Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | SALVADOR DA COSTA | ||
Descritores: | EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA AVALIAÇÃO SOLOS NOTIFICAÇÃO ALEGAÇÕES RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA DISPENSA DE VISTOS VOTAÇÃO NULIDADE INCONSTITUCIONALIDADE PRINCÍPIO DA IGUALDADE ACESSO AO DIREITO FUNÇÃO JURISDICIONAL | ||
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Nº do Documento: | SJ200809110023707 | ||
Data do Acordão: | 09/11/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | MEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário : | 1. Integra a competência funcional do relator da Relação a determinação da diligência pericial de avaliação da parcela expropriada na perspectiva de se tratar de solo apto para fins diversos da construção, no caso de a perícia no recurso do acórdão arbitral só ter procedido à sua avaliação como solo apto para construção e a expropriante haver alegado no recurso de apelação dever a indemnização ser calculada com base em solo da primeira das referidas espécies. 2. A circunstância de um juiz-adjunto ter dispensado o visto no procedimento de reclamação para a conferência e intervindo no julgamento em substituição de outro juiz adjunto que não compareceu à sessão e tivera vista no processo, não implica a nulidade do acórdão. 3. A realização da referida diligência probatória no recurso de apelação, pela sua natureza e fim, não implica, no seu termo, a notificação das partes para alegarem nos termos do artigo 64º, nº 1, do Código das Expropriações de 1999, pelo que a sua falta é insusceptível de envolver a nulidade do acórdão proferido subsequentemente. 4. A interpretação do artigo 64º, nº 1, do Código das Expropriações nos termos acima referidos não implica a conclusão no sentido da sua inconstitucionalidade material por violação dos princípios da igualdade, do acesso ao direito, da tutela jurisdicional efectiva, da participação ou da incumbência da função jurisdicional. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I AA e BB recorreram, no dia 19 de Maio de 2004, da decisão arbitral que lhes fixou em € 105 103, 12 o montante da indemnização pela expropriação, pela Câmara Municipal de Vizela, de identificada parcela de terreno rústico com a área de 5 814 metros quadrados, concluindo no sentido de dever ser fixado o valor de € 544 683, 13. A expropriante respondeu no recurso e apresentou recurso subordinado da decisão arbitral, concluindo que a indemnização a pagar aos expropriados não deveria ser superior a € 43 850, 40, sob o argumento de se tratar de terreno apto para fins diversos da construção. Na diligência instrutória de avaliação, os peritos nomeados pelo tribunal propuseram a indemnização de € 130 595, o perito indicado pelos expropriados € 218 057, 04, e o perito indicado pela expropriante o valor de € 120 958,40. Os peritos prestaram esclarecimentos a requerimento dos expropriados, as partes alegaram, e o tribunal da primeira instância, por sentença proferida no dia 13 de Janeiro de 2006, fixou a indemnização devida aos expropriados no montante de € 130 595. Apelaram AA e BB, por um lado, e a Câmara Municipal de Vizela, por outro, invocando os primeiros a nulidade da sentença, que a Juíza do tribunal da primeira instância considerou inexistir. Os expropriados requereram, no dia 16 de Março de 2006, no tribunal da primeira instância, a indicação da forma como deviam ser contados os prazos de alegação, e perante a não decisão daquele tribunal, o processo foi-lhe remetido pela Relação, e a Juíza declarou ter sido a expropriante quem primeiro alegou. Os expropriados responderam ao recurso subordinado no dia 24 de Abril de 2006, e o processo foi remetido à Relação, e o relator admitiu os recursos no dia 10 de Maio de 2006. O processo foi a vistos dos desembargadores A...R... e T...A..., e o relator, no dia 12 de Maio de 2006, sob o fundamento de a expropriante ter alegado, no recurso, dever o solo ser qualificado apto para outros fins e de os peritos não haverem emitido laudo para essa hipótese, ordenou directamente a avaliação da parcela expropriada nessa perspectiva. Os expropriados reclamaram do referido despacho para a conferência sob o argumento da sua desnecessidade e falta de cabimento processual por virtude da fase da instrução terminar com a apresentação das alegações, não podendo haver produção de prova, e a expropriante respondeu no sentido de se não verificar a ilegalidade invocada pelos primeiros por se não tratar da produção de novo meio de prova, mas de completar o já realizado. O processo foi mandado aos vistos por despacho do relator proferido no dia 7 de Dezembro de 2006, e teve-os de T...A... e de A...R... nesse mesmo dia. Em acórdão proferido no dia 18 de Dezembro de 2006, a Relação, indeferiu a referida reclamação, com votos do relator, de A...R... e de P...da C..., este com a declaração de ter dispensado o visto. Interpuseram os expropriados, no dia 16 de Janeiro de 2007, recurso de agravo para este Tribunal, admitido por despacho de 19 de Janeiro de 2007, no qual formularam as seguintes conclusões de alegação: - o acórdão recorrido é nulo por não estar assinado por todos os juízes que intervieram na sua discussão; - a diligência de avaliação, mantida pela conferência, por ser instrutória, não podia ter sido admitida pelo relator no recurso de apelação, pelo que foi violado o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 700º do Código de Processo Civil; - só podem ser ordenadas diligências destinadas à regularização da instância, como é o caso do convite ao aperfeiçoamento das conclusões das alegações, previsto na parte final do n.º 1 do artigo 701º do Código de Processo Civil; - deve substituir-se a decisão recorrida por outra que mande o tribunal recorrido julgar o recurso, designadamente quanto à qualificação jurídica do solo expropriado. O relator submeteu a questão da nulidade do acórdão proferido no dia 18 de Dezembro de 2006 à conferência, a qual, por acórdão proferido no dia 22 de Maio de 2007, declarou suprir a irregularidade derivada de constar de nota de rodapé o nome de uma desembargadora como tendo votado o acórdão, anotando o nome do desembargador que o votou, com dispensa de visto, em substituição daquela Juíza. Os expropriados requereram a ampliação do recurso de agravo, invocando o disposto no artigo 686º, nº 2, do Código de Processo Civil, sob o argumento de ter sido proferido novo acórdão, alegando, em síntese: - a observância das normas sobre os vistos visa garantir às partes serem as decisões dos tribunais superiores colectivas; - houve falta de um visto, incumprindo-se o artigo 707º, nº 3, do Código de Processo Civil, porque o visto foi efectivado a quem não interveio na conferência; - dispensar o visto em reclamação para a conferência de decisão singular é subverter o instituto, por se pretender o exame, o estudo e a ponderação por três juízes; - a dispensa de vistos só pode ser da iniciativa do relator por decisão fundamentada, em face dos respectivos pressupostos legais a notificar às partes por não ser de mero expediente; - os adjuntos limitam-se, nos termos da lei, a dar o seu assentimento à dispensa de vistos, e no caso ocorreu o contrário, sem despacho do relator, sendo a dispensa de vistos vedada na reclamação para a conferência. Respondeu a recorrida, em síntese de alegação: - foi cumprido o disposto no artigo 711º do Código de Processo Civil, e o juiz que votou o acórdão podia dispensar o visto, nos termos do artigo 700º, nº 4, do Código de Processo Civil; - se a dispensa é admissível para as decisões de mérito, é-o, por maioria de razão, nas reclamações para a conferência; - sendo permitido que tal decisão provenha de um terceiro relativamente àquele cujo visto foi dispensado, por maioria de razão se deverá permitir que o próprio exerça a faculdade de tal dispensa; - se irregularidade houvesse, ela não influiria na decisão da causa, pelo que não constituiria nulidade, que só poderia ser suscitada pelo juiz que funcionou como substituto; - a dispensa do visto pelo juiz é decisão de mero expediente que não é sindicável pelo tribunal superior, nem tem de ser notificada às partes. A Relação proferiu, no dia 8 de Novembro de 2007, acórdão sobre os recursos de apelação da sentença proferida no tribunal da primeira instância, dando provimento ao da expropriante, qualificando a parcela como solo apto para outros fins e arbitrando aos expropriados a indemnização de € 53 973, 33, do qual os expropriados interpuseram recurso de revista, que o relator não admitiu. No dia 23 Novembro de 2007, os expropriados arguiram a nulidade do referido acórdão, invocando o disposto nos artigos 201º e 205º do Código de Processo Civil, sob o argumento de não haverem sido notificados, na sequência do novo laudo pericial, para alegarem ao abrigo do estatuído no artigo 64º do Código das Expropriações. A expropriante respondeu não ter sido omitido acto que a lei prescreva, e que, mesmo a entender-se terem ocorrido novas diligências de prova, não ser aplicável o artigo 64º do Código das Expropriações, por tal normativo apenas se reportar à primeira instância. O relator indeferiu, no dia 10 de Janeiro de 2008, a arguição da referida nulidade, sob o fundamento de não ser aplicável ao caso o disposto no artigo 64º do Código das Expropriações, por virtude de a diligência ordenada oficiosamente não ter sido para complementar a avaliação pericial realizada no tribunal da primeira instância, mas para viabilizar a decisão integral do recurso de apelação interposto pela expropriante. Os expropriados reclamaram para a conferência no dia 16 de Janeiro de 2008, invocando, além dos fundamentos formulados no referido instrumento de arguição, a dualidade de critérios, e que a interpretação diversa da por eles defendida do artigo 64º do Código das Expropriações era susceptível de ser aferida de inconstitucional, tal como o artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil, por violação dos artigos 20º e 202º da Constituição. A expropriante, na resposta, remeteu para o que havia expressando aquando da arguição da nulidade do acórdão pelos expropriados, acrescentando não haver dualidade de critérios por se tratar de normas de previsão diversa. A Relação, por acórdão proferido no dia 13 de Março de 2008, indeferiu a aludida reclamação, manteve o despacho do relator, mas não conheceu da questão da inconstitucionalidade, sob o argumento de os expropriados a não terem suscitado no instrumento de arguição da nulidade do acórdão. Interpuseram os expropriados recurso de agravo para este Tribunal, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - não releva o argumento formal aduzido pela Relação, sendo que o decidido subverte as regras do processo expropriativo, impedindo os expropriados de se pronunciarem sobre a questão de primeira grandeza que é o resultado da avaliação. - se o argumento de que não há alegação de direito no recurso de apelação valesse, também valeria para sustentar que nessa mesma fase não há lugar à produção de prova pericial, pelo que há dualidade de critérios de decisão; - a falta de procedimento não pode prejudicar o direito de defesa dos expropriados nem impossibilitar a tutela jurisdicional efectiva, pelo que cabia ao relator, após a perícia, notificar as partes para alegarem, com base no princípio da adequação formal previsto no artigo 265º-A do Código de Processo Civil; - no processo expropriativo, a avaliação pericial constitui fase decisiva, por via da qual o tribunal recolhe os elementos de facto indispensáveis para a fixação da indemnização, pelo que as alegações das partes após a mesma, seja ela considerada nova ou aditamento da anterior, na primeira instância ou em recurso, são cruciais para o cumprimento do contraditório e, por consequência, para permitir o acesso dos expropriados à justiça; - a omissão da notificação dos expropriados para produzirem alegações, após a nova avaliação ou o aditamento da anterior, constitui a nulidade do artigo 201.º do Código de Processo Civil, por ser susceptível de influir no exame ou decisão da causa, na medida em que, sem elas, os expropriados ficaram impedidos de tomar posição sobre o respectivo relatório; - ao omitir a notificação dos expropriados para alegarem, antes de ser proferido o acórdão final, a Relação violou o artigo 64º do Código das Expropriações, incorrendo em nulidade processual, bem como os princípios da adequação formal, do contraditório e da igualdade das partes; - a Relação violou por essa forma os princípios da igualdade, do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva e da participação, previstos nos artigos 13º, 20º e 268º da Constituição; - a interpretação do artigo 64º, n.º 1 do Código das Expropriações no sentido de que as partes são notificadas em sede de recurso para alegarem é inconstitucional por violar o disposto naqueles artigos da Constituição; - deve anular-se do acórdão proferido após a mencionada avaliação e determinar-se a notificação das partes para produzirem alegações de direito. Respondeu a recorrida, formulando, em síntese de conclusão, as seguintes alegações: - o artigo 64º do Código das Expropriações só prevê para a primeira instância, não há norma que preveja a alegação na segunda instância, não houve omissão de acto que a lei prescreva; - não houve dualidade de critérios do tribunal nas duas decisões, porque a avaliação foi determinada ao abrigo do disposto no artigo 700º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil, não tendo fundamento legal a notificação para a alegação pretendida pelos recorrentes; - não há impossibilidade de tutela jurisdicional efectiva, porque as alegações estão previstas para fase processual onde as partes podem alegar acerca de toda a prova produzida e de direito, em determinada fase e em determinado contexto de tramitação, que se não verifica na fase em causa; - não faz sentido afirmar em fase de mero complemento do laudo pericial, com alegações de direito já produzidas, estar em risco a tutela jurisdicional efectiva, pelo facto de não se alegar; - a tutela jurisdicional efectiva também não está em risco porque as partes foram notificadas do relatório pericial e tiveram a possibilidade de pedir esclarecimentos e de se pronunciarem, o que os recorrentes fizeram; - o principio da adequação formal permite a moldagem, mas tal não passa de possibilidade do tribunal, de sua livre resolução, insindicável; - não há violação do princípio da igualdade, porque, mesmo que aos recorrentes assistisse razão, ambas as partes teriam ficado impedidas de alegar. II É a seguinte a factualidade considerada assente nas instâncias, inserida por ordem lógica e cronológica: 1. A declaração da expropriação por utilidade pública, com carácter de urgência, por despacho do Secretário de Estado da Administração Local de 26 de Novembro de 2002, foi publicada no Diário da República, nº 19, II Série, de 23 de Janeiro de 2003. 2. A expropriação é total e respeita a uma parcela com a área de 5 814 metros quadrados de um prédio rústico sito no lugar da Lapa, freguesia de Infias, Concelho de Vizela, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 90. 3. A parcela confronta de Norte com herdeiros de J...S...C..., Sul com F...G..., Nascente com D...J...M...A..., e Poente com J...F...M...M.... 4. O solo da parcela é plano, pouco profundo, constituindo terreno agrícola de regadio, sendo as culturas praticadas as arvenses de regadio - milho, azevém e batata - existindo também vinha em bardo ou de enforcado na bordadura da parcela. 5. Na parcela existe uma baixada agrícola de electricidade, trifásica, com 1,20 meros de extensão, e o prédio situa-se a cerca de 1,5 quilómetro do centro urbano de Vizela, a cerca de 7 quilómetros da cidade de Guimarães. 6. O local apresenta-se com características rurais, sendo a sua envolvente caracterizada pela predominância de áreas agrícolas e florestais. 7. As construções existentes são dispersas e apresentam tipologia unifamiliar de rés-do-chão e um piso, mas, face à proximidade do núcleo urbano de Vizela, verifica-se alguma pressão urbanística estruturada nos arruamentos que lhe dão acesso, nomeadamente na rua da Lapa. 8. Em termos de estruturas básicas, a parcela confronta a poente com o caminho público, numa extensão de 100 metros, pavimentada em terra batida sobre a camada de tout venant, mas desprovido de quaisquer outras infra-estruturas básicas. 9. No arruamento situado a Sul, a cerca de 70 metros do prédio em causa, existem rede pública de abastecimento de água, rede de distribuição de energia eléctrica e rede telefónica. 10. Por via da suspensão dos Planos Directores Municipais de Guimarães, Lousada e Felgueiras, relativamente às áreas que integram o novo Município de Vizela, não será possível classificar estes terrenos de acordo com o instrumento de gestão territorial, mas, a parcela em causa, de acordo com o Plano Director Municipal de Guimarães, classifica-se como solo não urbanizável. 11. Na parcela registam-se as seguintes construções: a) Bardo de videiras no limite Norte, Sul e Nascente da parcela, estruturadas com esteios de cimento – 15 -, com sete metros de altura, ou em choupos, sendo a casta variada - vinho verde - sendo o número de pés de 298; b) dois diospireiros, um pessegueiro e duas cerejeiras ainda jovens; c) dois poços ligados entre si, com 1,5 metros de diâmetro e 7 metros de profundidade; são construídos com argolas de betão e possuem tampa também de betão, e dispõe de uma bomba submersível de 2; d) cabine junto aos poços, com 7 metros quadrados de área de implantação, construída em blocos de betão de 11, sendo rebocada exteriormente e com cobertura de fibrocimento, dispondo de porta em chapa de ferro com 1,5 vezes 0,8 metros quadrados. III A questão essencial a decidir é a de saber se o acórdão da Relação que decidiu o recurso de apelação deve ou não ser anulado. Tendo em conta o conteúdo dos acórdãos recorridos e das conclusões de alegação formuladas pelos recorrentes e pela recorrida, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática: - regime adjectivo aplicável aos recursos; - inscreve-se ou não nas funções do relator da Relação a diligência pericial em causa? - o acórdão da Relação proferido no dia 18 de Dezembro de 2006 está ou não afectado de nulidade? - o acórdão da Relação de 8 de Novembro de 2007 está ou não afectado de nulidade ? - a interpretação da lei ordinária pela Relação nos termos em que o fez está ou não afectada de inconstitucionalidade material? Vejamos, de per se, cada uma das referidas questões. 1. Comecemos por uma breve referência ao regime dos recursos em análise interpostos de acórdãos da Relação. Uma vez que a declaração da expropriação por utilidade pública em causa foi publicada no dia 26 de Janeiro de 2003, aos recursos do acórdão arbitral são aplicáveis as pertinentes normas do Código de Expropriações de 1999. Tendo em conta a data em que foi instaurado o processo de expropriação no tribunal da primeira instância, aos recursos em causa é aplicável o regime adjectivo anterior ao decorrente do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (artigos 11º e 12º). 2. Continuemos com a análise da questão de saber se nas funções do relator da Relação se incluía ou não a diligência pericial em causa. Vejamos, em primeiro lugar, o regime normativo que define a competência funcional do relator no âmbito dos recursos. O relator nos tribunais superiores é um órgão singular com importante e ampla função no julgamento dos recursos, a quem é distribuído o processo, intermediário em relação às secções e ao plenário do tribunal respectivo. Trata-se, pois, do juiz a quem o processo for distribuído, a quem incumbe deferir a todos os termos do recurso até final, designadamente ordenando as diligências que considere necessárias e julgando os incidentes que se suscitem (artigo 700º, nº 1, alíneas a) e f), do Código de Processo Civil). Os referidos incidentes são, naturalmente, não só os suscitados pelas partes, como também os que o devam ser oficiosamente pelo relator na fase da instância do recurso. A sua matriz histórica mais remota está no artigo 1068º do Código de Processo Civil de 1876, segundo o qual, estando requerida ou sendo proposta por algum dos juízes a necessidade de qualquer diligência, o incidente era resolvido pela conferência, e vencendo-se a sua necessidade, lavrar-se-ia acórdão mandando proceder a ela, adiando-se o julgamento, e, satisfeita a diligência, o processo ia novamente aos juízes para o visto. No domínio da vigência deste último normativo, a doutrina integrava nas referidas diligências a efectuar pela Relação, além do mais, os necessários exames, as vistorias e os arbitramentos. Motivado pelo artigo 1068º do Código de Processo Civil de 1876, o artigo 708º do Código de Processo Civil de 1939, antecedente mais próximo do normativo em análise, estabelecia que se o relator ou algum dos juízes seguintes reputasse necessária alguma diligência, o assunto seria levado à conferência e, vencendo-se a sua necessidade, seria ordenada por acórdão e, realizada que fosse, continuaria a vista para o julgamento, ou repetia-se a vista. No domínio da vigência deste normativo, a doutrina entendia, por um lado, que a Relação não podia, em regra, ordenar o arbitramento como meio de prova dos factos essenciais da causa, por virtude de não poder alterar a decisão do tribunal colectivo. E, por outro, que as diligências respeitantes ao fundo da causa só teriam cabimento nos casos excepcionais em que à Relação incumbia julgar livremente tanto a questão de facto como a questão de direito, designadamente quando o tribunal colectivo não tivesse intervindo (JOSÉ ALBERTO DOS REIS, “Código de Processo Civil anotado”, Volume V, Coimbra, 1952, páginas 452 a 455). Assim, no domínio das referidas normas de pretérito, matriz histórica da alínea a) do nº 1 do artigo 700º do Código de Processo Civil, em regra, em conferência, era permitida à Relação ordenar diligências de avaliação, e tal era considerado incidente do recurso. O Código de Processo Civil de 1961, que sucedeu ao Código de Processo Civil de 1939, apenas expressava, no artigo 700º, nº 1, que o juiz a quem o processo fosse distribuído ficava sendo o relator, competindo-lhe deferir a todos os termos até final. A versão do Código de Processo Civil que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1997, além de elencar, exemplificativamente embora, as várias funções do relator, ampliou-as significativamente, passando a ter poderes para julgar extinta a instância por causas diversas do julgamento, declarar findo o recurso por não conhecimento do seu objecto e para julgar sumariamente o objecto do recurso (artigo 700º, nº 1, alíneas f) e g), do Código de Processo Civil). No que concerne ao exame preliminar dos recursos, aprecia se eles são os próprios, se deve ou não manter-se o efeito que lhe foi atribuído, se alguma circunstância obsta ao conhecimento do seu objecto ou a proferir despacho de aperfeiçoamento das alegações formuladas (701º, nº 1, do Código de Processo Civil). Acresce, conforme já se referiu, que se inscreve na sua competência funcional o julgamento sumário do objecto do recurso (artigos 700º, nº 1, alínea g), e 701º, nº 2, do Código de Processo Civil). Tendo em conta a função do relator no âmbito dos recursos, as diligências a que se reporta a alínea a) do nº 1 do artigo 700º do Código de Processo Civil são, naturalmente, as que se reportam à relação jurídica processual directamente conexionada com os recursos. Consideremos agora a dinâmica processual que neste ponto está em causa neste recurso. Relembremos que o relator da Relação, sob o fundamento de a expropriante ter alegado no recurso dever o solo ser qualificado apto para outros fins e de os peritos não haverem emitido, no tribunal da primeira instância, o relatório concernente, ordenou a avaliação da parcela expropriada nessa perspectiva pelos mesmos peritos. A Relação indeferiu a reclamação para a conferência do referido despacho do relator sob a motivação de a avaliação ser obrigatória, ter havido a sua omissão, carecer dela para decidir a totalidade do recurso principal, e não poder transferir para o tribunal da primeira instância parte da decisão do recurso relativa ao montante da indemnização. Os recorrentes entendem, por um lado, que o relator só podia ordenar as diligências destinadas à regularização da instância, como é o caso do convite ao aperfeiçoamento das conclusões das alegações, previsto na parte final do n.º 1 do artigo 701º do Código de Processo Civil. E, por outro, que a diligência de avaliação, por ser de natureza instrutória, não podia ser determinada pelo Relator, e que, ao determiná-la, infringiu o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 700º do Código de Processo Civil. Os solos são legalmente classificados para o efeito de cálculo da indemnização por expropriação, como aptos para construção e para outros fins, espécies que a lei caracteriza e diferencia (artigo 25º do Código das Expropriações). A questão de saber se o solo deve ser classificado em uma ou outra das referidas espécies, apurada que seja factualidade relativa a sua natureza e envolvência de proximidade, é de direito. Não estamos no caso vertente perante impugnação da referida vertente de facto, fixada pelo tribunal da primeira instância, pelo que queda inaplicável o disposto no artigo 712º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil, seja na perspectiva de anulação da decisão da matéria de facto e da sentença, seja para a renovação dos meios de prova. No tribunal da primeira instância foi realizada a diligência pericial na perspectiva de se tratar de terreno apto para a construção, e, com base nela, foi fixada a matéria de facto que foi considerada provada e proferida sentença que fixou a indemnização devida aos expropriados. Todavia, o objecto do recurso de apelação interposto pela expropriante versou sobre o montante indemnizatório fixado, que considerou excessivo, sob o fundamento de o solo dever ser avaliado como sendo para outros fins que não a construção. Em consequência, para poder decidir o recurso, prevenindo a hipótese de dever qualificar a parcela de terreno expropriado de modo diverso daquele que foi considerado no tribunal da primeira instância, ou seja, como solo não apto para a construção, portanto para outros fins, carecia do acto pericial de avaliação. A alínea a) do nº 1 do artigo 700º do Código de Processo atribui ao relator o poder funcional de ordenar, nos processos em recurso que lhe sejam distribuídos, as diligências necessárias. Interpretemos, pois, o referido normativo, a partir da sua letra, procurando o captar o pensamento legislativo, sob a presunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas (artigo 9º, nºs 1 e 3, do Código Civil). Não distingue a lei, entre as diligências julgadas necessárias pelo relator, aquelas que podem e não podem ser por ele ordenadas, e, onde a lei não distingue, também ao intérprete não é legítimo distinguir, salvo se ponderosas razões de sistema impuseram a distinção. Acresce que a diligência de perícia em causa, autónoma em relação à que fora realizada no tribunal da primeira instância, se configura como um incidente atípico do recurso de apelação submetido à Relação para decisão. A conclusão é, por isso, no sentido de que o relator podia e devia ordenar a questionada diligência, pelo que, ao decidir como decidiu, a Relação não infringiu, antes cumpriu, o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 700º do Código de Processo Civil. 3. Prossigamos com a questão de saber se o acórdão da Relação proferido no dia 18 de Dezembro de 2006 está ou não afectado de nulidade. Iniciemos a análise deste ponto com uma breve análise do regime do julgamento das reclamações para a conferência dos despachos do relator. Os tribunais da Relação compreendem, além do mais, secções em matéria cível, e funcionam, sob a direcção de um presidente, em plenário e por secções, àquelas competindo, além dos mais, julgar os recursos (artigos 51º, nº 1, 52º e 56º, nº 1, alínea a), da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais – LOFTJ). A ordem de intervenção nos julgamentos dos recursos é a da respectiva antiguidade, e na conferência intervêm os juízes que nela devam intervir, em regra o relator e os dois adjuntos (artigo 54º da LOFTJ). A regra é a de que a reclamação do despacho do relator é decidida no acórdão que julga o recurso, salvo quando a natureza das questões suscitadas impuser decisão imediata, caso em que o relator mandará o processo, por dez dias, aos vistos dos juízes adjuntos, sem prejuízo do disposto no nº 2 do artigo 707º do Código de Processo Civil (artigo 700º, nº 4, do Código de Processo Civil). A ressalva do mencionado normativo significa, para o caso da natureza das questões a decidir ou a necessidade de celeridade no julgamento da reclamação o aconselharem, poder o relator, concordando os adjuntos, dispensar os vistos ou determinar a sua substituição pela entrega a cada um dos juízes que devam intervir no julgamento de cópia das peças processuais relevantes para a apreciação do objecto da apelação (artigo 707º, nº 2, do Código de Processo Civil). É uma situação, derivada da iniciativa do relator, previamente aceite pelos adjuntos, no caso de dispensa de vistos, sob o fundamento da simplificação, naturalmente em caso de simplicidade do julgamento ou da sua urgência. Não foi isso o que aconteceu no caso vertente, porque o relator mandou o processo a vistos, a fim de ser preparada a decisão, nos termos gerais, parcialmente previstos no nº 1 do artigo 707º do Código de Processo Civil. Em regra, depois de examinarem o processo, os juízes apõem nele o seu visto, datando e assinando; terminados os vistos, a secretaria faz entrar o processo em tabela para julgamento (artigo 709º, nº 1, do Código de Processo Civil). No dia do julgamento, o relator faz sucinta apresentação do projecto de acórdão, e, de seguida, dão o seu voto os juízes adjuntos, pela ordem da sua intervenção no processo (artigo 709º, nº 1, do Código de Processo Civil). A decisão é tomada por maioria, sendo a discussão dirigida pelo presidente, que desempata quando não possa formar-se maioria (artigo 709º, nº 5, do Código de Processo Civil). No caso de falta ou impedimento dos juízes, que não justifique segunda distribuição, e enquanto esta se não efectuar, o relator é substituído pelo primeiro adjunto, e o juiz adjunto pelo juiz seguinte ao último deles (artigo 711º do Código de Processo Civil). Aproximemos agora as referidas normas da dinâmica processual que aqui está em causa. Trata-se do acórdão que indeferiu a aludida reclamação para a conferência do despacho do relator que ordenara a diligência pericial a que acima se fez referência. Os recorrentes arguiram a nulidade do aludido acórdão sob o argumento de não estar assinado por todos os juízes que intervieram na sua discussão, e o relator submeteu a questão à conferência. A haver nulidade do acórdão por não conter a assinatura de um dos juízes que votaram o acórdão, a solução seria a do suprimento, por via da aposição da assinatura em falta pelo respectivo juiz (artigos 668º, nºs 1, alínea a), e 2 e 713º, nº 2, do Código de Processo Civil). Mas não era o caso, porque o acórdão estava assinado pelos três juízes que o votaram. Do que se tratava era de um errado apontamento no instrumento documental do acórdão quanto ao nome de um dos adjuntos que votara o acórdão, em resultado de aquele que tinha tido visto no processo ter sido substituído, por não ter podido comparecer, no acto de julgamento, sem qualquer conexão com os seus fundamentos e segmento decisório. Inexistia, por isso, nos elementos do acórdão, qualquer irregularidade justificativa de alguma rectificação ou correcção, designadamente ao abrigo do que se prescreve no artigo 249º do Código Civil. Todavia, a Relação, por acórdão proferido no dia 22 de Maio de 2007, na sequência da apresentação da questão à conferência, declarou suprir aquela dita irregularidade, substituindo no rodapé o nome de uma desembargadora pelo nome de outro desembargador. Confrontados com a referida realidade, designadamente com a prolação do novo acórdão, os recorrentes envolveram o objecto do recurso com a questão da nulidade que invocaram, sob o argumento da falta de um visto imputado à circunstância de quem teve visto no processo não haver intervindo na conferência. Coloca-se, assim, a questão de saber da legalidade ou não da dispensa de visto do juiz adjunto que, no julgamento da reclamação para a conferência, substituindo a juíza adjunta que tivera vista no processo, interveio na decisão da reclamação para a conferência, declarando dispensar o visto. Certo é que os vistos aos juízes nos processos em recurso são instrumentais à decisão colegial do seu objecto, mas não houve falta de visto, porque na fase processual de reclamação para a conferência, os juízes adjuntos, seguintes ao relator pela ordem de antiguidade, nela o apuseram. O que aconteceu foi que, no dia do julgamento da reclamação pelo colectivo de juízes com competência funcional para o efeito, um deles não estava presente na respectiva sessão. Esta situação nada tem a ver com aquela a que alude o artigo 707º, nº 2, do Código de Processo Civil, ou seja, quando no início do procedimento da reclamação, o relator dispensa os vistos nas circunstâncias previstas naquele normativo. Com efeito, o caso inscreve-se na falta de comparência de uma juíza adjunta, que tinha tido visto no procedimento, na sessão de julgamento da reclamação do despacho do relator, a que se reporta o nº 2 do artigo 711º do Código de Processo Civil. O que aconteceu foi que o juiz adjunto que, nos termos da lei, substituía a juíza adjunta que faltou, declarou dispensar o visto e votar o acórdão, naturalmente porque se considerou habilitado, desde logo, a discutir o caso e a votar o projecto do acórdão em discussão. A lei não proíbe esta decisão do juiz-adjunto que é chamado a substituir o juiz-adjunto que não compareceu, independentemente do objecto do julgamento, seja ele a impugnação por via de recurso, seja ele a impugnação por via de reclamação de despacho do relator. A conclusão é, por isso, no sentido de que a intervenção do referido juiz-adjunto na decisão da reclamação para a conferência, com dispensa do visto, em substituição da juíza-adjunta que teve vista no procedimento, por esta ter faltado à sessão de julgamento, não infringiu qualquer disposição legal, designadamente o que se prescreve o nº 3 do artigo 707º do Código de Processo Civil. Quanto às nulidades gerais dos actos processuais, a regra é no sentido, por um lado, de que a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva produzem nulidade quando a lei o declare ou a irregularidade cometida possa influir no exame ou decisão da causa (artigo 201º, nº 1, do Código de Processo Civil). E, por outro, no sentido de que quando um acto tenha de ser anulado, a mesma consequência terão os termos subsequentes que dele dependam em absoluto (artigo 201º, nº 2, do Código de Processo Civil). Perante a conclusão acima referida no sentido de que no aludido procedimento de julgamento da reclamação para a conferência não foi cometida ilegalidade processual, a solução não pode deixar de ser a de que se não verifica a nulidade invocada pelos recorrentes. 4. Vejamos agora se o acórdão da Relação que incidiu sobre o mérito dos recursos de apelação, proferido no dia 8 de Novembro de 2007, está ou não afectado de nulidade. Os recorrentes pretendem a anulação do referido acórdão como consequência da nulidade decorrente da omissão da sua notificação para produzirem as alegações a que se reporta o artigo 64º do Código das Expropriações. Cuidemos, ora, da análise da dinâmica processual envolvente à qual os recorrentes imputam a mencionada nulidade. A Relação proferiu, no dia 8 de Novembro de 2007, acórdão sobre os referidos recursos, dando provimento ao da expropriante, qualificando a parcela como solo apto para fins diversos da construção, e arbitrou aos expropriados a indemnização de € 53 973, 33. Os expropriados arguiram a nulidade do referido acórdão, invocando o disposto nos artigos 201º e 205º do Código de Processo Civil, sob o argumento de não haverem sido notificados, na sequência do novo relatório pericial, para apresentarem as alegações a que se reporta o artigo 64º do Código das Expropriações. Acrescentaram que a omissão da referida notificação é susceptível de influir no exame e na decisão da causa, por haver privado a Relação da ponderação das considerações de natureza jurídica sobre os novos elementos constantes da avaliação que fariam nas respectivas alegações. A referida arguição foi julgada improcedente pelo relator, os primeiros reclamaram do referido despacho para a conferência, e a Relação, por acórdão proferido no dia 13 de Março de 2008, indeferiu-lhes a reclamação. Uma palavra, agora, sobre o regime adjectivo do Código das Expropriações com relevo na decisão deste recurso, tendo em conta, conforme acima se referiu, ser aplicável ao caso em apreciação o Código das Expropriações de 1999, cuja dinâmica processual entre a interposição do recurso da decisão arbitral e a respectiva decisão é essencialmente a que segue. No requerimento de interposição do recurso da decisão arbitral deve o recorrente, além do mais, expor as razões da sua discordância, oferecer os meios de prova, indicar o respectivo perito e as questões de facto que pretende serem esclarecidas através da diligência pericial (artigo 58º do Código das Expropriações). Segue-se o despacho judicial sobre a admissão do recurso e, admitido que seja, é a parte contrária notificada para responder no prazo de vinte dias contado da data da admissão (artigo 60º, nº 1, do Código das Expropriações). Apresentada a resposta pelo recorrido, seguem-se as diligências probatórias que o tribunal entenda úteis à respectiva decisão, entre as quais tem lugar, obrigatoriamente a avaliação, a que o juiz preside (artigo 61º, nºs 1 e 2, do Código das Expropriações). A referida avaliação é efectuada por cinco peritos, designando cada uma das partes um deles, e sendo os três restantes nomeados pelos interessados de entre os constantes da lista oficial (artigo 62º, nº 1, alínea a), do Código das Expropriações). As partes são notificadas para, querendo, comparecerem no acto da avaliação, e é entregue a cada um dos peritos cópia das alegações do recurso, da resposta e de algum despacho que tenha indeferido questões suscitadas pelas partes ou ampliando o objecto da diligência (artigo 63º do Código das Expropriações). Concluídas as diligências de prova, as partes são notificadas para alegarem no prazo de vinte dias, correndo o prazo de alegação do recorrido a partir do termo do prazo de alegação do recorrente, e contando-se este último desde a notificação para alegar (artigo 64º, nºs 1 e 2, do Código das Expropriações). Terminado o prazo fixado para as alegações do recorrente e do recorrido, a decisão do recurso da decisão arbitral é proferida no prazo de trinta dias (artigo 65º do Código das Expropriações). Conforme acima se referiu, o relator ordenou a referida diligência pericial incidental ao abrigo dos seus poderes legais, por se revelar essencial a fim de a Relação poder conhecer do mérito do recurso de apelação interposto pela expropriante, em que esta alegara dever a parcela expropriada ser avaliada como solo para fins diversos da construção, o que não tinha acontecido no tribunal da primeira instância. As partes não suscitaram no tribunal da primeira instância nem na Relação, no âmbito do recurso de apelação, a avaliação da parcela de terreno expropriada na perspectiva de se tratar de solo para fins diversos da construção. Foi o relator que a ordenou, não como complemento da primeira avaliação, mas autónoma e oficiosamente, por se revelar necessária para o julgamento do recurso, cuja implementação foi notificada aos recorrentes, que logo exerceram o contraditório por via da reclamação para a conferência, nos termos do artigo 700º, nº 3, do Código de Processo Civil. Realizada a referida diligência, os expropriados dela foram notificados, requereram esclarecimentos sobre ela pelos peritos, o relator ordenou-os e os últimos prestaram-nos, o que significa que os recorrentes exerceram o contraditório no quadro da produção da prova que envolveu aquela diligência. As alegações a que se reporta o artigo 64º do Código das Expropriações, são as que se seguem às diligências probatórias realizadas no âmbito do recurso da decisão arbitral no tribunal da primeira instância, a que se segue a sentença proferida no termo do procedimento daquele recurso. No caso vertente, os recorrentes e a recorrida produziram oportunamente as referidas aquelas alegações, a que se seguiu a fase da sentença, e, subsequentemente a fase do recurso. No que concerne à diligência probatória incidental em causa, oficiosamente determinada pelo relator, instrumentalmente necessária à decisão do recurso, a lei não prevê a notificação das partes com vista à produção das alegações. A decisão da Relação naquele sentido, dada a particularidade da situação que implicou a diligência de avaliação em causa, não subverte as regras do processo expropriativo, que foram cumpridas pelas partes e pelo tribunal. A Relação não alterou a decisão da matéria de facto fixada no tribunal da primeira instância, e, conforme já se referiu, os recorrentes responderam no recurso de apelação interposto pela expropriante, reclamaram para a conferência da decisão que ordenou a diligência de avaliação e obtiveram esclarecimentos dos peritos. Assim, a interpretação do artigo 64º, nº 1, do Código das Expropriações pela Relação no sentido em que o foi não afectou de modo não razoável o direito de defesa dos recorridos. A circunstância de ter sido ordenada pelo relator a mencionada diligência pericial na fase de recurso, e de não ter sido proferido despacho pelo relator a ordenar a notificação dos recorrentes e da recorrida para apresentarem alegações não revela dualidade de critérios, porque do que se trata é de interpretar a aplicar normas de conteúdo diverso a situações de facto diversas. A tramitação processual prevista na lei para o recurso da decisão arbitral é estruturalmente diversa da prevista quanto ao recurso para a Relação da sentença proferida no seu termo, pelo que não ocorrem, na espécie, os pressupostos da adequação formal a que se reporta o artigo 265º-A do Código de Processo Civil. Conforme já decorre do exposto, não foi omitida a notificação dos recorrentes para produzirem alegações, pelo que não tem apoio legal a afirmação da ocorrência da nulidade processual geral a que se reporta o artigo 201º, nº 1, do Código de Processo Civil, nem, consequentemente, a nulidade do acórdão que conheceu do mérito do recurso de apelação proferido pela Relação no dia 8 de Novembro de 2007. 5. Vejamos agora se a interpretação do artigo 64º, nº 1, do Código das Expropriações nos termos acima referidos implica ou não a sua inconstitucionalidade material. Os recorrentes alegaram que a Relação, ao confirmar o despacho do relator no sentido de se não verificar a nulidade decorrente da falta de notificação para alegações, interpretando o artigo 64º, nº 1, do Código das Expropriações nos termos em que o fez, incorreu na violação dos princípios constitucionais da igualdade, do acesso ao direito, da tutela jurisdicional efectiva e da participação. Afirmaram, com efeito, que a interpretação do artigo 64º, n.º 1 do Código das Expropriações no sentido de que as partes não são notificadas em sede de recurso para alegarem no termo da diligência realizada é inconstitucional por violar o disposto nos artigos 13º, 20º e 268º da Constituição. O artigo 13º da Constituição, relativo ao princípio da igualdade expressa, por um lado, no nº 1, serem os cidadãos iguais perante a lei e terem a mesma dignidade social, e, por outro, no nº 2, ninguém poder ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual. O referido princípio implica a proibição do arbítrio e da discriminação e a obrigação de diferenciação, ou seja, proíbe diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante ou justificação razoável, bem como a igualação de tratamento de situações essencialmente desiguais, e ainda a diferenciação de tratamento baseada em categorias meramente subjectivas, por exemplo, as constantes do nº 2 do artigo em análise. Dir-se-á, pois, que o princípio da igualdade a que se reporta o mencionado normativo constitucional obsta a que a lei ordinária estabeleça diferenciações arbitrárias ou carecidas de fundamento racional, mas não proíbe o estabelecimento de distinções de tratamento que sejam materialmente fundadas. O princípio da igualdade das partes nos processos consta do artigo 3º-A, do Código de Processo Civil, segundo o qual o tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou sanções processuais. Face à dinâmica processual envolvente dos recursos do acórdão arbitral e da sentença proferida no tribunal da primeira instância, incluindo o próprio incidente probatório em causa, em que a não notificação para alegar envolveu a expropriante e os expropriados, não tem qualquer fundamento a invocação pelos últimos da interpretação do artigo 64º, nº 1, do Código das Expropriações em desconformidade com o princípio da igualdade na vertente processual. Ao acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva reporta-se o artigo 20º da Constituição. Dele decorre, por um lado, a todos ser assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, e todos terem o direito em que a causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo (nºs 1 e 4). E, por outro, que para defesa dos seus direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obterem tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos (nº 5). Conforme resulta da dinâmica processual em causa, os recorrentes acederem efectivamente ao tribunal com vista à realização do seu direito de propriedade, usando dos meios processuais que o ordenamento jurídico processual coloca à disposição de todos os cidadãos, ou seja, em quadro de processo equitativo, de modo a puderem obter tutela jurisdicional efectiva. O que acontece é que a lei não lhes garante a produção de alegações na sequência do incidente probatório oficiosamente implementado pelo relator com vista a possibilitar o julgamento do recurso de apelação interposto pela expropriante da sentença proferida no tribunal da primeira instância. Dados os meios processuais de realização dos direitos processuais dos recorrentes, que eles concretizaram no processo, a conclusão não pode deixar de ser no sentido de que a interpretação do disposto no artigo 64º, nº 1, do Código das Expropriações nos termos em que a Relação o fez, não envolve a violação dos princípios do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva a que se reporta o artigo 20º, nºs 1, 4 e 5, da Constituição. Finalmente, o artigo 268º da Constituição, sob a epígrafe Direitos e garantias dos administrados, prescreve, além do mais, por um lado, ser garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o seu reconhecimento, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas (nº 4). E, por outro, terem também os cidadãos direito de impugnar as normas administrativas com eficácia externa lesivas dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos (nº 5). Quanto a este normativo, que se refere aos direitos e garantias dos administrados, a conclusão é no sentido de que não é aplicável ao caso vertente. 6. Finalmente, a síntese da solução para o caso-espécie decorrente da dinâmica processual envolvente e da lei. Considerando a data da instauração do processo especial de expropriação em causa, aos recursos em análise é aplicável o regime adjectivo anterior ao decorrente do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto. Integra a competência funcional do relator da Relação a determinação da diligência pericial de avaliação da parcela expropriada na perspectiva de se tratar de solo apto para fins diversos da construção, no caso de a perícia no recurso do acórdão arbitral só ter procedido à sua avaliação como solo apto para construção e a expropriante haver alegado no recurso de apelação dever a indemnização ser calculada com base em solo da primeira das referidas espécies. A circunstância de um juiz-adjunto ter dispensado o visto no procedimento de reclamação para a conferência e intervindo no julgamento em substituição da juíza-adjunta que não compareceu à sessão e tivera vista no processo, não implica a nulidade do acórdão da Relação proferido no dia 18 de Dezembro de 2006. A realização da referida diligência probatória no recurso de apelação, pela sua natureza e fim, não implicava, no seu termo, a notificação das partes para alegarem nos termos do artigo 64º, nº 1, do Código das Expropriações de 1999, pelo que a sua falta é insusceptível de envolver a nulidade do acórdão da Relação proferido no dia 8 de Novembro de 2007. A interpretação do artigo 64º, nº 1, do Código das Expropriações nos termos em que a Relação o fez não implica a conclusão no sentido da sua inconstitucionalidade material por violação dos princípios da igualdade, do acesso ao direito, da tutela jurisdicional efectiva, da participação, ou da incumbência da função jurisdicional. Improcedem, por isso, ambos os recursos de agravo. Vencidos, são os recorrentes responsáveis pelas custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). IV Pelo exposto, nega-se provimento a ambos os recursos, e condenam-se os recorrentes no pagamento das custas respectivas. Supremo Tribunal de Justiça, 11 de Setembro de 2008 Salvador da Costa (Relator) Ferreira de Sousa Armindo Luís . |