Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2ª SECÇÃO | ||
Relator: | BERNARDO DOMINGOS | ||
Descritores: | RECURSO DE REVISTA ADMISSIBILIDADE DE RECURSO MATÉRIA DE FACTO LEI PROCESSUAL DUPLA CONFORME | ||
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Data do Acordão: | 07/11/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO. | ||
Doutrina: | - Abrantes Geraldes, Recursos no novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018 5.ª edição, p. 366, 371-374, 431-432; - Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Almedina, Coimbra, 2000, p. 103 e ss.; - J. A. Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, p. 56; - Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, p. 460-461 ; Dupla conformidade: critério e âmbito da conformidade, Cadernos de Direito Privado, 2008, n.º 21, p. 24. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 674.º, N.ºS 1, ALÍNEA B) E 3 E 682.º, N.º 3. | ||
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Sumário : | I – É admissível recurso do acórdão da Relação, que apreciou a decisão de facto, com fundamento de que o mesmo não respeitou as normas de Direito probatório aplicáveis. [cfr. Artigos 674.º, n.º 1, al. b), e n.º 3, e 682.º, n.º 3, do CPC]. II – Concluindo-se pela não violação das regras do direito probatório e tendo a decisão da relação confirmado, sem voto de vencido nem fundamentação divergente a sentença da 1ª instância, ocorre uma situação de dupla conforme, que impede a apreciação pelo STJ de quaisquer outras questões que tenham sido suscitadas no recurso. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2ª SECÇÃO CÍVEL * Relatório[1] AA e esposa BB; CC e esposa DD; e EE, intentaram a presente acção de condenação contra a Ré, FF, S.A., «alegando, em síntese, que são proprietários de um prédio cujo rés-do-chão foi dado de arrendamento, há mais de 30 anos, à empresa «GG, S.A..», para o exercício da sua atividade de transportes, sociedade esta que, mediante fusão, foi incorporada na Ré. Que a Ré não aceitou a proposta de transição do contrato de arrendamento para o NRAU segundo proposta dos Autores, datada de 16 de janeiro de 2013, e denunciou o dito contrato, por carta de 8 de fevereiro de 2013 e entregou o locado aos Autores em 7 de maio de 2013. Os Autores alegam que o locado foi entregue em elevado estado de degradação, exclusivamente causado pela Ré após a incorporação da sociedade acima mencionada, danos cuja reparação ascende a €39.729,95. Acresce que por causa do estado em que se encontra o imóvel os Autores não o puderam arrendar e tiveram de recusar propostas de renda anual que ultrapassavam os €24.000,00, dano este que ascende na data da interposição da ação a €70.000,00. Com estes fundamentos concluíram pedindo a condenação da Ré no seguinte: 1. A reparar o imóvel nos termos referidos no art. 19.º da PI, sob o acompanhamento de um técnico indicado pelos Autores, no prazo máximo de 90 dias após o trânsito em julgado da presente ação, ou a pagar a estes a quantia de €39.729,95, acrescida de juros legais vincendos a partir da citação até integral pagamento; 2. A pagar aos Autores a quantia de €70.000,00, a título de lucro cessante já apurado, e ainda nas rendas futuras, a liquidar em sede de incidente de liquidação, que os AA. deixarão de receber até que a reparação do r/ch do prédio se encontre finalizada, e a dita fração pronta a arrendar. A Ré contestou referindo que até 30 de março 2013 os Autores designadamente através do 3.º A., sempre mantiveram uma relação efetiva com o locado, enquanto procurador e administrador da arrendatária, sabendo do estado em que se encontrava o locado, tendo intentado a presente ação devido à denúncia do contrato operada pela Ré, que se manteve no local cerca de 5 anos, nunca tendo os Autores alertado para qualquer deficiência nas condições de conservação do imóvel. Após a entrega do locado, e na sequência de reclamação oral do 3.º R., a Ré mandou efetuar uma peritagem ao local, que concluiu que a maioria das patologias encontradas não estão associadas a má utilização do edifício pela Ré, tendo esta assumido perante os Autores a obrigação de proceder às reparações referidas no art. 46.º da contestação, no valor de € 2.700,00, mas os Autores recusaram aceitar. Acrescentou que os Autores, ao longo das décadas de utilização para o mesmo fim do imóvel, nunca procederam a quaisquer obras de conservação, designadamente para eliminação das infiltrações e conservação da fachada. E que não lhes é imputável o não arrendamento do imóvel, quer pelas razões invocadas, quer por não ser responsável pelos quase 3 anos que os Autores demoraram em intentar a presente ação e reclamar tal dano, quer ainda por poderem os Autores ter procedido à reparação, de forma a não incorrerem em tal prejuízo. Concluem pedindo que a ação seja julgada totalmente improcedente e os Autores condenados como litigantes de má fé No final foi proferida a seguinte decisão: «Na parcial procedência da acção, condenar a R. a pagar aos AA. o montante necessário à execução das reparações dos danos descritos nos pontos 10 e 13 dos factos provados, cujo valor se liquida, provisoriamente, em €2.700,00 (dois mil e setecentos euros), a que acrescem juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, relegando-se para liquidação o apuramento do valor concreto das mesmas reparações, fixado no referido mínimo, nos termos do art. 609.º, n.º 2, do CPC. Absolve-se a R. do restante peticionado pelos AA. Custas por AA. e Ré, na proporção dos respectivos decaimentos. Registe e notifique». * Inconformados apelaram para a Relação de Coimbra, impugnando a decisão de facto e de direito. A relação, concedeu parcial provimento ao recurso tendo aditado à condenação da 1ª instância a condenação em indemnização pela «supressão das manchas de óleo no pavimento e reconstituição das portas de modo a que fiquem completas, a liquidar também posteriormente nos termos que constam da sentença». Mais uma vez inconformados, vieram os AA., interpor recurso de revista, tendo rematado as suas alegações com as seguintes Conclusões « I - Do disposto nos artigos 1043º, n.ºs 1 e 2, e 1044º, ambos do C.C., resulta, por um lado, a obrigação do locatário de executar actos de manutenção sobre a coisa locada e, por outro, uma dupla presunção legal; uma referente ao início da locação, ao momento da entrega da coisa, e outra após o seu termo, no momento da sua restituição ao locador. II - Na decorrência dessa presunções, é à R. que compete demonstrar que o locado não lhe foi entregue em bom estado de conservação, competindo-lhe, igualmente, provar que os danos e deteriorações existentes no contrato, e findo o mesmo, não resultaram de causa que lhe seja Imputável. III - Os danos produzidos no prédio dos autos resultaram, do não cumprimento, por parte da incorporada da R., das obrigações típicas que caracterizam e integram o conteúdo da relação contratual, consubstanciada no contrato de arrendamento que lhe proporcionou o uso e fruição desse prédio, designadamente, as prevista no citado artigo 1043º, n.º 1 do C.C.. IV - Tais danos situam-se, assim, no âmbito do perímetro do contrato, pelo que, também, por isso, sempre competiria à R. provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procedeu de culpa sua, nos termos do artigo 798º do C.C.. V - Devem ter-se por compreendidos no conteúdo da relação contratual os deveres de cuidado adequados a evitar os danos pessoais ou patrimoniais susceptíveis de serem produzidos por qualquer actividade ou execução dessa actividade. VI - A conduta da R., traduzida na entrega do prédio dos autos, - de que a sua incorporada foi arrendatário e que, por isso, esteve sob o seu domínio material -, revela nada ter feito no sentido de os evitar, em afronta ao dito princípio de boa-fé, que subjaz e enforma toda a ordem jurídica obrigacional e modela a conduta das partes contratuais, desde os preliminares do negócio até à sua extinção, passando peia sua conclusão e execução. VII - A natureza e as características da actividade exercida no locado pela R., e dos meios utilizados nesse exercício, por meio da sua incorporada, em seu exclusivo benefício e proveito, justificavam, claramente, o cumprimento a seu cargo de especiais deveres de vigilância, de cuidado, manutenção e conservação, sendo, também por isso, ilícita e censurável a sua conduta e manifestamente contrária à que normativamente se lhe impunha e à razoavelmente exigida nas circunstâncias concretas em que usou e fruiu o locado, sendo totalmente reprovável, mesmo à luz dos menos exigentes padrões éticos por que se deveria nortear. VIII - A fissuração constatada no pano exterior da parede do alçado principal deve ser imputada à R, na medida em que, recaindo sobre a R. o encargo da prova, em caso de dúvida, a questão deve ser decidida contra a parte onerada com a prova, nos termos do artigo 3469 do C.C.. IX - A utilização de um bem realiza-se através de um variado número de actos materiais sobre ele exercidos que se reconduzem a um comportamento global. X - A qualificação terá que resultar da avaliação do comportamento, em si mesmo considerado na sua exterioridade, e não pela natureza e características (dos) danos produzidos por esse comportamento. XI - Da matéria de facto apurada não resulta qualquer materialidade, já que nem sequer foi alegada, da qual se pudesse inferir em que termos se processou o uso e fruição do locado, pelo que se afigura insustentável, por inexistência de base factual, atribuir-se qualquer dos produzidos no locado a um uso prudente por parte da R. XII - O que o quadro material sugere é que a actuação da R. se revelou manifestamente imprudente, já que não realizou, como lhe competia, quaisquer actos conservatórios do locado, especialmente exigidos no caso concreto, considerando a natureza da actividade desenvolvida, por forma a dar cumprimento à obrigação no n.º l do artigo 10439 do C.C.. XIII - É sobre a R. que impende a responsabilidade de reparar os danos decorrentes da sua actuação sobre o imóvel, especialmente quando essa actuação, considerando a sua natureza e os meios utilizados, em seu exclusivo benefício e proveito, ser adequada a produzi-los e a infligir-lhe um acentuado desgaste, a responsabilidade da sua reparação impende sobre os ora recorrentes, eximindo-se, consequentemente, da responsabilidade o agente que os produziu, nos termos dos artigos 1043º, n.º 1 e 403º nº 2, ambos do C.C. XIV - Assentamentos diferenciais produzidos pela actuação da R. constituem um dano no prédio dos ora recorrentes, devendo, consequentemente, ser a R. responsabilizada pela sua reparação. XV - Essa actuação provocou alteração na situação do prédio dos ora recorridos violando, desse modo, o seu direito, juridicamente tutelado, à integridade do imóvel e, portanto, a recebê-lo isento de assentamentos diferenciais ou a serem ressarcidos por quem ilicitamente os gerou. XVI - Esta alteração afigurou-se suficientemente relevante para o perito, já que da mesma deu nota no seu relatório, tendo o douto tribunal de 2ª instância integrado tal facto nos factos considerados assentes. XVII - O desconhecimento do significado do termo da expressão " assentamentos diferencias " não poderia exonerar a R. da sua responsabilidade, já que, a dúvida manifestada pelo douto Acórdão ora impugnado não recaí sobre o próprio facto, mas sim sobre se o mesmo constitui, ou não constitui, um dano. XVIII - Perante essa dúvida, tendo em vista ser o fim último do processo, a justa composição do litígio que constitui o seu objecto, impunha-se, não a exoneração da responsável pelo evento, mas o recurso aos expedientes previstos no artigo 662º do C.P.C.. XIX - Nos termos do disposto no artigo 564º nº 1 do C.C, o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão. XX - Quando alguém produz danos em prédio alheio, ou o ocupa sem título, susceptível, pela sua natureza, de proporcionar rendimento ao proprietário, os prejuízos a que se reporta a segunda parte da citada disposição legal, são aferidos pelo cálculo do montante desse rendimento que o seu titular ficou privado em consequência da acção danosa e durante o período de tempo em que ela se produziu até à cessação da causa privativa desse rendimento. XXI - No caso dos autos, o locado sofreu consideráveis danos em resultado dos actos e omissões imputáveis à R. que, através da sua incorporada, o fruiu e ocupou, exercendo a sua actividade potencialmente adequada a produzi-los. XXII - Tais danos, considerando a sua extensão e natureza, têm privado os ora recorrentes de obter o rendimento que o locado lhes poderia proporcionar, devendo, por isso, serem imputados à R. os prejuízos decorrentes dessa privação, pelo facto de se encontrarem causalmente ligados à sua conduta sendo resultantes das acções por ela desenvolvidas no locado, através da sua participada. XXIII - Tendo em conta resultar da materialidade apurada que o imóvel, quando foi entregue à incorporada da R., encontrava-se em óptimo estado de conservação e, por isso, tinha todas as condições para condignamente a mesma exercer a sua actividade e, que o mesmo, à data da entrega, não estava em condições de ser arrendado ou utilizado, verificam-se preenchidos os elementos constitutivos do seu direito à indemnização pelos prejuízos decorrentes da privação do uso e da correspectiva obrigação da R. de os reparar. XXIV - Para se eximir dessa obrigação, era à R., e não ao ora recorrentes, que competia alegar e provar, o que não se verificou, que as condições em que o imóvel foi entregue não resultaram de facto seu, ou que, os danos imputados ao seu comportamento delitual não inviabilizavam o seu uso e fruição, na medida em — que essa materialidade reportar-se-ia a factos extintivos ou modificativos do direito invocado pelos ora recorrentes, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo342º do C.C.. XXV - O douto tribunal " a quo " considerou provado que o imóvel/à data da entrega, não estava em condições de ser arrendado ou utilizado, por o mesmo padecer de danos pelos quais a R. já foi responsabilizada e condenada à sua reparação, designadamente, os danos nas portas e paredes interiores do locado, pelo que a privação do rendimento que o mesmo poderia proporcionar encontra-se causalmente ligada à sua conduta ilícita. XXVI - Acresce que ora recorrentes, no caso dos autos, beneficiam das presunções estabelecidas nos citados artigo 1043º, nº 2 e 1044º e, subsidiariamente, considerando o quadro material da causa, nos artigos 798º e 493º, n.º 2, todos do C.C. XXVII - Na decorrência dessas presunções, era sobre a R. que impendia o ónus da prova que a causa dos danos produzidos no locado não lhe era imputável e que empregou todas providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de as prevenir. XXVIII - Essa prova, para se poder eximir da sua responsabilidade, não corresponde à prevista no artigo XXIX – A R., não produziu qualquer prova, para além da documental, pelo que nunca poderia cumprir o ónus de elisão, como lhe competia. XXX - Nesta conformidade, quer quanto aos danos produzidos no locado, identificados nos autos e constantes dos factos assentes, quer quanto aos prejuízos decorrentes da privação do seu uso, encontram-se verificados todos os elementos constitutivos do direito cuja tutela requer nos presentes autos, bem como todos os elementos constitutivos da obrigação da obrigação da R. de os indemnizar. XXXI - Preenchidos, no caso concreto, todos os pressupostos de que a lei faz depender a obrigação de indemnizar, a presente acção devia ter sido considerada procedente e provada. XXXII - Ao decidir como decidiu, a douta sentença do Tribunal "a quo" violou o disposto nos artigos 341º, 342º, nº 2, 344º, nº 1, 346º, 483º, nº1, 493º nº 2, 562º, 564º, nº 1, 762º, nº2, 798º, 1043º, n.ºS 1 e 2 e 1044º, todos do C.C. e 662º, do C.P.C.. Tendo o douto Acórdão impugnada violado as disposições legais acima indicadas, deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se aquela e, em consequência, julgar-se a presente acção procedente e provada e, em consequência, condenar-se a R. a reparar todos os danos produzidos no rés-do-chão do prédio dos autos, sob o acompanhamento de um técnico indicado pelos A.A., no prazo máximo de 90 dias após o transito em julgado da decisão proferida nos presentes autos, ou a pagar a este a quantia que se revelar necessária, em liquidação, à reparação dos danos, bem como a pagar aos A.A., a título de lucros cessantes, a quantia a que, também em liquidação, corresponder ao montante que os A.A. deixaram de obter, desde a entrega do locado até à data da sua reparação, como é, aliás, de inteira JUSTIÇA. * Respondeu a R. suscitando a inadmissibilidade da revista por se verificar uma situação de dupla conforme, na medida em que o acórdão recorrido confirmou a decisão da primeira instância e ainda foi mais favorável aos AA. do que aquela. E a não se entender assim pugna pela improcedência da revista. * ** Na perspectiva da delimitação pelo recorrente[2], os recursos têm como âmbito as questões suscitadas nas conclusões das alegações (art.ºs 635º nº 4 e 639º do novo Cód. Proc. Civil)[3], salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 608º do novo Cód. Proc. Civil ). Porém, antes de apreciar as questões que compõem tal objecto, há que apreciar a admissibilidade do recurso. Nos presentes autos, esta questão foi expressamente suscitada, pelos recorridos. Dispõe o n.º 3 do artigo 671.º do CPC que “[s]em prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância”. Confrontando as duas decisões acima reproduzidas, verifica-se que, apesar da procedência parcial da apelação, os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa confirmaram integralmente, sem fundamentação essencialmente diferente, a sentença do Tribunal de 1.ª instância no que toca ao objecto da presente revista. Esclareça-se que o conceito de conformidade relevante para estes efeitos é compatível com casos (como o presente), em que não existe absoluta sobreposição entre as duas decisões, sendo de equiparar à situação de dupla conforme aquela (como a presente) em que a Relação profere uma decisão que, embora não seja rigorosamente coincidente com a da 1.ª instância, se revela mais favorável à parte que recorre[4]. Face ao exposto, dir-se-ia, primo conspecto, que se configura o bloqueio recursório conhecido como “dupla conforme”. Verifica-se, no entanto, que o presente recurso de revista assenta na alegação de que, na apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto, o Tribunal recorrido teria violado certas regras de Direito probatório, designadamente o artigo 574.º, n.º 2, do CPC e o artigo 342.º do CC. Ora, como diz Abrantes Geraldes, “nestas situações (…) em que seja apontado à Relação erro de aplicação ou de interpretação da lei processual, ainda que seja confirmada a sentença recorrida no segmento referente à apreciação do mérito da apelação, não se verifica, relativamente àqueles aspetos, uma efetiva situação de dupla conforme, já que as questões emergiram apenas do acórdão da Relação proferido no âmbito do recurso de apelação, sem que tenham sido objeto de apreciação na 1.ª instância”[5]. É, por outro lado, inquestionável que o Supremo Tribunal de Justiça tem o poder de apreciar este tipo de questões [cfr. artigos 674.º, n.º 1, al. b), e n.º 3, e 682.º, n.º 3, do CPC]. Trata-se de “verdadeiros erros de direito que, nesta perspetiva, se integram também na esfera de competências do Supremo”[6]. Não se trata de sindicar a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto em ordem a verificar se ocorreu erro de julgamento, mas, antes, de avaliar se o Tribunal da Relação, no desempenho daquela sua função, respeitou as normas de Direito probatório aplicáveis. Estabelecida, nestes termos, a admissibilidade do presente recurso de revista, cabe enunciar as questões a apreciar. Pelos motivos expostos acima, todas as questões suscitadas pela recorrente que não impliquem a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto e digam unicamente respeito à decisão de direito (sobre a qual convergiram as instâncias) ficam excluídas do âmbito do presente recurso[7]. Das conclusões acabadas de transcrever decorre que as questões a apreciar são: Saber se o Tribunal violou as regras de direito probatório, designadamente do ónus da prova (art.º 342º, 344, 346º do CC), no tocante aos danos que o imóvel apresenta e bem assim a presunção decorrente dos art.ºs 1043 nº 1 e 1044º do CC e se violou o disposto no art.º 662º do CPC. * Dos factos Após apreciação do recurso sobre a impugnação da decisão de facto, a Relação consolidou a seguinte factualidade: Factos provados 1. Encontra-se inscrito a favor do 1.º A. marido, do 2.º A. marido e do 3.º A., na proporção, respetivamente, metade, um quarto e um quarto, na atual matriz predial urbana da união de freguesia de …, …. e … sob o artigo 1500, o prédio urbano, prédio em propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, com dois pisos, o R/C destinado a serviços, sito na Avenida …, em …. 2. Tal prédio, antes de lhe ser atribuído o atual artigo matricial n.º 1500, esteve inscrito nas matrizes prediais urbanas da extinta freguesia de … sob os artigos 940 e 1139. 3. Esse referido prédio, que outrora pertenceu a HH, mãe da 1.ª A. mulher, que o adquiriu, em 30 de outubro de 1962, por compra a II, Lda., adveio à titularidade dos 1.ºs AA., e dos 2.º A. marido e 3.º A., respetivamente, por partilha por óbito daquela referida HH, ambos herdeiros desta por ser a autora mulher sua filha, e por testamento deixado pelo seu falecido filho, JJ, que lhe havia sucedido. 4. Há mais de 2 e 3 décadas, os antepossuidores dos AA. deram o R/C desse prédio de arrendamento à empresa GG, S.A, para o exercício da sua atividade de transportes, a qual, mediante fusão, foi incorporada na R. “FF, S.A.”, em 4.8.2014, passando esta, por via dessa incorporação, a assumir todos os direitos e obrigações daquela. 5. O A. CC, mediante carta registada, datada de 16 de janeiro de 2013, comunicou, por si e em representação dos restantes AA., à incorporada na R. a transição do referido contrato de arrendamento para o NRAU e propôs a esta que o mesmo passasse a ter um prazo certo de duração de cinco anos, sendo a renda mensal de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros). 6. Em resposta àquela carta, a incorporada na R.. remeteu ao referido A., com data de 8 de fevereiro de 2013, carta registada, denunciando o contrato de arrendamento. 7. Em 30 de abril de 2013, a incorporada na R. enviou nova missiva ao A. CC, a informá-lo, além do mais, que o imóvel seria entregue no dia 7 de maio de 2013, data em que o prédio foi efetivamente entregue pela R. aos AA. 8. Durante a vigência do referido contrato de arrendamento, nunca a R. ou a incorporada, GG, S.A., comunicou ou interpelou os AA. para que estes procedessem a quaisquer reparações ou obras de conservação do referido locado. 9. O arrendado, quando foi entregue à referida incorporada da R., há mais de 30 anos, encontrava-se em ótimo estado de conservação e, por isso, tinha todas as condições para condignamente a mesma exercer a sua atividade. 10. Após a entrega do arrendado, em 7 de maio de 2013, verificou-se que os panos das paredes interiores se encontram danificados, com maior incidência nas paredes da zona de parqueamento e das arrecadações, e com menor incidência na zona da bilheteira, não apresentando danos nas paredes das instalações sanitárias, sendo mais significativos na ½ altura total das mesmas; verificou-se ainda a existência de alteração de rebocos provocados por humidades ascensionais para cuja alteração terá também contribuído o nivelamento do exterior com o interior, na zona da cota da soleira, permitindo a permanência de humidade nas fundações das paredes, sendo a área de paredes interiores de parqueamento com danos associados à deficiente utilização de 148,71 m2; nos dois arrumos, de 109,6 m2; e na zona da bilheteira de 142,9 m2, 11. Esclarecendo-se que os pavimentos dos espaços referidos se encontram pontualmente danificados com manchas de óleos, fissuração e uma pequena área de betonilha deteriorada. 12. A incorporada na Ré procedeu à remoção dos depósitos de combustível instalados no exterior do arrendado, que é parte integrante do prédio, o que originou uma descompressão do solo adjacente à fachada principal, tendo como consequência pequenos assentamentos diferenciais. 13. O teto interior do parqueamento possui uma cor uniforme e escurecida proveniente dos gases e fumos dos autocarros, existindo uma pequena área com infiltrações provenientes de canalizações do andar superior, sendo a área total do teto afetada de 143,36 m2; os tetos interiores das arrecadações, da bilheteira e das casas de banho não apresentam danos. 14. Quanto à caixilharia interior, existem danos em 4 vãos de portas antigas e 1 vão de porta mais recente, numa área de 22,46 m2, e em 5 vãos de portas antigas na caixilharia exterior, numa área de 45,57 m2; existe ainda um tubo de queda em polietileno, com o diâmetro de 110 mm, a necessitar de ser substituído numa altura de 4 metros, por se encontrar amolgado. 15. O capital social da sociedade «GG, S.A.» — a qual foi incorporada na aqui Ré, e cancelada a respetiva matrícula no registo comercial a 14.11.2014 —, esteve durante boa parte das duas ou três décadas aludidas na titularidade dos mesmos possuidores. 16. Os Autores AA e BB — Pais dos 3.º e 4.º Autores ([8]) — foram sócios da sociedade em questão, e, após terem procedido à transmissão do capital social para o então denominado Grupo KK, exerceu o Autor EE as funções efetivas de administrador da aludida sociedade. 17. O Autor EE manteve o exercício de tais funções até 31.05.2009, e, após ter o mesmo cessado o exercício de tais funções de administrador — o que coincidiu com a venda do denominado Grupo KK ao atual Grupo FF —, foi designado procurador daquela sociedade por via da ata nº 4, de 18.08.2009, da ata nº 7, de 22.11.2010, da ata n.º 15, de 05.01.2012, e da ata n.º 17, de 07.03.2013. 18. O Autor EE, a título de contrapartida pelos serviços por si prestados, recebia mensalmente retribuição, constando no mês de abril de 2013 como diretor de serviços a tempo inteiro da R., conforme recibo de vencimento de fls. 225, tendo cessado funções na sociedade GG, S.A. em 30 de abril de 2013. 19. Em razão desse facto, sempre os Autores tiveram conhecimento do real e efetivo estado do prédio objeto do contrato de arrendamento em causa nos presentes autos. 20. O imóvel em questão é constituído por rés-do-chão e primeiro andar, encontrando-se o rés-do-chão reservado ao exercício da atividade da Ré, e sendo o primeiro andar constituído por duas habitações, as quais se encontravam arrendadas por parte dos Autores a terceiros. 21. Depois de o Autor EE ter, verbalmente, e após a entrega do locado, apresentado reclamação, entendeu a Ré dever analisar a situação exposta. 22. Na sequência dessa análise, a Ré assumiu perante os Autores a obrigação de proceder às seguintes reparações: i. eliminação das manchas de óleo do pavimento; ii. reparação da raspagem da pintura das portas por choque de objetos; iii. reparação do tudo de queda amolgado e dos riscos e manchas de fumo na parede adjacente, no valor de € 2.7000,00 (dois mil e setecentos euros). 23. A Ré transmitiu ao Autor EE a sua disponibilidade para proceder à realização das obras ou pagamento da quantia indicadas, o que os Autores recusarem aceitar. 24. A remoção dos tanques de combustível acorreu na sequência da cessação do contrato de arrendamento — e por solicitação dos Autores —, tendo a mesma sido efetuada pela Galp. 25. (Eliminado) 26. O autor EE contactou LL, administrador da Ré FF, declarando-lhe que o local arrendado apresentava danos causados pela Ré, que esta devia reparar. 27. A arrendatária Ré derramou óleos no espaço interior e exterior do arrendado. 28. Aquando da entrega, algumas portas não estavam completas, faltando elementos da sua estrutura, e apresentavam corrosão no segmento inferior junto à soleira, consoante representação visível nas fotografias de fls. 34 verso a 38. 29. O imóvel à data da estrega não estava em condições de ser arrendado ou utilizado. Não se provou : a) Após a entrega do arrendado aos AA., estes verificaram que o mesmo se encontrava em elevado estado de degradação. b) (A parte respondível passou para os factos provados). c) (Eliminado). d) A arrendatária R. foi fazendo um mau uso do arrendado, nomeadamente, para além do constante dos factos provados, fazendo estragos não só no chão como também nas paredes interiores, portas, todas elas ficaram sem alguns vidros, sendo certo que para essas portas eram projetados óleos e outros líquidos como a água que era projetada para portas e paredes quando eram feitas limpezas muito imperfeitas e sem os cuidados devidos, e, além disso, tendo a arrendatária eliminado o desnível da cota de soleira das portas de entrada, ocasionou que as águas pluviais misturadas com os óleos as danificassem ainda mais. e) A R.. provocou, ainda, fendas na parede do alçado principal resultantes da circulação intensiva do tráfego de veículos pesados e da má compactação do solo quando colocou e removeu os depósitos de combustível instalados no exterior do arrendado que é parte integrante de todo o prédio. f) Para além do constante dos factos provados, a R., de igual modo, danificou os tetos interiores dos espaços de parqueamento dos autocarros, das arrecadações, da bilheteira e das casas de banho, bem como caixilharias interiores e exteriores e as redes de águas e eletricidade. g) Em virtude dos danos causados pela R., a reposição do imóvel no estado anterior a esses danos obriga, nomeadamente, à realização das seguintes obras e trabalhos e respetivas despesas: - Relativas ao Estaleiro: - Montagem e desmontagem do estaleiro, implementação do Plano de Segurança e Saúde e cumprimento da legislação sobre resíduos da construção e da demolição (RCDs)-1 VG = €1.500,00 - Demolição das caixilharias da fachada principal e sua condução a depósito de RCDs (m2) 47,25m2*€20,00/m2 = € 945,00 - Demolição e reposição do tubo interior e sua condução a depósito de RCDs –(m2) 1VG*€100,00 = €100,00 - Limpeza das instalações depois da intervenção para serem rececionadas pelo dono da obra – 1VG*€450,00 = €450,00 - Relativas à reparação de interiores e exteriores: - Limpeza por lavagem dos pavimentos para remoção das manchas de óleo e retoque dos betões. (m2) 281,56 m2*€5,00/m2 = €1.407,80 - Limpeza por lavagem das paredes e tetos para remoção das manchas de óleo e retoque das argamassas de revestimento incluindo a reparação dos estragos provocados pelo movimento dos autocarros (m2) – 1.136,50 m2 * €5,00/m2 = €5.682,50 - Limpeza por lavagem das paredes exteriores, alvenarias e rebocos, incluindo enchimento de juntas em massa à base de cal e o reboco dos pontos em argamassa à vista para posterior pintura, incluindo o fornecimento de todos os materiais e demais trabalhos necessários e complementares (m2). 82,75m2*€5,00/m2 = €413,75 - Pintura dos pavimentos da garagem, instalações sanitárias, arrecadações e espaço da bilheteira e do despacho das encomendas, incluindo o fornecimento e aplicação de tinta apropriada do tipo “Robialac” ou equivalente, e demais trabalhos necessários e complementares. 281,56m2*€10,00/m2 = €2.815,00 - Pintura das paredes e tetos das zonas degradadas da garagem, casas de banho, arrecadações, bilheteiras e zona do despachante, incluindo o fornecimento de todos os materiais, mão-de-obra e equipamentos e demais trabalhos necessários e complementares. (m2) 1136,14 m2*€10,00/m2 = €11.316,40 - Pinturas das paredes exteriores, incluindo o tratamento da pedra e o fornecimento de todos os materiais, mão-de-obra e equipamentos e demais trabalhos necessários e complementares. (m2) 82,75 m2*€10,00/m2 = €827,50 - Reparação da rede elétrica. 1VG*€500,00 = €500,00 - Reparação da rede de águas domésticas. 1VG*€500,00 = €500,00 - Recuperação das caixilharias interiores, incluindo a substituição dos elementos deteriorados, envernizamento fixação e demais trabalhos necessários e complementares. 28,17 m2*€100,00/m2 = €2.817,00 -Recuperação e substituição das caixilharias exteriores em madeira, incluindo o fornecimento da madeira, colocação, envernizamento ou pintura e fixação, e demais trabalhos necessários e complementares. 47,25m2*€200,00/m2 =€9.450,00 - Relativas a outras despesas: - Estudos projetos e acompanhamento da obra. = €1.500,00 - Intervenção de um profissional de topografia = €500,00 - Licenciamento, taxas e outras despesa = €2.000,00 No total: = €39.729,95. h) (A parte respondível passou para os factos provados). i) Os AA. têm tido várias propostas de arrendamento para o referido imóvel, estando essas pessoas nele interessadas logo que sejam efetuadas as reparações que aí se impõem, ultrapassando todas as propostas a renda anual de €24.000,00. j) (A parte respondível passou para os factos provados). k) A participação do 3.º A. na atividade da R. foi substancialmente limitada, circunscrevendo-se ao acompanhamento de rotina diária de uma empresa de transportes públicos de passageiros e estabelecimento de relações com clientes institucionais; não participava sequer na formação das decisões da sociedade. l) No próprio dia em que se preparava a R. para remover os tanques de combustível o 3.º A. opôs-se a que executassem essa remoção, não só por desconhecer as condições em que essa obra seria executada, mas sobretudo porque as escavações iam ser efetuadas, como foram, junto aos pilares do prédio, portanto, junto aos seus elementos estruturais e de suporte, sem previamente escorar o edifício, como determinam as regras da arte, com todos os riscos decorrentes dessa operação, circunstância que provocou a fendilhação na sua fachada. m) Não obstante essa expressa oposição, a R. prosseguiu e conclui a obra. Do Direito As questões suscitadas nesta revista, no tocante ao direito probatório, já constituíram fundamento da apelação no tocante à impugnação da decisão de facto, onde os recorrentes pretendiam, no essencial, que fosse considerada provada a matéria constante das al. a), b), c), d), e), f), h), i) e j) dos «factos não provados». Antes de apreciar cada um dos “factos” impugnados, o tribunal recorrido esclareceu que é necessário distinguir os factos dos juízos ou conclusões, porquanto só com base naqueles será lícito fazer juízos ou extrair conclusões. Feita a destrinça e apreciando em concreto cada uma das referidas alíneas que os recorrentes pretendiam dever constar do elenco dos “factos provados”, o Tribunal à “quo” considerou o seguinte: « Os factos são estes: (I) «Após a entrega do arrendado aos A.A., estes verificaram que o mesmo se encontrava em elevado estado de degradação». «Elevado estado de degradação» é uma conclusão a que se chegará ou não perante factos mais simples que é possível identificar. Por isso, se se respondesse «provado» poder-se-ia inserir no facto provado complexo um elevado número de factos simples. Na verdade, não se saberia que factos estariam aí contemplados o que mostra que tal formulação não é adequada para figurar na matéria de facto provada da sentença. (II) «O 3.° A. contactou o Dr. LL, administrador da R FF, dando-lhe conta do estado de degradação em que se encontrava o arrendado, e solicitando-lhe que diligenciasse no sentido da R. proceder às reparações necessárias dos danos causados pela mesma e que são da sua exclusiva responsabilidade». Ou seja, aproveita-se como facto o seguinte: O autor EE contactou LL, administrador da Ré FF, declarando-lhe que o local arrendado apresentava danos causados pela Ré que esta devia reparar. Afigura-se que este facto é consensual. O legal representante da ré LL disse isto logo no início do seu depoimento, isto é, confirmou a existência deste contato. Por conseguinte, acrescentar-se-á à matéria de facto, com o n.º 26, o seguinte: «26. O autor EE contactou LL, administrador da Ré FF, declarando-lhe que o local arrendado apresentava danos causados pela Ré que esta devia reparar». (III) «O arrendado, quando foi entregue à R., encontrava-se em óptimo estado de conservação e, por isso, tinha todas as condições para condignamente a mesma exercer a actividade». Este facto foi declarado provado sob o facto provado n.º 9. Mas também consta dos factos não provados, sob a «al. c)». A prova produzida não permite verificar se deve manter-se num setor ou no outro, por carência de prova. A lei presume que a coisa foi entregue em bom estado de manutenção (artigo 1043.º, n.º 2 do C.C.). Presume este facto, portanto. Por conseguinte, dada a contradição, opta-se por manter o facto nos factos provados e com isto se responde à impugnação, sendo eliminado dos «factos não provados». Embora se trate de uma opção tomada com base num fundamento utilitário, afigura-se que resolve de modo satisfatório a contradição. (IV) «A arrendatária R. foi fazendo um mau uso do arrendado, nomeadamente, para além do constante dos factos provados, derramando óleos por todo o espaço interior e exterior do arrendado, fazendo estragos não só no chão como também nas paredes interiores, portas, todas elas ficaram sem alguns vidros e elementos das suas estruturas, sendo certo que para essas portas eram projetados óleos e outros líquidos como a água que era projetada para portas e paredes quando eram feitas limpezas muito imperfeitas e sem os cuidados devidos, e, além disso, tendo a arrendatária eliminado o desnível da cota de soleira das portas de entrada, ocasionou que as águas pluviais misturadas com os óleos as danificassem ainda mais». Quanto a estas questões cumpre ter presente que a Ré, como resulta do facto provado n.º 22, assumiu perante os Autores a obrigação de proceder às seguintes reparações: eliminação das manchas de óleo do pavimento; reparação da raspagem da pintura das portas por choque de objetos e reparação do tudo de queda amolgado e dos riscos e manchas de fumo na parede adjacente, no valor de € 2.7000,00 (dois mil e setecentos euros). Cumpre, por isso, admitir o segmento relativo derramamento do óleo, mas não «por todo o espaço», mas sim onde há presença desse óleo. Acrescenta-se esta factualidade, sob o n.º 27: «27. A arrendatária ré derramou óleos no espaço interior e exterior do arrendado». Quanto a «portas», que terão ficado todas elas sem alguns vidros e elementos das suas estruturas. Nesta parte, verifica-se que a prova produzida não mostrou existirem vidros partidos. Quanto a «elementos» da estrutura das portas. As fotografias mostram que algumas das portas não estão completas na parte inferior, próxima do pavimento, faltando já partes em algumas delas, como se pode ver nas fotografias de fls. 34 verso a 38). Vê-se também que as portas estão corroídas não segmento que fica mais próxima do pavimento, na «almofada» junto à soleira. Por conseguinte, cumpre declarar provado que «28. Aquando da entrega, algumas portas não estavam completas, faltando elementos da sua estrutura, e apresentavam corrosão no segmento inferior junto à soleira, consoante representação visível nas fotografias de fls. 34 verso a 38». Remete-se para as fotografias porque é o modo mais eficaz para informar o que se pretende informar neste facto 28. Não se declarará provado que para as «portas eram projetados óleos e outros líquidos como a água que era projetada para portas e paredes quando eram feitas limpezas muito imperfeitas e sem os cuidados devidos, e, além disso, tendo a arrendatária eliminado o desnível da cota de soleira das portas de entrada, ocasionou que as águas pluviais misturadas com os óleos as danificassem ainda mais». Porque não há prova que mostre que era projetada água e óleos contra as portas e que existia antes do arrendamento um desnível entre o exterior e o interior do locado. (V) «A R. provocou fendas na parede do alçado principal resultantes da circulação intensiva do tráfego de veículos pesados e da má compactação do solo quando colocou e removeu os depósitos de combustível instalados no exterior do arrendado que é parte integrante de todo o prédio». Este facto deve permanecer nos factos declarados «não provados» com base na resposta dada pelo perito nomeado pelo tribunal, o qual a fls. 4 e 5 do seu relatório referiu o seguinte: «Resposta: A remoção dos depósitos de combustíveis originou, certamente, uma descompressão do solo adjacente à fachada principal, tendo como consequência pequenos assentamentos diferenciais (esta parte consta dos factos provados). Por esta razão, sempre que se proceda a escavações junto duma edificação (neste caso para remoção de depósitos com volume apreciável) com recurso à eventual utilização de máquinas geradoras de vibrações, é sempre necessário efectuar uma vistoria prévia à mesma no sentido de anotar as eventuais patologias (danos) existentes e em particular das fendas existentes e das suas dimensões, desejavelmente incluindo uma reportagem fotográfica incluída em relatório assinado por técnico. De igual forma, e com procedimentos idênticos, devem ser anotadas e monitorizadas as patologias existentes antes do início da utilização do espaço pela circulação de tráfego ao longo do tempo, cuja vibração transmitida à edificação pode provocar fendilhação. Acresce, no entanto, que no tecto das instalações arrendadas, e na zona de encosto à fachada principal, que se encontra fissurada no seu exterior, não se verifica a existência de qualquer fissuração. Por esta razão, e pela inexistência de qualquer relatório de inspecção prévio, apenas com recurso à prova testemunhal será possível aferir se a fissuração constatada no pano exterior da parede do alçado principal foi, ou não, uma causa directa da remoção dos depósitos e vibrações provocadas pelo tráfego dos autocarros». Por conseguinte, se o perito não conseguiu afirmar se a fendilhação na fachada tem como causa as vibrações dos autocarros e a remoção dos depósitos ou outra causa qualquer, o juiz não tem meios mais adequados para divergir do perito. Com efeito, a prova testemunhal restringiu-se à testemunha MM que referiu ser arrendatária do 1.º andar do prédio e terem aparecido aí rachas nas paredes depois da remoção dos depósitos (minuto 09:40). Esta testemunha apresentou um comportamento durante o interrogatório que é raro verificar, atendendo à sua hostilidade em relação a quem a inquiria, sem se ter constatado causa adequada para essa hostilidade, o que suscita dúvidas sobre a veracidade do que afirmou. Por outro lado, o perito referiu que não observou fendilhação no teto do arrendado o que também suscita dúvidas sobre se terá havido fendilhação nas paredes da casa da testemunha, as quais assentam no mesmo pavimento que serve de teto ao local arrendado. Resumindo, a fendilhação em causa pode ter várias causas e nãos e apurou que a causa tivesse sido a remoção dos tanques ou a vibração produzida pelos motores e circulação dos autocarros ao longo dos anos. (VI) «A R. danificou os tetos interiores dos espaços de parqueamento dos autocarros, das arrecadações, da bilheteira e das casas de banho, bem como caixilharia as interiores e exteriores e as redes de águas e eletricidade». «Danificar» tetos ou paredes e outros locais sem se especificar em que consiste o dano não pode ser respondido. Já acima se referiu que são conclusões a que se chegará ou não perante factos mais simples que é possível identificar. Por isso, se se respondesse «provado» o tribunal estaria a inserir no facto provado complexo um elevado número de factos simples, mas desconhecidos. Na verdade, não se saberia que factos estariam aí contemplados, o que mostra que tal formulação não é adequada para figurar na matéria de facto provada da sentença. Não se responde a esta matéria. (VII) «O imóvel não está minimamente em condições de ser utilizado, os A.A. estão impossibilitados de dele obter qualquer rendimento, nomeadamente, arrendando-o, fim esse a que o mesmo se destina». Cumpre declarar provado, com o n.º 29, que «O imóvel à data da estrega não estava em condições de ser arrendado ou utilizado». A convicção resulta das fotografias juntas aos autos, as quais não foram impugnadas como não sendo representativas do local. Das fotografias resulta que as portas e paredes interiores, pelo menos estas partes, estavam de tal modo carecidas de arranjo que nenhum interessado típico ou comum arrendaria o imóvel nessas condições, salvo a um preço simbólico, mas não é este o tipo de arrendamento que está colocado em hipótese na matéria impugnada. Tal também foi afirmado pela testemunha NN (engenheiro que elaborou o relatório pericial apresentado pela Autora) (minuto 07.08), no sentido de que não estava em condições de ser arrendado. Aliás, vê-se pelas fotografias que é possível entrar no locado, principalmente animais, como cães e gatos, porque há um espaço livre numa das portas (não tem madeira) que permite inclusive a passagem de uma pessoa do exterior para o interior. Nestas condições, não é viável a utilização do local sem obras (VIII) «Os A.A. têm tido várias propostas de arrendamento para o referido imóvel, estando essas pessoas nele interessadas logo que sejam efetuadas as reparações que aí se impõem, ultrapassando todas as propostas a renda anual de €24.000,00». Apenas a testemunha OO referiu que esteve interessado no arrendamento do local, tendo feito uma visita (minuto 06:27), mas que desistiu devido ao estado degradado em que se encontrava o local (minuto 06:56). Cumpre manter o facto como «não provado». Não é pelo facto de uma testemunha se apresentar em tribunal a proferir declarações como as feitas pela testemunha mencionada que o juiz adquire a convicção de que havia pessoas interessadas em arrendar o local e que não o fizeram devido ao seu estado degradado, por carecer de obras. Com efeito, qualquer testemunha que exerça uma atividade industrial ou comercial pode fazer afirmações deste tipo em tribunal, sem que, na verdade, estivesse seriamente interessada em arrendar o local. Quer-se com isto dizer que não é pelo facto de alguém declarar algo que o tribunal forma a convicção no sentido de que esse algo correspondeu a um facto real, histórico. Já seria diferente se a testemunha mostrasse que arrendou ou adquiriu, depois disso, um espaço em … ou na região onde instalou e explora um estabelecimento. Não foi o caso. Por outro lado, dado o mau estado geral em que o local estava, o mesmo não tinha capacidade para fazer surgir na mente de alguém a ideia de o arrendar, salvo se tal interessado estivesse disposto a fazer obras ou os Autores lhe garantissem que iriam fazer obras. Quanto aos valores locativos, a convicção não se pode formar no sentido pretendido, ou noutro, por ausência de material probatório adequado a provar esta factualidade. Neste caso a prova adequada seria a pericial, eventualmente feita por algum profissional ligado ao mercado de arrendamento na região. (IX) «Tendo em conta o estado em que o locado foi entregue e se mantém, não foi possível concretizar o arrendamento do mesmo, tendo, aliás, alguns interessados perdido o seu interesse no arrendamento». Cumpriria declarar provado que «Tendo em conta o estado em que o locado foi entregue não era possível arrendá-lo», mas esta matéria já foi antes decidida. A convicção baseia-se nas razões antes referidas a propósito da factualidade no item «VII». Relativamente à parte «…tendo, aliás, alguns interessados perdido o seu interesse no arrendamento» deve manter-se não provada. Decide-se manter esta parte nos factos não provados pelas razões que acabaram de ser referidas na análise feita à factualidade anterior». * ** Analisada a decisão da Relação, não vislumbramos vestígio de violação da regra do ónus da prova, designadamente desconsideração de presunções legais. Na verdade a presunção decorrente do art,º 1043º não deixou de ser considerada, porquanto consignou-se sob o nº 9 dos factos provados que o imóvel, aquando do arrendamento, estava em óptimo estado de conservação. Quanto à alegada presunção derivada do art.º 1044º ela só releva no tocante aos danos que resultem duma utilização imprudente, competindo pois a quem invoca o direito demonstrar que os danos se devem a tal circunstância. No caso e como bem se observa na fundamentação da decisão, tendo em conta a finalidade do arrendamento, o tempo decorrido e as demais circunstâncias, considerou-se que a maioria das deficiência apresentadas e denunciadas pelos AA., são compatíveis com a utilização normal do arrendado para o fim contratado. Na verdade estamos em presença de «um arrendamento superior a 30 anos de duração e destinado à indústria de transporte de passageiros, por conseguinte, também à recolha, manutenção e circulação de autocarros e todo o serviço de apoio que envolve esta actividade». Por outro lado «verifica-se que as finalidades do próprio contrato de arrendamento, previstas ou previsíveis no momento em que foi celebrado, implicavam um uso intensivo do local Por conseguinte, ao fim de mais de 30 anos de arrendamento não era espetável que o local se encontrasse no mesmo estado em que foi entregue, mas sim naturalmente degradado, não só pela simples passagem do tempo (envelhecimento), pela ação do vento, da água das chuvas, da exposição aos raios solares, da submissão dos materiais a amplitudes térmicas, fenómenos de condensação e capilaridade, infiltrações de águas, mas também pelo uso humano». O tribunal recorrido também não deixou de fazer uso nem usou indevidamente dos poderes que lhe são conferidos pelo art.º 662º do CPC, tendo, ao invés, feito uma correcta aplicação dos mesmos em respeito pelas regras de direito probatório material e processual. Assim, tendo em conta o âmbito restrito da revista, como acima ficou dito, a mesma terá de improceder. * ** Concluindo Pelo exposto, na improcedência da revista, confirma-se o acórdão recorrido. Custas pelos recorrentes. Notifique. Lisboa, em 11 de julho de 2019. José Manuel Bernardo Domingos (Relator) João Luís Marques Bernardo António Abrantes Geraldes _______ [1] Parcialmente transcrito do acórdão recorrido. |