Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
Relator: | PAULO SÁ | ||
Descritores: | SOCIEDADE COMERCIAL CAPITAL SOCIAL AUMENTO DE CAPITAL EMPRÉSTIMO SUPRIMENTOS CESSÃO DE CRÉDITOS EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO FIANÇA | ||
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Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 10/26/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADAS AS REVISTAS | ||
Área Temática: | DIREITO COMERCIAL - DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS | ||
Doutrina: | – ABÍLIO NETO, in Código das Sociedades Comerciais, 2.ª edição, Ediforum, Lisboa, nota 4 ao art.º 244.º. - ALEXANDRE MOTA PINTO, Do Contrato de Suprimento, p. 286, cit. in Ac. RL. de 13.9.07 CJ, tomo IV, p. 87. - ALMEIDA COSTA, anotação ao Acórdão do STJ, de 11 de Dezembro de 1984, na Rev. de Leg. e de Jur., Ano 119.º, pp. 137 e segs.. - ANTUNES VARELA, in Das Obrigações em Geral, vol. II, 7.ª, págs. 425, 482 e 483. - BRÁS TEIXEIRA, Notas sobre Imposto de Capitais, in Ciência e Técnica Fiscal, 1969 125º/136, cit. in ABÍLIO NETO, Código das Sociedades Comerciais, 2.ª edição p. 464. - CALVÃO DA SILVA, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2.ª edição, pp. 337-338. - GIOVANNI PERSICO, L’ eccezione di inadempimento, págs. 141. - GONÇALVES DA SILVA E ESTEVES PEREIRA, Contabilidade das Sociedades, 1987, p. 105, cit. in ABÍLIO NETO, op. cit., p. 464. - JOSÉ JOÃO ABRANTES, A Excepção de Não Cumprimento do Contrato no Direito Civil Português, Almedina, Coimbra, 1986, pp. 39 e ss. e 99, 110, 111 e 118. - MANUEL ANDRADE, in Teoria Geral da Relação Jurídica, vol II, pág. 133 - MENESES CORDEIRO, in Direito das Obrigações, vol. 2.º, pp. 509 a 522. - MENEZES CORDEIRO, in SA: Assembleia Geral e Deliberações Sociais, Almedina, Coimbra, 2007, p. 201. - MOTA PINTO, in Teoria Geral do Direito Civil 3.ª ed., pág. 425. - PEDRO ROMANO MARTINEZ, Cumprimento defeituoso em especial na compra e venda e na empreitada, Colecção Teses, Almedina Coimbra, p. 324. - PAULO OLAVO CUNHA, Direito das Sociedades Comerciais, Almedina, Coimbra, 3.ª edição, p. 440 e 436. - PINTO FURTADO, Código Comercial, Das Sociedades em Especial, Almedina, Coimbra, vol. II, tomo II, pp. 758 e 759. - PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, p. 406: - P. MOTA PINTO, Declaração Tácita, Almedina, Coimbra, p. 206, 211 e 212. - RAÚL VENTURA, Sociedade por quotas, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, vol. I, Coimbra, Almedina, 4.ª reimpressão, pp. 213 a 215. - RAUL VENTURA, Sociedades por Quotas, Almedina, Coimbra, II/139 e 140. - RAÚL VENTURA, RDES, 25, p. 270. - VAZ SERRA, in RLJ, Ano 105.º, p. 238. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 217.º, N.º1, 227.º, 236.º, N.º 1, 428.º, N.ºS 1E 2, 577.º, 583.º, N.º1, 588.º, 627.º, N.º1, 628.º, N.ºS1 E 3, 631.º, 632.º, N.ºS 1 E 2, 651.º, 707.º, N.º2, 762.º, N.º 2, 804.ºE SS., 808.º. CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 209.º, 210.º, N.ºS 1, 3, AL. A) E 4, 211.º, N.º 1, 243.º, 243.º, 244.º, 245.º. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC) : - ARTIGO 664.º, 676.º, 680.º, N.º1, , 684.º, N.º3. 690.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA, DE 9.11.99, CJ, TOMO V, P. 20. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES, DE 9.4.03, CJ, T. II, P. 281. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, DE 31/01/78, CJ. T. L, P. 64. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO, DE 16.08.2008, IN PROC. 0832552, IN WWW.DGSI.PT . ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 18.5.62, NO BMJ N.º 117, P. 429; - DE 22.02.84, BMJ. 334, P. 502; - DE 6.1.92 BMJ. 413/561 A 565; - DE 10.11.93, CJSTJ, T. 3, P. 122; - DE 2.6.98, BMJ 478, P. 268; - DE 3.10.02, CJSTJ, T. III, P. 83. | ||
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Sumário : | I - As prestações suplementares – que são sempre em dinheiro e não vencem juros –, justificam-se pelo facto de nem sempre haver possibilidade de prever qual o capital necessário para o desenvolvimento dos negócios sociais e, também, pelo facto de, não constituindo aumento de capital, serem a ele equivalentes, dispensando o cumprimento de formalidades legais e despesas. II - Os suprimentos, em contrapartida, são considerados verdadeiros empréstimos ou mútuos feitos à sociedade, ou são, pelo menos, negócios jurídicos a eles equiparáveis, a que são aplicáveis as regras respectivas, não estando sujeitos ao regime mais apertado das prestações suplementares, constituindo desde 1986 um contrato regulado na lei (arts. 243.º a 245.º do CSC). III - As prestações suplementares de capital, reguladas nos arts. 210.º a 213.º do CSC, implicam a verificação de diversos requisitos imperativos, devendo, desde logo, estar prevista no contrato social a eventualidade de as prestações virem a ser exigidas, mediante deliberação dos sócios e estabelecido o seu montante máximo (arts. 210.º, n.ºs 1, 3, al. a), e 4, e 211.º, n.º 1, do CSC). IV - Da análise do art. 244.º do CSC extrai-se que a obrigação de suprimentos pode decorrer de qualquer situação nele contemplada, ou por deliberação dos sócios, ou por derivar do contrato social, sendo, neste caso, vinculativa desde que neste contrato estejam determinados os elementos essenciais dessa obrigação – sua obrigação, momentos do seu cumprimento, etc. – e, bem assim, o carácter oneroso ou gratuito desse empréstimo. V - Se não for estipulado prazo para o reembolso dos suprimentos, não havendo acordo entre a sociedade e o sócio, haverá que proceder à respectiva fixação judicial (arts. 245.º do CSC e 707.º, n.º 2, do CC) em processo de jurisdição voluntária, devendo o tribunal atender às consequências que o reembolso acarretará para a sociedade. VI - À cessão de créditos resultantes de um contrato de suprimento, aplica-se-lhe o regime jurídico previsto nos arts. 577.º a 588.º do CC: em função do art. 577.º, n.º 1, salvaguardados os casos em que a cessão de créditos seja interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligada à pessoa do credor, este pode ceder a terceiros uma parte ou a totalidade do crédito, sem o consentimento do devedor, mas a cessão só produz efeito, relativamente ao devedor, desde que lhe seja notificada, mesmo que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite (art. 583.º, n.º 1), de onde decorre que a notificação da cessão de créditos ao devedor ou a sua aceitação pelo último não é requisito de validade da cessão de créditos, mas apenas requisito de oponibilidade da cessão ao devedor. VII - Nos contratos sinalagmáticos, a lei permite a qualquer dos contraentes recusar a realização da sua prestação, enquanto não ocorrer a prévia realização da prestação da contraparte ou a oferta do seu cumprimento simultâneo – exceptio non adimpleti contractus. É, assim, lícita, neste caso, a recusa do cumprimento, o que impede a aplicação do regime da mora (art. 804.º e segs. do CC) e, naturalmente, o do incumprimento definitivo (art. 808.º do CC), mesmo que tenha havido interpelação da outra parte. Se as duas obrigações forem puras, a excepção do não cumprimento é sempre invocável, nem sequer podendo ser afastada mediante a prestação de garantias (art. 428.º, n.º 2, do CC). VIII - A justificação dada para o direito de não cumprimento do contrato é a manutenção do equilíbrio contratual, deste modo se pondo em evidência as regras da boa fé que, sempre e desde o início, deve acompanhar as várias facetas da sua concretização, traduzindo a exceptio non adimpleti contractus a concretização de um elementar princípio de justiça, que se exprime em ninguém dever ser compelido a cumprir deveres contratuais, enquanto o outro não cumprir os seus já vencidos. IX - Tem-se maioritariamente entendido que a fiança apenas pode ser constituída por contrato, porquanto apenas uma convenção bilateral, pode, em regra, criar um vínculo obrigacional e não existir nenhuma norma legal que preveja que alguém possa assumir a posição do fiador e as obrigações daí decorrentes através de uma declaração unilateral sua contra a vontade do credor da obrigação afiançada. Por outro lado, o fiador terá de declarar expressamente a vontade de prestar fiança, mas nada impede que a declaração de aceitação, daquela obrigação, seja prestada tacitamente. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – No 2.º Juízo da Comarca de Amarante AA-S... – Sociedade de Construções de F..., L.da intentou acção declarativa, sob forma de processo ordinário, contra BB-Fábrica de Calçado N..., L.da, CC, DD e EE, pedindo que os RR. sejam condenados, solidariamente, a pagar, à Autora, a quantia de Esc. 100.729.863$00, acrescida de juros, calculados à taxa de 10%, sobre o montante de Esc. 88.000.000$00, até efectivo e integral pagamento. Para tanto alegou, em síntese: A 1.ª Ré é uma sociedade comercial por quotas de que são sócios a Autora e os 2.º, 3.º e 4.º RR. e gerentes os 2.º, 3.º e 4.º RR. Tal estrutura societária e de gerência adveio de um contrato em que os que os RR. aceitavam que os anteriores sócios da 1.ª Ré FF, GG e HH eram titulares de prestações de capital, na 1.ª Ré, de Esc. 96.000.000$00, valor que os ditos anteriores sócios cediam à Autora, na sua totalidade. Os 2.º a 4.º RR. obrigaram-se a promover A.G. da Ré, onde deliberassem o pagamento das ditas prestações suplementares, em 24 prestações iguais, mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira em 30/4/96. Os 2.º a 4.º RR. obrigavam-se como fiadores e principais pagadores. Todo o dito clausulado foi, mais tarde, transposto para um contrato de cessão de prestações suplementares de capital, celebrado em 11/1/96. As duas primeiras prestações de Esc. 4.000.000$00 foram pagas à Autora, não já as demais. Computam o peticionado no montante em dívida e respectivos juros, à taxa legal aplicável. Citados regularmente, os RR. vieram contestar, tendo os RR. CC, DD e EE deduzido nas contestações respectivas o incidente de intervenção provocada dos seus ex-sócios FF , II e GG. Também a Ré BB- N... contestou, tendo formulado pedido reconvencional, no qual peticionou a condenação da Reconvinda a pagar à Reconvinte a importância de Esc. 36.896.445$00, acrescida de juros, à taxa legal, desde a notificação. É a seguinte a tese dos RR: Posteriormente ao acordo dos autos, os Réus tomaram conhecimento de que as faladas prestações suplementares não tinham existido e encontravam-se falsamente registadas na contabilidade da 1.ª Ré, o que resulta na nulidade ou na anulabilidade do contratado. A Assembleia-Geral que deveria ter deliberado a devolução das prestações suplementares nunca foi realizada. Nos termos do art.º 213.º C.S.Com, a situação líquida da sociedade não deveria ficar inferior à soma do capital e da reserva legal, o que, a verificar--se a citada devolução, aconteceria. Por esta via, o contrato é igualmente nulo. Os cedentes FF, GG e II, por si ou através da Autora, obrigavam-se a adquirir todos os passivos da BB- N..., existentes até 31/12/95; tais passivos, que totalizavam Esc. 36.896.445$00, não foram assumidos ou pagos pelos responsáveis, pelo que os Réus invocam a excepção de não cumprimento do contrato, bem como a compensação de créditos. A nulidade da restituição das prestações suplementares de capital também decorre do facto de não serem efectuadas a sócios, como decorre da lei e sob pena de violação do princípio da intangibilidade do capital social. Como decorre da lei, as prestações suplementares de capital não vencem juros. Enquanto fiador, o Réu CC invoca a nulidade da fiança por si prestada. Nos termos do contrato, os cedentes (sócios também da Autora) FF, GG e II são co-fiadores das obrigações reclamadas, pelo que se requer a respectiva intervenção provocada. Por sua vez os intervenientes principais vieram contestar, alegando em síntese, que não se assumiram como fiadores no contrato ajuizado, nem tal se pode extrair do dito contrato celebrado que é válido, nas suas diversas vertentes. Foi proferido despacho saneador e fixada a matéria assente e a base instrutória. Entretanto a Ré BB- N... é declarada falida. Oportunamente foi proferida a seguinte sentença onde, a acção foi julgada parcialmente procedente por provada e, em consequência: I – condenados solidariamente os Réus CC, DD e EE, bem como os intervenientes FF, GG e II a pagar à Autora “AA-S... – Sociedade de Construções de F..., L.da” a quantia de 317.137,33 (trezentos e dezassete mil cento e trinta e sete euros e trinta e três cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, desde a data da prolação da presente sentença até efectivo e integral pagamento, absolvendo-os do restante pedido; II – reconhecido o direito de regresso dos Réus CC, DD e EE, que lhes venha a assistir em função do cumprimento sobre os intervenientes FF , GG e II. Inconformados, interpuseram os RR. CC e os intervenientes, recursos de apelação, que foram admitidos. Porém, a Relação do Porto veio a proferir acórdão, no qual confirmou a sentença recorrida. De tal acórdão vieram novamente o R. CC e o interveniente II interpor recursos de revista, recursos que foram admitidos. O recorrente II apresentou as suas alegações, formulando, em síntese, as seguintes conclusões: 1 – Ressalta dos autos que para além do que consta do documento de fls. 18 a 23 – resposta aos pontos 24º e 25º da base instrutória – nada mais se apurou no decurso da audiência de discussão e julgamento. 2 – Ficamos, pois, circunscritos ao conteúdo do aludido documento para se apurar se o Recorrente II se deverá considerar ou não fiador nos termos da cláusula 5ª do ajuizado contrato. 3 – Entendeu o Tribunal recorrido que a doutrina da impressão do destinatário, temperada por critérios de objectividade interpretativa, que a nossa lei segue, confirma a identificação de alguém como outorgante e obrigado no contrato se, apesar de não estar identificado pelo nome, a possibilidade da respectiva identificação é muito fácil e resulta dos demais termos contratuais e da composição social da Autora“, ou seja, confirmou a decisão de primeira instância que conclui pela assumpção da obrigação de fiador do Recorrente, utilizando, entre outras, as seguintes expressões: “qualidade esta que vem implicitamente por eles assumidas”, “forçoso é concluir” “vem implicitamente expressa (sublinhado nosso) no teor das referidas clausulas 6ª, n.ºs 1 e 6 do contrato de fls. 17 a 23”. 4 – A lei exige que a vontade de prestar fiança seja expressa, ou seja, tem de resultar directamente da declaração do fiador e não de deduções, presunções ou inferências. 5 – O Recorrente não expressou vontade alguma de prestar fiança, uma vez que apenas subscreveu o contrato de fls. 17 a 23 dos autos na qualidade de gerente da Autora. 6 – Os intervenientes FF e GG subscreveram aquele contrato em nome pessoal, e também este último, em representação da Autora, ao contrário do aqui Recorrente que apenas o subscreveu na qualidade de gerente da Autora. 7 – Se tivesse havido vontade de responsabilizar pessoalmente o Recorrente pelo cumprimento do contrato tê-lo-ia este subscrito em nome pessoal, como o fizeram os intervenientes FF e GG. 8 – Um critério objectivo de interpretação sempre levaria a concluir que algo de diferente quiseram as partes ao decidirem obrigar-se outorgando o contrato, FF e GG em seu nome pessoal e este último também em representação da Autora e o aqui Recorrente em representação apenas da Autora. 9 – Pelas supra invocadas razões, a decisão recorrida errou ao considerar que o Recorrente II se obrigou como fiador no contrato de fls. 17 a 23 dos autos. 10 – Violou a douta sentença recorrida os artigos 217º e 628º nº 1 do Código Civil.
E o R. CC remata as suas alegações, com as seguintes conclusões:
1. À conclusão sobre se a prestação a que a A. se arroga o direito tem a natureza de suprimentos ou de prestações suplementares de capital, pode chegar-se pela interpretação do negócio celebrado pelas partes ou pela matéria fáctica apurada no julgamento. 2. Interpretado o conteúdo do contrato dos autos, nada no seu texto ou no seu espírito permite concluir que, afinal, não se trata de prestações suplementares de capital mas sim de suprimentos. Ou seja, a interpretação do negócio não permite concluir ter ocorrido um “error in nomine negotii”. 3. “In casu”, o Tribunal da Relação concluiu pela existência de suprimentos em detrimento das prestações suplementares de capital, não porque interpretou o contrato e o seu conteúdo lhe forneceu todos os elementos factuais nesse sentido, mas sim porque, no seu entendimento, a matéria fáctica apurada em julgamento, revela que, afinal, existiam suprimentos e não prestações suplementares de capital. 4. Não podia o Acórdão recorrido fundamentar tal diferente qualificação com base na resposta dada em primeira instância ao quesito 5º da Base Instrutória, já que, a conclusão da existência de prestações suplementares de capital não tem a sua fonte nessa matéria. 5. O Tribunal de Primeira Instância vem a reconhecer a existência de prestações suplementares de capital, independentemente daquela matéria provada e não provada, porque as mesmas se acham inscritas na escrituração comercial da sociedade, nomeadamente, nos seus Balanços, nos Relatórios de Gestão e na certificação legal de contas. 6. Ora, na esteira da alegação vertida na contestação do aqui recorrente e da fundamentação constante da resposta a tal matéria fáctica, o Tribunal da Relação não podia, sem mais, abalá-la na exacta medida em que, não só desvirtua essa mesma fundamentação, como desvia-se do próprio objecto do processo em que todos os intervenientes (partes e Juiz) centraram a respectiva discussão – as prestações suplementares de capital. 7. O Tribunal da Relação não está obrigado a aceitar a qualificação jurídica e pode considerar suprimentos aquilo que as partes e Juiz consideraram prestações suplementares de capital, desde que contrarie a fundamentação factual que conduziu à conclusão da existência das ditas prestações suplementares de capital. 8. A diferente qualificação jurídica de factos só pode operar-se pelos diferentes elementos do conceito das figuras jurídicas em causa – suprimentos ou prestações suplementares de capital – e não pelo seu regime. 9. Está, assim, vedado ao julgador qualificar juridicamente de forma diferente uma relação jurídica, fundamentando-se, para tanto, na inverificação de pressupostos de forma de uma delas, ou seja, não podia o Acórdão recorrido concluir pela existência de suprimentos, já que o pacto não prevê a realização de prestações suplementares de capital e não houve deliberação nesse sentido. 10. O artigo 211º do CSC regula tão só a exigibilidade aos sócios das prestações de capital, de onde resulta que, estando de acordo os sócios em realizá-las, nada na lei o impede. 11. O Acórdão recorrido não podia concluir que o pacto social da sociedade em causa não contém qualquer cláusula que permita exigir aos sócios a realização de prestações suplementares de capital, quer porque esse pacto não consta dos autos, quer porque a certidão da matrícula da sociedade na Conservatória do Registo Comercial, não espelha todas as cláusulas do pacto social – artigos 8º, 9º e 10º da Portaria nº 657-N2006 de 29/06 – Regulamento do Registo Comercial. 12. A omissão da deliberação para a realização de prestações suplementares de capital – artigo 213º do CSC – não permite a conclusão extraída pelo Acórdão recorrido ao concluir pela existência de suprimentos. 13. O processo não contêm todos os elementos factuais necessários para que a Relação pudesse concluir por uma diferente qualificação, mais a mais quando a conclusão da existência de prestações suplementares de capital não se mostra abalada pelo Acórdão recorrido. Para a hipótese da existência de prestações suplementares de capital 14. As prestações suplementares de capital são entradas realizáveis em dinheiro pelos sócios de sociedades comerciais por quotas, para reforço do património desta, além do montante de capital social, não vencendo juros e podendo ser-lhes eventualmente restituídas. 15. A realização de prestações suplementares de capital não confere ao sócio que as realizou um direito de crédito sobre a sociedade mas um direito a uma eventual restituição 16. Pela sua própria natureza, a obrigação de realização de prestações suplementares de capital (e consequentemente a sua restituição) está intrinsecamente ligada à qualidade de sócio. 17. Nos termos do disposto no artº 577º (última parte) do Código Civil não é permitida a cessão de créditos quando estes, pela própria natureza da prestação, estejam ligados à pessoa do credor. 18. O contrato de cessão de prestações suplementares de capital dos autos foi celebrado entre sócios (cedentes) por um lado e um terceiro, a autora (cessionária), por outro, pelo que o mesmo é nulo. 19. Seja como for, o contrato que postule a cessão de obrigações de prestações suplementares, seja antes da efectivação (212º/4 do CSC), seja depois (577º/1, do Código Civil), é nulo, por impossibilidade jurídica. 20. O Tribunal não deu como provado que os anteriores sócios hajam, efectivamente, entregue à sociedade determinadas quantias a título de prestações suplementares de capital. 21. Não incumbia aos RR. fazer a prova de que as quantias não foram entregues à sociedade mas sim à Autora sobre quem recaía, pois, o ónus de provar que foram entregues essas mesmas quantias. 22. Tal como o suprimento, a realização de prestações suplementares de capital são obrigações “quod constitutionem” pelo que, além dos requisitos comuns a todos os contratos, acresce outro que consiste na transferência da posse, na entrega da coisa, de tal forma que sem esta entrega (datio rei) a convenção não produz efeitos, ou seja, a entrega não é execução do acordo, é seu elemento integrante. 23. Assim, para o sócio invocar a titularidade de prestações suplementares de capital, não basta a invocação da sua previsão no pacto social e a deliberação correspondente e nem mesmo a chamada da sociedade para a sua realização. É ainda necessário que o sócio efectivamente entregue à sociedade tal quantia a título de prestação suplementar de capital. 24. Tratando-se de um elemento integrador do direito, atenta a natureza “quod constitutionem”, cabe a quem o invoca (a autora) provar todos os seus elementos, entre eles, que entregou tal quantia à sociedade – Isso mesmo é o que resulta do disposto no artigo 342º nº 1 do Código Civil. 25. Na medida em que a Autora não provou a entrega das quantias a título de prestações suplementares, a pretensão tinha que decair por falecer um elemento constitutivo do direito invocado à restituição das mesmas. 26. O artigo 213º do CSC prescreve que a restituição aos sócios de prestações suplementares de capital só é possível se existir uma deliberação nesse sentido, a situação líquida não ficar inferior à soma do capital e da reserva legal, o sócio que pretende a restituição tenha liberado a sua quota e a sociedade não tenha sido declarada insolvente. 27. A sentença recorrida dá como provado que ocorreu uma reunião de assembleia-geral com o objectivo de deliberar a restituição das prestações suplementares de capital e, como tal, erradamente, deu por verificado o requisito exigido pelo artigo 213º do CSC. 28. O facto assim apurado, ou seja, de que se realizou uma assembleia-geral para...é manifestamente insuficiente e, por isso, irrelevante, para o direito aplicado já que não se apurou que dessa reunião tivesse surgido a deliberação de restituição de prestações suplementares de capital, pelo que nessa parte confundiu-se o “procedimento deliberativo” com a “deliberação” propriamente dita. 29. Mas o Tribunal dá como provado tal facto, fundando-se no teor do documento de fls. 232 – a acta nº 18 –, conjugado com os depoimentos prestados por JJ e LL que confirmaram a realização da assembleia geral da BB- N... a que se reporta aquela acta. 30. O documento junto aos autos a fls. 232 é uma mera fotocópia, não de uma acta mas de uma minuta de acta, à qual sempre faltaria o elemento essencial da assinatura dos intervenientes, nos termos do disposto no artigo no artº 248º nº 6 do C.S.C. 31. Por outro lado, nos termos do disposto no artigo o artº 63º nº 1 do C.S.C. as deliberações dos sócios só podem ser provadas pelas actas das assembleias; 32. Nos termos do disposto no artigo 213º nº 1 do CSC, a restituição de prestações suplementares de capital só é possível, desde que a situação líquida não fique inferior à soma do capital e da reserva legal e o respectivo sócio haja liberado a sua quota. 33. A referida norma tem a sua ratio na protecção dos credores sociais, impede-se a descapitalização da sociedade pelos sócios em ordem a garantir a intangibilidade do capital social, protegendo, assim, os credores. 34. Os pressupostos legais de que depende a restituição das prestações suplementares de capital – a) A qualidade de sócio; b) A efectiva entrega à sociedade da quantia a esse título; c) A existência de uma deliberação de restituição; d) Não ficar a situação líquida da sociedade inferior à soma do capital e da reserva legal; e) O sócio ter liberado a sua quota – são os elementos constitutivos do direito em análise e neles radica a sua causa. 35. Assim, nos termos do disposto no artigo 342º do Código Civil, incumbia à autora a alegação e prova dos referidos elementos constitutivos ou integradores do seu direito. Não alegando, nem provando tais factos, a pretensão tinha de cair. Para a hipótese da existência de suprimentos: 36. Aderindo à tese do Acórdão recorrido de negação das prestações suplementares de capital, considerando as entregas efectuadas verdadeiros suprimentos, o que não se concebe nem concede e só se admite como mera hipótese académica, ainda assim a acção devia improceder. 37. A fonte da condenação do aqui recorrente CC é a fiança por este prestada num contrato complexo de promessa de cessão de quotas e de cedência a terceiros de prestações suplementares de capital, cujo conteúdo (cláusula 5ª), se refere à existência de prestações suplementares de capital e não de suprimentos. O aqui CC prestou uma fiança, garantindo a restituição de prestações suplementares de capital. 38. Sendo a fiança um negócio de risco, determina a necessidade de a declaração tendente à prestação da fiança dever ser interpretada de forma estrita. Na dúvida sobre o sentido da declaração, não será directamente relevante o critério do artigo 237º do Código Civil mas, antes, o critério do carácter menos gravoso para o declarante. 39. Uma vez firmado que a garantia em causa é uma fiança, as dúvidas (internas) que poderão surgir na interpretação da declaração deverão, de acordo com o mesmo critério, ser resolvidas pelo princípio: “in dubio pro fideiussore”. 40. Atento tal critério interpretativo não é legítimo afirmar ou concluir que é idêntica a posição do aqui recorrente, na sua qualidade de fiador, quer haja prestado uma fiança em garantia da restituição de prestações suplementares, quer em garantia do pagamento de suprimentos. 41. São diferentes as posições, na medida em que o risco assumido pela constituição de uma fiança em garantia do pagamento de suprimentos é largamente superior ao da fiança em garantia da restituição de prestações suplementares de capital. Exceptio de non adimpleti contractus 42. Nada a opor ao douto entendimento vertido na sentença recorrida quanto à ocorrência, in casu, da exceptio de non adimpleti contractus – artigo 428º do Código Civil – solução que é plenamente aplicável aos contratos complexos, como o dos autos. 43. Depois de reconhecer aos RR a excepção do não cumprimento do contrato não podia a sentença proceder à compensação dos respectivos créditos já que a frustração de algum dos aspectos em presença no contrato, só por si, desequilibra o todo. 44. A proporcionalidade no exercício da excepção do não cumprimento não é meramente quantitativa ou matemática, havendo que interpretar a relação jurídica em causa para aferir se a excepção do não cumprimento do contrato pode ser aposta de forma integral. 45. Sendo o contrato dos autos complexo, do mesmo resulta a essencialidade para as partes do cumprimento das diversas obrigações contratuais aí assumidas. 46. A complexidade do negócio deriva ainda do facto de o incumprimento de uma obrigação de valor reduzido poder inquinar o cumprimento da obrigação de grande valor da contraparte, ou seja, o não pagamento do passivo da BB- N... (por muito reduzido que pudesse ser) tem a potência de impossibilitar o normal desenvolvimento dos negócios sociais e, consequentemente, impedir a formação de riqueza ou liquidez que possibilite a restituição de prestações suplementares de capital. 47. O contrato dos autos “é unitário, pelo que o incumprimento de alguma das obrigações nele assumidas determina o incumprimento das restantes” – cláusula 12ª, nº 2. Da Fiança 48. O disposto no artigo 428.º nº 1 do Código Civil tem em vista regular uma situação de crise contratual conferindo a uma parte a faculdade de não cumprir a sua obrigação enquanto a outra não cumprir a sua, pelo que tal normativo não tem natureza imperativa, nada impedindo que as partes regulamentem, por via contratual, as consequências do seu incumprimento. 49.º Tendo o recorrente sido demandado na qualidade de fiador, a sua obrigação é acessória, pelo que a fiança não é válida se o não for a obrigação principal (632º/1); a fiança segue a forma de obrigação principal (628º/1); o âmbito da fiança é limitado pelo da obrigação principal (631º/1); a natureza comercial ou civil da fiança depende da natureza da obrigação principal; a fiança extingue-se com o termo da obrigação principal (651º); 50. Assim, não pode ser exigida qualquer prestação aos fiadores enquanto não surgir a obrigação principal e, além disso, a garantia pressuposta pela fiança não pode ir além nem da estrutura básica da prestação principal, nem do seu âmbito. Sem prescindir: Do quantum condenatório 51. Por último e sempre sem prescindir, mesmo falecendo toda a argumentação supra e no seguimento do Acórdão recorrido, sempre a sentença de primeira instância teria de ser revogada parcialmente. 52. Se correcto for que, como diz o acórdão recorrido, “o quantum encontrado na decisão resulta da resposta ao quesito 5°, segundo o qual “em 17 de Setembro de 1993, os então sócios da BB- N... FF, GG e MM emprestaram à BB- N... a importância global de 78.287.634$00”, então, deduzido que seja o pagamento de 8.000.000$00 e o contra-crédito de 78.287.634$00, a condenação do aqui Recorrente não pode ultrapassar 228.788,39 euros. 53. A douta sentença e o Acórdão recorrido violaram, entre outras, as normas dos artigos 63º, 210º, 211º, 213º, 248º nº 6 do Código das Sociedades Comerciais, artigos 342º, 428º e 577º do Código Civil.
O acórdão manteve o decidido pela 1.ª instância que condenou os RR. à restituição de uma determinada quantia à sociedade A, correspondente ao montante constante da resposta ao quesito 5.º, segundo a qual “em 17 de Setembro de 1993, os então sócios da BB- N... FF, GG e MM emprestaram à BB- N... a importância global de 78.287.634$00”, deduzido de um contra-crédito de que a Ré BB- N... seria titular em relação àquela de Esc. 24.419.672$00. O quesito em questão afirma que, factualmente, os sócios da BB- N... emprestaram a esta a referida quantia, o que no instrumento escrito que funda a pretensão da Autora, foi referido como “prestações suplementares de capital”. Tem sido discutida a natureza jurídica das prestações suplementares. E aceita-se geralmente que elas não se confundem com o que na prática se chama de suprimentos, pois que o regime jurídico, destes é diferente do das prestações suplementares. Estas são, no dizer de PINTO FURTADO, um implemento do património social, ou, mais propriamente, elas são suprimentos com regime especial (Código Comercial, Das Sociedades em Especial, Almedina, Coimbra, vol. II, tomo II, pp. 758 e 759). As prestações suplementares de capital constituem “uma figura híbrida que, apesar de apresentar elementos análogos aos que integram o aumento de capital ou os suprimentos, contudo, não se identificam com qualquer deles. Assim, as prestações suplementares, embora façam parte do património da sociedade não se integram no seu capital, pelo que não constituem conceito daquele” (BRÁS TEIXEIRA, “Notas sobre Imposto de Capitais”, in Ciência e Técnica Fiscal, 1969 125º/136, cit. in ABÍLIO NETO, Código das Sociedades Comerciais, 2.ª edição p. 464. Justificam-se pelas razões concorrentes de nem sempre haver possibilidade de prever qual o capital necessário para o desenvolvimento dos negócios sociais e também pelo facto de, não constituindo aumento de capital, serem a ele equivalentes, dispensando o cumprimento de formalidades legais e despesas (GONÇALVES DA SILVA E ESTEVES PEREIRA, Contabilidade das Sociedades, 1987, p. 105, cit. in ABÍLIO NETO, op. cit., p. 464). As prestações suplementares são sempre em dinheiro e não vencem juros. Por essa razão e pelo respectivo regime designam-se habitualmente como “quase capital” (PAULO OLAVO CUNHA, Direito das Sociedades Comerciais, Almedina, Coimbra, 3.ª edição, p. 440). Os suprimentos "tout court" são, em contrapartida, considerados uniformemente pela jurisprudência como verdadeiros empréstimos ou mútuos feitos à sociedade, ou são, pelo menos, negócios jurídicos a eles equiparáveis, a que são aplicáveis as regras respectivas. De maneira geral, pode dizer-se, até, que quase todos os contratos da sociedade permitem que os sócios façam suprimentos, que são normalmente as importâncias complementares que eles fornecem quando o capital é insuficiente para as despesas da exploração – v. acórdão deste Supremo de 18 de Maio de 1962, no BMJ n.º 117, p. 429. Os suprimentos propriamente ditos, a que são aplicáveis as regras do mútuo, não estão sujeitos ao regime mais apertado das prestações suplementares. As prestações suplementares de capital, tal como se encontram reguladas nos artigos 210.º a 213.º do Código das Sociedades Comerciais (doravante, CSC), implicam a verificação de diversos requisitos imperativos, que se entendeu não reunidos na situação em análise. Assim, desde logo deve estar previsto no contrato social a eventualidade de as prestações virem a ser exigidas, mediante deliberação dos sócios e estabelecido o seu montante máximo – art.os 210.º, n.os 1, 3, al. a) e 4 e 211.º, n.º 1, CSC. Ora, o contrato de sociedade da BB- N..., tal como consta dos autos, basicamente da respectiva transcrição no registo comercial, não prevê a fixação futura de prestações suplementares de capital e nenhuma prova foi feita de sentido contrário. Também não se mostra demonstrado nos autos ter havido qualquer deliberação a obrigar os sócios a efectivarem prestações suplementares, a qual não foi alegada pelas partes, nem resulta dos factos provados. Seja, porém, como for, a verdade é que as partes gozavam, quando constituíram a sociedade e celebraram o respectivo pacto social, de inteira liberdade de iniciativa. Eles podiam, a tal respeito, estabelecer o que bem entendessem quanto às prestações suplementares e aos suprimentos a efectuar, eventualmente, pelos sócios. Desta forma, aquilo a que as partes chamaram “prestações suplementares de capital”, quer no processo, quer nos negócios jurídicos que as vincularam, deve antes ser interpretado apertis verbis como “empréstimos” dos sócios à sociedade BB- N..., como decorre da resposta ao quesito 5.º. Esta interpretação decorre da alegação das partes e é assim abertamente possibilitada ao tribunal, nos termos do artigo 664.º do C.P.Civ. Encontramo-nos pois perante um contrato de suprimento, na acepção do art.º 243.º, n.os 1 e 3, do CSC – considera-se contrato de suprimento o contrato pelo qual o sócio empresta dinheiro à sociedade, ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade (…). A tal contrato se aplica o disposto nos artigos 244.º e 209.º do mesmo código que, de seguida se transcrevem, nas partes relevantes.
Dispõe o artigo 244.º, que tem como epígrafe “Obrigação e permissão de suprimentos”: “1. À obrigação de efectuar suprimentos estipulada no contrato de sociedade aplica-se o disposto no artigo 209.º quanto a obrigações acessórias. 2. A referida obrigação pode também ser constituída por deliberação dos sócios votada por aqueles que a assumam. 3. A celebração de contratos de suprimentos não depende de prévia deliberação dos sócios, salvo disposição contratual em contrário.”
E o artigo 209.º estabelece, além do mais, no seu n.º 1, que “[o] contrato de sociedade pode impor a todos ou a alguns sócios a obrigação de efectuarem prestações além das entradas, desde que fixe os elementos essenciais desta obrigação e especifique se as prestações devem ser efectuadas onerosa ou gratuitamente.”
Da análise do artigo 244.º citado se extrai que a obrigação de suprimentos pode decorrer de qualquer situação nele contemplada, ou por deliberação dos sócios, ou por derivar do contrato social, sendo, neste caso, vinculativa desde que neste contrato estejam determinados os elementos essenciais dessa obrigação – sua duração, momento do seu cumprimento, etc. – e bem assim o carácter oneroso ou gratuito desse empréstimo.
“Quer porque o contrato de suprimento pode ser livremente estabelecido entre o sócio e a sociedade, representada pela gerência (art. 243º, n.º 1 do CSC), quer porque a correspondente obrigação pode resultar de deliberação dos sócios, a qual apenas vincula aqueles que a hajam assumido (n.º 2 deste art. 244º), será pouco relevante prever no contrato de sociedade a obrigação de efectuar suprimentos, salvo se, se pretender torná-la extensiva a todos os sócios, independentemente de flutuações futuras da vontade dos mesmos.
Todavia, prevista essa obrigação no contrato de sociedade deverá ficar consignado quem é que fica obrigado, serem fixados os elementos essenciais da obrigação e especificar-se ainda se os suprimentos são onerosos ou gratuitos (n.º 1 do art. 244º)” – ABÍLIO NETO, in Código das Sociedades Comerciais, 2.ª edição, Ediforum, Lisboa, nota 4 ao art.º 244.º.
“Não seria válida, para olhar o caso extremo, a cláusula do contrato de sociedade pela qual os sócios se obrigassem a “efectuar prestações acessórias (...)“ (vide comentário ao artigo 209.º, RAÚL VENTURA, Sociedade por quotas, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, vol. I, Coimbra, Almedina, 4.ª reimpressão, pp. 213 a 215).
Com efeito, como diz o mesmo autor “é indispensável que o sócio conheça (...) o objecto da sua obrigação nos aspectos essenciais da espécie, qualidade e quantidade”, pelo que “as cláusulas que não fixem o conteúdo da obrigação acessória com a certeza exigível são nulas por violação de preceito legal imperativo”.
Distinguindo os vícios de que padecem as deliberações, refere MENEZES CORDEIRO que “a nulidade das deliberações sociais ocorre sempre que elas defrontem normas jurídicas injuntivas (...) haverá anulabilidade quando as normas atingidas sejam dispositivas ou supletivas” (SA: Assembleia Geral e Deliberações Sociais, Almedina, Coimbra, 2007, p. 201)
Atendendo ao acabado de expor, não há elementos para afastar, no caso, a validade da obrigação de prestação de suprimentos.
De todo o modo, mesmo que se não esteja perante verdadeiros suprimentos, impõe-se que se passe a raciocinar, relativamente à pretensão dos recorrentes segundo os pressupostos do contrato de suprimento, tendo em conta a cessão do crédito convencionada (a forma por que o foi) e a posição de fiadores dos RR.
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