Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5356/07.1TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: SERRA BAPTISTA
Descritores: CAUSA DE PEDIR
SOCIEDADE COMERCIAL
SÓCIO
SÓCIO GERENTE
SUPRIMENTOS
Data do Acordão: 10/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCAILAMENTE A REVISTA DAS RÉS E NEGADA A REVISTA DOS AUTORES
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
DIREITO COMERCIAL - CONTRATOS ESPECIAIS
DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS - SOCIEDADES POR QUOTAS
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - INSTÂNCIA - PROCESSO DE DECLARAÇÃO (ARTICULADOS) - RECURSOS
Doutrina: - A. Varela, Manual de Processo Civil, p. 232 e ss.
- António Pereira de Almeida, Direito Comercial, p. 263.
- Brito Correia, Direito Comercial, I Vol. p. 198.
- Correia das Neves, Manual dos Juros, pp. 18 e 19.
- Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, vol. I, p. 92.
- Lebre de Freitas e outros, CPC Anotado, vol. 2.º, pp. 670 e 671.
- Manuel de Andrade, Noções Elementares de processo Civil, p. 378.
- Pereira Batista, Reforma do Processo Civil, Princípios Fundamentais, p. 16.
- Pinto Furtado, Curso do Direito das Sociedades, pp. 219 e 220.
- Raul Ventura, Sociedade por Quotas, vol. II, pp. 73 a 126
- Rui Pinto Duarte, Tipicidade e Atipicidade dos Contratos, p. 65.
- Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, p. 270.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 220.º, 289.º, NºS 1 E 3, 940.º, 1143.º, 1269.º, 1270.º, 1271.º.
CÓDIGO COMERCIAL (C COM): - ARTIGOS 3.º, 13.º, N.º2, 102.º, 394.º, 396.º.
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 243.º A 245.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 267.º, Nº 2, 272.º, 273.º, 467.º, Nº 1, D) E E), 481.º, A), 661.º, 664.º, 668.º, Nº 1, D) E E), 722.º, 729.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 5/2/1982, BMJ 364, P. 819;
-DE 1/10/1996, PROCESSO Nº 115/96-1ª SECÇÃO;
-DE 15/10/1998, CJ S. ANO VI;T. 3, P. 66;
-DE 27/5/1999, PROCESSO Nº 347/99;
-DE 15/6/1999, PROCESSO Nº 480/99;
-DE 15/5/2007, PROCESSO Nº 980/07-1ª SECÇÃO;
-DE 4/12/2007, PROCESSO Nº 3949/07- 7ª SECÇÃO;
-DE 9/11/2010, PROCESSO Nº 1784/06.8TBVCD.P1.S1-1ª SECÇÃO;
-DE 8/2/2011, PROCESSO Nº 677/05.0TBAGD.C1.S1-1ª SECÇÃO;
-DE 6/10/2011, PROCESSO Nº 2542/06.5TVLSB.L1.S1.
Sumário :
1. A qualificação de um contrato, de forma diversa da gizada pelo autor, tendo em conta a matéria de facto apurada, não consubstancia, só por si, alteração da causa de pedir.
2. Constituem índices (ou presunções legais) do carácter de permanência essencial ao contrato de suprimento - que é, no fundo, um financiamento sob a forma de empréstimo com características e regime próprios (contrato nominado e típico) – a estipulação de prazo de reembolso superior a um ano ou a não utilização da faculdade de reembolso pelo prazo de um ano.
3. A estipulação do prazo de reembolso superior a um ano, aludido no nº 2 do art. 243.º do CSC, deve ser sempre expressa.
4. No nº 3 do mesmo art. 243.º considera-se índice do carácter de permanência a não utilização da faculdade de exigir o reembolso devido pela sociedade durante um ano, contado da constituição do crédito, quer não tenha sido estipulado prazo, quer tenha sido convencionado prazo inferior.
5. Não tendo ficado provado a que ficou destinado o financiamento efectuado pelo sócio à sociedade, não se tendo como apurado o contrato de suprimento, mas antes o mútuo, tem este de ser provado por escrito, se ascendia ao montante de € 1 056 928,21, sendo, na falta de tal forma, nulo.
6. A qualidade de sócio, mesmo gerente, não confere ao seu titular a natureza de comerciante, já que a sociedade - ela sim, comerciante – tem natureza jurídica daquele. Sendo os actos dos gerentes, em si mesmos, imputados à sociedade.
7. No contrato de mútuo nulo, por falta de forma, vencem-se juros de mora, como frutos civis, desde a citação.
Decisão Texto Integral:

                                ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

                AA e BB vieram intentar acção, com processo ordinário, contra SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES L...,A... & C..., LDA e CC pedindo:

a) a condenação destes a reconhecerem o falecido DD como titular dos créditos e depósitos saídos das suas contas bancárias, do BES, MILLENIUM BCP, CAIXA GALICIA e BANCO SANTANDER usados para pagamentos de despesas da responsabilidade da sociedade ré, no montante de € 1 056 928,31, bem como a condenação solidária de ambos a pagarem os suprimentos concedidos à ré no mesmo montante;

b) a condenação da ré CC a reconhecer o falecido DD como titular único do saldo existente no BES, na conta DO ..., no montante de € 136 068,21 e a restituir à herança a quantia de € 82 773,70 (52 773,70 + 30 000), com juros, à taxa legal, desde a citação.

c) e, se assim não se entender, a condenação das rés a pagarem aos autores, na proporção das suas quotas (16% + 16%) a quantia de € 362 704,63 (338 217,05 + 24 487,58), com juros, à taxa legal, desde a citação.

Alegando, para tanto, e em suma:

                São legatários do falecido DD, na proporção de 16%, cada um, da venda de bens da herança deste, melhor referenciados em “dez”, no seu testamento, junto de fls 14 a 20.

O falecido DD era sócio da sociedade ré “Sociedade de Construções, L...,A... & C..., Lda.”.

Integravam a gerência e o capital social, para além do falecido, CC e EE.

O falecido DD concedeu suprimentos à sociedade ré que ascendiam, em 2005, a € 1.056.928,21.

Estes suprimentos foram solicitados às rés após o falecimento do DD.

A ré sociedade efectuou a venda de uma moradia e de um lote para construção por € 190 000 (património da sociedade), tendo recusado entregar as quantias recebidas para parcial reembolso dos suprimentos.

A gerente CC aquiesceu em entregar apenas metade das quantias recebidas, alegando que os suprimentos foram efectuados com dinheiro de uma conta conjunta/solidária sua e do falecido DD, pelo que metade dessa quantia lhe pertence.

Mas a conta era conjunta apenas para mais facilmente permitir à ré CC o pagamento das despesas do DD atentas as dificuldades de escrita que o mesmo sentia, sendo certo que todas as quantias nelas depositadas tinham origem em rendimentos pessoais do mesmo.

A mesma ré liquidou a conta bancária junto do BES com saldo negativo de € 202 620,92, por resgate de € 338 717,33, de títulos de “Fundos G...”, subscrito pelo falecido DD, ficando a final com um saldo positivo de € 136 096,41, tendo sido entregue a FF a quantia de € 30 000, ficando a ré com € 52 773,70, entregando aos testamenteiros igual quantia de € 52 773,70.

Tais quantias pertenciam na totalidade ao DD, tendo a ré CC recebido quantia a que não tinha qualquer direito.

Sem que houvesse qualquer justificação para o pagamento feito a FF.

Citadas as rés, vieram contestar, alegando a incompetência absoluta do Tribunal e impugnando os factos alegados pelos autores. Mais pedindo a sua condenação como litigantes de má fé.

Replicaram os autores, pugnando pela improcedência da excepção.

Foi elaborado o despacho saneador, que, alem do mais, julgou improcedente a excepção dilatória da incompetência material do Tribunal. Foram fixados os factos tidos por assentes e organizada a base instrutória.

Realizado o julgamento, foi decidida a matéria de facto da base instrutória pela forma que do despacho de fls 412 a 416 junto aos autos consta.

Foi proferida a sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a ré CC a reconhecer o falecido DD como único titular do saldo existente no BES, na conta DO... no montante de € 136 068,21 e a restituir à herança aberta por óbito do mesmo DD a quantia de € 82 773,70, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa anual de 4%, devidos desde 10/12/07 até integral pagamento. Absolvendo a ré do demais contra ela peticionado e a ré sociedade dos pedidos.

Inconformados, vieram os autores interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, onde, por acórdão de fls 503 a  537, na sua parcial procedência, foi revogada a sentença recorrida, com a condenação das rés a reconhecerem o falecido DD como titular dos créditos e depósitos saídos das suas contas bancárias, do BES, Millenium BCP e Banco Santander, usados para pagamento de despesas da responsabilidade da ré sociedade, no montante de € 1 056 928,21, condenando-se a sociedade a pagar à herança, o montante dos empréstimos concedidos pelo DD, no referido valor de € 1 056 928,21, acrescido dos juros, à taxa comercial, desde a citação. Absolvendo-se a ré CC no demais[1].

Agora irresignadas, vieram as rés SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES L...,A... & C..., LDA e CC pedir revista para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo os autores interposto recurso subordinado, na parte que lhes é desfavorável.

Formulando as rés, na sua alegação, as seguintes conclusões:

                1ª - Os Venerandos Desembargadores ao condenarem as RR nos termos constantes do douto acórdão recorrido, não fizeram uma escorreita aplicação do direito.

                2ª - O douto acórdão recorrido ao condenar as RR. naqueles termos e por tais fundamentos, proferiu uma decisão que não corresponde à prova produzida em juízo.

                3ª - A alteração da resposta ao art. 2 e 3 da BI não deverá acontecer, sendo de manter como resposta: "Provado que o falecido Sr. DD aplicou na ré "Sociedade L...,A... & C..., Lda", quantia não concretamente apurada".

                4ª - Da audição integral dos depoimentos das testemunhas e dos documentos juntos aos autos não pode resultar tal alteração.

                5ª - Dos depoimentos das várias testemunhas, não se pode afirmar os montantes exactos que deram entrada na sociedade Ré pela mão do falecido DD, nem a que título.

                6ª - A inscrição dos apelidados suprimentos nas contas de 2005 foi efectuada em 2006, ou seja, após o óbito do Senhor DD.

                7ª - Também aqui não se pode ter como provado quais os exactos montantes que o falecido fez entrar na sociedade, nem a que título.

                8ª - O falecido Senhor DD nunca pensou em ser reembolsado de qualquer quantia colocada à disposição da Sociedade R., mas antes proceder à venda das construções efectuadas pela R. Sociedade.

                9ª - Tal conclusão resulta clara dos depoimentos prestados por FF e pela testemunha M...P... (também herdeira), quer dos documentos juntos aos autos.

                10ª- O falecido Senhor DD ao deixar a sua quota à R. CC pretendia deixar-lhe o activo existente na sociedade, sendo que tal resulta do próprio testamento de DD junto aos autos.

                11ª- Não pode este sempre doutíssimo Tribunal extrapolar a prova apresentada em audiência e nos autos.

                12ª- Está pois provada a data de inscrição dos suprimentos (2006) que foi após a data do falecimento de DD, não se podendo determinar qual o valor que aquele terá colocado ao dispor da Sociedade Ré.

                13ª- Ficou provado por documentos e por prova testemunhal que o falecido Senhor DD colocou dinheiro na Sociedade R., mas não qual o montante, nem a que título.

                14ª- Não se logrou provar de que contas bancárias saiu o dinheiro com que o falecido DD efectuou os pagamentos em nome da Sociedade R., não tendo sido junto qualquer documento idóneo para o efeito.

                15ª- Houve erro na reapreciação das provas dos autos, pelo que deverá ser mantida a resposta aos artigos 2.° e 3.° da BI.

                16ª- Deve ser mantida a resposta ao art. 14 da BI constando que os suprimentos estavam inscritos em nome do falecido senhor DD e outros credores e com o esclarecimento de que tal montante não constou dos exercícios anteriores.

                17ª- Não ficou provado de onde saiu o dinheiro utilizado pelo falecido DD para pagamentos em nome da Sociedade R., nem em que montante e a que título.

                18ª- Os AA. subsumiram o investimento feito pelo falecido senhor DD à figura de suprimentos.

                19ª- A R. CC nunca aceitou a existência de suprimentos alegando e provando que o dinheiro colocado à disposição da R. Sociedade o foi a título gratuito.

                20ª- O falecido DD pretendia deixar a maior parte dos bens à R. CC, incluindo o activo da Sociedade R., o que se encontra provado através do testamento junto aos autos, bem como dos depoimentos de M...P... e de FF.

                21ª- A causa de pedir dos AA consubstanciou-se na qualificação do investimento do falecido DD como suprimentos.

                22ª- Não pode haver alteração ou substituição da causa de pedir porque tal não resulta claro do alegado pelos AA.

                23ª- Os AA. nunca interpretaram a questão dos autos como mútuo.

                24ª- Na esteira dos Ac. ST J, de 20.2.1991: Acórd. Doutrin., 355.°-934; Ac. ST J, de 1.7.2004: Proc. 04B2214.dgsi.Net; Ac. RE, de 14.7.2004: Proc. 164/04-3.dgsi.Net); não pode o douto Tribunal recorrido fazer nova qualificação jurídica para os factos em questão.

                25ª- O Tribunal recorrido violou a aI. d), do n.º 1, do artigo 668.° do CPC. XXV -    26ª- A existir outra qualificação jurídica, a mesma deve ser de contrato de doação.

                27ª- Tal qualificação resulta clara do testamento e dos depoimentos das testemunhas juntas pelos AA. que dizem que o falecido DD apenas tinha colocado outros dois sócios consigo por questões formais, para não ficar sozinho na sociedade.

                28ª- Todos os actos do falecido senhor DD, seriam tendentes não a encetar quaisquer suprimentos ou mútuos, mas sim a efectuar doações.

                29ª- O doutro Tribunal “a quo" errou também na determinação da norma aplicável ao caso dos autos.

                30ª- O falecido Senhor DD não contratou qualquer mútuo, tão pouco mercantil, antes sim doou à Sociedade R. o dinheiro que esta necessitou.

                31ª- O dinheiro cedido à Sociedade R. não foi necessariamente destinado a actos comerciais e como tal a existir mútuo o mesmo não é mercantil.

                32ª- Não se qualificando o contrato existente como de doação, sempre se terá de manter a qualificação de suprimentos, na esteira aliás do acórdão constante na Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do STJ, Ano XVII, Tomo III, 2009 e em www.dqsi.pt - Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul; processo 05097/01 .

                33ª- Não havendo dinheiro na Sociedade R. para cumprir o seu objecto social, os valores entrados na mesma tiveram uma função idêntica à das entradas dos sócios.

                34ª- Há permanência no crédito porque até à data da sua morte o Senhor DD não pediu o reembolso de quaisquer valores.

                35ª- Não sendo qualificado o contrato como de doação, deverá manter-se a sentença da 1ª Instância, qualificando tal contrato como de suprimento.

                36ª- Mantendo-se a qualificação de mútuo, o mesmo não poderá ser considerado como mercantil, não havendo lugar ao pagamento de juros comerciais.

                37ª- Os AA. não peticionaram juros comerciais, pelo que não pode haver condenação para além do pedido efectuado originariamente, ou seja, juros de mora, mantendo-se a sentença doutamente proferida pela 1ª Instância, atenta a nulidade do sempre douto acórdão nos termos da aI. e), do n.º 1, do artigo 668.° do CPC.

                38ª- Não podem as RR. CC e Sociedade reconhecer que o falecido DD como titular dos créditos e depósitos saídos das suas contas bancárias do "BES", "Millenium BCP" e "Banco Santander" usados para pagamento de despesas da responsabilidade da Sociedade R., no montante de € 1.056.928,21, nem a R. Sociedade ser condenada a pagar o montante de empréstimos concedidos pelo falecido DD, no valor de € 1.056.928,21, acrescido dos juros à taxa comercial desde a citação, porque não conseguiram os AA. provar quais os montantes concretamente aplicados na sociedade R. pelo falecido DD, nem a que título.

                39ª- O acórdão deve ser alterado por outro que qualifique juridicamente o contrato existente como de doação, ou caso assim se não entenda, manter a sentença recorrida nos seus exactos termos.

                40ª- O douto acórdão recorrido violou a lei substantiva, quer por erro de interpretação, quer por erro de determinação da norma aplicável.

                41ª- Não fez o douto Acórdão da Relação a correcta interpretação e aplicação dos artigos 243.° e 394.°, do Código das Sociedades Comerciais, nomeadamente quanto à qualificação do contrato como mútuo mercantil.

                42ª- O douto acórdão é nulo por ter conhecido de questões que não podia tomar conhecimento e também por condenar em objecto diverso do pedido, nulidades constantes das als d) e e), do artigo 668.° do CPC[2].

                Tendo os autores, por seu turno, também na sua alegação, formulada, as seguintes conclusões:

                1ª - A R. CC recebeu a quantia global € 190.000,00 em cheque emitido à ordem da Ré Sociedade de Construções L...,A... & C..., Lda [Alínea H)];

                - A R. CC depositou a quantia de € 190.000,00 em conta bancária própria (resposta ao quesito 11);

                - O falecido DD concedeu à ré sociedade, empréstimos diversos, sem prazo, que em 2005, ascendiam a um total de € 1.056.928,21 (resposta ao quesito 10);

                2ª - Embora condenada, - no processo cautelar de arresto nº 5356/07.1 TVLSB-A, apenso aos autos - a depositar à ordem do Tribunal a quantia de 190.000,00 €, a R. CC não o fez até ao momento, revelando, com clareza, o respeito que lhe merecem as decisões judiciais;

                3ª - A sociedade vincula-se com a assinatura conjunta dos dois dos gerentes existentes: CC e EE.

                4ª - O depósito da quantia de € 190.000,00, pertencente à sociedade R., em conta própria da R. CC, colocando-a fora do âmbito patrimonial da Sociedade de Construções L..., A...& C..., Lda, impede os credores de poderem penhorar o saldo bancário para pagamento dos montantes em dívida, reduzindo assim o património social aplicável à satisfação dos créditos, já de si insuficiente para o efeito;

                5ª - Ao depositar a quantia de € 190.000,00 em conta bancária pessoal violou os deveres de administração que, por virtude do cargo, estava obrigada a cumprir, designadamente o de entregar à sociedade o que recebeu em execução do mandato ou no seu exercício... " (art. 1161° alínea e), ex vi do art. 987° nº 1, ambos do Código Civil).

                6ª - Ao depositar a quantia recebida pela venda de bens sociais em conta própria alheia à sociedade, a R. CC viola, de forma clara, voluntária e intencional o disposto no art. 64° do Código das Sociedades Comerciais, implicando, como consequência, a sua responsabilização pelas dívidas sociais perante os credores da sociedade R. (art. 78° n° 1 do Código das Sociedades Comerciais.

                7ª - Por força da sua conduta abusiva, ilícita e atentatória dos mais elementares princípios da boa fé, a R. CC lesou, de forma grave e intencionalmente, os interesses dos credores da sociedade também R., devendo, por força do disposto no art. 78° do CSC, ser responsabilizada solidariamente pelas dívidas desta.

                9ª - Decidindo em contrário, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa violou o disposto nos arts 64° e 78° nº 1 do Código das Sociedades Comerciais, os arts 987°, 989º, 998°,1161°, alínea e) do Código Civil e art. 224° n° 1 do Código Penal.

                10ª- Nestes termos, e com o muito que por V. Exas, Venerandos Conselheiros, será seguramente suprido, revogando o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa na parte em que absolve a R. CC do demais e condenando-a ao pagamento solidário do montante em dívida com a R. Sociedade de Construções L...A...& C..., Lda., pelo menos, até à quantia de € 190.000,00, farão Justiça.

                Os autores, também recorrentes, contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso das rés. Sustentando a falta de mandato por banda da autora sociedade.

                Por despacho do relator, de fls 764 e 765, foi ordenada a notificação dos senhores advogados subscritores da alegação da revista da mesma ré, para juntarem a procuração forense em falta, sob pena de, não o fazerem, e alem do mais, ficar sem efeito tudo o por eles praticado.

                A fls 769 veio a ré sociedade juntar procuração passada a favor daqueles senhores advogados, tendo sido ratificado o processado.

                 Corridos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.

                Vem dado como PROVADO:

               

                1. Com data de 27/04/2005, foi outorgada a escritura pública constante do instrumento de fls. 13-20, denominada "testamento", cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido, do qual consta, além do mais o seguinte:

"compareceu:

DD (...).

DISSE: Que não tem descendentes nem ascendentes vivos, pelo que, pelo presente testamento faz os seguintes legados:

UM): - A seu sobrinho, GG (...).

DOIS): - A seu sobrinho, HH (...):

a) - As fracções autónomas, designadas pelas letras "L, M, E, N" do prédio urbano em regime de propriedade horizontal silo em Lisboa, na Rua ... e Largo ..., que torneja para a Rua ..., inscrito na matriz da freguesia de S. João sob o artigo 1.317;

b) - Metade indivisa do prédio urbano sito em Lisboa, na Rua ...6, tornejando para a Rua ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Marvila sob o artigo 580·

c) - As terras e casas sitas em Villa Meã, Lovios e Orense, em Espanha;

d) - A parte que corresponde ao testador no jazigo número seis mil cento e cinquenta e sete sito na Rua 6 do primeiro Cemitério de Lisboa - Cemitério do Alto de S. João, com a obrigação de o manter e conservar durante vinte anos.

TRÊS): - A CC (...) sua empregada, com ele residente, se esta se encontrar ao seu serviço na data da sua morte:

a) - A fracção autónoma designada pela letra "F", correspondente ao segundo andar esquerdo do prédio urbano sito em Lisboa, na Av. ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Nossa Senhora de Fátima sob o artigo 1442, incluindo todo o seu recheio;

b) – UM/DEZOITO avos indivisos da fracção autónoma designada pela letra "V" correspondente ao décimo andar esquerdo, do prédio urbano, sito em Lisboa, na Av. ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Nossa Senhora de Fátima sob o artigo 1.442;

c) - A fracção autónoma correspondente ao oitavo andar letra H, do prédio urbano sito na Av. ..., Costa da Caparica, concelho de Almada, inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Costa da Caparica sob o artigo 2.173, incluindo todo o seu recheio.

d) - A sua casa sita na Calle ..., Espanha, incluindo todo o seu recheio.

e) Fracção autónoma correspondente ao terceiro andar direito do prédio designado pelo lote nº 6 da Bloco 2, prédio 3, na Quinta ..., no concelho da Moita.

f) - A quota que o testador possui na sociedade por quotas denominada "SOCIEDADE DE CONSTRUCÇOES L...,A... & C..., LDA." (...) com todos os seus direitos e obrigações.

QUATRO):   A II (...):

a) - Todos os livros existentes no escritório da casa da morada do testador.

b) - A fracção autónoma designada pela letra "Z" do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito em Lisboa, na Rua ... e Largo ..., que torneja para a Rua ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S. João, sob o artigo 1.317.

c) - Em comum e partes iguais com o legatário seguinte, a nua propriedade de metade indivisa do prédio urbano situado na Rua ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Marvila sob o artigo 732.

CINCO): - A JOÃO FERNANDES DE JESUS PASSARINHO (...):

a) - A fracção autónoma designada pela letra "R" do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito em Lisboa, na Rua ... e Largo ... que torneja para a Rua ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S. João sob o artigo 1.317;

b) - Em comum e partes iguais com o legatário anterior, a nua propriedade de metade indivisa do prédio urbano situado na Rua ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Marvila sob o artigo 732.

SEIS): - A JJ, LL e à filha da primeira, igualmente MM, as fracções autónomas, designadas pelas letras "O, P e Q" do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito em Lisboa, na Rua ... e Largo ..., que torneja para a Rua ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S. João sob o artigo 1.317:

SETE): - A NN e AA, em comum e em partes iguais, as fracções autónomas designadas pelas letras "S e T", do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito em Lisboa, na Rua ... e Largo ..., que torneja para a Rua ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S. João, sob o artigo 1.317;

OITO): - A OO (...), todos os bens que lhe advenham da herança de PP, em que tenha sucedido, na sequencia do óbito de sua mulher QQ

NOVE): - A RR e marido SS (...), o direito que o testador cabe no Jazigo situado no cemitério de que foi pertença de sua sogra TT, direito esse adquirido por herança testamentária de sua esposa QQ.

DEZ): - Os bens adiante identificados, serão vendidos cabendo a CC e a BB, a responsabilidade de todo o processo de venda, sendo o valor resultante da mesma, em primeiro lugar para liquidar os impostos com a sucessão relativos a todos os legatários e depois de pagos outros encargos que porventura sejam devido pela herança, distribuídos da seguinte forma:

Donativo à casa do Gaiato, no valor de cinquenta mil euros.

Donativo ao Instituto Português de Oncologia de Lisboa, no valor de cinquenta mil euros.

c) Do eventual remanescente:

1 - A UU, vinte e um por cento.

2 - A VV, dezasseis por cento.

3 - A CC, trinta e um por cento.

4 - A BB, dezasseis por cento.

5- A RR e marido SS, dezasseis por cento.

IDENTIFICAÇÃO DOS BENS A VENDER: - UM/CINQUENTA E DOIS avos indivisos da fracção autónoma designada pela letra "D" que corresponde ao primeiro Andar letra C do prédio urbano sito em Lisboa, na Av. ..., com estacionamento número cento e quinze na quarta cave, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Nossa Senhora de Fátima sob o artigo 1.604.

 a) - Uma terça parte indivisa do lote de terreno para construção, situado na Rua ..., na freguesia da Cruz Quebrada, concelho de Oeiras.

b) - Lugar de estacionamento no Parque de estacionamento ESLI, sito na Av. ..., em Lisboa.

c) - As Fracções autónomas, designadas pelas letras "A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, U, V e X" prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito em Lisboa, na Rua ...e Largo ..., que torneja para a Rua ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S. João sob o artigo 1.317;

D) - Metade indivisa do prédio urbano situado na Rua ..., ...C, em Lisboa, inscrito na matriz da freguesia de Marvila sob o artigo 1305.

e) - Veículo automóvel marca MERCEDES, modelo 250 Turbo diesel, com a matrícula ...-0T; e

f) - Veículo automóvel, marca TOYOT A, modelo Avensis, com a matrícula ...-SR. (...).

No caso de omissão de qualquer bem ou direito, que porventura exista à hora da sua morte, será o mesmo dado o destino previsto no legado identificado em dez do testamento.

Nomeia como testamenteiros os legatários atrás identificados, CC e BB.

Que dá por concluído este seu testamento, revogando todo e qualquer outro anteriormente feito, designadamente, o lavrado neste Cartório no dia dez de Agosto de dois mil e quatro, a folhas cinquenta verso do livro Quatro.

(...).

Fiz ao testador e em voz alta e na presença simultânea de todos os intervenientes, a leitura e a explicação do conteúdo deste testamento" (alínea A) dos Factos Assentes).

                2. DD faleceu a 26/01/2006 (alínea B) dos Factos Assentes).

                3. DD era sócio titular de uma quota de € 2.500,00, correspondente a 50% do capital social da Ré "Sociedade de Construções L...,A... & C..., Lda.", cujo capital saiu na sua totalidade da conta de depósito à ordem da "Banco Espírito Santo, S.A., nº ... (alínea C) dos Factos Assentes).

                4. Integravam a gerência e eram titulares do capital social da Ré "Sociedade de Construções L...,A... & C..., Lda.", para além do falecido, a Ré CC, com uma quota de € 1.000,00, e EE, com uma quota de € 1.500,00, vinculando-se a sociedade com a assinatura de dois gerentes, sendo um deles sempre o falecido DD (alínea D) dos Factos Assentes).

                5. Em Agosto de 2007, a Ré "Sociedade de Construções L...,A... & C..., Lda.," vendeu uma das moradias por € 160.000,00 e um lote de terreno para construção por € 30.000,00 (alínea E) dos Factos Assentes).

                6. A Ré CC prontificou-se a entregar metade destas quantias (alínea F) dos Factos Assentes).

                7. A Ré CC habitava com o falecido DD, confeccionava-lhe as refeições diárias, tratava do seu asseio, higiene e limpeza e lhe ministrava os medicamentos, sendo o falecido DD que pagava todas as despesas (alínea G) dos Factos Assentes).

                8. A Ré CC recebeu a quantia global de € 190.000,00 em cheque emitido à ordem da Ré "Sociedade de Construções L...,A... & C..., Lda." (aI. H) dos Factos Assentes).

                9. O sócio DD era o único com capacidade económica para o início da actividade da Ré "Sociedade de Construções L...,A... & C..., Lda.," designadamente para a compra de 5 lotes de terreno para construção sitos na freguesia de Facha do concelho de Ponte de Lima, despesas com projectos e licenças e construção das moradias (resposta ao quesito 1).

                10. O falecido DD concedeu à ré "Sociedade de Construções L...,A... & C..., Lda." empréstimos diversos, sem prazo, que, em 2005, ascendiam a um total de € 1 056 928, 21 (resposta aos quesitos 2[3]).

                10-A- Saíram das contas bancárias do falecido DD, abertas no Banco Espírito Santo, S.A., (conta depósito à ordem nº...), na Caixa Galicia, Banco BCP, Banco Santander, todas as quantias usadas pela ré sociedade “Construções L...,A... & C..., Ld”, para pagamento dos cinco lotes de terreno para construção, sitos na freguesia de Facha, concelho de Ponte de Lima, bem como os projectos, licenças e despesas com a construção de moradias (resposta ao quesito 3[4]).

                11. Todos os depósitos efectuados nas contas bancárias eram provenientes de rendimentos pessoais do falecido DD (resposta ao quesito 4).

                12. Em vida, DD manifestou a indisponibilidade para continuar a financiar a actividade da Ré "Sociedade de Construções L...,A... & C..., Lda." e, ainda, a vontade de vender o património da Ré "Sociedade de Construções L...,A... & C..., Lda.", visando recuperar a parte possível dos montantes por si aplicados (resposta ao quesito 5).

                13. A Ré "Sociedade de Construções L...,A... & C..., Lda." não dispondo de meios próprios para continuar as obras, paralisou os trabalhos em curso, cessando a sua actividade, deixando incompleta uma das quatro vivendas em construção no concelho de Ponte de Lima (resposta ao quesito 6).

                14. A Ré CC surgiu como contitular de contas bancárias com o falecido DD, em 27/09/2000, na "CAIXA GALICIA - Caja de Ahorros de Galicia"; em 1 0/08/2004, no "Banco Espírito Santo, S.A." (resposta ao quesito 7).

                                15. Tal situação de contitularidade foi adoptada para permitir à Ré CC efectuar os pagamentos das despesas de DD, atentas as dificuldades de escrita (assinatura), bastante debilitado por acidente vascular cerebral (resposta ao quesito 8).

                16. A Ré CC não dispunha de bens ou de rendimentos para efectuar depósitos nas contas bancárias do falecido DD (resposta ao quesito 9).

                17. As débeis condições de vida do falecido DD, viúvo, vítima de vários acidentes vasculares cerebrais, com grande dificuldade de locomoção, de avançada idade, vivia só, sem familiares directos próximos e sem descendentes, levaram a ré CC para junto dele por forma a facultar-lhe o apoio e a assistência necessários a uma melhor qualidade de vida (resposta ao quesito 10).

                18. A Ré CC depositou a quantia de € 190.000,00 em conta bancária própria (resposta ao quesito 11).

                19. No exercício de 2005 foram inscritos na contabilidade da Ré "Sociedade de Construções L...,A... & C..., Lda." suprimentos em nome de DD no valor de € 1.056.953,22 (resposta ao quesito 14)[5].

                20. O "Banco Espírito Santo, S.A", por indicação da Ré CC, liquidou a conta de depósito à ordem nº ..., a qual se encontrava com um saldo negativo de € 202.620,92, o qual foi eliminado com o resgate, em 07/07/2006, de "Fundos G..." no valor de € 338.717,33, ficando, a final, o saldo positivo de € 136.096,41, o qual depois de deduzido o pagamento de um cheque pela Ré CC, no montante de € 30.000,00, descontado em 09/02/2006, foi dividido em parte iguais, sendo € 52 773.70 entregues à Ré CC e € 52.773,70 entregue ao Autor BB (resposta ao quesito 15).

                21. O contrato social da Ré "Sociedade de Construções L...,A... & C..., Lda." foi inscrito na 3ª Secção da Conservatória do Registo de Lisboa, em 09/03/2001 (certidão de matrícula de fls. 25-28).

                 Como é bem sabido, são as conclusões da alegação das recorrentes que delimitam o objecto do recurso – arts 684º, nº 3 e 690º, nº 1 e 4 do CPC, bem como jurisprudência firme deste Supremo Tribunal.

                Sendo, pois, as questões atrás enunciadas, já que outras de conhecimento oficioso não existem, e que pelas recorrentes nos são colocadas, que cumpre apreciar e decidir.

            I – Revista das rés.

            Assim se podendo resumir as questões aqui suscitadas:

                1ª – A do erro na reapreciação das provas nos autos, devendo, em consequência, ser mantidas as respostas dadas pela 1ª instância aos quesitos 2, 3 e 14.

                2ª – A da nulidade do acórdão recorrido (art. 668.º, nº 1, al. d) do CPC) face à indevida alteração, feita pela Relação, da causa de pedir alegada pelos AA, que nunca interpretaram o alegado investimento feito pelo falecido DD como contrato de mútuo, devendo o mesmo antes ser tido como de doação.

                3ª – A da nulidade do acórdão recorrido (art. 668.º, nº 1, al. e) do CPC) na parte em que condenou a ré sociedade no pagamento de juros comerciais, que não foram peticionados.

                Começando-se, pela primeira: a do erro na reapreciação das provas efectuada pela Relação.

                A Relação, na reapreciação do pedido efectuado pelas autoras sobre a devida alteração à matéria de facto ínsita nos quesitos 2, 3 e 14, e pelas razões que melhor explanou no seu acórdão, ora também recorrido, procedeu à reformulação das mesmas, tal como também consta na matéria de facto atrás elencada e nas suas notas de rodapé.

                Não se questionando a ilicitude da sua, dela Relação, reapreciação da matéria de facto em causa, que não se discute aqui estar abrangida pelos seus poderes de julgador de facto, já é estranho que as recorrentes aqui venham suscitar tal questão, já que é bem sabido, com decisões constantes e uniformes deste Supremo sobre tal matéria, que o mesmo, salvo casos excepcionais, que aqui não relevam, não julga matéria de facto, mas apenas de Direito.

                Com efeito, este Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, aplica definitivamente aos factos fixados pelas instâncias, maxime, pelo tribunal recorrido, o regime jurídico que julgue adequado –art. 729.º, nº 1 do CPC.

                Não conhecendo de matéria de facto, como atrás aflorado, salvo havendo ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova – arts 729.º, nº 2 e 722.º do mesmo diploma legal.

                Não se verificando, in casu, e como é bom de ver, qualquer uma destas situações.

                Não pode, assim, sem necessidade de mais, este Tribunal sindicar, como pretendem as recorrentes, a reapreciação da matéria de facto feita pela Relação, com as consequentes alterações das respostas dadas àqueles quesitos.

                Que aqui se mantêm como pressuposto da aplicação do regime jurídico respectivo.

                Passemos à segunda questão: à da nulidade cometida nos termos do citado art. 688.º, nº 1, al. d).

                Dizem as recorrentes, se bem as entendemos, que, tendo os autores subsumido o investimento feito pelo falecido DD à figura de suprimentos, não podia a Relação concluir pela existência de um mútuo mercantil e, assim, tendo o acórdão recorrido aberto mão de uma nova qualificação jurídica para os factos em questão, cometeu a nulidade prevista no citado art. 668.º, nº 1, al. d).

                Incorrendo-se em tal nulidade da sentença[6] quando o juiz aprecie questões de que não podia tomar conhecimento.

                Respeitando essa situação de excesso de pronúncia aos limites da decisão, não podendo o juiz, por via de tal princípio, conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de excepções que estejam na exclusiva disponibilidade das partes[7]/[8].

                Ora, tendo a petição inicial como função específica a propositura da acção, nela tem o autor de formular a pretensão da tutela jurisdicional que pretende obter, expondo as razões de facto e de direito que a fundamentam.

                Fazendo-o na narração (art. 467.º, nº 1, al. d) do CPC), aí alegando os factos principais e instrumentais, sendo a causa de pedir, precisamente, o facto concreto – não a indicação vaga ou genérica de factos – que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido.

                Sendo certo que, enquanto em sede de matéria de facto, o Juiz tem de se cingir às alegações das partes (art. 664.º do mencionado diploma legal), na indagação, interpretação e aplicação do direito o Tribunal age livremente[9].

                Como também o é, que, sendo a causa de pedir um facto material, subsumível a uma qualificação jurídica, para que se possa falar em alteração de causa de pedir – só admitida nas condições aludidas nos arts 272.º e 273.º do CPC – necessário se torna que os factos reais alegados para seu suporte, sejam substituídos ou aditados de outros não alegados[10]

 Ora, na sua p. i., alegaram os autores factos concretos que, em seu entender, integravam a concessão, por banda do falecido DD à sociedade ré, de “suprimentos/empréstimos diversos, sem prazo, que, em 2005, ascendiam, no total, a € 1 056 928,31.”

A Relação, no seu recorrido acórdão, conclui que as entregas de dinheiro feitas pelo tal DD à sociedade ré, integravam, não um contrato de suprimento, mas sim um contrato de mútuo mercantil.

É bom de ver, sem qualquer dificuldade de mais que nos ocupe, que a Relação, dentro dos seus poderes jurisdicionais, qualificou de forma diferente o contrato aqui em causa.

Mas, sendo certo que assim podia actuar, sem cometer qualquer nulidade, maxime, a ora alegada, será que não errou o seu julgamento, aplicando o direito, na interpretação do negócio, de forma indevida?

Essa é outra questão da qual, embora colocada a coberto da nulidade, iremos conhecer.

A qualificação feita pelas partes em relação a um alegado negócio, não sendo decisiva, deve, no entanto, relevar, enquanto um dos elementos a ter em conta na fixação do conteúdo dos contratos, e, por consequência, na sua qualificação jurídica pelo julgador.

Sendo certo que a qualificação dos contratos depende essencialmente do seu conteúdo, mais importando as estipulações das partes do que a designação que estas lhe atribuem[11]

A Relação, face à matéria de facto apurada e às considerações que disponibilizou no seu recorrido acórdão, entendeu que, mau grado ter ficado provado que, no exercício de 2005, foram inscritos na contabilidade da ré sociedade “suprimentos” no valor de € 1 056 928,31, em nome do entretanto falecido DD, e assente também que está que o referido DD, com o seu dinheiro, efectuou empréstimos à dita sociedade, no aludido montante, estamos perante um contrato de mútuo mercantil e não perante um contrato de suprimento.

Tendo, ainda, ficado provado que o falecido DD concedeu à ré sociedade empréstimos diversos, sem prazo, que, em 2005, ascendiam ao total de € 1 056 928,31[12].

Com efeito, a disciplina do contrato de suprimento que os autores sustentam existir encontra-se regulada nos arts 243.º a 245.º do CSC para a sociedade por quotas, verificando-se o mesmo, no que ora importa, “quando o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”, desde que o respectivo crédito fique tendo carácter de permanência (art. 243.º, nº 1 do CSC).

Constituindo índices do carácter de permanência a estipulação de prazo de reembolso superior a um ano (art. citado, no seu nº 2) ou a não utilização da faculdade de reembolso pelo prazo de um ano (ainda o mesmo preceito, no seu nº 3).

Sendo o suprimento, no fundo, no que ora também interessa, um financiamento sob a forma de empréstimo com características e regime jurídico próprios, estabelecido por período superior a um ano ou em que a faculdade de reembolso tenha durado um ano[13].

Tratando-se de um contrato nominado e típico, que, embora com larga tradição na praxis societária, teve, como tal, a sua primeira consagração legal no Código das Sociedades Comerciais, não se confundindo, mesmo na modalidade de empréstimo, com o mútuo.

Sendo-lhe essencial, para a sua qualificação como suprimentos, o carácter de permanência dos créditos.

Explicando-se esta nota caracterizadora pela função que aos suprimentos vem sendo reconhecida: a de suprirem deficiências do capital social, de substituírem novas entradas de capital.

Contendo os nºs 2 e 3 do citado art. 243.º índices ou presunções legais (ilidíveis) de permanência (cfr. segunda parte do nº 4 do mesmo art. 243.º)

Não dependendo o contrato de suprimento de qualquer forma especial (citado art. 243º, nº 6)[14].

Podendo ser celebrado, salvo convenção em contrário, sem necessidade de prévia deliberação dos sócios – art. 244.º, nº 3 do CSC.

Na realidade, conhecida que é a subcapitalização das sociedades por quotas, tantas vezes fundadas com um pequeno capital, por vezes o mínimo legal, sem qualquer correspondência com o necessário para a realização do objecto social[15], rapidamente coube papel relevante aos chamados suprimentos dos sócios, entre outros mecanismos aptos a permitirem o desenvolvimento social.

E, assim, fundada a sociedade com as contribuições dos sócios, que ficam sujeitas ao regime jurídico do capital, entendem os sócios ser menor o seu risco se outras contribuições futuras vierem a regular-se pelo regime geral dos débitos sociais, subsistindo na mesma pessoa a qualidade de sócio e a de credor social.

Sendo o regime preceituado nos citados arts 243.º a 245.º[16] imperativo, qualificando o contrato de suprimento automaticamente, desde que se constituam de facto os respectivos elementos.

Não sendo necessário para haver contrato de suprimento que a sociedade se encontre numa situação de crise, podendo o financiamento por via de tal empréstimo, ter em vista o desenvolvimento ou a expansão da actividade social.

    Existindo o contrato de suprimento no momento em que as partes nele intervenientes tenham criado todos os elementos que o compõem: empréstimo (ou convenção de diferimento) com carácter de permanência do crédito.

Sendo certo que os prazos de um ano referidos no citado art. 243.º, nos seus nºs 2 e 3, como elementos dos índices de permanência, não significam que o contrato de suprimento só exista no final de tais prazos, mas sim que, desde o início, o contrato era já de suprimento.

Consistindo o falado índice de permanência criado pelo nº 2 do art. 243.º, na estipulação de um prazo de reembolso superior a um ano.

Sendo tal estipulação – a do nº 2 – sempre expressa.

Já no nº 3 do mesmo art. 243.º se considera índice do carácter de permanência a não utilização da faculdade de exigir o reembolso devido pela sociedade durante um ano, contado da constituição do crédito, quer não tenha sido estipulado prazo, quer tenha sido convencionado prazo inferior.

Baseando-se, também aqui, a permanência na duração do crédito, atendo-se agora o preceito a uma duração de facto e não a uma duração estipulada.

Contando-se o prazo de um ano, que constitui o falado índice de permanência, desde a constituição do crédito e não do seu vencimento[17].

Ora, provado ficou, a respeito, e sem possibilidade de censura por este Supremo, como atrás dito, que o falecido DD concedeu á ré sociedade empréstimos diversos, sem prazo, que em 2005, ascendiam a um total de € 1 056 928,21 e que, no exercício de 2005, foram inscritos na contabilidade da mesma sociedade, suprimentos no dito valor[18], em nome do referido DD.

Sendo certo que os próprios autores, na sua p. i., alegam terem sido concedidos pelo falecido DD à ré suprimentos/empréstimos diversos naquele aludido montante.

Dizendo-nos que o sócio fez aqueles suprimentos à sociedade ré (art. 9.º) e que tais créditos figuram na conta de suprimentos (art. 52.º).

Importando, assim, saber, desde logo, se tais declarações não são contraditórias com a verdadeira natureza e condições de reembolso estipuladas.

Pois, o que temos como seguro é que aqueles financiamentos foram pelo falecido sócio concedidos à ré sociedade, sem prazo, e, ao que tudo leva a crer, em 2005.

Sendo certo que, face às considerações atrás feitas, o falado índice de permanência criado pelo nº 2 do art. 243.º, na estipulação de um prazo de reembolso superior a um ano, deve ser feito de forma expressa.

Que aqui não ocorreu, desconhecendo-se, assim, mesmo por via presuntiva, se tal falta de prazo equivalia a prazo inferior ou superior a um ano.

Restando saber se se pode dar por verificado o outro índice do carácter de permanência, estipulado no nº 3 do art. 243.º, que aqui pode relevar, ou seja, a não utilização da faculdade de exigir o reembolso devido pela sociedade durante um ano contado da constituição do crédito.

Ora, se é certo que os autores alegam, no art. 13.º, cuja matéria não foi levada à base instrutória, apesar de controvertida (arts 17.º e 18.º da contestação e art. 511.º, nº 1 do CPC), terem solicitado o reembolso dos aludidos suprimentos logo após o falecimento do DD, que ocorreu em 26/1/2006, a verdade é que desconhecemos qual a data exacta dos aludidos financiamentos, pelo que, mesmo que o reembolso em questão tivesse sido pedido no dia 27 seguinte – o que, dado o carácter vago da aludida alegação, é difícil de precisar – sempre ficávamos sem saber se foi respeitado aquele prazo de um ano, contado da constituição do crédito, para a não utilização da faculdade de exigir o reembolso, necessário para a qualificação do contrato como suprimento. 

Não se podendo, assim, qualificar tais financiamentos como de verdadeiros suprimentos, como tal se qualificando o respectivo contrato[19].

Mas, será que tais financiamentos se devem antes enquadrar numa doação, como pretendem as recorrentes.

Os autos não nos fornecem qualquer dado nesse sentido – cfr. art. 940.º do CC.

Antes pelo contrário.

Pois, sempre se falando também em empréstimos, não ficou demonstrado, por qualquer forma, o móbil primário de tal contrato, que é o espírito de liberalidade, o animus donandi, o intuito de fazer uma liberalidade, assim se enriquecendo o donatário por vontade do doador.

Tratar-se-á, então, como diz a Relação, e pelas razões que melhor expõe, de um empréstimo mercantil, porque destinado a actos comerciais[20] –art. 394.º do CComercial?

O qual, seja qual for o seu valor, admite toda a espécie de prova – art. 396.º seguinte?

Não podemos sustentar, com toda certeza, tal conclusão.

Pois, a verdade é que provado não ficou, ao contrário do defendido pela Relação, a que foram destinados os financiamentos efectuados pelo falecido DD, sócio gerente da ré sociedade.

Na verdade, da resposta dada ao quesito 3.º não se pode retirar, com segurança, que as quantias saídas das contas bancárias do DD, aí aludidas, sejam aquelas que comprovadamente ficaram como fazendo parte dos empréstimos por ele concedidos.

E, assim, em bom rigor, desconhece-se se as quantias cedidas se destinaram a qualquer acto mercantil – citado art. 394º.

Mas, mesmo que se possa dar como assente que o empréstimo em questão se destinou à aquisição dos lotes para construção, e assim, a operação mercantil – e é bem provável que assim tenha sucedido - porque não comprovada a qualidade de comerciante dos respectivos intervenientes, ou seja, a do sócio DD, já que sobre a da sociedade comercial dúvidas não restarão (art. 13.º, nº 2 do CComercial), tem o empréstimo em causa que ser provado por escrito (art. 396.º do CComercial, a contrario e arts 1143º do CC e 3.º do mesmo CComercial).

Pois que a qualidade de sócio, mesmo a de gerente – e nem se pode afirmar que o empréstimo foi pelo DD concedido à sociedade nesta última qualidade – não confere ao seu titular a natureza de comerciante, já que a sociedade – ela, sim, comerciante – tem natureza jurídica diferente da daquele[21]/[22].

Sendo os actos do gerente, em si mesmos, imputados à sociedade[23].

E, assim, na falta de forma, é o ora questionado mútuo, seja civil, seja mercantil, nulo.

Obrigando tal nulidade o mutuário a restituir tudo o que recebeu – arts 220.º e 289.º, nº 1 do CC.

Pelo que deve a ré sociedade restituir a quantia global de € 1 056 928,21, mas apenas na proporção das quotas dos AA (16% para cada um deles), únicos que na acção têm legitimidade para o respectivo reembolso.

Abrangendo tal restituição os juros de mora civis (cfr. art. 102.º (proémio), a contrario), à taxa legal, desde a citação.

Determinando o art. 289.º já citado, no seu nº 3, no que aqui interessa, que é aplicável, no caso de declaração de nulidade, directamente ou por analogia, o disposto nos arts 1269.º e ss do mesmo diploma legal.

O art. 1270º refere-se aos juros percebidos pelo possuidor de boa fé, que os faz seus até ao dia em que sabe que está a lesar os direitos de outrem. O art. 1271.º seguinte trata dos frutos na posse de má fé.

Os juros são frutos civis[24], tendo a ré, a partir da citação, ficado a conhecer a pretensão dos autores, pelo que, a partir dessa data, pertencem os mesmos a estes (arts 267.º, nº 2 e 481.º, al. a) do CPC)[25].

                Por fim, a terceira questão: a da nulidade do acórdão recorrido (art. 668.º, nº 1, al. e) do CPC) na parte em que condenou a ré sociedade no pagamento de juros comerciais, que não foram peticionados.

Esta questão está, desde logo, prejudicada pela solução dada antes à questão dos juros devidos. Que são os civis e não os comerciais.

II – Revista subordinada dos autores:

Sendo a questão aqui colocada a da indevida conduta da ré CC, ao depositar a quantia de € 190 000,00, que recebeu em cheque emitido em nome da sociedade, numa conta bancária própria.

Pretendem agora os recorrentes censurar o acórdão recorrido pelo facto de não ter condenado a ré CC “ao pagamento solidário do montante em dívida com a ré Sociedade de Construções L...,A... & C..., Lda, pelo menos até à quantia de € 190 000,00”.

Pois, dizem os mesmos a respeito, nas conclusões da sua alegação (e nesta) que, como é sabido delimitam o objecto do recurso:

Provado ficou que a ré recebeu a quantia de e 190 000,00, em cheque emitido à ordem da sociedade, que depositou em conta bancária própria (alínea H) e resposta dada ao quesito 11.º).

Tendo, com tal depósito de quantia pertencente à sociedade, em conta própria, violado, desde logo, como gerente, o encargo de entregar o que recebeu em execução de mandato ou no seu exercício.

Ora, dir-se-á, desde já:

Na sua p. i., na respectiva conclusão, após exporem os factos e as razões de direito, formularam os autores o seu pedido (art. 467, nº 1, al. e) do CPC), assim definindo a forma de tutela jurídica para a situação jurídica alegada[26].

Fazendo-o pela seguinte forma:

a) Pedem a condenação de ambas as rés a reconhecerem o falecido DD como titular dos créditos e depósitos saídos das suas contas bancárias, do BES, MILLENIUM BCP, CAIXA GALICIA e BANCO SANTANDER usados para pagamentos de despesas da responsabilidade da sociedade ré, no montante de € 1 056 928,31, bem como condenação solidária de ambos a pagarem os suprimentos concedidos à ré no mesmo montante;

b) Pedem também a condenação da ré CC do Céu a reconhecer o falecido DD como titular único do saldo existente no BES, na conta DO 002.0000868000.13 no montante de cento e trinta e seis mil e oito euros e vinte e um cêntimos (136 068,21 €) e a restituir à herança a quantia de oitenta e dois mil setecentos e setenta e três euros e setenta cêntimos (52 773,70 + 30 000,00 € = 82 773,70 €) de que se apropriou e movimentou.

c) com juros à taxa legal desde a citação.

E, assim não se entendendo,

Pedem a condenação das rés a pagarem aos AA, na proporção das suas quotas (16% + 16%) a quantia (338, 217,50 + 24 487,56 €) de 362 704,63 € (art. 534.º do CC), com juros à taxa legal desde a citação.

Ora, bom é de ver que o peticionado não abarca a condenação da ré no pagamento da quantia de € 190 000,00, que recebeu em cheque emitido à ordem da sociedade e que indevidamente, ao arrepio das suas obrigações funcionais, depositou em conta bancária própria, ao invés de o fazer na conta da sociedade.

E, como é bem sabido, o princípio do dispositivo, não obstante as vicissitudes porque tem passado nas sucessivas reformas processuais, ainda continua básico na nossa processualística civil, tendo como reverso da medalha o princípio da auto-responsabilização das partes[27].

Sendo certo que, segundo o mesmo, e no aqui importa, incumbe às partes não só pedir a resolução do conflito, enunciando-o e elegendo o meio concreto de tutela que pretendem perante a alegada violação do direito, carreando os factos e as provas que julguem adequados e formulando os pedidos correspondentes[28].

Tendo o pedido, para ser conhecido – e para não se proferir condenação que ultrapasse os limites pela parte impostos (art. 661.º do CPC) – que ser formulado na conclusão da petição, não bastando que apareça acidentalmente referido na parte narrativa[29], dizendo o autor, no final do seu arrazoado, com precisão, o que pretende do Tribunal, ou seja, qual o efeito jurídico que quer obter com a acção[30].

E, assim, o pedido do autor, conformando o objecto do processo – o pedido é o objecto do processo, determinando, por isso, o conteúdo da decisão – condiciona o conteúdo da decisão de mérito, não podendo o juiz, como já aflorado atrás, condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir (citado art. 661º, nº 1)[31].

Por tudo isto, crê-se que sem necessidade de mais, não tendo os autores, na sua petição inicial, solicitado o efeito jurídico que agora trazem expressamente à liça, não pode tal questão fazer parte do objecto do recurso ora em causa.

Pelo que improcede esta sua pretensão.

Face a todo o exposto, acorda-se neste Supremo Tribunal de Justiça em:

a) se conceder em parte a revista das rés, e na revogação do acórdão recorrido no que a este respeito concerne, condena-se a ré sociedade a restituir a quantia global de € 1 056 928,21, mas apenas na proporção das quotas dos AA (16% para cada um deles), únicos que na acção têm legitimidade para o respectivo reembolso. Com juros civis, à taxa legal, contados desde a citação. No mais se mantendo a decisão recorrida.

Custas por rés e autores, na proporção dos respectivos decaimentos

c) se negar a revista dos autores.

Custas pelos autores.

Supremo Tribunal de Justiça, 13 de Outubro de 2011


Serra Baptista (Relator)
João Bernardo
Álvaro Rodrigues

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[1] Tendo a ré CC pedido a aclaração do acórdão para ver o esclarecido o alcance da sua “absolvição no demais”, veio a Relação, por acórdão de fls 567 a 570, indeferir o mesmo, por ser bom de ver que a ré era absolvida quanto ao pagamento à herança da quantia de € 1 056 928,21, que a ré sociedade foi condenada a pagar.
[2] Elencamos aqui mais uma conclusão das recorrentes, já que nas suas extensas conclusões aparece repetido o nº 24 (cfr. fls 625).
[3] Resposta alterada pelo Tribunal da Relação.
[4] Resposta alterada pelo Tribunal da Relação.
[5] Resposta alterada pelo Tribunal da Relação.
[6] Mas o acórdão mais não é do que a decisão do tribunal colegial – art. 156.º, nº 3 do mesmo CPC.
[7] Cfr. art. 660.º, nº 2, parte final, ainda do CPC.
[8] Lebre de Freitas e outros, CPC Anotado, vol. 2.º, p. 670 e 671.
[9] A. Varela, Manual de Processo Civil, p. 232 e ss.
[10] Ac. do STJ de 5/2/82, Bol. 364, p. 819.
[11] Rui Pinto Duarte, Tipicidade e Atipicidade dos Contratos, p. 65.
[12] No quesito 2.º levado à base instrutória perguntava-se se “O falecido CCconcedeu à ré Sociedade de Construções L...,A...& C..., Lda empréstimos diversos, sem prazo, que, em 2005, ascendiam no total a € 1 056 928,31”. Tendo tido a resposta de provado.
[13] Pinto Furtado, Curso do Direito das Sociedades, p. 219 e 220.
[14] Nem sendo necessário a lei dizê-lo, impondo-se, no seu silêncio, o princípio da liberdade de forma – cfr.  art. 219.º do CC.
[15] Veja-se, in casu, a sociedade de construções em apreço, com o capital social de € 5 000, tendo por objecto a compra e venda de terrenos para construção, construções de imóveis para venda e compra de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim (certidão da CRC de Lisboa, a fls 25 a 28.
[16] Sendo certo que tais preceitos, que se ocupam do contrato de suprimento, não esgotam a sua regulamentação legal, pressupondo antes que os mesmos sejam completados pelas normas aplicáveis aos negócios que parcialmente aquele contrato integram, desde que não contrariados por tal regulamentação específica.
[17] Raul Ventura, Sociedade por Quotas, vol. II, p. 73 a 126, que, agora, temos vindo a seguir de perto.
[18] No balancete junto aos autos, que serviu de base à resposta dada ao quesito 14.º,reportado ao ano de 2005, consta a quantia de € 1 056 953,22 como proveniente de empréstimos e do sr. DD (credores diversos).
[19] Ou contratos, pois parece ter havido mais do que um financiamento.
[20] Destinado à compra dos cinco lotes de terreno para construção.
[21] Podendo afirmar-se ser comerciante a pessoa que exerce pessoalmente e a título profissional o comércio ou em cujo nome ele é exercido – Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, vol. I, p. 92.
[22] António Pereira de Almeida, Direito Comercial, p. 263.
[23] Brito Correia, Direito Comercial, I Vol. p. 198.
[24] Correia das Neves, Manual dos Juros, p. 18 e 19.
[25] Acs do STJ de 1/10/96 (Aragão Seia), revista nº 115/96-1ª secção, de 15/10/98 (Pinto Monteiro), CJ S. Ano VI; T. 3, p. 66, de 27/5/99 (Simões Freire), Pº 347/99 e de 15/6/99 (Fernandes Magalhães), Pº 480/99, de 15/5/2007 (Faria Antunes), revista nº 980/07-1ª secção, de 4/12/2007 (Alberto Sobrinho), revista nº 3949/07- 7ª secção, de 9/11/2010 (Mário Cruz), revista  nº 1784/06.8TBVCD.P1.S1-1ª secção e de 8/2/2011 (Moreira Camilo), revista nº 677/05.0TBAGD.C1.S1-1ª secção
[26] Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, p. 270.
[27] Manuel de Andrade, Noções Elementares de processo Civil, p. 378.
[28] Pereira Batista, Reforma do Processo Civil, Princípios Fundamentais, p. 16.
[29] Ac. do STJ de 6/10/2011 (João Bernardo), Pº 2542/06.5TVLSB.L1.S1
[30] A. Varela, ob. cit., p. 234.
[31] Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. 2.º, p. 223 e Introdução ao Processo Civil á Luz do Código Revisto, p. 45 e 46.