do acórdão recorrido. O tema foi assim contextualizado e delimitado pelo acórdão proferido em 2.ª instância: “Se as reconvenções – atinentes à aquisição, por usucapião, por parte de cada um dos oito Réus-reconvintes, de 1/48 avos (ou 2/48 avos, no caso do apenso D) de um prédio em compropriedade – deviam ter sido indeferidas, por não terem sido deduzidas contra todos os comproprietários, sendo um caso de litisconsórcio necessário passivo”; “Na sentença recorrida, considerou-se que (…) os Réus-reconvintes tinham uma posse em nome próprio, caracterizada pelo corpus e o animus, suficientemente duradoura para ser adquirido o direito de propriedade correspondente por usucapião, mesmos contados 20 anos, considerando a posse não titulada e de má fé; e que, apesar de a Autora gozar da presunção decorrente do registo, sendo posterior ao início da posse pelos primeiros adquirentes, os Réus ilidiram tal presunção (art. 1268.º do CC), não tendo a Autora vindo reclamar judicialmente os lugares de estacionamento durante o prazo de prescrição aquisitiva, não praticando ato idóneo a interromper essa prescrição aquisitiva; concluindo o Tribunal a quo terem os Réus adquirido a propriedade de 1/48 avos do imóvel (e 2/48 avos no caso dos Réus que ocupam dois lugares 2/48 - apenso D) “correspondente aos lugares de estacionamento que exercerem poderes de facto, por usucapião, decidindo-se em conformidade, o que implica a improcedência do pedido da acção e a procedência do pedido reconvencional subsidiário, ficando prejudicada a apreciação dos demais pedidos subsidiários” e que “Assim, improcede à acção, porquanto procede a usucapião, da qual resulta a existência de “titulo” legitimando a ocupação dos lugares de estacionamento e espaços comuns do parqueamento automóvel, não sendo de determinar qualquer desocupação e pagamento da quantia relativa a indemnização à A.». A Autora-Apelante defende que, “a ser admissível o pedido de aquisição de uma quota por usucapião em uma compropriedade tem de ser dirigida contra todos os comproprietários, o que não acontece, face à ausência do comproprietário MM, pelo que deveriam ter sido liminarmente indeferidos, em sede de reconvenção, os pedidos de usucapião.” Os Apelados discordam, argumentando que: a sentença recorrida reconheceu a cada um dos Recorridos o direito de aquisição, por usucapião, de uma quota de 1/48 avos da parte pertencente à Recorrente, tendo esta sido condenada a reconhecer cada um dos mesmos como proprietários; os pedidos reconvencionais não se dirigem à quota de 1/48 avos pertencente a MM, nem a decisão se refere a essa mesma quota; assim, não é exigível, no caso em apreço, a intervenção do proprietário da referida quota de 1/48 avos para que a decisão produza o seu efeito útil normal, na medida em que a mesma respeita apenas à parte (47/48 avos) de que a Recorrente é proprietária.” 1.3. Ao objecto do recurso é alheia a questão relativa ao eventual caso julgado imputado à decisão de improcedência das acções propostas pela Autora-Reconvinda contra os Réus-Reconvintes, constantes das Conclusões 1. e 2. da revista, que não podem ser aqui conhecidas por não ter sido reapreciada pela Relação e constituir nesta instância “questão nova” (arts. 671º, 1, 635º, 3, 608º, 2, CPC). Confrontados com o recurso de revista, a Recorrida e Autora veio alegar a inadmissibilidade do conhecimento dessas Conclusões da revista, sendo ilegítima qualquer decisão em recurso sobre “eventuais casos julgados e nulidade do destaque invocados pelos RR” (Conclusão “F”; art. 638º, 6, CPC). Notificados nos termos dos arts. 221º, 1, e 255º do CPC, os Recorrentes, conhecedores da invocação da Recorrida, não exerceram o contraditório quanto a esse não conhecimento parcial e não se pronunciaram sobre a inadmissibilidade invocada. Na verdade, a questão de saber se “deve ser reconhecido o direito de compropriedade da Autora na proporção de 47/48 sobre o prédio em apreço e não ser declarada a aquisição, por usucapião, dos direitos de compropriedade invocados pelos Réus-reconvintes (nas reconvenções deduzidas no processo principal e nos apensos), sendo (ou não) estes últimos condenados a desocuparem os lugares de estacionamento que vêm usando”, elencada como “questão 4.ª)” da apelação interposta pela Autora, não foi conhecida em 2.ª instância, uma vez prejudicada pelo conhecimento e decisão da questão anteriormente elencada (“questão 1.ª” da apelação interposta pela Autora), nos termos do art. 608º, 2, 1.ª parte, ex vi art. 663º, 2, do CPC, ao ser julgado e determinado no acórdão recorrido: “absolvendo-se a Autora-reconvinda da instância reconvencional nos diferentes processos, anulando-se a tramitação subsequente ao despacho saneador, sem prejuízo do disposto no art. 261.º do CPC”; logo, com anulação da sentença proferida em 1.ª instância. 1. Factualidade O acórdão recorrido seleccionou como relevantes para a questão decidenda os seguintes factos: 1. Encontra-se descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º ....89 o prédio rústico que consta de um lote de terreno para construção com a área de 2.007,50 m2, designado por lote 10, como resulta da ficha com a respetiva descrição predial (doc. 7 junto com a contestação). 2. Por escritura realizada a 18 de outubro de 1974, no 12.º Cartório Notarial de Lisboa, a sociedade “SILVASSANTOS – [Sociedade de Construções] Francisco da Silva Santos, Lda.”, adquiriu à “URBACO – Urbanizações e Construções, Lda.”, um lote de terreno situado na Localização 1, freguesia e concelho de Oeiras, designado por lote 10, conforme resulta dos docs. 1 e 2 juntos com a contestação e certidões prediais juntas aos autos. 3. Pela Ap. 1 de 1975/08/26 mostra-se inscrita a aquisição por compra do prédio referido em 1. tendo como sujeito ativo “SILVASSANTOS – Sociedade de Construções Francisco da Silva Santos, Lda.” e como sujeito passivo “URBACO - Urbanizações e Construções, Lda.”. 4. No dia 21 de abril de 1978, foi celebrada a escritura de constituição de propriedade horizontal, por OO, da SILVASSANTOS [Sociedade de Construções Francisco da Silva Santos], Lda. como resulta do doc. 6 em que aquele declarou que “a sua representada é possuidora de um prédio urbano que se compõe de cave com cinquenta e uma arrecadações, rés-do-chão vasado e casa de porteira, primeiro...” a “décimo segundo andares com quatro inquilinos por piso, ocupando a área coberta de quatrocentos e cinquenta e dois metros quadrados... e é designado por lote 10, omisso na matriz já pedida a sua inscrição e foi construído em parte do lote de terreno descrito na primeira secção da conservatória do registo predial de Oeiras sob o número ...do livro B ..., com transmissão registada a seu favor pela inscrição número ...do Livro C ...... que este prédio é constituído por fracções independentes suficientemente distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum e desta para a via pública, reunindo por isso, as necessárias condições para a constituição nele do regime de propriedade horizontal com as fracções autónomas seguintes ... que as restantes partes do prédio e não individualizadas ficam em comum.” 5. Em 26 de abril de 1978, foi averbado à descrição referida em 1. dos factos provados o destaque do prédio já construído, com a área coberta de 452 m2, tal como resulta da Insc. n.º 2, correspondente à Ap. n.º 12, da referida data (26-04-1978), o qual passou a ser descrito sob o n.º ....02, fls. 98, Livro N.º 60 (prédio atualmente descrito sob o n.º .33 da freguesia de Oeiras e São Julião da Barra – cfr. doc. 3 junto à p.i.). 6. Consta da referida inscrição predial o seguinte: “O prédio urbano em construção constante da descrição supra n.º ....89, já se encontra concluído, tendo ficado com a composição referida no averbamento anterior, ocupando a área coberta de 452 m2, omisso na matriz mas pedida a sua inscrição, com o valor de 18.000.000,00. Este prédio fica desanexado e vai ser descrito sob o n.º ....02 a fls. 98 do Lº B 60.” (cfr. doc. 7). 7. Mostra-se inscrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras com o n.º .33/......13 o prédio urbano situado em Oeiras e S. Julião da Barra n.ºs 24 e ..91, com área total de 452 m2 inscrito na matriz com o n.º ..85 da freguesia de Oeiras e S. Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias, composto por cave com 52 arrecadações, rés-do-chão vasado e casa da porteira, 1.º a 12.º andares com 4 inquilinos por piso, composto por 48 frações A) a BB) (cfr. certidão de registo predial junta com a PI). 8. O prédio “mãe”, com a descrição ....89, ficou, após destaque, com a área 1.555,50m2 (2.007,50 m2 – 452,00m2), tal como resulta da Insc. n.º 3, referente à Ap. 43 de 11.04.1979 (cfr. doc. 7). 9. Pela Ap. 28 de 26 de março de 1982 foi alterada a descrição n.º ....89 com os seguintes dizeres “alteração à descrição n.º ...89, natureza urbana, causa construção de um edifício que consta de uma zona ampla destinada a 48 parqueamentos de veículos automóveis ligeiros e uma sala de reuniões a ocupar a área coberta de 1.555m2, omisso na matriz mas pedida a sua inscrição com o valor de 10.000.000. 10. (23 da sentença) Mostra-se descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras da freguesia de Oeiras e S. Julião da Barra com o n.º .88/......05 (descrição em livro: n.º ...89, Livro n.º 55), o prédio urbano, denominado Lote 10, situado em Oeiras e S. Julião da Barra Localização 1, composto por uma zona ampla, destinada a parqueamento a 48 parqueamentos de veículos automóveis ligeiros, com 48 lugares de estacionamento e uma sala de reuniões, situado na Rua 1 em Oeiras, e inscrito na matriz sob o artigo ..11 da União das freguesias de Oeiras e S. Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias. 11. A Autora adquiriu em 24 de março de 1993 à “SILVASSANTOS - Sociedade de Construções Francisco da Silva Santos Lda.”, 47/48 do imóvel referido 23., tendo a compropriedade da mesma sido inscrita a favor da Autora pela apresentação 18 de 1993/04/12, pagando os impostos e taxas relativos à aquisição, conforme documentos 1 e 2 juntos com a PI. 12. Consta do registo predial junto como doc. 1 com a PI que a Autora adquiriu 47/48 avos do prédio em causa por compra à sociedade “SILVASANTOS”, em 24 de março de 1993, conforme certidão da escritura junta como doc. 20 com a PI [da certidão do registo predial junta com a PI como doc. 1 resulta que se encontra inscrita, mediante ap. 18, datada de 1993/04/12, a aquisição, a favor da Autora, por compra, da quota de 47/48 do prédio descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º .88 da freguesia de Oeiras e S. Julião da Barra]. 13. A SILVASSANTOS vendeu a um então condómino da T..., NN 1/48 da Garagem a que corresponde a utilização de um lugar de estacionamento, sendo atualmente o seu titular, MM, também ele condómino na T... (documentos n.º 1 e 5). 14. Pela Ap. 4342 de 2018/02/27 mostra-se inscrita a aquisição de 1/48 [do aludido prédio descrito na 1.ª CRP de Oeiras sob o n.º .88] por compra a favor de MM casado com PP no regime da separação de bens, tendo como sujeito passivo NN e QQ. 2. Fundamentação de direito 1. A posição do acórdão recorrido foi claro e assertivo sobre a excepção dilatória que poderia afectar os pedidos reconvencionais estabelecidos nos autos principais e nos seus apensos. Vejamos. “Constituindo a legitimidade das partes um pressuposto processual, de determinação prévia ao conhecimento do fundo da causa, veio o legislador nacional consagrar, no art. 30.º do atual CPC (e já antes no CPC de 1961 – cf. art. 26.º na redação do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12-12), o entendimento jurisprudencial maioritário (na esteira da doutrina sustentada por Barbosa de Magalhães - cf. “Gazeta da Relação de Lisboa”, vol. 32, pág. 274), de que tal pressuposto deve, em regra, ser aferido em função da forma como o autor configura a relação material controvertida: “Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”. No caso da legitimidade plural, importa não perder de vista o preceituado no art. 33.º do CPC, atinente ao “Litisconsórcio necessário”, estando previsto que: “1 - Se, porém, a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade. 2 - É igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal. 3 - A decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.” A ilegitimidade processual é uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, conducente ao indeferimento liminar da petição/requerimento inicial ou, findos os articulados, à absolvição da instância; quando decorrente da preterição de litisconsórcio necessário, tal exceção é sanável mediante a intervenção principal provocada da parte em falta - cf. artigos 6.º, 30.º, 33.º, 260.º a 262.º, 278.º, n.º 1, al. d), 316.º, n.º 1, 318.º, n.º 1, al. a), 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. e), 578.º e 590.º, n.º 1, do CPC. Numa situação como a dos autos, em que a questão é apreciada já numa fase adiantada do processo, a concluir-se pela preterição de litisconsórcio necessário natural do lado passivo das reconvenções, por não ter sido demandado o outro comproprietário (cuja intervenção principal como associado da Autora-reconvinda não foi requerida pelos Réus-reconvintes), a consequência será a procedência da exceção da ilegitimidade processual (plural), conducente à absolvição da Autora-reconvinda da instância reconvencional, e não ao indeferimento da reconvenção, nos diferentes processos. Vejamos se uma tal exceção se verifica. Antes de mais, importa salientar que, contrariamente ao alegado pelos Réus-Apelados, a sentença recorrida não reconheceu a cada um deles o direito de aquisição, por usucapião, de uma quota de 1/48 avos da parte pertencente à Autora, de nada adiantando afirmarem que os pedidos reconvencionais e a decisão recorrida não se referem à quota de 1/48 avos pertencente a MM. Na verdade, não foi peticionado que se declarasse que os Réus-reconvintes são titulares de parte da quota de 1/47 avos da Autora (não é esse o objeto do litígio), sendo, ao invés, claríssimo terem sido julgados procedentes os pedidos de aquisição, por usucapião, do direito de compropriedade de 1/48 (ou 2/48, no caso do apenso D) do prédio atualmente descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras com o n.º .88 da freguesia de Oeiras e São Julião da Barra. Ou seja, o que está em causa nas reconvenções, como aliás resulta do despacho de identificação do objeto do litígio, é saber se foi adquirido pelos Réus, em cada um dos diferentes processos, por usucapião, o direito de compropriedade de 1/48 avos (ou 2/48 avos no apenso D) do referido prédio. De salientar que a própria retroatividade da aquisição dos direitos de compropriedade, por cada um dos Réus, ao momento do início da posse, porque fundada na usucapião, [cf. art. 1317.º, al. c), do CC] não se coaduna com a perspetiva que ora avançam, parecendo-nos evidente que o reconhecimento dos direitos de compropriedade tal como peticionado nas reconvenções não pode deixar de afetar os direitos de compropriedade da Autora e do outro comproprietário MM, “comprimindo-os”. Ademais, os Réus-reconvintes vieram, no seu requerimento de ampliação do âmbito do recurso, lembrar que também peticionaram que fosse declarada a nulidade de registo de destaque, com a consequente nulidade da aquisição pela Autora da parte do prédio sujeito à desanexação, devendo os sucessivos registos de aquisição e outros lavrados no prédio descrito sob o n.º .33, ingressarem na descrição do prédio “mãe”, atualmente descrito sob o n.º .88, e serem cancelados os registos lavrados neste mesmo prédio após o destaque. Assim, pese embora a Autora, comproprietária, possa, sem dúvida, atento o disposto no art. 1405.º, n.º 2, do CC, reivindicar de terceiros a coisa comum (ou uma parte da mesma), sem que a estes seja lícito opor que tal coisa lhe não pertence por inteiro, já os Réus-reconvintes não podem arrogar-se apenas perante aquela comproprietária serem também (com)possuidores e titulares de direitos de compropriedade, adquiridos por usucapião, sendo este um caso típico de litisconsórcio necessário passivo natural, imposto pela própria natureza da relação jurídica – cf. art. 33.º, n.ºs 2 e 3, do CPC. Efetivamente, pretendendo os Réus-reconvintes verem reconhecidos os seus direitos de compropriedade de 1/48 avos (ou 2/48 avos) do prédio em apreço, com fundamento na sua aquisição por usucapião, com o cancelamento dos registos lavrados após o destaque, o que inclui, como resulta dos factos provados, o registo de aquisição de 1/48 avos a favor de MM, não podiam deixar de demandar igualmente este último, já que o seu direito ficará posto em causa ou, pelo menos, sofrerá uma “compressão”, perspetivando-se, pois, que a decisão a proferir a este respeito (agora já neste Tribunal da Relação) não poderá produzir o seu efeito útil normal, na medida em que não poderá regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado, podendo a discussão sobre o objeto do litígio vir a ser reaberta numa ação a intentar por este outro comproprietário. A circunstância de o Tribunal a quo não ter suscitado esta questão no despacho pré-saneador, limitando-se a proferir saneador tabelar não obsta a que da mesma ora se conheça, já que se trata de exceção de conhecimento oficioso (cf. art. 573.º, n.º 2, do CPC), inexistindo caso julgado formal a este respeito. (…) Posto isto, importa agora extrair a consequência legal da verificação da exceção dilatória de ilegitimidade plural, com a absolvição da Autora-reconvinda da instância reconvencional, em conformidade com o acima referido, não nos parecendo possível, face ao estado do processo e ao objeto do recurso, a solução adotada no citado acórdão da Relação de Guimarães de 30-04-2020, em que se considerou, conforme consta do respetivo sumário, que “não tendo o reconvinte suscitado a intervenção dos restantes interessados, não tendo o Juiz da causa, findos os articulados, interpelado os réus no sentido deles suscitarem a intervenção dos restantes interessados, ao lado da autora (art. 6º, 2 e 590º, 2, a) CPC), resta agora declarar a nulidade que tal omissão constituiu, a fim da mesma ser sanada.” É bem certo que, conforme aí se afirma, a ilegitimidade passiva decorrente da preterição de litisconsórcio necessário é sanável pela intervenção dos interessados que não estão na ação/reconvenção. Todavia, já tendo sido proferida sentença condenatória é agora forçoso, em sede de recurso, revogar essa decisão, absolvendo a Autora-reconvinda da instância reconvencional, sem prejuízo do disposto no art. 261.º do CPC. Com efeito, não é objeto do recurso um despacho saneador de absolvição da instância ferido de nulidade por omissão de convite à sanação dessa exceção, nem as partes invocaram, aliás, nenhuma nulidade processual a este respeito (cf. artigos 199.º e 200.º do CPC), não sendo oportuno, em face da prolação da sentença que conheceu (indevidamente) do mérito da causa, que este Tribunal da Relação viesse convidar os Réus-reconvintes a requererem a intervenção principal provocada do outro comproprietário para sanar tal exceção dilatória, “deixando em aberto” a revogação da decisão recorrida, antes se impondo absolver a Autora da instância reconvencional e, com isso, por arrastamento, ante a conexão ação/reconvenção, anular o que indevidamente (atenta a falta do pressuposto processual da legitimidade processual plural) foi processado (cf. art. 195.º, n.º 2, do CPC, aplicável por analogia). Neste sentido, veja-se o acórdão da Relação de Guimarães de 28-05-2020, proferido no proc. n.º 4278/19.8T8GMR.G1, e acórdão da Relação do Porto de 19-10-2006, proferido no proc. n.º 0634126, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, referindo-se neste último designadamente o seguinte: «O A. instaurou a presente acção de reivindicação do imóvel que identifica contra os RR. invocando que ele lhe foi doado pelos anteriores proprietários, se encontra registado a seu favor e que sempre o teria adquirido por usucapião. Contestaram os RR. e, para além de impugnarem os factos alegados pelo A., invocam a nulidade da doação, por simulação, e deduzem pedido reconvencional em que pedem, além da declaração de nulidade da doação e o cancelamento do registo com base nela efectuado a favor do A., o reconhecimento de que gozam de direito de retenção sobre o imóvel. Tendo a sentença julgado improcedente a acção e procedente a reconvenção, defende o A. que, relativamente ao pedido reconvencional, a falta dos doadores na acção é fundamento de ilegitimidade, por se estar perante uma situação de litisconsórcio necessário passivo e que a acção deve, portanto, proceder. Em primeiro lugar há que referir que, apesar de no despacho saneador se terem declarado as partes legítimas, ele não faz caso julgado formal. É que o despacho saneador só constitui caso julgado relativamente às excepções e nulidades referidas na alínea a) do nº 1 do artº 510º do CPCivil (diploma a que pertencerão os demais preceitos legais a citar, sem outra indicação de origem), como é o caso da legitimidade, se tais questões forem concretamente apreciadas, isto nos termos do nº 3 do mesmo artº 510º. Ora nesse despacho, a fls. 148, a legitimidade das partes é tratada genericamente (“as partes são legítimas”), pois não foi suscitada pelo A., relativamente ao pedido reconvencional, a questão da preterição do litisconsórcio necessário passivo, por não terem sido demandados os doadores, e o juiz também se não pronunciou expressamente sobre ela. (…) Portanto, nada impede que seja apreciada a excepção dilatória em causa. O artº 28º coloca-nos perante a figura do litisconsórcio necessário, que pode ser activo (pluralidade de autores) ou passivo (pluralidade de réus). No caso dos autos interessa a figura do litisconsórcio passivo porquanto é relativa à reconvenção, que configura uma contra-acção do réu contra o autor, por virtude da qual a relação processual adquire um conteúdo novo, em que o último assume a posição de réu e o primeiro a de autor. Desde que a relação jurídica em si se acha estabelecida entre uma pluralidade de sujeitos passivos, o que é normal é que, em caso de conflito, surja a figura do litisconsórcio, ou seja, que a acção seja proposta contra todos os interessados do ponto de vista passivo. Sempre que a lei, o contrato ou a própria natureza da relação jurídica, exigir a intervenção de todos os interessados, tem a acção de ser proposta contra todos os interessados sob pena de ilegitimidade. As partes são ilegítimas, não por falta de interesse mas por o interesse não poder ser declarado sem o concurso de todos os titulares. E, precisamente por se tornar indispensável a presença de todos os interessados, sob pena de ilegitimidade, é que o litisconsórcio reveste, nos casos referidos, a feição de necessário. Portanto, a exigência da intervenção de todos os interessados pode resultar da lei, do negócio (contrato) e da natureza da relação jurídica, neste último caso desde que ela seja necessária para que a decisão produza o seu efeito útil normal. O efeito útil normal da sentença é declarar o direito de modo definitivo, formando o caso julgado material. Se este resultado não puder conseguir-se sem que estejam em juízo todos os interessados, estamos em presença dum caso de litisconsórcio necessário, emanado da própria natureza da relação jurídica. Não se trata de impor o litisconsórcio para evitar decisões contraditórias nos seus fundamentos, mas de evitar sentenças inúteis por, por um lado, não vincularem os terceiros interessados e, por outro, não poderem produzir o seu efeito típico em face apenas das partes processuais. No caso dos autos e no tocante à reconvenção, estamos perante uma verdadeira situação de litisconsórcio necessário passivo, na modalidade descrita no nº 2 do artigo 28º. Dispõe este preceito que “(…)”. Esclarecendo o sentido e alcance da expressão “efeito útil normal”, Alberto dos Reis, escreve que “o efeito útil normal da sentença é declarar o direito de modo definitivo, formando caso julgado material (...). Se este resultado não puder conseguir-se sem que estejam em juízo todos os interessados, estaremos em presença dum caso de litisconsórcio necessário emanada da própria natureza da relação jurídica. Por outras palavras, se a relação litigiosa for de tal natureza, que, para se formar caso julgado substancial, seja indispensável que a sentença vincule todos os interessados, todos eles têm de figurar na acção, visto, por um lado, ser inadmissível que se profira uma sentença inútil, e, por outro, ser intolerável, em princípio, que uma sentença tenha eficácia contra interessados directos que não foram chamados à acção” (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, págs. 95-96). O litisconsórcio necessário em razão da natureza da relação jurídica surge, como se pode concluir, no domínio das acções constitutivas, que visam modificar um estado ou um acto jurídico que se apresenta com carácter de unidade em relação a várias pessoas (idem, pág. 95). “A pedra de toque do litisconsórcio necessário é, pois, a impossibilidade de, tido em conta o pedido formulado, compor definitivamente o litígio, declarando o direito ou realizando-o, ... sem a presença de todos os interessados, por o interesse em causa não comportar uma definição ou realização parcelar” – J. Lebre de Freitas, obra citada, pág. 58. É uma acção desse tipo que está em causa na reconvenção deduzida nos presentes autos: os réus pretendem a declaração de nulidade da doação do imóvel ao A., por simulação, e, desse modo, a acção visa alterar esse acto jurídico, o que implica que o imóvel regresse à titularidade dos doadores. Estamos, portanto, perante uma relação jurídica cuja natureza pressupõe uma solução unitária ou, dito de outro modo, perante uma relação jurídica bilateral, cuja resolução exige necessariamente a presença do seus titulares (doadores e donatário). Ora, os doadores, que não foram chamados à acção, não tiveram oportunidade processual de se pronunciar sobre questão que lhes dizia directamente respeito e afectava a sua esfera jurídica. As consequências que, no plano jurídico, a decisão da primeira instância acarreta bem revela que estamos perante um caso de litisconsórcio necessário. Como prevê o artigo 28º, n.º 1, do CPC, a falta de um dos interessados na relação controvertida, em caso de litisconsórcio necessário, é motivo de ilegitimidade. O juiz poderia ter providenciado pelo suprimento da falta desse pressuposto processual, convidando a parte a corrigir a deficiência [artºs 265º, n.º 2, e 508º, nº 1, al. a)], mas não o tendo feito, não é agora possível. Resta, pois, declarar a absolvição da instância do apelante por ilegitimidade passiva, no que se refere aos pedidos reconvencionais deduzidos pelos apelados.» Concordamos com esta perspetiva, não vendo na absolvição da instância uma “solução drástica”, já que, em fase de recurso, numa situação como a dos autos, o art. 261.º do CPC propicia ainda aos Réus-reconvintes a possibilidade de sanação da exceção dilatória da ilegitimidade processual, sendo precisamente a procedência dessa exceção – obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa e dando lugar à absolvição da instância – que constitui o fundamento legal para revogação da decisão recorrida, estando previsto na lei um mecanismo legal para possibilitar (ao autor ou reconvinte, consoante os casos) a sanação da falta daquele pressuposto processual. Assim, estando verificada a exceção dilatória de ilegitimidade plural da Autora-reconvinda, por preterição de litisconsórcio necessário natural, do lado passivo da instância reconvencional, e não tendo sido proferido despacho pré-saneador a convidar os Réus-reconvintes a deduzirem o adequado incidente de intervenção principal provocada do referido comproprietário, MM, como associado da Autora-reconvinda, já tendo sido julgadas procedentes as reconvenções, resta-nos agora revogar a sentença recorrida nessa parte, decidindo-se, em substituição, absolver a Autora-reconvinda da instância reconvencional, com a consequente anulação, por arrastamento, do processado subsequente ao despacho saneador na medida – e só na medida – em que este processado esteja dependente daquele despacho, uma vez que o Tribunal recorrido não podia ter conhecido do mérito da causa nos termos em que o fez (cf. art. 195.º, n.º 2, do CPC, por analogia), cumprindo ao Tribunal recorrido, ao abrigo dos princípios da gestão processual, adequação formal e processo equitativo, extrair as devidas consequências da decisão de absolvição da instância reconvencional, nos diferentes processos em função da posição que vier a ser adotada pelas partes, mormente pelos Réus-reconvintes, já que ainda poderão vir deduzir o aludido incidente. Impõe-se, pois, julgar procedente a exceção dilatória de ilegitimidade processual, por preterição de litisconsórcio necessário, absolvendo-se a Autora-reconvinda da instância reconvencional nos diferentes processos, sem prejuízo da eventual dedução do incidente de intervenção principal provocada do comproprietário MM, como associado da Autora-reconvinda, incidente que ainda poderá ter lugar ao abrigo do disposto no art. 261.º do CPC, com a consequente renovação da instância reconvencional. Ao Tribunal recorrido incumbirá conhecer do eventual incidente de intervenção principal provocada e dos ulteriores termos processuais, conforme se mostrar adequado em face das posições adotadas pelas partes (incluindo no caso de os Réus-reconvintes não pretenderem deduzir o aludido incidente, conformando-se com a decisão de absolvição da Autora-reconvinda da instância reconvencional).” 2. Julgamos que é de sufragar o decidido, ao qual se adere nos termos do art. 663º, 5, ex vi art. 679º, do CPC. Com efeito. 2.2.1. A norma central a escrutinar é o art. 33º do CPC, relativo à disciplina do “litisconsórcio necessário”, tendo em vista a posição processual da Reconvinda, parte contrária na reconvenção e demandada na pretensão da aquisição da propriedade por usucapião de um bem imóvel em situação de compropriedade por parte dos Réus Reconvintes. No caso, sendo o prédio imóvel, destinado a 48 parqueamentos e estacionamento de veículos automóveis e sala de reuniões – cfr. factos provados 5. a 7. e 9.-10. –, a discussão na causa integrada na instância reconvencional consiste em aferir da titularidade de 9/48 avos dessa compropriedade, em detrimento da titularidade da Autora desses mesmos 9/48 avos. No entanto, o bem imóvel, atenta a sua situação registal e respectiva presunção de titularidade, encontra ainda um outro comproprietário com a quota de 1/48 avos – cfr. factos provados 11. a 14. (cfr. art. 1403º, 2, CCiv.). Perante esta situação de contitularidade do bem imóvel sob escrutínio na pretensão aquisitiva dos Réus por via das reconvenções, como decidir quanto à intervenção exclusiva da Autora na acção como Reconvinda? 2.2.2. Como assinala a doutrina, a “pedra de toque” do litisconsórcio necessário é a “impossibilidade de, tido em conta o pedido formulado, compor definitivamente o litígio, declarando o direito ou realizando-o, (…) sem a presença de todos os interessados, por o interesse em causa não comportar uma definição ou realização parcelar”1; o foco é propiciar ao processo a intervenção da pluralidade de interessados (com interesse em demandar ou no do contradizer, de acordo com o art. 30º, 2, do CPC) que ofereça a produção plena dos efeitos que o direito substantivo estabelece, evitando possíveis divergências em possíveis decisões sucessivas sobre o objecto da causa e, desse modo, serem abrangidos pela eficácia do caso julgado material2; o critério assenta na legitimidade como “posição concreta da parte perante uma causa, não uma qualidade pessoal, antes uma qualidade posicional da parte face à ação, a apurar em função da titularidade dos interesses emergentes da relação controvertida, tal como é configurada”3. O que se verifica é que os Réus, quando se batem pela improcedência do pedido da Autora e contra-atacam com a reconvenção, ainda que cingida a determinadas quotas da esfera jurídica da Autora na compropriedade, têm como efeito substantivo a mudança dos sujeitos comproprietários do bem imóvel, com isso afectando e modificando a posição jurídica intersubjectiva da Autora com os demais comproprietários na comunhão, a começar pelo único outro comproprietário da Autora existente à data da acção, justamente o sujeito que não consta da acção que passou a discutir novos comproprietários. Ora, como se refere no acórdão recorrido: “(…) pretendendo os Réus-reconvintes verem reconhecidos os seus direitos de compropriedade de 1/48 avos (ou 2/48 avos) do prédio em apreço, com fundamento na sua aquisição por usucapião, com o cancelamento dos registos lavrados após o destaque, o que inclui, como resulta dos factos provados, o registo de aquisição de 1/48 avos a favor de MM, não podiam deixar de demandar igualmente este último, já que o seu direito ficará posto em causa ou, pelo menos, sofrerá uma “compressão”, perspetivando-se, pois, que a decisão a proferir a este respeito (…) não poderá produzir o seu efeito útil normal, na medida em que não poderá regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado, podendo a discussão sobre o objeto do litígio vir a ser reaberta numa ação a intentar por este outro comproprietário.” Estamos – assim julgamos – numa situação de litisconsórcio necessário natural, imposto pela natureza da relação material controvertida, que não pode prescindir, para ser produzido o «efeito útil normal» e regulada em definitivo a «situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado» (n.os 2 e 3 do art. 33º), do sujeito que completa a titularidade subjectiva integral do bem em situação de compropriedade (o referido MM, na quota de 1/48 em face das quotas da Autora e da litigiosidade das quotas reivindicadas pelos Réus Reconvintes). O sujeito comproprietário em falta tem interesse directo em contradizer, enquanto sujeito da relação material controvertida na qualidade de comproprietário, tal como configurada pelos Réus-Reconvintes nos pedidos reconvencionais. E, portanto, tem que estar na acção, para que a acção – no que toca a esses pedidos reconvencionais e suas causas de pedir – tenha a amplitude e a extensão subjectiva requerida pela situação plural de compropriedade. Não estando, decai a eficácia decisória plena para regular definitivamente a situação de todas as partes comproprietárias do bem imóvel – no plano dos efeitos reais, registais, possessórios ou no que toca à execução do direito –, tendo em conta a “indivisibilidade subjectiva dos efeitos substantivos da sentença” e o resultado pretendido de “os efeitos substantivos resultantes da decisão não poderem ser revogados em ação proposta pelos restantes sujeitos do litígio” – isto é, “os efeitos da decisão de mérito são subjectivamente indivisíveis, pelo que também a legitimação processual para a instância terá que ser indivisível”4. Nesta situação de contitularidade plural colocada pela compropriedade, cuja aquisição de algumas das “quotas” se quer reconhecida por via da usucapião, é a natureza da relação substantiva sobre a qual recai o pedido que exige a presença de todos os interessados para que a decisão produza um efeito jurídico definitivo e consolidado, sem que o comproprietário em falta na acção venha a requerer mais tarde uma nova reapreciação da definição da relação material em juízo, ou seja, da titularidade das restantes quotas do bem em que é comproprietário e titular de uma das quotas5. Ou seja, em rigor, a decisão judicial proferida em 1.ª instância produz efeito útil em face dos réus reconvintes e da autora reconvinda – o que é inequívoco, “na medida em que os demandados [aqui, a Autora demandada nas reconvenções] já não poderiam negar validamente a existência do direito que ao vendedor fora reconhecido” – mas não seria produzido o efeito normal, uma vez transitada em julgado, que “consiste na ordenação definitiva da situação concreta debatida entre as partes”; assim, sempre que “a presença de todos os contitulares da relação é essencial ao efeito útil normal da decisão a proferir na acção, a falta de qualquer um deles provoca a ilegitimidade dos restantes (para intervirem na proposição ou contestação da causa)”6. Entendemos ser esta a solução que, ademais, ingressa na regra: “as ações com efeitos reais são subjetivamente indivisíveis dada a sujeição ao registo ou a existência de um estado possessório. Se uma ação real apenas envolvesse algum dos interessados, bem podiam os outros opor-se noutra ação e, em consequência, determinar tanto o cancelamento do registo e/ou a restituição do bem; a primeira decisão não teria resolvido definitivamente a situação concreta das partes”7. 2.2.3. Mais e por fim: em resultado do regime de todo o instituto da compropriedade, mas em especial dos arts. 1403º, 1, 1405º, 1 e 2, 1408º, 1, 1409º, 1, do CCiv. – “dá a cada comproprietário faculdades sobre a coisa no seu todo”, como “forma paradgmática da comunhão de direitos”8 –, estaremos mesmo perante um litisconsórcio necessario legal implícito, de acordo com o n.º 1 do art. 33º do CCiv.9, com a mesma consequência processual. 3. Tem também razão o acórdão recorrido quando alega, sem prejuízo da absolvição da instância decorrente da excepção dilatória procedente em face da ilegitimidade da parte, que a consequência não implica algo de letal ou rígido para a acção reconvencional em termos dos sujeitos intervenientes; a lei, de facto, proporciona a válvula de escape do “chamamento” promovido pelo art. 261º do CPC – a modificação subjectiva pela intervenção de novas partes, por iniciativa do autor ou reconvinte, com renovação da instância extinta –, através da intervenção principal provocada admitida nos termos dos arts. 316º e ss do CPC10. Como assim decidiu o acórdão recorrrido: “(…) sem prejuízo da eventual dedução do incidente de intervenção principal provocada do comproprietário MM, como associado da Autora-reconvinda, incidente que ainda poderá ter lugar ao abrigo do disposto no art. 261.º do CPC, com a consequente renovação da instância reconvencional. Ao Tribunal recorrido incumbirá conhecer do eventual incidente de intervenção principal provocada e dos ulteriores termos processuais, conforme se mostrar adequado em face das posições adotadas pelas partes (incluindo no caso de os Réus-reconvintes não pretenderem deduzir o aludido incidente, conformando-se com a decisão de absolvição da Autora-reconvinda da instância reconvencional).” Improcedem, pois, as Conclusões pertinentes e identificadas da revista na parcela conhecida. III) DECISÃO Em conformidade, impõe-se julgar improcedente a revista, na parcela conhecida das Conclusões 3. a 15., confirmando-se o julgado e ordenado pela Relação no acórdão recorrido. Custas pelos Recorrentes (art. 527º, 1 e 2, CPC). STJ/Lisboa, 23 de Setembro de 2025 Ricardo Costa (Relator) Cristina Coelho Maria Olinda Garcia
SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC) ___________________________________________________ 1. JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ISABEL ALEXANDRE, “Artigo 33.º”, Código de Processo Civil anotado, Volume 1.º, Artigos 1.º a 361.º, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, págs. 99-100.↩︎ 2. Neste sentido, por todos, v. Ac. do STJ de 30/6/2020, proc. n.º 215/10, Rel. JORGE DIAS, in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/.↩︎ 3. Assim, o Ac. do STJ de 2/6/2021, proc. n.º 22208/18, Rel. OLIVEIRA ABREU, in www.dgsi.pt.↩︎ 4. RUI PINTO, “Artigo 33.º”, Código de Processo Civil anotado, Volume I, Almedina, Coimbra, 2018, págs. 141, 142, 143 e ss, 146 e ss.↩︎ 5. Com proveito para a sindicação de litisconsórcio na compropriedade, v. Acs. da Relação de Guimarães, de 30/4/2020, proc. n.º 2052/18, Rel. AFONSO CABRAL DE ANDRADE, 17/10/2019, proc. n.º 361/18, Rel. MARIA LUÍSA RAMOS, e 15/12/2016, proc. n.º 3849/15, Rel. CARVALHO GUERRA, e da Relação do Porto de 10/7/2025, proc. n.º 7775/24, Rel. JOSÉ EUSÉBIO DE ALMEIDA; in www.dgsi.pt.↩︎ 6. Seguimos ANTUNES VARELA/J. MIGUEL BEZERRA/SAMPAIO E NORA, Manual de processo civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985, págs. 165 e ss, com exemplificação de acção demandante de comproprietários.↩︎ 7. RUI PINTO, “Artigo 33.º”, loc. cit., pág. 148.↩︎ 8. RUI PINTO DUARTE, Curso de Direitos Reais, 4.ª ed., Principia, Parede, 2020, págs. 69-70, 72-73.↩︎ 9. Para esta categoria, ex professo na compropriedade, v. JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ISABEL ALEXANDRE, “Artigo 33.º”, loc. cit., pág. 99.↩︎ 10. Assim, RUI PINTO, “Artigo 33.º”, loc. cit., pág. 154, ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/LUÍS PIRES DE SOUSA, “Artigo 33º”, Código de Processo Civil anotado, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2022, pág. 69.↩︎ |