Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
321/11.7PBSCR.L1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: HOMICÍDIO QUALIFICADO
SEQUESTRO
EXTORSÃO
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DUPLO GRAU DE RECURSO
NULIDADE
REPETIÇÃO DA MOTIVAÇÃO
CO-AUTORIA
ESPECIAL CENSURABILIDADE
ESPECIAL PERVERSIDADE
TORTURA
CRUELDADE
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA PARCELAR
ILICITUDE
DOLO
CULPA
TOXICODEPENDÊNCIA
ANTECEDENTES CRIMINAIS
IDADE
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PENA ÚNICA
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
Data do Acordão: 03/21/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO EM PARTE E PROVIDO PARCIALMENTE
Área Temática:
DIREITO PENAL - FACTO / FORMAS DO CRIME - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES - CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A VIDA / CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL - CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO - CRIMES CONTRA A INTEGRIDADE PESSOAL.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO - SUJEITOS DO PROCESSO / ARGUIDO - PROVA - MEDIDAS DE COACÇÃO - JULGAMENTO / AUDIÊNCIA - RECURSOS.
Doutrina:

- ALBERTO DOS REIS, RLJ, Ano 86.º, págs. 49-53 e 84-87.
- CESARE BECARIA, Dos delitos e das Penas, tradução de JOSÉ DE FARIA COSTA, Serviço de Educação, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 38.
- EDUARDO CORREIA, Para Uma Nova Justiça Penal, Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, Livraria Almedina, Coimbra, p. 16.
- FERNANDO SILVA, Direito Penal, Crimes contra as Pessoas, Quid Iuris, 2005, p. 73.
- FIGUEIREDO DIAS, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, pp. 26, 27, 31, 32; Direito Penal Português -As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, §55, § 278, p. 211; Direito Penal – Questões fundamentais – A doutrina geral do crime- Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, pp. 84, 117, 118, 121; Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 109 e ss..
- PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia e da Convenção dos Direitos do Homem, 2008, Lisboa: Universidade Católica Editora, (…) pp. 350 e 408 e 409.
- TERESA QUINTELA DE BRITO, Direito Penal – Parte Especial: Lições, Estudo e Casos, p. 191.
- TERESA SERRA, Homicídio Qualificado. Tipo de Culpa e Medida da Pena, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 124, 126 e 127.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 5.º, N.ºS 1 E 2, 61.º, N.º 1, 127.º, 197.º, N.º 5, 355.º, N.º1, 374.º, 379.º, N.º 1, 400º Nº 1 AL. F), 410.º, N.ºS 1, 2 E 3, 412.º, N.º1, 414.º, N.ºS 2 E 3, 420.º, N.º1, 427.º, 428.º, 432º, 433.º, 434.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 22.º, 23.º, 26.º, 40.º, N.ºS 1 E 2, 71.º, 77.º, 131.º, 132.º, N.º1 E 2, ALS. D), E), H) E J), 158.º, N.º 1, 223.º, N.º 1, 243.º, N.º4, 244.º, N.º 1, ALS. B) E C).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 18.º, N.º2, 32.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 17-12-1969, IN BMJ 192, P 192;
-DE 10-12-1986, IN BMJ 362, P. 474;
-DE 13-02-1991, IN AJ, NºS 15/16, 7;
-DE 01-04-1998, IN CJ. - AC. STJ - ANO VI - TOMO 2- FLS. 175;
-DE 13-11-2002, SASTJ, Nº 65, 60;
-DE 12-05-2005, PROC. N.º 1439/05 - 5.ª SECÇÃO;
-DE 07-07-2005, PROC. N.º 1670/05 - 5.ª SECÇÃO;
-DE 8-11-2006, PROC. N. 3102/06- 3ª SECÇÃO;
-DE 08-11-2006, PROC. N.º 3113/06 – 3.ª SECÇÃO;
-DE 09-11-2006, PROC. N. 4056/06 – 5ª SECÇÃO;
-DE 15-11-2006, PROC. N.º 2555/06- 3ª SECÇÃO;
-DE 15-11-2006, PROC. N.º 3135/06 - 3.ª SECÇÃO;
-DE 22-11-2006, PROC. N.º 4084/06 - 3.ª SECÇÃO;
-DE 14-06-2007, PROC. N.º 1387/07 – 5ª SECÇÃO;
-DE 7-11-2007, PROC. Nº 3990/07 - 3ª SECÇÃO;
-DE 22-11-2007, PROC. Nº 3876/07;
-DE 15-05-2008, PROC. N.º 3979/07 - 5.ª SECÇÃO;
-DE 29-05-2008, PROC. Nº 1313 - 5ª SECÇÃO;
-DE 05-06-2008, PROC. Nº 1151;
-DE 19-06-2008, PROC. N.º 2043/08 - 5.ª SECÇÃO.
Sumário :

I - O STJ funciona como tribunal de revista (art. 434.º do CPP). As questões suscitadas pelo recorrente relativamente à sua discordância em relação à forma como o tribunal de 1.ª instância decidiu a matéria de facto, constituem matéria especificamente questionada, integrando-se em objecto de recurso em matéria de facto, estranha aos poderes de cognição do STJ.
II - Inexiste um duplo grau de recurso em matéria de facto. O tribunal normalmente competente para conhecer do recurso em matéria de facto é, por via de regra, o Tribunal da Relação – art. 428.º do CPP.
III - No caso dos autos, o acórdão da Relação fez uma análise fundamentada de harmonia com os seus poderes de cognição, ficando seguro de um juízo de convicção, e explicitando, como tribunal de recurso, as razões por que acolheu a decisão da 1.ª instância. Ou seja, no caso, não se verifica – nem isso decorre da fundamentação de facto que sustenta a prova efectuada – qualquer ausência de certeza do tribunal sobre a factualidade que foi imputada aos arguidos. Nem se suscita com evidência qualquer dúvida probatória sobre os factos e a fundamentação realizada pelo tribunal a quo.
IV - Não se prefigura, por isso qualquer nulidade, por omissão ou excesso de pronúncia de que cumpra conhecer nos termos dos arts. 410.º, n.º 3, e 379.º, n.º 1, do CPP, sendo que a decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada, obedecendo ao disposto nos arts. 97.º, n.º 5, e 374.º, do CPP, nem se prefigura qualquer ofensa constitucional, nomeadamente ao disposto no art. 32.º, n.º 2, da CRP.
V -Se nos afastarmos de uma perspectiva um tanto redutora ou restritiva, de ordem processual formal, poderá dizer-se que embora o recorrente reedite no recurso para o STJ as mesmas conclusões apresentadas no recurso interposto para a Relação – e, por isso, as questões ventiladas no recurso são as mesmas, embora não aduza discordância especifica relativamente ao acórdão da Relação, não explicitando razões jurídicas novas perante o acórdão da Relação, que infirmem os fundamentos apresentados pela Relação no conhecimento e decisão das mesmas questões –, não significa, contudo, que fique excluída a apreciação dessas mesmas questões, mas agora relativamente à dimensão constante do acórdão recorrido, o acórdão da Relação, no que for legalmente possível em reexame da matéria de direito perante o objecto do recurso interposto para o STJ, pois que o recurso enquanto remédio, é expediente legal para correcção da decisão recorrida (não seu mero aperfeiçoamento), como meio de impugnar e contrariar a mesma. Porém, sem prejuízo de, se nada houver de novo a acrescentar relativamente aos fundamentos já aduzidos pela Relação na fundamentação utilizada para o julgamento dessas mesmas questões, e que justifique a alteração das mesmas, é de concluir por manifesta improcedência do recurso, pois que caso concorde com a fundamentação da Relação, não incumbe ao STJ que justifique essa fundamentação com nova argumentação.
VI - O arguido foi condenado pelo crime p. p. nos arts. 131.º e 132.º, n.º 2, als. d), e), h) e j), do CP, e, por isso, na forma qualificada.
VII - Da situação comprovada nos autos retira-se como líquido que todos os três arguidos actuaram como co-autores, nos termos do vertido no art. 26.º do CP. Tomando como elementos da co-autoria, aqui presentes, a decisão e a execução conjunta dos factos. A decisão conjunta é que confere unidade à co-autoria. A esta decisão conjunta acresce o exercício conjunto do domínio do facto. Tal como expressa o acórdão recorrido, apurou-se por parte de todos os arguidos uma incondicional vontade de realização dos crimes em análise e um domínio funcional dos factos mantido pelos três em conjunto. De modo que é possível dizer que cada um deu um contributo indispensável para a realização dos eventos intentados.
VIII - No que respeita ao homicídio qualificado, sabe-se que a lesão da vida é elemento integrante do tipo incriminador do art. 131.º do CP – homicídio simples – que prevê, como acontece com a esmagadora maioria dos tipos consagrados na parte especial do CP, o crime na sua forma consumada. Sendo os actos de execução praticados produzidos em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o homicídio é qualificado, de acordo com o disposto no art. 132.º, n.º 1, do CP.
IX - A situação padronizada contida na al. d) do n.º 2 do art. 132.º do CP traduz-se no agente empregar tortura ou acto de crueldade para aumentar o sofrimento da vítima. A utilização dos meios descritos, com a sua qualidade intrínseca, que são típicos para a provocação da dor nos actos cruéis e de tortura, é particularmente gravosa para os bens pessoais aqui defendidos. Inclui-se no catálogo dos actos que são considerados tortura, tratamento cruel, degradante ou desumano, o emprego de meios naturais ou artificiais (cf. art. 244.º, n.º 1, al. b), do CP).
X - Nos autos resultou demonstrado, além do mais, o seguinte:
- os três arguidos, nos sucessivos telefonemas que fizeram ao pai da vítima, disseram-lhe que tinham consigo o seu filho RV, exigindo-lhe € 2000 para resolver o assunto que tinham com ele;
- ao assim actuarem os arguidos agiram de forma livre, consciente e deliberada, com o propósito de constranger o JV a entregar-lhes € 2000, que sabiam não lhes pertencerem, ameaçando contra a vida do seu filho, RV;
- quando a PSP chegou ao local, do lado de fora da residência do arguido JJ, ouviam-se vozes e gemidos pelo facto dos arguidos estarem a agredir o RV enquanto lhe gritavam “Vais dar o dinheiro ou vou-te matar” e “Vais morrer”;
- não obstante o choro, gritos e gemidos de RV, os arguidos mantiveram e intensificaram as suas agressões, em diversas partes do corpo do ofendido como cabeça, pescoço, tórax, região dorso-lombar, membros superiores e membros inferiores, até o ofendido morrer;
- ao constatarem que o ofendido já não reagia, o arguido MA declarou: “Está morto, senão tinha reagido ao mijo”, pois tinham molhado a vítima com a urina do arguido MA;
- os três arguidos, agiram em comunhão de esforços e de intenções, mantiveram o RV, contra a sua vontade, entre o final do dia 21-05-2011 até ao momento da sua morte, que ocorreu antes das 00.30h do dia 23-05-2011 (altura em que os arguidos foram detidos);
- os arguidos, ao agredirem o RV, sabiam que as suas condutas eram idóneas a provocar a morte deste; agiram de forma concertada, livre, voluntária e consciente, com o propósito de tirar a vida ao RV, concretizando assim o que haviam ameaçado;
- ao manterem o ofendido RV, contra a sua vontade, no apartamento onde residia o arguido JJ, os arguidos agiram com o propósito de coarctar a liberdade de movimentos do ofendido, confinando-o àquele espaço contra a sua vontade, torturando-o com as agressões supra descritas, com o propósito de lhe tirar a vida;
- os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;
- quando as autoridades policiais entraram na residência do arguido JJ, encontraram a vítima deitada no chão da sala já morta e os arguidos nos quartos, deitados nas respectivas camas;
- em consequência das agressões perpetradas pelos arguidos, o RV sofreu, as seguintes lesões:
Na cabeça: inúmeras equimoses avermelhadas dispersas; diversas pequenas escoriações lineares dispersas; ferida perfurante com 0,5 cm na hemiface direita; extensas infiltrações sanguíneas do tegumento piloso e perióteo dispersas (partes moles); lâmina de hemorragia subdural, fronto parietal esquerda (meninges); hemorragias subaracnoideias, dispersas bilaterais e presença de sangue nos ventrículos laterais (encéfalo); extensas hemorragias conjuntivais bilaterais (cavidades orbitarias e globos oculares); equimoses avermelhadas e ferida contusa na face interna do lábio inferior (cavidade bucal e língua);
No pescoço: escoriação com 4 cm na face lateral esquerda; fracturas com infiltração sanguínea dos cornos do hioíde (osso hioíde);
No tórax: inúmeras equimoses avermelhadas dispersas na face anterior; múltiplas infiltrações sanguíneas dispersas (paredes); fractura ao nível do 4.º espaço com infiltração sanguínea (esterno); fracturas múltiplas de todos os arcos costais com infiltração sanguínea (costelas e clavículas); infiltração sanguínea com 3 cm x 2 cm na ponte (coração);
Na coluna vertebral e medula: equimose azulada, ténue com 6 cm x 3 cm na região dorsal esquerda;
Nos membros inferiores: diversas equimoses avermelhadas dispersas;
- as lesões meningo encefálicas, causadas pelas agressões perpetradas pelos três arguidos, foram causa directa e necessária da morte do RV.
XI -No caso sub judice, a conduta dos arguidos, entre os quais o recorrente, é, pois, merecedora de especial censurabilidade e perversidade, por revelar um acentuado desvalor de atitude na acção empreendida, e no modo de a concretizar, em que a forma de realização do facto se apresenta especialmente desvaliosa, e em que, por outro lado, as qualidades da personalidade dos agentes documentadas no facto são também especialmente desvaliosas.
XII - Todos os arguidos, entre eles o recorrente, agiram conjuntamente na execução do facto que em comum decidiram praticar, inexistindo vontade predominante e determinante de um na decisão em relação aos demais, não resultando, por isso, dos factos, que algum ou alguns, nomeadamente o ora recorrente, prestassem auxílio material ou moral à pratica do facto doloso decidido por outrem. O crime de homicídio procede, pois, na forma qualificada, constante da condenação havida, em forma de co-autoria – art. 26.º do CP.
XIII - No que se refere à medida concreta da pena há a ponderar:
- o grau de i1icitude do facto: é elevado, pois que a violação do direito à vida é o bem primeiro, o mais elevado da tutela jurídica;
- o modo de execução: através de murros e pontapés e utilização de um martelo, em actuação conjunta com mais dois arguidos;
- a gravidade das consequências: atinentes à quantidade, natureza e características das lesões produzidas, mormente as que directa e necessariamente produziram a morte;
- a intensidade do dolo que é directo;
- os fins ou motivos determinantes: represália pela não obtenção de quantia em dinheiro que os três arguidos tentaram extorquir, conforme várias conversações telefónicas tidas com o pai da vítima;
- os sentimentos manifestados no cometimento do crime: indiferença ostensiva pela vida humana, e requintes de malvadez, pois que avisaram a vítima de que o iam matar, que ia morrer, e continuaram a intensificar a agressão até conseguirem o resultado letal, e convencendo-se de que a morte tinha sido consumada quando constataram que o ofendido já não reagia, dizendo o arguido ora recorrente: “Está morto, senão tinha reagido ao mijo”, pois tinham molhado a vítima coma urina do arguido MA;
- a condição pessoal e económica: o arguido MA nasceu em 26-04-86, tendo actualmente 26 anos (25 anos à data dos factos); na infância e na adolescência dedicou-se a actividades desportivas, nomeadamente a vela; abandonou o sistema de ensino no 9.º ano para trabalhar e adquirir alguns bens que os pais não podiam proporcionar-lhe; trabalhou na construção civil e na hotelaria, tendo feito descontos para a segurança social e recebido subsídio de desemprego; revela coesão familiar e estabelece ligações de afecto com os pais e a irmã, com quem reside; na mesma morada residem o cunhado e sobrinhos; é visto no meio envolvente como um indivíduo ordeiro;
- a conduta anterior e posterior ao facto: à data dos factos revelava hábitos de consumo de tóxicos e um quotidiano desestruturado, sem rotinas, determinado pelos consumos de tóxicos e pela companhia dos co-arguidos; na altura dos factos consumiu heroína e bebidas alcoólicas; já foi condenado numa pena de multa pela prática de um crime de condução sem carta.
XIV - Tendo ainda em conta as prementes exigências de prevenção geral que são especialmente acutilantes, face à necessidade de defesa do ordenamento jurídico na reposição contrafáctica da norma violada, em crimes contra a vida, bem como as normais exigências de prevenção especial, na socialização do arguido, com 25 anos de idade à data da prática dos factos, atenta ainda a pluralidade de crimes praticados, e a forte intensidade da culpa, limite da pena, e os limites punitivos integrantes do crime de homicídio qualificado, que se situam entre 12 a 25 anos de prisão, nos termos do art. 132.º, n.º 1 do CP, conclui-se que a pena aplicada ao arguido MA, de 21 anos de prisão pelo crime de homicídio qualificado revela-se desproporcional, entendendo-se por justa a pena de 17 anos de prisão.
XV - Consequentemente e operando o cúmulo com as demais penas parcelares de 2 anos de prisão (pela prática do crime de sequestro) e de 1 ano e 6 meses de prisão (pela prática de um crime de extorsão, na forma tentada), ponderando em conjunto os factos e personalidade do arguido MA, nos termos do art. 77.º do CP, valorando o ilícito global perpetrado, consubstanciado na conexão interligada dos crimes praticados, que não resultaram de propensão ou carreira criminosa mas da ocasionalidade na sua prática, a natureza e gravidade dos crimes, as características da personalidade influenciada pelo álcool e por produtos estupefacientes, pois que à data dos factos revelava hábitos de consumo de tóxicos (heroína e bebidas alcoólicas), e um quotidiano desestruturado, sem rotinas, determinado pelos consumos de tóxicos e pela companhia dos co-arguidos, o efeito previsível da pena no comportamento futuro do arguido, e que a pena única se situa, assim, entre 17 e 20 anos e 6 meses de prisão, entende-se por adequada a pena única de 18 anos de prisão (em substituição da de 23 anos de prisão aplicada na 1.ª instância e confirmada pela Relação).




Decisão Texto Integral:


      Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


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Nos autos de processo comum com o nº 321/1.7PBSCR, foram os arguidos, AA, BB e CC, id. nos autos, submetidos a julgamento pelo tribunal colectivo do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Santa Cruz, no Círculo Judicial do Funchal, sendo por acórdão de 13 de Julho de 2012, condenados em concurso efectivo, pela prática, em co-autoria, de um crime de sequestro, p. e p. pelo Art.º 158.º, n.º 1, do Código Penal, de um crime de extorsão na forma tentada, p. e p. pelos Art.ºs 223.º, n.º 1, 22.º e 23.º, todos do Código Penal, e de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos Art.ºs 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas d), e), h) e j), do Código Penal, nas penas parcelares respectivas de 2 (dois) anos de prisão, de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão e de 21 (vinte e um) anos de prisão, tudo isto em cúmulo jurídico, na pena única de 23 (vinte e três) anos de prisão.

Mais foram condenados nas custas e declarados perdidos a favor do Estado todos os objectos apreendidos aos arguidos e ordenada a sua destruição após trânsito – artº 109º nºs 1 e 3 do C.P.
Não se conformando com este acórdão, os arguidos recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa, que por decisão de 7 de Novembro de 2012, acordou “em julgar totalmente improcedentes os recursos interpostos, confirmando-se integralmente o acórdão recorrido”

-
         De novo inconformados recorreram para este Supremo Tribunal:
            O arguido AA, que apresenta as seguintes conclusões na motivação:

1- O Recorrente foi condenado como autor de um crime de sequestro p.p. no artigo 158°, n.° 1 do CP, na pena parcelar de dois anos de prisão;

2- O Recorrente foi condenado como autor de um crime de tentativa de extorsão p.p. nos artigos 223°, n.° 1, 22° e 23° do CP, na pena parcelar de um ano e seis meses de prisão;

3- O Recorrente foi condenado como autor de um crime de homicídio qualificado p.p. nos artigos 131°, 132°, n.s 1 e 2, alíneas d), e), h), e j) do CP, na pena parcelar de 21 anos de prisão.

4- Pela prática dos três crimes acima mencionados, o Recorrente foi condenado na pena única de vinte e três anos de prisão.

5- Relativamente ao crime de sequestro p. p. no artigo 158, n.° 1 do CP o Tribunal a quo deu como provado nos pontos 15, 16 e 113 do douto acórdão:

6- "No dia 21 de Maio de 2011, depois de ter chegado à Madeira, o DD dirigiu-se à residência do arguido AA na morada mencionada supra."

7- "Nessa residência os três arguidos, em comunhão de esforços e de intenções, mantiveram o DD, contra a sua vontade, entre o final do dia 21 de Maio de 2011 até ao momento da sua morte, que ocorreu antes das 00:30 do dia 23 de Maio de 2011 (altura em que os arguidos foram detidos)."

8- "A intervenção dos três arguidos como autores das lesões resulta destes elementos e resulta igualmente das circunstâncias de terem sido os arguidos as únicas pessoas que estava no apartamento onde a vítima foi encontrada sem vida. Os arguidos foram as únicas pessoas que estiveram nesse local nos dias 21 e 22 de Maio de 2011, como resulta de toda a prova a analisada. Quando um deles saia, fazia-o temporariamente, enquanto o outro ou outros ficavam com a vítima."

9- "Do confronto dos elementos de prova supra analisados o Tribunal conclui que os arguidos, atuando conjuntamente e por acordo, mantiveram a vítima viva com o intuito de extorquir dinheiro ao pai da mesma. À medida que o tempo foi passando, sem que tal quantia lhes entregue, os arguidos intensificaram as lesões, como forma de vingança pela não entrega do dinheiro, concretizando assim de forma de vingança pela entrega do dinheiro, concretizando assim de forma consciente e voluntária as ameaças que tinham."

10- Com o devido respeito o Tribunal a quo julgou incorretamente os referidos factos, porquanto, em relação aos mesmos não foi produzido prova, senão vejamos:

11- Em relação ao crime de sequestro e de acordo com o depoimento do arguido CC, a vítima não queria ser vista antes da viagem a Londres e que depois de esta ter regressado à RAM, encontro-a na casa do arguido AA.

12- Referiu também este arguido que a vítima já se encontrava com vários hematomas.

13- E que no dia 21 de Maio de 2011 ficaram os quatro a beber e a consumir droga.

14- Por fim, refere ainda este arguido que a vítima não pediu para sair nem para se ir embora.

15- O arguido AA referiu que a vítima veio do aeroporto para a sua casa no sábado à tarde, dia 21 de Maio de 2011 e que esta já vinha espancada.

16- Disse ainda este arguido que levou a vítima a casa onde morava e a vítima queixou-se do pai e que depois voltaram à sua casa e jantaram.

17- Disse ainda que falou com o pai da vítima para lhe dizer para vir buscar o filho, que estava na sua casa, indicando a sua morada. Negou o facto de ter impedido a vítima de sair de sua casa.

18- Sobre este tipo de crime, a testemunha EE, pai da vitima disse que recebeu uma chamada de um individuo que falava em inglês, e que não conseguiu perceber tudo o que ele lhe disse,

19- Mas que este individuo falava em inglês deu-lhe um número de telefone para a testemunha falar com o seu filho, insistindo para a testemunha ligar para falar com a vítima.

20- Disse também que essa chamada que foi efectuada para a rede fixa e que foi o único telefonema que recebeu em inglês.

21- Esta testemunha admitiu que não se lembra da sequência das conversas, a testemunha disse ainda que estava em pânico não se lembrado do que foi dito ou do que disse.

22- Das chamadas que esta testemunha recebeu, identificou pelo menos duas pessoas diferentes para além daquela que lhe falou em inglês.

23- A testemunha FF viu, no dia 21 de Maio de 2011, a vítima juntamente com os arguidos BB e AA numa cabine telefónica junto a um bar.

24- As testemunhas GG e HH viram a vítima a se dirigir para o centro de Santa Cruz ao fim tarde.

25- Pelo depoimento destas três testemunhas fica a dúvida se a vítima estava a ser ameaçada pelo Americano, visto que esta foi vista a dirigir-se à casa deste.

26- Fica a dúvida se a vítima estivesse a ser sequestrada porque não fugiu ou pediu ajuda quando teve oportunidade para isso, nomeadamente, quando se encontrava na rua junto a uma cabine telefónica em pleno centro da cidade de Santa Cruz ou quando foi com o Arguido AA a sua casa?

27- Fica ainda a questão se a vítima estava a ser ameaçada pelo Arguido AA, porque foi diretamente à casa deste quando regressou à RAM vinda de Londres?

28- Fica a dúvida se realmente estava a ser vítima de sequestro.

29- Assim, não resulta provada após nova analise a prova aqui reproduzida matéria suficiente para considerar o arguido AA autor de um crime de sequestro,

30- Quanto muito haveria sérias dúvidas sobre a qualificação e imputação deste tipo de crime.

31- Assim, andou mal o Tribunal a quo uma vez que com esta decisão violou o disposto no artigo 32°, n.° 2 da CRP, in dúbio pro réu. Violou também o disposto nos artigos 97, n.° 5, 127°, 374° n.° 2 todos do CPP.

32- Resulta ainda a insuficiência da decisão da matéria de facto provada e num erro notório na apreciação da prova (artigo 410°, n.° 2, alíneas a) e c) do CPP)

33- Relativamente ao crime de extorsão na forma tentada o tribunal a quo deu como provado nos pontos 23 e 24:

34- "Os três arguidos, que se encontravam do outro lado da linha telefónica e sucessivamente faziam esses telefonemas, disseram-lhe que tinham consigo o seu filho DD, exigindo-lhe €2000,00 para resolver o assunto que tinham com ele."

35- "Ao actuarem conforme vem sendo descrito, os arguidos agiram de forma livre, consciente e deliberada, com o propósito de constranger o II a entregar-lhes €2000,00, que sabiam não lhes pertencerem, ameaçado contra a vida do seu filho, DD, propósito não concretizado pelo facto do II não lhes ter entregue o dinheiro que exigiam."

36- O tribunal a quo para este efeito baseou-se nos depoimentos das testemunhas II e na testemunha JJ, agente da PSP.

37- O arguido AA relativamente ao tipo de crime em causa nas suas declarações disse o seguinte:

38- No Sábado, dia 21 de Maio de 2011 quando saiu para comprar cigarros ouviu umas conversas do arguido BB ao telefone com o pai da vítima, a testemunha II e que o arguido AA pegou no telefone e pediu a esta testemunha para vir buscar a vítima uma vez que esta se encontrava na sua casa, dizendo ainda que era o "Americano" e que a polícia sabia onde morava. Disse ainda que os outros arguidos estavam a tratar mal a vítima.

39- Este arguido refere que também só falou com o pai da vítima por uma única vez para solicitar que este fosse buscar o seu filho que estava em sua casa.

40- A testemunha II referiu que recebeu uma chamada de um indivíduo que falava em inglês.

41- Referiu esta testemunha que não percebeu tudo o que foi dito este primeiro telefonema mas que percebeu que lhe disseram que o filho tinha roubado um cartão de crédito e que já tinha gasto €2000,00 e que esse dinheiro teria que ser devolvido.

42- Neste primeiro telefonema pressupondo como fez o Tribunal a quo, e diga-se que andou mal neste ponto, que foi feito pelo arguido AA.

43- Contudo, neste telefonema foi dado um número de telefone ao pai da vítima e, como referiu a própria testemunha, insistiu para que a testemunha ligasse para falar com o filho.

44- Não foi exigido nenhum resgate nem foi indicada nenhuma forma de como teria que ser efetuado o pagamento da referida quantia. Apenas foi dito que esta quantia teria que ser devolvida.

45- Foi dito ainda pela testemunha que esse telefonema foi feito para a rede fixa.

46- Facto que o arguido AA admitiu uma vez que referiu no seu depoimento que falou com o pai da vítima, de uma cabine telefónica e disse para esta testemunha ir buscar o filho a sua casa.

47- E esta foi a única vez que falou com o pai da vítima.

48- Esta testemunha, II, referiu que falou com mais de uma pessoa ao telefone, mas que só na primeira chamada falou com a pessoa que lhe falou em inglês.

49- Assume particular relevância o facto do arguido AA ter um sotaque particular, uma vez que toda a gente reconhece o arguido AA pelo seu sotaque, visto que o mesmo mistura o português com o inglês.

50- Facto que podemos constatar no depoimento prestado pelo arguido constante da gravação n.° 20120525154752_103185_65088 efectuada no dia 25 de Maio de 2012.

51- Facto este que ainda podemos constatar pelos depoimentos das testemunhas agente F... e agente N....

52- Toda a gente reconhece o arguido pelo seu sotaque.

53- A testemunha LL, agente da PSP, diz ter reconhecido a voz do arguido AA a dizer "If you don't get the Money I'll kill your son".

54- Mas, e tal como a como esta testemunha o reconheceu, a testemunha teve uma única intervenção com este arguido, numa situação em que este quis apresentar uma queixa.

55- Como a própria testemunha diz a voz do arguido é inconfundível.

56- Mas será que uma única intervenção pessoalmente realizada é suficiente para a testemunha reconhecer sem dúvida alguma que era a voz do arguido AA quando todos os arguidos fala fluentemente inglês e a frase que a testemunha se baseia foi proferida na língua inglesa?

57- É do senso comum, que existe uma grande probabilidade de erro por parte da análise efetuada pela testemunha.

58- Ora o que a agente LL ouviu foi uma frase proferida em inglês tendo identificado logo como sendo a do arguido AA, possivelmente pelo facto ser conhecido pela alcunha de Americano e de falar português misturado com o inglês..

59- Como poderia ter tanta certeza tratar-se da voz deste arguido?

60- O próprio pai da vítima, II reconheceu que no telefonema em inglês, insistiram por diversas vezes para ele ligar para falar com a vítima.

61- Só foi dito ao pai da vítima que o filho tinha furtado €2000,00 e que estes teriam de ser devolvidos.

62- Mas nunca foi dito a forma e o modo de como o pagamento teria de ser efetuado.

63- A testemunha II também não identificou nenhuma das vozes que falaram com ele como possuindo um sotaque particular.

64- Como já foi aqui referido, inclusive pelas testemunhas agente F... e agente N..., principalmente este último, que o arguido AA é reconhecido pelo seu sotaque uma vez que mistura o português e o inglês.

65- Dai que em relação ao arguido AA exista pelo menos uma dúvida razoável em relação a este arguido quanto à prática do crime de tentativa de extorsão p. p. no artigo 223°, n.° 1, artigo 22° e 23° do CP.

66- Pelo que aqui ficou exposto ficou demonstrado que o tribunal a quo andou mal neste ponto.

67º Da prova apresentada, dos factos considerados provados e da matéria agora descrita resulta que o tribunal a quo violou o disposto no artigo 32°, n.° 2 da CRP e os artigos 97, n.° 5, 127° e 374°, n.° 2 do CPP

68- Do texto do acórdão recorrido resulta a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada conforme o artigo n.° 410°, n.° 2, alíneas a) e c) do CPP.

69- Relativamente ao crime de homicídio qualificado o Tribunal a quo deu como provado nos pontos 36, 37 e 38 relativamente a este tipo de crime os seguintes factos:

70- "As lesões meningo encefálicas, causadas pelas agressões perpetradas pelos três arguidos, foram causa directa e necessária da morte do DD."

(...)

livre, voluntária e consciente, com o propósito de tirar a vida ao DD, concretizando assim o que haviam ameaçado."

72-          "Ao manterem o ofendido DD, contra a sua vontade, no apartamento onde residia o arguido AA, os arguidos agiram com o propósito de coarctar a liberdade de movimentos do ofendido, confinando-o àquele espaço contra a sua vontade, torturando-o com as agressões supra descritas, com o propósito de lhe tirar a vida."

73-          A convicção do tribunal a quo é que em virtude de os três arguidos estarem no interior do apartamento do arguido AA no momento em que a PSP chegou ao local, os três arguidos são responsáveis pela morte da vítima.

74-          As provas que serviram para o tribunal a quo fundamentar a sua decisão foram as seguintes:

75-          Que o arguido CC reconheceu que deu uma bofetada e um empurrão a vítima.

76-          Este arguido reconheceu igualmente que a vítima no Sábado, dia 21 de Maio de 2011 já se encontrava com diversos hematomas.

77-          O arguido CC afirmou que não viu o arguido AA bater na vítima.

78-          O arguido AA referiu que a vítima no Sábado à tarde, dia 21 de Maio de 2011 veio do aeroporto para sua casa e que nessa altura a vítima já apareceu espancada.

79-          Refere também este arguido que, posteriormente, ao dar banho à vítima, esta caiu, pelo facto de estar sob o efeito de álcool. Entrando assim em contradição quanto à origem das lesões.

80-          Este arguido disse que enquanto estava a fumar heroína na cozinha, com o arguido CC, o arguido BB estava a bater na vítima e urinou-lhe por cima.

81-          Nessa altura deu uma chapada no arguido BB para este parar.

82-          Nega ter trancado a porta. Nega ter impedido a vítima e o arguido BB de sair.

83-          Confrontando os factos que o tribunal a quo usou para fundamentar a sua decisão com as declarações prestadas pelos arguidos, existem claras dúvidas quanto à autoria deste tipo de crime por parte do arguido AA.

84-          Vejamos então a prova produzida em audiência:

85-          O arguido BB no seu depoimento refere que nunca viu o arguido AA bater na vítima.

86-          O arguido CC afirmou também que nunca viu o arguido AA bater na vítima.

87-          Tal facto está confirmado no ponto 75 do douto acórdão agora recorrido.

88-          O arguido AA referiu o facto de quando a vítima DD chegou a sua casa este já vinha espancado.

89-          Que a vítima tinha passado dois dias nas ruas de Londres sem dinheiro.

90- Disse ainda que a vítima DD escorregou e caiu por diversas vezes quando estava a dar banho à vítima, uma vez que esta queria tomar um banho porque estava sujo.

91-0 próprio médico legista admitiu no seu depoimento que uma queda podia ser considerada um objeto contundente.

92-          E as lesões da vítima foram causadas por um objeto contundente.

93-          A única vez em que alguém refere que o arguido AA "bateu" na vítima foi quando o arguido CC referiu que "o aranha (o arguido BB) chegou ao seu pé e disse que o arguido AA estava a dar "uma malha no DD em casa. ".

94-          Facto este desmentido pelo próprio arguido BB que afirmou nas suas declarações em audiência de julgamento que nunca viu o arguido AA a bater na vítima.

95-          Pelo que aqui ficou exposto não resulta provado que o arguido AA tivesse cometido o crime de homicídio qualificado de que vem condenado.

96-          Quanto a este no mínimo existe uma dúvida razoável uma vez que os outros arguidos afirmam que nunca viram este arguido a bater na vítima.

97-          Dai que só por presunção é que o tribunal a quo poderia condenar o arguido AA por este crime.

98-          Resulta assim deste factos que o tribunal a quo tivesse tido decisão contrária à tomada, tivesse tido de acordo com os factos considerados provados e da fundamentação apresentada pelo tribunal a quo para a tomada da sua decisão.

99-          Resultam assim violado o princípio do in dúbio pro reu (artigo 32°, n.° 2 da CRP).

100-       Violou também os artigos 97°, n.° 5, 127°, 374°, n.° 2 todos do CPP.

101- Do texto do acórdão resulta ainda a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude o artigo 410°, n.° 2 alínea a) e c) do CPP.

Em suma, dos presentes autos ficou demonstrado que recorrente não praticou os crimes em causa, nomeadamente o crime de sequestro, o crime de extorsão na forma tentada e o crime de homicídio qualificado. Além do mais ficou criada uma dúvida razoável quanto aos factos de que vem acusado e quanto à sua culpa, pelo que deve ser absolvido dos crimes em que foi condenado.

Termos em que e nos mais de direito que V. Ex.s doutamente suprirão   deve  ser  dado  provimento  ao  presente  recurso  e,  em consequência, ser revogado o presente acórdão recorrido, tudo com as legais consequências. Fazendo-se assim a habitual e necessária justiça.

            O arguido BB, que conclui da seguinte forma a motivação de recurso:

1º  - O presente recurso versa sobre matéria de direito.

2º  - O arguido foi condenado pela prática de um crime de sequestro p.p. pelo artigo 158 n° 1 do CP. na pena parcelar de dois anos de prisão, como autor de um crime de tentativa de extorsão p.p. pelo artigos 223 n° 1, 22 e 23 do CP. na pena parcelar de um ano e seis meses de prisão, como autor de um crime de homicídio qualificado p.p. pelos artigos 131, 132, n° 1 e 2 alíneas d), e), h), e j) do Código Penal na pena parcelar de vinte e um anos de prisão, pela pratica dos três crimes supra enunciados, na pena única do concurso, de 23 anos de prisão.

3º  - A condenação supra referida teve na base a matéria apurada e constante do acórdão.

4º  - O arguido foi condenado em co-autoria pela prática de um crime de sequestro, de um crime de tentativa de extorsão e homicídio qualificado p.p. pelos artigos 158 n°l 223 n° 1 , 22, 23 131 132 n° 1 e 2 alíneas d e h e j todos do Código Penal..

5º  - Contesta o arguido a condenação pela prática de um crime de homicídio qualificado p.p. pelos artigos 131, 132n°le2 alíneas d) e) h) e j) do Código Penal.

6º - Ponderados todos os elementos de facto apurados não é possível identificar entre a matéria provada os factos indispensáveis ao preenchimento da factualidade típica da incriminação supra referida.

7º - Quanto à agravação prevista no artigo 132 n° 2 ai j) do CP. " É susceptível de revelar especial censurabilidade ou perversidade do agente, a circunstância deste agir com firmeza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas. Este exemplo padrão reporta-se à circunstância de premeditação, de acordo com a convicção que o homicídio qualificado é essencialmente diferente de um homicídio não qualificado.

8º - Dos factos provados do acórdão (artigo 15 dos factos provados) é notório que não existiu qualquer premeditação para a prática do crime, já que é a vítima que se dirigiu livremente até á residência do co-arguido AA, não tendo ficado provado qualquer acto ou artificio por parte do recorrente no sentido de conduzir a vítima ao local onde lhe foi retirada a vida.

9º - Apurou-se que foram realizados telefonemas a exigir vantagens económicas ao pai da vítima no dia 22 de Maio de 2011 pelas 21 horas, desconhecendo-se o que ocorreu no período anterior a este período. A data do óbito da vítima terá ocorrido por volta da 0,30 h do dia 23 de Maio de 2011. Não decorreu um período superior cerca de três horas, pelo que, não se apurou que o arguido tenha persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas, conforme refere o acórdão do qual se recorre.

10° - Assim parece-nos que não se encontram preenchidos devidamente articulados factos que nos levem a concluir pela verificação da agravação prevista na ai j) do artigo 132 d CP.

11° - Da prova produzida não é possível apurar a verificação da agravação prevista no artigo 132 n°2 al. h) do CP.

12° - Resulta do acórdão que a vítima foi agredida com socos e pontapés tendo sido utilizado um martelo, desconhecendo-se as circunstâncias da utilização do mesmo.

13° - Segundo o acórdão do qual se recorre não foi utilizado meio que se manifeste de especial perigosidade.

14° - No entanto refere o dito acórdão que foi utilizado um instrumento contundente e da forma como veio a ser utilizado apto a provocar as lesões constantes da perícia médica.

15° - Ora parece-nos que não foi devidamente ponderado as declarações do perito médico que realizou a autópsia ao ofendido que referiu que as lesões apresentadas não era possível determinar a data da provocação das mesmas.

16º - É indispensável determinar, com particular exigência e severidade, se da natureza do meio usado, - e não de qualquer outras circunstâncias acompanhantes - se resulta já uma especial censurabilidade ou perversidade do agente, o que não ocorreu com o acórdão do qual se recorre.

17° - A agravante prevista na alínea d) do artigo 132 do CP. refere-se as situações em que o agente é determinado por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil.

17° - Motivo fútil é o motivo sórdido, que repugna à generalidade das pessoas. Motivo fútil é aquele que não tem relevo, que não pode razoavelmente explicar e muito menos justificar a conduta do agente.

18° - Dos factos provados foi dado como provados que foram realizadas ameaças à vítima "vais dar o dinheiro ou vou-te matar", acontece porém que da fundamentação não decorre do depoimento de nenhuma testemunha que o arguido tenha realizado qualquer ameaça.

19° - Os factos no que concerne ao recorrente não concretizam com clareza um motivo específico para a prática do crime. Nessa medida entende-se que não está configurado um cenário em que se possa concluir pela futilidade do motivo.

20° - A matéria factual dada por provada é manifestamente insuficiente para se concluir pela verificação da agravante prevista no artigo 132 n° 2 ai. d) do CP. já eu não resulta que o arguido tenha torturado ou empregue acto de crueldade contra a vítima.

21° - Na verdade não é do lançamento de urina sobre a vítima e quando esta já se encontra cadáver conforme decorre dos factos provados que se pode concluir da utilização de tortura ou de tratamentos cruéis e degradantes e desumanos .

22º - A mera verificação de alguma das circunstâncias referidas no n° 2 do artigo 132 do CP. não é suficiente para se concluir pela especial censurabilidade ou perversidade do agente do crime de homicídio, sob pena de se poder subverter o inteiro método de qualificação legal.

23° - O acórdão do qual se recorre refere que o tribunal de Io instância apenas não colheu a versão apresentada pela testemunhas apresentadas pela defesa não se conformamdo o recorrente com tal posição já que é manifesto que não existe qualquer fundamento para não se ter dado credibilidade ao depoimento de algumas das testemunhas arroladas pelo arguido nomeadamente à testemunha C...P..., M...F...A... e P...T... e F...T....

24° - Ora quanto á testemunha F... o certo é que o próprio acórdão nem faz qualquer menção ao depoimento desta testemunha.

25° - Quanto ao depoimento das testemunhas C...P... e M...F...A... não foi dado credibilidade ao depoimento destas testemunhas sem que se tenha devidamente fundamentado o motivo. Na verdade o acórdão refere que do confronto do depoimento destas testemunhas com o depoimento da testemunha P...T... conclui o acórdão que o arguido não poderia ter dormido ao mesmo tempo em casa da mãe e em casa desta testemunha.

26° - Ora salvo o devido respeito por opinião contrária é notório do depoimento desta testemunha que nunca foi referido que o arguido à data dos factos tenha passado a noite de 21 de Maio para o dia 22 de Maio de 2011 em casa da testemunha P...T... conforme decorre da transcrição do depoimento desta testemunha.

27° - Ora o mesmo critério não foi utilizado relativamente às testemunhas de acusação. O nosso sistema judicial atribui igualdade de armas tanto à defesa como à acusação sob pena de violação do preceito constitucional previsto no art.0 13° da Constituição da República Portuguesa.

28° - O certo é que a actuação do deveria ter sido integrada nos termos da cumplicidade de acordo com o previsto no artigo 27 do CP.

29° - O arguido não tem o domínio da acção, não ameaça a vítima não efectua chamadas para o pai da vítima nem domina o local onde a vitima veio a falecer.

30° - No artigo 15 dos factos provados refere-se que o ora recorrente consumiu heroína e bebidas alcoólicas com a intenção de praticar os factos ilícitos e de sentir excitação nessa prática concluindo pela sua conduta mais censurável.

31° - Da fundamentação acórdão não é possível determinar que bebidas alcoólicas inferiu o arguido, se consumiu produtos tóxicos na altura a que se reportam os factos, ou caso os ingerisse, que efeitos poderiam provocar no arguido.

32° - Ora salvo o devido respeito, é notório da simples leitura do acórdão que não se encontra demonstrado nenhum facto que levasse o tribunal a concluir pela conduta mais censurável do arguido nos termos do artigo n° 20 n° 4 do C.P.P.

33° - Os critérios que presidem á medida concreta da pena são os indicados no artigo 70 do CP.. A actuação do arguido integra a prática dos crimes pelos quais foi condenado apenas como cúmplice.

34° - O tribunal deveria ter levado em consideração o facto de o arguido não ter antecedentes criminais pela prática dos crimes pelos quais foi condenado e de ter apenas registado no seu CRC a prática de um crime de condução sem carta.

35° - O recorrente é um jovem tem apenas 26 anos de idade ( 25 à data dos factos).

36° - E oriundo de um meio social desfavorecido.

37° - Na infância e na adolescência dedicou-se actividades desportivas, nomeadamente a vela onde se evidenciou.

38° - O arguido revela coesão familiar e estabelece ligações afectivas com os pais a irmã e sobrinhos com quem reside

39° - O arguido trabalhou na construção civil e na hotelaria, à data dos factos revelava hábitos de consumo de tóxicos e um quotidiano desestruturado.

40° - No entanto é visto no meio envolvente como um individuo ordeiro, sendo de salientar que vários agentes policias depuseram em abono do arguido.

41° - Nunca poderia o arguido ter sido condenado na pena de 23 anos de prisão, a qual é manifestamente inadequada injusta e desproporcional.

42° - E notório que a pena aplicada ao recorrente constitui um exagero e uma grave injustiça.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso com as legais consequências.

Assim se fará Justiça!


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            Respondeu o Ministério Público à motivação de cada recurso, concluindo da seguinte forma em ambas as respostas :

1.            O arguido/recorrente não suscita ao Venerando Supremo Tribunal quaisquer questões que não tenha já colocado e sido objecto de conhecimento e decisão no Tribunal da Relação, o que integra "falta" de motivação conducente à rejeição do recurso, a ser decidida mediante "Decisão sumária", nos termos do disposto nos arts. 4120., n°.l, 414°., n°.2 e 420°., n°.1 al.b) do C.P.P.

2.            O arguido/recorrente - a pretexto de invocar, nomeadamente, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art. 410°, n° 1, alínea a), do CPP), circunscreve o seu recurso a matéria de facto, pelo que, visando o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça exclusivamente o reexame da matéria de direito, é aquele inadmissível, nos termos do vem disposto no artigos 400°, 432° e 434°, todos do CPP, devendo ser rejeitado.

3.   O acórdão recorrido não violou qualquer preceito legal, nomeadamente quanto à fixação d quantum da pena, e, como tal, deverá, na íntegra, ser mantido.

V. Exas farão, no entanto e como habitualmente, a esperada

JUSTIÇA!


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            Neste Supremo, o Exmo Magistrado do Ministério Público emitiu douto Parecer onde assinala:

            “Acompanhamos a resposta do Ex.mo Procurador-Geral Adjunto no tribunal recorrido.

A            É notória a falta de motivação do recurso do arguido AA. Na verdade, este recorrente, com pequenas alterações do texto, repete a motivação relativa ao acórdão da 1.ª instância, não fazendo uma única menção ao recorrido, da Relação.

                Porém, aquele tribunal superior, detalhadamente, apreciou as ora reeditadas questões - «(ii) Da insuficiência da matéria de facto, do erro notório na apreciação da prova e do julgamento fáctico realizado pelo tribunal a quo», fls. 1177-1190.

                Sobre este segmento decisório nada é referido, actuando o recorrente como se não existisse.

                Não se trata, pois, de persistência na manifestação de divergência em relação ao reexame operado pela Relação, completamente omitido, mas sim de reedição da impugnação feita do acórdão da 1.ª instância.
                Por outro lado, e sem necessidade de particulares considerações, é pacífico (actualmente sem controvérsia), que as questões relativas à matéria de facto mostram-se definitivamente resolvidas pela Relação, escapando, pois, aos poderes de cognição do STJ.

                Diga-se, sem prejuízo, não se detectarem quaisquer das apontadas deficiências da matéria de facto, afigurando-se, antes, que se traduzem em mera manifestação de discórdia sobre o critério de apreciação da prova adoptado pelo tribunal a quo.

                Também não foi desrespeitado o princípio in dubio pro reo posto que o tribunal não manifesta (nem se lhe impunha manifestar) qualquer dúvida relativamente aos factos dados como provados, resolvendo-a em desfavor dos arguidos.
                Em suma, a livre convicção dos julgadores não assentou em mero arbítrio, antes se mostrando integralmente fundamentada e objectivada, não merecendo, em sede de controlo ora operado, qualquer censura.

B         Quanto ao recurso do arguido BB valem as considerações tecidas sobre os poderes de cognição do STJ, como tribunal de revista.

                No que respeita à qualificação do homicídio, julgamos não oferecer dúvidas que a conduta dos arguidos revela, citando Teresa Serra, uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores.

E assim, acompanhamos o entendimento das instâncias quanto às qualificativas das alíneas d), h), j), mas já não a da alínea e).

                Na verdade, e com toda a consideração, não se vislumbra como se pode estabelecer, sem outros elementos, uma conclusão de que a quantidade de hematomas, hemorragias e fracturas «revelam o prazer dos arguidos em causar sofrimento».

                A especial motivação dos agentes consistiu no propósito de receberem € 2.000,00, torturando prolongadamente a vítima, para que (além do mais) o pai desta ouvisse as pancadas e gemidos. Podendo-se concluir por uma boa dose de indiferença/frieza perante o cruel sofrimento que estavam a provocar, não há um único facto que evidencie prazer por parte dos torturadores.

                A desconsiderar-se esta agravante, não se vêem motivos para alteração da medida da pena. Acata os critérios legais a que está subordinada, sendo justa e adequada à luz dos princípios da culpa e da necessidade da prevenção.

Também a pena única pondera a personalidade do arguido e sua projecção nos crimes praticados e atende à perigosidade resultante da toxicodependência do arguido,”


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            Cumpriu-se o disposto no artº 417º nº 2 do CPP, tendo o recorrente AA, apresentado resposta ao Parecer do Ministério Público, ”no sentido de que no concorda com a posição por este manifestada no seu parecer, nomeadamente, quanto a falta de motivação do presente recurso e quanto a falta de menção no presente recurso do acórdão recorrido da Re1ação.”

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            Não tendo sido requerida audiência, seguiu o processo para conferência, após os vistos legais em simultâneo:

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            Consta do acórdão recorrido:

“(…) Factos provados

Do despacho de pronúncia

8. Entre os dias 14 e 15 de Maio de 2011, II recebeu uma chamada telefónica do seu filho, DD, pedindo-lhe que o contactasse para o telemóvel com o número ....

9. Agindo conforme lhe havia sido pedido pelo filho, II ligou para o referido número de telemóvel tendo-lhe o DD dito que estava com problemas em Inglaterra e que para voltar para esta Região Autónoma da Madeira iria precisar de 1800 libras.

10. Ao ser questionado pelo pai sobre o motivo pelo qual precisava daquela quantia em dinheiro, aquele respondeu que sem a mesma, o Americano iria em cima dele, acrescentando que o estavam a ameaçar de morte e de atear fogo à sua residência em Santa Cruz.

11. O II não enviou ao filho o dinheiro solicitado, mas pagou-lhe uma viagem na companhia Easyjet, referência de reserva ..., para que este regressasse à Região Autónoma da Madeira, o que veio a acontecer no dia 21 de Maio de 2011, pelas 18:15 horas, no voo n.º 3263.

12. O arguido AA é conhecido pela alcunha Americano e mora na Rua....

13. O arguido BB é conhecido pela alcunha de A....

14. O arguido CC é conhecido pela alcunha de Z... C....

15. No dia 21 de Maio de 2011, depois de ter chegado à Madeira, o DD dirigiu-se à residência do arguido AA na morada mencionada supra.

16. Nessa residência, os três arguidos, em comunhão de esforços e de intenções, mantiveram o DD, contra a sua vontade, entre o final do dia 21 de Maio de 2011 até ao momento da sua morte, que ocorreu antes das 0:30 do dia 23 de Maio de 2011 (altura em que os arguidos foram detidos).

17. Durante esse período de tempo, na residência do arguido AA, acima mencionada, os três arguidos continuadamente atingiram DD com murros e pontapés, em diversas partes do corpo, tendo ainda utilizado para o efeito um martelo.

18. No dia 22 de Maio de 2011, pelas 21:00 horas, o II recebeu uma chamada do arguido AA, efectuada do número ..., tendo-lhe o arguido AA dito, em inglês, que deveria apontar aquele número, para o qual deveria ligar, para falar com o seu filho, uma vez que este estava com um problema relacionado com um cartão de crédito.

19. O II ligou de seguida para aquele número, tendo sido atendido pelo seu filho, DD, que tinha dificuldade em se exprimir.

20. O II, alarmado com a possibilidade de que algo grave se estivesse a passar com o seu filho, dirigiu-se à esquadra da PSP de Santa Cruz.

21. Durante o percurso para a esquadra e quando já aí se encontrava, recebeu 8 chamadas do número ..., pertencente ao arguido BB.

22. Sempre que atendia as chamadas no seu telemóvel, II ouvia pancadas e gemidos.

23. Os três arguidos, que se encontravam do outro lado da linha telefónica e sucessivamente faziam esses telefonemas, disseram-lhe que tinham consigo o seu filho DD, exigindo-lhe € 2000,00 para resolver o assunto que tinham com ele.

24. Ao actuarem conforme vem sendo descrito, os arguidos agiram de forma livre, consciente e deliberada, com o propósito de constranger o II a entregar-lhes € 2000,00, que sabiam não lhes pertencerem, ameaçando contra a vida do seu filho, DD, propósito não concretizado pelo facto do II não lhes ter entregue o dinheiro que exigiam.

25. Durante as ligações telefónicas estabelecidas entre os arguidos e o II, este ouvia barulhos de loiça partida e gemidos.

26. No dia 22 de Maio de 2011, cerca das 22:00, os três arguidos e ofendido DD, estavam no interior da residência do arguido AA. Quando a PSP chegou ao local, do lado de fora da residência do arguido AA, ouviam-se vozes e gemidos pelo facto dos arguidos estarem a agredir o DD enquanto lhe gritavam “Vais dar o dinheiro ou vou-te matar” e “Vais morrer”.

27. Não obstante o choro, gritos e gemidos de DD, os arguidos mantiveram e intensificaram as suas agressões, em diversas partes do corpo do ofendido como cabeça, pescoço, tórax, região dorso-lombar, membros superiores e membros inferiores, até o ofendido morrer.

28. Ao constatarem que o ofendido já não reagia, o arguido BB declarou: “Está morto, senão tinha reagido ao mijo”, pois tinham molhado a vítima com a urina do arguido BB.

29. Quando as autoridades policiais entraram na residência do arguido AA, encontraram a vítima deitada no chão da sala já morta e os arguidos nos quartos, deitados nas respectivas camas.

30. Em consequência das agressões perpetradas pelos arguidos, o DD sofreu, as seguintes lesões.

31.  Na cabeça: inúmeras equimoses avermelhadas dispersas; diversas pequenas escoriações lineares dispersas; ferida perfurante com 0,5 cm na hemiface direita; extensas infiltrações sanguíneas do tegumento piloso e perióteo dispersas (partes moles); lâmina de hemorragia subdural, fronto parietal esquerda (meninges); hemorragias subaracnoideias, dispersas bilaterais e presença de sangue nos ventrículos laterais (encéfalo); extensas hemorragias conjuntivais bilaterais (cavidades orbitarias e globos oculares); equimoses avermelhadas e ferida contusa na face interna do lábio inferior (cavidade bucal e língua).

32.  No pescoço: escoriação com 4 cm na face lateral esquerda; fracturas com infiltração sanguínea dos cornos do hioíde (osso hioíde).

33. No tórax: inúmeras equimoses avermelhadas dispersas na face anterior; múltiplas infiltrações sanguíneas dispersas (paredes); fractura ao nível do 4.º espaço com infiltração sanguínea (esterno); fracturas múltiplas de todos os arcos costais com infiltração sanguínea (costelas e clavículas); infiltração sanguínea com 3 cm x 2 cm na ponte (coração).

34.  Na coluna vertebral e medula: equimose azulada, ténue com 6 cm x 3 cm na região dorsal esquerda.

35.  Nos membros inferiores: diversas equimoses avermelhadas dispersas.

36. As lesões meningo encefálicas, causadas pelas agressões perpetradas pelos três arguidos, foram causa directa e necessária da morte do DD.

37. Os arguidos, ao agredirem o DD, sabiam que as suas condutas eram idóneas a provocar a morte deste. Agiram de forma concertada, livre, voluntária e consciente, com o propósito de tirar a vida ao DD, concretizando assim o que haviam ameaçado.

38. Ao manterem o ofendido DD, contra a sua vontade, no apartamento onde residia o arguido AA, os arguidos agiram com o propósito de coarctar a liberdade de movimentos do ofendido, confinando-o àquele espaço contra a sua vontade, torturando-o com as agressões supra descritas, com o propósito de lhe tirar a vida.

39. Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Da contestação do arguido CC

40. A vítima mortal chegou ao aeroporto da madeira no dia 21 de Maio de 2011 pelas 18:15.

41. Nesse dia, durante a tarde o arguido CC esteve a ajudar uma pessoa das suas relações a reparar um portão.

42. Quando o arguido CC foi para casa do arguido AA, no dia 21 de Maio de 2011, ao final da tarde, o DD já lá se encontrava.

43. O arguido CC não levou o DD para casa do arguido AA no dia 21 de Maio de 2011.

44. O arguido CC pernoitou em casa do arguido AA de 21 para 22 de Maio de 2011.

45. No dia 22 de Maio de 2011, o arguido CC saiu de manhã de casa do arguido AA para ir alimentar os seus cães.

46. No dia 22 de Maio de 2011, de tarde, o arguido CC esteve num bar em Santa Cruz, a beber com uns amigos.

47. No dia 22 de Maio de 2011, ao final da tarde, a hora não concretamente apurada, o arguido CC deixou os amigos e regressou a casa do arguido AA, onde se encontravam os outros dois arguidos e a vítima ainda com vida.

Resultantes da discussão da causa

Relativos aos antecedentes criminais e situação pessoal do arguido AA

48. O arguido nasceu em 11/2/71 tendo actualmente 41 anos. Nasceu na Venezuela mas foi educado nos Estados Unidos, para onde emigraram os pais. Tem dois irmãos que vivem nos Estados Unidos. Nesse país teve um relacionamento afectivo do qual nasceram dois filhos, ainda menores. Não mantém contactos com os filhos. A sua escolarização é precária, com poucas competências de leitura e escrita de inglês. Nunca exerceu profissão regular. Consome estupefacientes desde a adolescência. Na altura dos factos consumiu heroína e bebidas alcoólicas. Vive do apoio económico do pai, que reside na Madeira e se encontra acamado. A relação com a família é conflituosa e marcada por ameaças do arguido e pelo temor por parte da família.

49. O apartamento onde ocorreram os factos objectos dos autos pertence ao progenitor do arguido. O arguido habitava aí só, já que o pai mora em casa da companheira. Teve contactos com o sistema de justiça na Califórnia e veio residir para a Madeira, para onde veio o progenitor, após a morte da mãe do arguido.

50. Não tem antecedentes criminais registados no respectivo certificado.

51. Tem uma personalidade instável, conflituosa no relacionamento interpessoal. A sua presença nos locais públicos é sentida como ameaçadora. Revela incapacidade de introspecção e de crítica em relação aos factos cometidos. Não se mostra receptivo para abandonar os hábitos aditivos ou para trabalhar.

52. Tem uma personalidade anti-social, revelando dificuldade no controlo dos impulsos devido à dependência de tóxicos. Tem dificuldade em lidar com a frustração. Tem dificuldade de organização lógica e conceptual por deficiente apreensão do real. Em termos afectivos é pobre e tem um pensamento pobre.

53. Além das características de anti-socialidade supra mencionadas, não revela nenhum quadro psiquiátrico que o impeça de ter consciência da ilicitude ou licitude da sua conduta e de se determinar de acordo com ela.

Relativos aos antecedentes criminais e situação pessoal do arguido BB

54.. O arguido nasceu em 26/4/86, tendo actualmente 26 anos (25 anos à data dos factos).

45. Abandonou o sistema de ensino no 9º ano para trabalhar e adquirir alguns bens que os pais não podiam proporcionar-lhe. Na infância e na adolescência dedicou-se a acuidades desportivas, nomeadamente a vela. Revela coesão familiar e estabelece ligações de afecto com os pais e a irmã, com quem reside. Na mesma morada residem o cunhado e sobrinhos.

56. Trabalhou na construção civil e na hotelaria, tendo feito descontos para a segurança social e recebido subsídio de desemprego.

57. À data dos factos revelava hábitos de consumo de tóxicos e um quotidiano desestruturado, sem rotinas, determinado pelos consumos de tóxicos e pela companhia dos co-arguidos. Na altura dos factos consumiu heroína e bebidas alcoólicas. É visto no meio envolvente como um indivíduo ordeiro.

58. Já foi condenado numa pena de multa pela prática de um crime de condução sem carta.

Relativos aos antecedentes criminais e situação pessoal do arguido CC

59. O arguido nasceu em 25/3/73, tendo actualmente 39 anos de idade. Tem a 4ª classe. Emigrou para o Reino Unido onde trabalhou na área das limpezas e da construção civil. Teve um acidente de viação, que lhe provocou episódios de depressão e pânico. Passou a receber uma pensão de invalidez paga pelo Reino Unido, de 100 libras semanais. Residia nesse país numa habitação social. Casou no Reino Unido mas está separado.

60. À data dos factos encontrava-se temporariamente na Madeira e residia só em casa de uma irmã. Não mantém laços coesos com a família.

61. Perdeu o direito à habitação social e à pensão que recebia no Reino Unido.

62. Tem hábitos de consumo de droga. Consome álcool em excesso. É visto pelo meio envolvente como um indivíduo conflituoso, agressivo e problemático, sobretudo quando consome álcool. Na altura dos factos consumiu heroína e bebidas alcoólicas.

63. Já foi condenado em pena de multa pela prática de um crime de condução com álcool e em pena de prisão, cuja execução foi suspensa, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes. Ambos os casos dizem respeito a factos e decisões transitadas, anteriormente à data da prática dos factos objecto deste processo.

Factos não provados

Do despacho de pronúncia

64. Os arguidos, em comunhão de intentos e de esforços, interceptaram o DD à chegada ao aeroporto da Madeira e dai levaram-no à força para a residência do arguido AA.

65. Os três arguidos utilizaram uma faca para agredir o DD.

66. O DD tentou proteger-se das agressões de que era vítima.

Da contestação do arguido CC

67. No dia 21/5/11, o arguido CC esteve até às 20:00 a arranjar um portão e depois foi para casa.

68. No dia 22/5/11 o arguido CC, depois de alimentar os seus cães foi para sua casa onde ficou.

69. O arguido CC não agrediu a vítima com nenhum instrumento, nem esteve nunca durante o dia, nos dias 21 e 22 de Maio de 2011, na residência do AA.

-

            Cumpre apreciar e decidir:

            O arguido AA, integra o objecto do recurso nos seguintes parâmetros:

Considera que quanto ao crime de sequestro, o tribunal a quo julgou incorrectamente determinados factos que indicou, “porquanto, em relação aos mesmos não foi produzida prova” (v. conclusões 5 e 10 e até 29) , aduzindo que “Quando muito, haveria sérias dúvidas sobre a qualificação e imputação deste tipo de crime, sendo viciado também o princípio in dubio pro reo, (conclusões 30 e 31)

            Invoca ainda o vício da insuficiência da decisão da matéria de facto provada e o erro notório na apreciação da prova  (conclusão 32)

            Relativamente ao crime de extorsão na foram tentada, entende que existe “pelo menos uma dúvida razoável” em relação ao recorrente, e invoca o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (conclusões 33 a 68)

            Relativamente ao crime de homicídio qualificado, discute a matéria de facto (conclusões 69 a 94), referindo na conclusão 83 que “existem claras dúvidas quanto à autoria deste tipo de crime por parte do arguido AA” , e, sintetizando, considera que “não resulta provado que o arguido AA tivesse cometido o crime de homicídio qualificado de que vem condenado.” (conclusão 95); no mínimo existe uma dúvida razoável uma vez que os outros arguidos afirmam que nunca viram este arguido a bater na vítima.(conclusão 96);  só por presunção é que o tribunal a quo poderia condenar o arguido AA por este crime; resultando assim violado o princípio do in dubio pro reo (artigo 32°, n.° 2 da CRP) (conclusão 99); Do texto do acórdão resulta ainda a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude o artigo 410°, n.° 2 alínea a) e c) do CPP. (conclusão 101)

            O recorrente assaca ainda à decisão recorrida, violação do disposto nos artºs 97º , nº 5, 127º, 374º nº 2 , todos do CPP.

            Analisando:

           

            Relativamente ao crime de sequestro e ao crime de extorsão na forma tentada, surge a questão prévia da inadmissibilidade do recurso:

           

Com efeito:

            O presente recurso foi interposto já posteriormente à data da entrada em vigor da Lei nº 48/2007 de 29 de Agosto, que procedeu à alteração do Código de Processo Penal (CPP).

            Somente é admissível recurso para o Supremo Tribunal de justiça, nos casos contemplados no artigo 432º e, sem prejuízo do artº 433º, do Código de Processo Penal.

            No que aqui importa, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: “De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º” (artº 432º nº 1 al. b) do CPP)

            O artigo 400º nº 1 al. f) do CPP, determina porém, que não é admissível recurso: “De acórdãos condenatórios, proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.”

O acórdão recorrido ao negar provimento ao recurso, confirmou as penas parcelares de dois anos de prisão e de um ano e seis meses de prisão, aplicadas respectivamente aos referidos crimes de sequestro e de extorsão na forma tentada.,

Logo, não é admissível recurso do acórdão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça.

            Desenvolvendo:

Rezava o artigo 400º nº 1 al. f) do Código de Processo Penal (CPP), antes da revisão operada pela Lei nº 48/2007 de 29 de Agosto:

            “1. Não é admissível recurso:

            (…)

            f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo no caso de concurso de infracções.”

Face ao art. 400., n.1, f) do Código de Processo Penal na redacção anterior à lei 48/2007 de 29 de Agosto, era jurisprudência firme do Supremo (v. Ac. de 08-11-2006, Proc. n. 3113/06 - desta Secção, entre outros - que não era admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmassem decisão de 1ª instância, em processo por crime a que fosse aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções, face à denominada "dupla conforme".

Entendia-se que a expressão «mesmo em caso de concurso de infracções», constante da al. f) do n.° 1 do art. 400.° do CPP, significava que, apesar de no caso se configurar um concurso de infracções, a regra primária da referida norma continuava a valer, incluindo nela também as situações em que os crimes do concurso se integrem nos limites da primeira referência a «pena aplicável», isto é, em que uma das penas aplicáveis a um dos crimes do concurso não ultrapassasse 8 anos de prisão havendo identidade de condenação nas instâncias.

Nesta ordem de ideias, desde que a pena abstractamente aplicável, independentemente do concurso de infracções, não fosse superior a oito anos, não seria admissível recurso do acórdão da Relação para o STJ, (na tese usualmente seguida pelo Supremo), sendo que uma outra tese, não seguida por esta Secção, entendia que na interpretação mais favorável para o recorrente, apenas seria admissível recurso da pena conjunta que correspondesse ao concurso de crimes a que fosse aplicável pena de prisão superior a oito anos.

Ora, in casu, como o crime por que foram condenados os arguidos recorrentes é punível com pena de prisão superior a 8 anos, seria admissível o recurso.

Com a revisão do Código de Processo Penal operada pela referida Lei a al. f) do artº 400º passou a dispor:

“ De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.”

Deixou de subsistir o critério do “crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos”, para se estabelecer o critério da pena aplicada não superior a 8 anos.

Daí que se eliminasse a expressão “mesmo no caso de concurso de infracções.”

Assim, mesmo que ao crime seja aplicável pena superior a 8 anos, não é admissível recurso para o Supremo, se a condenação confirmada, não ultrapassar 8 anos de prisão.

Ao invés se ao crime não for aplicável pena superior a 8 anos de prisão, só é admissível recurso para o STJ se a condenação confirmada ultrapassar oito anos de prisão, decorrente de cúmulo e, restrito então o recurso à pena conjunta.

            Porém há que ter em conta o artº 5º nº 1 do CPP, que estabelece: A lei processual é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior; mas, determinando o nº 2 do mesmo preceito que: A lei processual penal não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar:

a) Agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa; ou

b) Quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo.

 

Como é pacífico e, conforme jurisprudência comum deste Supremo, a lei reguladora da admissibilidade dos recursos é a que vigora no momento em que é proferida a decisão de que se recorre. (v, entre outros v. g. ac.s de 17.12.69 in BMJ 192,p 192 e de 10.12.1986 in BMJ 362, p. 474)

Como se decidiu no Ac. deste Supremo e Secção, de 22 de Novembro de 2007, in proc. nº 3876/07, no domínio da aplicação da lei processual penal no tempo vigora a regra tempus regit actum., só assim não acontecendo em relação às normas processuais penais de natureza substantiva

Mas, como vem entendendo recentemente o Supremo Tribunal (v. ac. de 29 de Maio de 2008 in proc. nº 1313 da 5ª Secção), para o efeito do disposto no art.º 5.º, n.º 2, al. a), do CPP, os direitos de defesa, para além dos que têm eficácia em todo o decurso do processo (art.º 61.º, n.º 1), são apenas os que se encontram consignados para a fase processual em curso no momento da mudança da lei.

A prolação da decisão final na 1ª instância encerra a fase processual do julgamento (Livro VII) e inicia, consoante o caso, a dos recursos (Livro IX) ou a das execuções (Livro X).

Ao se iniciar a fase dos recursos, o arguido inscreve nas suas prerrogativas de defesa o direito a todos os graus de recurso que a lei processual lhe faculta nesse momento.

A lei processual posterior que retirar o direito a um desses graus de recurso constitui um agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa.

É recorrível para o STJ a decisão proferida pela Relação já depois da entrada em vigor da nova lei de processo que não reconheça esse grau de recurso, se a lei que vigorava ao tempo da decisão da 1ª instância o mandasse admitir.

É aplicável a nova lei processual à recorribilidade de decisão que na 1ª instância já tenha sido proferida depois da entrada em vigor dessa lei, independentemente do momento em que se iniciou o respectivo processo.

A lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido.

Importa distinguir, para efeitos de aplicação da lei no tempo, entre regras que fixam as condições de admissibilidade do recurso e as que se limitam a regular as formalidades de preparação, instrução e julgamento do recurso, estas, sem margem para dúvidas, de imediata aplicação (cf. Alberto dos Reis, RLJ, Ano 86.º, págs. 49-53 e 84-87). (v. aliás, acórdão deste Supremo e da referida secção de 05-06-2008, in pro, nº 1151.

            Ora o acórdão da 1ª instância, foi proferido em 13 de Julho de 2012, que deu azo ao acórdão recorrido, proferido em data posterior à vigência da Lei nº 48/2007 de 29 de Agosto, que veio alterar o Código de Processo Penal e, entrou em vigor em 15 de Setembro de 2007, pelo que não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça quanto aos referidos crime de sequestro, p. e p. pelo Art.º 158.º, n.º 1, do Código Penal, e crime de extorsão na forma tentada, p. e p. pelos Art.ºs 223.º, n.º 1, 22.º e 23.º, todos do Código Penal

            Também a lei nº 26/2010, de 30 de Agosto não alterou a esta situação.

O artº 32º nº1 da Constituição da República garante duplo grau de jurisdição mas não duplo grau de recurso. (v. aliás preâmbulo – 1.III. c) - do Código de Processo Penal), assegurando-se o direito ao recurso nos termos processuais admitidos pela lei ordinária, assegurando-se o direito ao recurso nos termos processuais admitidos pela lei ordinária.

As legítimas expectativas dos recorrentes foram acauteladas constitucionalmente com o recurso interposto para a Relação.

A decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior (artº 414º nº 3 do CPP)

Por força do disposto no artigo 420.º, n.º 1, segunda parte, do Código de Processo Penal, o recurso deve ser rejeitado.


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Relativamente às questões suscitadas sobre o crime de homicídio qualificado:

Embora o nº 1 do artº 410º do CPP, refira: “Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida”, vem sendo entendido por este Supremo, que os vícios constantes do artigo 410º nº 2 do CPP,  apenas podem ser conhecidos oficiosamente e, não quando suscitados pelos recorrentes.

É certo que dispõe o nº 2 do artigo 410º:

Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada,

b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;

c) Erro notório na apreciação da prova.

É certo também que o artº 434º do CPP determina que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto no artigo 410º nºs 2 e 3 , - artº 434º do CPP

Mas, isto significa que sendo o Supremo Tribunal de Justiça um tribunal de revista, só conhece dos vícios aludidos no artigo 410º nº 2, de forma oficiosa, por sua própria iniciativa, quando tais vícios se perfilem, que não a requerimento dos sujeitos processuais.

Mesmo nos recursos das decisões finais do tribunal colectivo, o Supremo só conhece dos vícios do art. 410º, nº 2, do CPP, por sua própria iniciativa, e nunca a pedido do recorrente, que, para o efeito, sempre terá de se dirigir à Relação.

Esta é a solução que está em sintonia com a filosofia do processo penal emergente da reforma de 1998 que, significativamente, alterou a redacção da al. d) do citado art. 432., fazendo-lhe acrescer a expressão antes inexistente "visando exclusivamente o reexame da matéria de direito", filosofia que, bem vistas as coisas, visa limitar o acesso ao Supremo Tribunal, sob pena do sistema vigente comprometer irremediavelmente a dignidade deste como tribunal de revista que é.(v Acórdão deste Supremo Tribunal de 09-11-2006 Proc. n. 4056/06 – 5ª Secção)

Com tal inovação, o legislador claramente pretendeu dar acolhimento a óbvias razões de operacionalidade judiciária, nomeadamente, restabelecendo mais equidade na distribuição de serviço entre os tribunais superiores e garantir o desejável duplo grau de jurisdição em matéria de facto.

Esta posição nada tem de contraditório, já que a invocação expressa dos vícios da matéria de facto, se bem que algumas das vezes possa implicar alguma intromissão nos domínios do conhecimento de direito, leva sempre ancorada a pretensão de reavaliação da matéria de facto, que a Relação tem, em princípio, condições de conhecer e colmatar, se for caso disso, sendo claros os benefícios em sede de economia e celeridade processuais que, em casos tais, se conseguem, se o recurso para ali for logo encaminhado.

Como se decidiu por ex. no Acórdão de 8-11-2006, deste Supremo Tribunal, in Proc. n. 3102/06- desta 3ª Secção: Os vícios elencados no art. 410º, nº 2, do CPP, pertinem à matéria de facto; São anomalias decisórias ao nível da confecção da sentença, circunscritos à matéria de facto, apreensíveis pelo seu simples texto, sem recurso a quaisquer outros elementos a ela estranhos, impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito. Também o apelo ao princípio in dubio pro reo respeita à matéria de facto.

Se o agente intenta ver reapreciada a matéria de facto, esta e a de direito,, recorre para a Relação; se pretende ver reapreciada exclusivamente a matéria de direito recorre para o STJ, no condicionalismo restritivo vertido nos arts. 432º e 434º do CPP, pois que este tribunal, salvo nas circunstâncias exceptuadas na lei, não repondera a matéria de facto.

É ao tribunal da relação a quem cabe, em última instância, reexaminar e decidir a matéria de facto. - arts. 427º e 428º do CPP.

As reformas do Código de Processo Penal operada pela Lei nº 48/2007 de 29 de Agosto, e pela Lei nº 26/2010, de 30 de Agosto não alteraram esse entendimento.

Do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não se perfila pois a existência de qualquer dos vícios aludidos no nº 2 do artº 410ºdo CPP., nomeadamente o aludido pelo arguido de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

A matéria de facto provada é bastante para a decisão de direito, na determinação da ilicitude por que foi condenado o arguido (como resulta dos pontos 17. 27 a 39, da matéria de facto provada).

 inexistem contradições insuperáveis de fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, não se afigurando, por ouro lado, que haja situações contrárias à lógica ou à experiência comum, constitutivas de erro patente detectável por qualquer leitor da decisão, com formação cultural média.

Como já salientava o Acórdão deste Supremo de 13 de Fevereiro de 1991, (in AJ, nºs 15/16, 7), se o recorrente alega vícios da decisão recorrida a que se refere o nº 2 do artº 410º do CPP, mas fora das condições previstas nesse normativo, afinal impugna a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos, em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecido da regra da livre apreciação da prova inserta no artº 127º do CPP.
É o caso dos autos

Na verdade, o recorrente pretende discutir a matéria de facto em recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, quanto à valoração das provas e subsequentemente quanto à factualidade assente.

Porém, o Supremo Tribunal de Justiça, funciona como tribunal de revista

Não pode olvidar-se o disposto no artigo 434º do CPP. que, delimitando os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça estabelece:”Sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 410º, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito.”

Ora, as questões suscitadas pelo recorrente relativamente à sua discordância em relação à forma como o tribunal de 1.ª instância decidiu a matéria de facto, constituem matéria especificamente questionada, integrando-se em objecto de recurso em matéria de facto, estranha aos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça.

Inexiste um duplo grau de recurso em matéria de facto.

O artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, não confere a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição, assegura sim, o direito ao recurso nos termos processuais admitidos pela lei ordinária.

O tribunal normalmente competente para conhecer do recurso em matéria de facto é, por via de regra o Tribunal da Relação. –artº 428º do CPP

Sendo certo que a actividade probatória consiste na produção, exame e ponderação dos elementos legalmente possíveis a habilitarem o julgador a formar a sua convicção sobre a existência ou não de concreta e determinada situação de facto, o recurso em matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova, que tem consagração expressa no art. 127.° do CPP. mas dirige-se somente ao exame dos erros de procedimento ou de julgamento que lhe tenham sido referidos em recurso e às provas que impõem decisão diversa e não indiscriminadamente todas as provas produzidas em audiência.

Ainda assim, e salvaguardada renovação da prova, quando admissível, o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento na 2ª instância,

A integração das noções de “exame crítico” e de “fundamentação” facto envolve a implicação, ponderação e aplicação de critérios de natureza prudencial que permitam avaliar e decidir se as razões de uma decisão sobre os factos e o processo cognitivo de que se socorreu são compatíveis com as regras da experiência da vida e das coisas, e com a razoabilidade das congruências dos factos e dos comportamentos.

Se a Relação, reexaminando a matéria de facto, mantém a decisão da primeira instância, é suficiente que do respectivo acórdão passe a constar esse reexame e a conclusão de que, analisada a prova respectiva, não se descortinaram razões para exercer censura sobre o decidido (Ac. do STJ de 13 de Novembro de 2002, SASTJ, nº 65, 60)

Se não houve valoração de provas não admitidas por lei, e se por força do artº 127º, do CPP, “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”, não pode argumentar-se que o Tribunal a quo confundiu experiência comum com presunção.

Na verdade, como se elucida no Ac. deste Supremo, de14-06-2007, Proc. n.º 1387/07 – 5ª Secção, se  a Relação sindicou todo o processo, fundamentou a decisão sobre a improcedência do recurso em matéria de facto nas provas examinadas no processo, acolhendo, justificando-o na parte respectiva, a fundamentação do acórdão do tribunal colectivo que se apresenta como detalhada, então as instâncias cumpriram suficientemente o encargo de fundamentar, sendo que a discordância quanto aos factos apurados não permite afirmar que não foi (ou não foi suficientemente) efectuado o exame crítico pelas instâncias.

Por outro lado, a violação do princípio in dubio pro reo, que dizendo respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicado pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, ou seja, quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção.

Inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual que conduziu à condenação do arguido, fica afastado o princípio do in dubio pro reo e da presunção de inocência, sendo que tal juízo factual não teve por fundamento uma imposição de inversão da prova, ou ónus da prova a cargo do arguido, ou se fundou em qualquer presunção não permitida por lei, mas resultou do exame e discussão livre das provas produzidas e examinadas em audiência, como impõe o artigo 355º nº 1 do CPP, subordinadas ao princípio do contraditório, conforme artº 32º nº 1 da Constituição da República.

Ora o acórdão da Relação fez uma análise fundamentada de harmonia com os seus poderes de cognição ficando seguro de um juízo de convicção, e explicitando como tribunal de recurso, as razões por que acolheu a decisão da 1ª instância, como explicita de fls 35 a 61, sob os epítetos:

“(ii) Da insuficiência da matéria de facto, do erro notório na apreciação da prova  do julgamento fáctico realizado pelo tribunal a quo” acabando por concluir: “Daí que não se identifique qualquer erro de julgamento efectuado pelo tribunal a quo sobre a matéria ou qualquer apreciação probatória diferenciada.”

“(iii) Da violação do in dubio pro reo”,  rematando:

“No caso concreto não se suscitou ao tribunal qualquer dúvida razoável sobre os factos que considerou como provados.

 Ou seja, no caso, não se verifica – nem isso decorre da fundamentação de facto que sustenta a prova efectuada -  qualquer ausência de certeza do tribunal sobre a factualidade que foi imputada aos arguidos. Nem se suscita com evidência qualquer dúvida probatória sobre os factos e a fundamentação realizada pelo tribunal a quo..

Resulta inequívoco da fundamentação do tribunal da condenação quais as provas em que sustentou a sua decisão e que tipo de valoração efectuou sobre a prova em causa que levou à conclusão de que os arguidos praticaram os factos em causa, tal como acima se deixou suficientemente relatado. Esse tribunal em momento alguma faz transparecer qualquer dúvida no processo de decisão. Valorou o que entendeu valorar quanto à prova produzida, justificou a sua opção e concluiu em conformidade.

Aliás, cumpre recordar que o tribunal considerou como não provada alguma da matéria de facto descrita na pronúncia.

Não se vislumbra, por isso, qualquer violação do princípio da presunção de inocência do arguido no modo como o tribunal a quo valorou as provas e através delas fixou a matéria de facto provada e fundamentou a decisão.”

Não se prefigura, por isso qualquer nulidade, por omissão ou excesso de pronúncia de que cumpra conhecer nos termos dos artºs 410º nº 3 e 379º nº 1, do CPP, sendo que a decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada, obedecendo ao disposto nos artºs 97º nº 5 e 374º nº do CPP, nem se prefigura qualquer ofensa constitucional, nomeadamente ao disposto no artº 32º nº 2 da Constituição da República Portuguesa.

O recurso interposto pelo arguido AA é, assim, manifestamente improcedente, e, por isso, é de rejeitar nos termos dos artigos 412º  nº 1 e 414º nº 23 e 420º nº 1 do CPP.

            Com efeito, a manifesta improcedência constitui um fundamento de rejeição do recurso de natureza substancial, visando os casos em que os termos do recurso não permitem a cognição do tribunal ad quem, ou quando, versando sobre questão de direito, a pretensão não estiver minimamente fundamentada, ou for claro, simples, evidente e de primeira aparência que não pode obter provimento. Será o caso típico de invocação contra a matéria de facto directamente provada, de discussão processualmente inadmissível sobre a decisão em matéria de facto, ou de o recurso respeitar à qualificação e à medida da pena e não  ser referida nem existir fundamentação válida para alterar a qualificação acolhida ou a pena que foi fixada pela decisão recorrida.,  conforme decidiu o Acº deste Supremo de 22-11-2006 Proc. n.º 4084/06 - 3.ª Secção


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            Sobre o recurso interposto pelo arguido BB:

            O arguido apenas contesta a condenação pelo crime de homicídio qualificado, porque entende que não existiu qualquer premeditação para a prática do crime, (conclusões 7 a 10), “não e possível apurar a verificação da agravação prevista na al. J) do artigo 132 do C.P.” e que “a matéria factual é manifestamente insuficiente para se concluir pela verificação das agravante prevista no artº 132º nº 2 al. d) do C.P.(conclusões 11 a 21), e que “A mera verificação de algumas circunstâncias referidas no nº 2 do artigo 132º do C.P. não é suficiente para se concluir pela especial censurabilidade ou perversidade do agente do crime de homicídio, so pena de se perverter o inteiro método de qualificação legal.” (conclusão 22)

            Considera que a sua acção “deveria ter sido integrada nos termos da cumplicidade de acordo com o previsto no artº 13º da Constituição da República Portuguesa.” (conclusão 27º e 28º e convocando valoração da prova (conclusões 23 a 32)

            Impugna a pena (conclusões 33 a 42)

            Analisando

            Pelas razões já expostas, acerca da matéria de facto, relativamente à convicção, e à valoração das provas, não incumbe ao Supremo Tribunal conhecer, por não se circunscrever nos seus poderes de cognição, sem prejuízo do conhecimento oficioso de vícios ou nulidades, que pelas razões supra expostas não se verificam.

Inexiste um duplo grau de recurso em matéria de facto.

A matéria fáctica fixada, mostra-se, pois definitiva e é sobre ela que incide o direito na subsunção jurídica.

            As questões ora trazidas ao Supremo, já foram colocadas no recurso interposto para o Tribunal da Relação.

            Em matéria de poderes de cognição do STJ relativamente a recursos de decisões proferidas, em recurso, pelas Relações, a lei adjectiva penal - art. 434.º - limita aqueles poderes ao reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto no art. 410.º, n.ºs 2 e 3.

Como se disse no acórdão deste Supremo e desta 3ª Secção, de 7 de Novembro de 2007, Proc. nº 3990/07: 

 Quando a questão objecto do recurso interposto para o Supremo seja a mesma do recurso interposto para a Relação, tem o recorrente de alegar (motivando e concluindo) como fundamento do recurso, as razões específicas que o levam a discordar do acórdão da Relação: - É que o acórdão recorrido é o acórdão do tribunal superior – o tribunal da Relação -, que decidiu o recurso interposto e não o acórdão proferido na 1ª instância.

Não aduzindo o recorrente discordância específica relativamente ao acórdão da Relação, que infirme os fundamentos apresentados pela Relação, no conhecimento e decisão da mesma questão já suscitada no recurso interposto da decisão da 1ª instância, há manifesta improcedência do recurso assim interposto para o Supremo.

Porém, se nos afastarmos dessa perspectiva um tanto redutora ou restritiva, de ordem processual formal, poderá dizer-se que embora o recorrente reedite no presente recurso para o Supremo, as mesmas conclusões apresentadas no recurso interposto para a Relação -  e, por isso, as questões ventiladas no recurso são as mesmas, embora não aduza discordância específica relativamente ao acórdão da Relação, não explicitando razões jurídicas novas perante o acórdão da Relação, que infirmem os fundamentos apresentados pela Relação no conhecimento e decisão das mesmas questões -, não significa, contudo, que fique excluída a apreciação dessas mesmas questões, mas agora relativamente à dimensão constante do acórdão recorrido, o acórdão da Relação, no que for legalmente possível em reexame da matéria de direito perante o objecto do recurso interposto para o Supremo, pois que o recurso enquanto remédio, é expediente legal para correcção da decisão recorrida (não seu mero aperfeiçoamento), como meio de impugnar e contrariar a mesma. Porém, sem prejuízo de, se nada houver, de novo a acrescentar relativamente aos fundamentos já aduzidos pela Relação na fundamentação utilizada para o julgamento dessas mesmas questões, e que justifique a alteração das mesmas, é de concluir por manifesta improcedência do recurso, pois que caso concorde com a fundamentação da Relação, não incumbe ao Supremo que justifique essa fundamentação com nova argumentação.

O tipo legal fundamental dos crimes contra a vida encontra-se descrito no art. 131.º do CP, sendo desse preceito que a lei parte para, nos artigos seguintes, prever as formas agravada e privilegiada, fazendo acrescer ao tipo-base, circunstâncias que qualificam o crime, por revelarem especial censurabilidade ou perversidade ou que o privilegiam por constituírem manifestação de uma diminuição da exigibilidade.

O crime de homicídio qualificado verifica-se: “Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade,(…)” artº 132º nº 1 do C.Penal

As circunstâncias referidas no nº 2 do mesmo preceito, são meramente indicativas e, não taxativas, são circunstâncias de referência exemplificativa, mas não de abrangência exclusiva.

O nº 2 apenas determina que:

“É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância do agente (….) (sublinhado nosso)

A especial censurabilidade ou perversidade, sendo conceitos indeterminados, são representadas por circunstâncias que denunciam uma culpa agravada e são descritas como exemplos-padrão. A ocorrência destes exemplos não determina, todavia, por si só e automaticamente, a qualificação do crime; assim como a sua não verificação não impede que outros elementos possam ser julgados como qualificadores da culpa, desde que sejam substancialmente análogos aos legalmente descritos. (Ac. do STJ de  07-07-2005, Proc. n.º 1670/05 - 5.ª).

No art. 132.º do CP o legislador utilizou a chamada técnica dos exemplos-padrão, estando em causa, pelo menos para parte muito significativa da doutrina, no seu n.º 2, circunstâncias atinentes à culpa do agente e não à ilicitude, as quais podem traduzir uma especial censurabilidade ou perversidade do agente – Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, pág. 27 e Teresa Quintela de Brito, Direito Penal – Parte Especial: Lições, Estudo e Casos, pág. 191.

Assim sendo, é possível ocorrerem outras circunstâncias, para além das mencionadas, se bem que valorativamente equivalentes, as quais revelem a falada especial censurabilidade ou perversidade; e, por outro lado, apesar da descrição dos factos provados apontar para o preenchimento de uma ou mais alíneas do n.º 2 do art. 132.º, não é só por isso que o crime de homicídio cometido, deverá ter-se logo por qualificado.

A partir da verificação de circunstâncias que o legislador elegeu, com “efeito de indício” (expressão de Teresa Serra, Homicídio Qualificado. Tipo de Culpa e Medida da Pena, pág. 126), interessará ver se não concorrerão outros factos que, funcionando como “contraprova”, eliminem a especial censurabilidade ou perversidade do acontecido, globalmente considerado. Ac. do STJ de 15-05-2008, Proc. n.º 3979/07 - 5.ª Secção)

O cerne do referido ilícito está, assim, na caracterização da acção letal do agente como de especial censurabilidade ou perversidade face às circunstâncias em que, e como, agiu, ou dito de outro modo, está nas circunstâncias reveladoras de especial censurabilidade ou perversidade que integraram a acção letal do agente.

Como conclui Teresa Serra, in Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, Almedina, Coimbra, 2003, p. 124:

“3.O critério generalizador do artigo 132º integra um tipo de culpa fundamental que permite caracterizar de forma autónoma a atitude especialmente censurável ou perversa do agente.

4. Só no âmbito de um conceito material de culpa susceptível de graduação, tendo como objecto de referência próprio o maior ou menor desvalor da atitude do agente actualizada no facto, a função de tipos de culpa agravadores da moldura penal pode ser inteiramente compreendida.”

O legislador apesar de optar pela técnica dos exemplos padrão, consubstanciados no artigo 132º funda-se porém “na combinação de um critério generalizador, constituído por uma cláusula geral de agravação penal, com uma enumeração exemplificativa de circunstâncias agravantes de funcionamento não automático”

Mesmo na construção do Leitbild dos exemplos padrão, é a partir de cada uma das concretas circunstâncias agravantes exemplificadas que se retira não apenas o seu especial grau de gravidade, mas também a sua própria estrutura valorativa.( idem, ibidem, p. 126 e 127)

Mas, a não verificação de qualquer das circunstâncias - exemplificativas e de funcionamento não automático -, do nº 2 do artº 132º não arreda ipso facto a verificação do crime de homicídio na forma qualificada, se procederem quaisquer outras das não indicadas desde que susceptíveis de revelarem especial censurabilidade ou perversidade.

O arguido foi condenado pelo crime p. e p. nos artºs 131º e 132º nº 2 al. d), e), h) e j) do C.Penal, e, por isso na forma qualificada.

´E susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade, a circunstância de o agente:

d) Empregar tortura ou acto de crueldade para aumentar o sofrimento da vítima.

“Há aqui dois itens interligados:1. emprego e tortura ou acto de crueldade; 2. para aumentar o sofrimento da vítima.

O agente serve-se “de uma forma de actuação causadora da morte em que o sofrimento físico ou psíquico infligido, pelo acto de matar ou pelos actos que o antecedem, ultrapasse sensivelmente, pela sua intensidade ou duração, a medida necessária para causar a morte”- Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, 1999, p. 31.

A conduta criminosa excede a necessária à produção causal do resultado letal.

Considera-se tortura, tratamento cruel, degradante ou desumano, o acto que consista em infligir sofrimento físico ou psicológico agudo, cansaço físico ou psicológico grave ou no emprego de produtos químicos, drogas ou outros meios, naturais ou artificiais, com intenção de perturbar a capacidade de determinação ou a livre manifestação de vontade da vítima”, como esclarece o nº 4 do artº 243º do CP, sendo que, meios ou métodos de tortura particularmente graves, são designadamente espancamentos, electrochoques, simulacros de execução ou substâncias alucinatórias, ou a prática habitual de algum destes actos referidos (v. al.s b) e c) do artº 244º do C-P.)

 

“e) Ser determinado por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil.” –.

“Qualquer motivo torpe ou fútil” significa que o motivo da actuação avaliado segundo as concepções éticas e morais ancoradas na comunidade, deve ser considerado pesadamente repugnante, baixo ou gratuito (…) de tal modo que o facto surge como produto de um profundo desprezo pelo valor da vida humana.”- v. Jorge de Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte especial, tomo I, §13, p. 32

“h) Praticar o facto juntamente com, pelo menos mais duas pessoas ou utilizar meio gravemente perigoso ou que se traduz na prática de crime de perigo comum”

“j) Agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de 24 horas”

Frieza de ânimo é uma circunstância relacionada com o processo de formação da vontade de praticar o crime, reconduzindo-se às situações em que se verifica calma, reflexão e sangue frio na preparação do ilícito, insensibilidade, indiferença e persistência na sua execução, em suma, um comportamento traduzido na “firmeza, tenacidade e irrevocabilidade da resolução criminosa” (cf. Ac. de 15-05-2008, Proc. n.º 3979/07 e jurisprudência ali citada, e Ac.19-06-2008,, Proc. n.º 2043/08 - 5.ª Secção)

A “imagem global do facto agravada” (Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, I., pág. 26) pode resultar da frieza de ânimo posta na actuação; mas exactamente a propósito desta circunstância é que este autor nos diz que “a hipótese da presente alínea [a então al. i), hoje al. j)], será uma daquelas em que mais frequentemente poderá ser ilidido o efeito qualificador do exemplo padrão” (pág. 40)

«A ideia fundamental [da al. i) e, agora alínea J do n.º 2 do art. 132.º do CP] é a da premeditação, pressupondo uma reflexão da parte do agente (…). E, quando a premeditação se materializa na chamada “frieza de ânimo”, esta traduzir-se-á “numa actuação calculada, em que é de modo frio que o agente toma a sua deliberação de matar e firma sua vontade (…)”, situação em que “no fundo, o agente teve oportunidade de reflectir sobre o seu plano e ponderou toda a sua actuação, mostrando-se indiferente perante as consequências do seu acto” – Fernando Silva, Direito Penal, Crimes contra as Pessoas, Quid Iuris, 2005, pág. 73» – cf. Ac. do STJ de 12-05-2005, Proc. n.º 1439/05 - 5.ª.

            Ora, como o Tribunal da Relação fundamentou sobre a questionada ilicitude:

“Nas suas conclusões é o 2.º arguido, Miguel de Sousa Álvares, que estende os seus fundamentos à matéria de direito, invocando a este nível que não se encontram preenchidos, quanto a si, as agravantes do homicídio e que a provarem-se os factos contra si deveria ser punido tão só como cúmplice.

Embora controversa esta questão, não obstante esta circunscrição dos fundamentos dos recursos apresentados pelos 1.º e 3.º arguidos (limitados pelas suas conclusões), entende-se que estes fundamentos, em face do que prescrevem os Art.ºs 402.º, n.º 2, alínea a), e 403.º, n.º 2, alínea e), ambos do CPPenal, aproveitam também a estes mesmos arguidos.

Ora, sabe-se que da situação comprovada se retira como líquido que todos os três arguidos actuaram como co-autores, nos termos do vertido no Art.º 26.º do Código Penal. Tomando como elementos da co-autoria, aqui presentes, a decisão e a execução conjunta dos factos. A decisão conjunta é que confere unidade à co-autoria. A esta decisão conjunta acresce o exercício conjunto do domínio do facto. Tal como expressa o acórdão recorrido, apurou-se por parte de todos os arguidos uma incondicional vontade de realização dos crimes em análise e um domínio funcional dos factos mantido pelos três em conjunto. De modo que é possível dizer que cada um deu um contributo indispensável para a realização dos eventos intentados.

No que respeita ao homicídio qualificado, sabe-se que a lesão da vida é elemento integrante do tipo incriminador do Art.º 131.º do Código Penal - homicídio simples - que prevê, como acontece com a esmagadora maioria dos tipos consagrados na parte especial do Código, o crime na sua forma consumada.

Sendo os actos de execução praticados produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o homicídio é qualificado, de acordo com o disposto no Art.º 132.º, n.º 1 do Código Penal.

É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere aquele artigo, entre outras, a circunstância de o agente praticar o facto empregando “tortura ou acto de crueldade para aumentar o sofrimento da vítima”, ser determinado “por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil”, praticar o facto “juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas ou utilizar meio particularmente perigoso, ou que se traduza na prática de crime de perigo comum” ou “agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas” (cfr. Art.º 132.º, n.º 2, alíneas d), e), h) e j), do Código Penal).

A situação padronizada contida na mencionada alínea d) traduz-se no agente empregar tortura ou acto de crueldade para aumentar o sofrimento da vítima.

A utilização dos meios descritos, com a sua qualidade intrínseca, que são típicos para a provocação da dor nos actos cruéis e de tortura, é particularmente gravosa para os bens pessoais aqui defendidos. Note-se, aqui, o que se consagra na lei penal para a qualificação deste crime de homicídio e para a caracterização da tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos (cfr. Art.ºs 243.º e 244.º, ambos do Código Penal) - assim, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia e da Convenção dos Direitos do Homem, 2008, Lisboa: Universidade Católica Editora, (…) pp. 350 e 408 e 409. Inclui-se no catálogo dos actos que são considerados tortura, tratamento cruel, degradante ou desumano, o emprego de meios naturais ou artificiais (cfr. Art.º 244.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal).

E não restam dúvidas que a situação em causa veio a atingir, nitidamente, a gravidade da tortura ou dos tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos, com a utilização dos métodos aludidos (entre os quais o lançamento de urina para a vítima). As ofensas provocadas ao ofendido, antes da sua lesão letal, assumiram uma expressividade que não deixa de ser assinalável, sendo que nos termos das conclusões do relatório do exame pericial (avaliação do dano corporal em direito penal) se descrevem as lesões nos moldes constantes dos “factos provados”. Causando no ofendido, para além disso, um impressivo mau estar físico e psicológico, com medo e inquietação, o que foi pretendido pelos arguidos, com o abatimento psíquico inerente.

Na verdade, os seus elementos típicos objectivos e subjectivos essenciais para esta circunstância agravativa demonstram-se provados, com o seu elemento de violência física e moral dirigida contra o ofendido nos moldes descritos.

Depois, a situação padronizada da alínea e) do mesmo preceito é estruturada com base em elementos estritamente subjectivos, relacionados com a especial motivação do agente. A repetição das ofensas à integridade física da vítima, a quantidade de hematomas, hemorragias e fracturas provocadas nesta, revelam o prazer dos arguidos em causar sofrimento.

Por outra via, face ao exemplo padrão da alínea h) do mesmo normativo, considera-se que se encontra também presente a agravação resultante da particular perigosidade do meio empregue e/ou da maior dificuldade de defesa em que se coloca a vítima. Embora os arguidos, no caso em análise, não tenham utilizado um meio que constituísse a prática de crime de perigo comum, a utilização dos instrumentos contundentes em causa, a forma como vieram a ser utilizados e aptos a provocar as lesões referidas, constitui sempre um meio particularmente adequado à produção de lesões face a pessoas desprovidas de protecção e à mercê de três agressores, reflectindo-se tal acréscimo de ilicitude na culpa dos arguidos, ou seja, revelam uma especial censurabilidade do arguidos. Neste caso, tal como se disse, tal dificuldade de defesa é agravada pelo facto de serem três arguidos a praticar o crime.

O exemplo padrão da alínea j) desse preceito legal refere-se à premeditação, embora omita a referência expressa a esse conceito. Nele se incluem a frieza de ânimo, a reflexão sobre os meios empregados e o protelamento da intenção de matar por mais de 24 horas. Dos factos provados resulta que os arguidos protelaram a intenção de matar o ofendido efectivamente por mais de 24 horas.

Em face do predito, há que considerar que as circunstâncias agravativas cumuladas deverão se valorizadas adequadamente, sendo que tal como o fez o tribunal a quo, os arguidos devem ser punidos pelo homicídio agravado, valorando a primeira alínea mencionada para a agravação e as demais na determinação da medida concreta da pena, nos moldes consagrados no Art. 71.º, n.º 2, do Código Penal.”

            Tem-se por correcta a fundamentação havida.

            Na verdade,

Os arguidos agiram antes da prática da acção letal, motivados pela tentativa de obterem dinheiro, como bem elucidam os factos provados em contactos telefónicos havidos com o pai da vítima:

Os três arguidos, que se encontravam do outro lado da linha telefónica e sucessivamente faziam esses telefonemas, disseram-lhe que tinham consigo o seu filho DD, exigindo-lhe € 2000,00 para resolver o assunto que tinham com ele.

Ao actuarem conforme vem sendo descrito, os arguidos agiram de forma livre, consciente e deliberada, com o propósito de constranger o II a entregar-lhes € 2000,00, que sabiam não lhes pertencerem, ameaçando contra a vida do seu filho, DD,

             Os arguidos que eram três, o ora recorrente juntamente com mais duas pessoas, empregaram actos de crueldade na vítima, para lhe aumentarem o sofrimento e conseguirem a sua morte, o que concretizaram, usando aliás também meio gravemente perigoso (um martelo), como resulta da matéria de facto quando refere:

“Quando a PSP chegou ao local, do lado de fora da residência do arguido AA, ouviam-se vozes e gemidos pelo facto dos arguidos estarem a agredir o DD enquanto lhe gritavam “Vais dar o dinheiro ou vou-te matar” e “Vais morrer”.

Não obstante o choro, gritos e gemidos de DD, os arguidos mantiveram e intensificaram as suas agressões, em diversas partes do corpo do ofendido como cabeça, pescoço, tórax, região dorso-lombar, membros superiores e membros inferiores, até o ofendido morrer.

 Ao constatarem que o ofendido já não reagia, o arguido BB declarou: “Está morto, senão tinha reagido ao mijo”, pois tinham molhado a vítima com a urina do arguido BB.

Os três arguidos, agiram  em comunhão de esforços e de intenções, mantiveram o DD, contra a sua vontade, entre o final do dia 21 de Maio de 2011 até ao momento da sua morte, que ocorreu antes das 0:30 do dia 23 de Maio de 2011 (altura em que os arguidos foram detidos)

Os arguidos, ao agredirem o DD, sabiam que as suas condutas eram idóneas a provocar a morte deste. Agiram de forma concertada, livre, voluntária e consciente, com o propósito de tirar a vida ao DD, concretizando assim o que haviam ameaçado.

Ao manterem o ofendido DD, contra a sua vontade, no apartamento onde residia o arguido AA, os arguidos agiram com o propósito de coarctar a liberdade de movimentos do ofendido, confinando-o àquele espaço contra a sua vontade, torturando-o com as agressões supra descritas, com o propósito de lhe tirar a vida.

 Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Quando as autoridades policiais entraram na residência do arguido AA, encontraram a vítima deitada no chão da sala já morta e os arguidos nos quartos, deitados nas respectivas camas.

 Em consequência das agressões perpetradas pelos arguidos, o DD sofreu, as seguintes lesões.

 Na cabeça: inúmeras equimoses avermelhadas dispersas; diversas pequenas escoriações lineares dispersas; ferida perfurante com 0,5 cm na hemiface direita; extensas infiltrações sanguíneas do tegumento piloso e perióteo dispersas (partes moles); lâmina de hemorragia subdural, fronto parietal esquerda (meninges); hemorragias subaracnoideias, dispersas bilaterais e presença de sangue nos ventrículos laterais (encéfalo); extensas hemorragias conjuntivais bilaterais (cavidades orbitarias e globos oculares); equimoses avermelhadas e ferida contusa na face interna do lábio inferior (cavidade bucal e língua).

 No pescoço: escoriação com 4 cm na face lateral esquerda; fracturas com infiltração sanguínea dos cornos do hioíde (osso hioíde).

No tórax: inúmeras equimoses avermelhadas dispersas na face anterior; múltiplas infiltrações sanguíneas dispersas (paredes); fractura ao nível do 4.º espaço com infiltração sanguínea (esterno); fracturas múltiplas de todos os arcos costais com infiltração sanguínea (costelas e clavículas); infiltração sanguínea com 3 cm x 2 cm na ponte (coração).

Na coluna vertebral e medula: equimose azulada, ténue com 6 cm x 3 cm na região dorsal esquerda.

 Nos membros inferiores: diversas equimoses avermelhadas dispersas.

As lesões meningo encefálicas, causadas pelas agressões perpetradas pelos três arguidos, foram causa directa e necessária da morte do DD.

             No caso sub judice, a conduta dos arguidos, entre os quais o recorrente, é, pois,  merecedora de especial censurabilidade e perversidade, por revelar um acentuado desvalor de atitude na acção empreendida, e no modo de a concretizar em que a forma de realização do facto se apresenta especialmente desvaliosa, e em que por outro lado as qualidades da personalidade dos agentes documentadas no facto são também especialmente desvaliosas.

            Todos os arguidos, entre eles o recorrente agiram conjuntamente na execução do facto que conjuntamente decidiram praticar, inexistindo vontade predominante e determinante de um na decisão em relação aos demais, não resultando, por isso, dos factos, que algum ou alguns, nomeadamente o ora recorrente, prestassem auxílio material ou moral à pratica do facto doloso decidido por outrem.

           

            O crime de homicídio procede pois na forma qualificada, constante da condenação havida, em forma de co-autoria. –artº 26º do C.P.


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            A questão da medida da pena

           

Diz o recorrente

O tribunal deveria ter levado em consideração o facto de o arguido não ter antecedentes criminais pela prática dos crimes pelos quais foi condenado e de ter apenas registado no seu CRC a prática de um crime de condução sem carta. O recorrente é um jovem tem apenas 26 anos de idade ( 25 à data dos factos).E oriundo de um meio social desfavorecido. Na infância e na adolescência dedicou-se actividades desportivas, nomeadamente a vela onde se evidenciou. O arguido revela coesão familiar e estabelece ligações afectivas com os pais a irmã e sobrinhos com quem reside. O arguido trabalhou na construção civil e na hotelaria, à data dos factos revelava hábitos de consumo de tóxicos e um quotidiano desestruturado. No entanto é visto no meio envolvente como um individuo ordeiro, sendo de salientar que vários agentes policias depuseram em abono do arguido. Nunca poderia o arguido ter sido condenado na pena de 23 anos de prisão, a qual é manifestamente inadequada injusta e desproporcional. E notório que a pena aplicada ao recorrente constitui um exagero e uma grave injustiça.

           

Todos estão hoje de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Não falta, todavia, quem sustente que a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade estariam subtraídas ao controlo do tribunal de revista, enquanto outros distinguem: a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado. Só não será assim, e aquela medida  será controlável mesmo em revista, se, v.g., tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. (Figueiredo Dias, Direito Penal Português -As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 278, p. 211, e Ac. de 15-11-2006 deste Supremo, , Proc. n.º 2555/06- 3ª)

 

            A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artº 40º nº 1 do C.Penal.

            O artigo 71° do Código Penal estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

Escrevia CESARE BECARIA –Dos delitos e das Penas, tradução de JOSÉ DE FARIA COSTA, Serviço de Educação, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 38, sobre a necessidade da pena que “Toda a pena que não deriva da absoluta necessidade – diz o grande Monstesquieu – é tirânica.”  (II); - embora as penas produzam um bem, elas nem sempre são justas, porque, para isso, devem ser necessárias, e uma injustiça útil não pode ser tolerada pelo legislador que quer fechar todas as portas à vigilante tirania...” (XXV)

Mas, como ensinava EDUARDO CORREIA, Para Uma Nova Justiça Penal, Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, Livraria Almedina, Coimbra, p. 16, “Ao contrário do que pretendia Beccaria, uma violação ou perigo de violação de bens jurídicos não pode desprender-se das duas formas de imputação subjectiva, da responsabilidade, culpa ou censura, que lhe correspondem.

E neste domínio tem-se verificado uma evolução que seguramente não nos cabe aqui, nem é possível, desenvolver.

Essa solução está, de resto, ligada ao quadro que se vem tendo do homem, às necessidades da sociedade que o integra, aos fins das penas a que se adira e à solidariedade que se deve a todos, ainda que criminosos.”

Como se refere no sumário do Acórdão  de 01.04.98, deste Supremo, in CJ. - AC. STJ - Ano VI - tomo 2- fls. 175, “As expectativas da comunidade ficam goradas, a confiança na validade das normas jurídicas esvai-se, o elemento dissuasor não passa de uma miragem, quando a medida concreta da pena não possui o rigor adequado à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, respeitando o limite da culpa. Se uma pena de medida superior à culpa é injusta, uma pena insuficiente para satisfazer os fins da prevenção constitui um desperdício”

Na lição de Figueiredo Dias (Direito Penal –Questões fundamentais – A doutrina geral do crime- Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, p. 121):

“1) Toda a pena serve finalidades  exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.

Tal desiderato sobre as penas integra o programa político-criminal legitimado pelo artº 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa e que o legislador penal acolheu no artigo 40º  do Código Penal, estabelecendo o nº 1 que a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade

E determinando o nº 2 que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

O ponto de partida das finalidades das penas com referência à tutela necessária dos bens jurídicos reclamada pelo caso concreto e com significado prospectivo, encontra-se nas exigências da prevenção geral positiva ou de integração, em que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa pelo comportamento criminal.

            As penas como instrumentos de prevenção geral são “instrumentos político-criminais destinados a actuar (psiquicamente) sobre a globalidade dos membros da comunidade, afastando-os da prática de crimes através das ameaças penais estatuídas pela lei, da realidade da aplicação judicial das penas e da efectividade da sua execução”, surgindo então a prevenção geral positiva ou de integração “como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal; como instrumento por excelência destinado a revelar perante a comunidade a inquebrantabilidade da ordem jurídica, pese todas as suas violações que tenham tido lugar (idem, ibidem, p. 84)

Por outro lado, como salienta o mesmo Distinto Professor a  pena também tem uma função de prevenção geral negativa ou de intimidação, como forma estadualmente acolhida de intimidação das outras pessoas pelo mal que com ela se faz sofrer ao delinquente e que, ao fim, as conduzirá a não cometerem factos criminais. Porém, “não constitui todavia por si mesma uma finalidade autónoma de pena apenas podendo” surgir como um efeito lateral (porventura desejável) da necessidade de tutela dos bens jurídicos.” (ibidem, p. 118)

            Mas, em termos jurídico-constitucionais, é a ideia de prevenção geral positiva ou de integração que dá corpo ao princípio da necessidade de pena.

            Deve-se a Günther Jakobs, na sequência do pensamento de Luhmann, a expressão de que finalidade fundamental ou primordial da pena encontra-se na estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada. E, é esta função primária da pena faz concluir pela existência de uma medida óptima de tutela dos bens jurídicos “ e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar”, medida óptima essa, porém que não fornece ao julgador o quantum exacto da pena.

A moldura de prevenção, comporta ainda abaixo do ponto óptimo ideal outros em que a pressuposta tutela dos bens jurídicos “é ainda efectiva e consistente e onde portanto a pena pode ainda situar-se sem que perca a sua função primordial de tutela de bens jurídicos. Até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico – abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos.” (idem, ibidem, p. 117)

O ponto de chegada está nas exigências de prevenção especial, nomeadamente da prevenção especial positiva ou de socialização, ou, porventura a prevenção negativa  relevando de advertência individual ou de segurança ou inocuização, sendo que a função negativa da prevenção especial, se assume por excelência no âmbito das medidas de segurança.

Ensina o mesmo Ilustre Professor, As Consequências Jurídicas do Crime, §55, que “Só finalidades relativas de prevenção geral e especial, e não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma ‘infringida’”

Todavia em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa (ultrapassar a medida da culpa), pois que o princípio da culpa, como salienta o mesmo Insigne Professor – ob. cit. § 56 -, “não vai buscar o seu fundamento axiológico a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização.”

Ou, e, em síntese: A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento de pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas – sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização. A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é por outras palavras, a de estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar.”- v. FIGUEIREDO DIAS, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 109 e ss.

É no âmbito do exposto, que este Supremo Tribunal vem interpretando sobre as finalidades e limites da pena de harmonia com a actual dogmática legal.

Como resulta, v. g. do Ac. deste Supremo de  15-11-2006, Proc. n.º 3135/06 - 3.ª Secção,  o modelo de prevenção acolhido pelo CP - porque de protecção de bens jurídicos - determina que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.

As circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.

Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados.

            O n ° 2 do artigo 71º do Código Penal, estabelece, que:

Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou, contra ele, considerando nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência:

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.


-

            Volvendo ao caso concreto:

            A relação explicitou: -“Na determinação das penas concretas aplicáveis, concorda-se com as valorações e conclusões apuradas pelo julgador de primeira instância, entendendo-se, também assim, que a ponderação final de síntese (balanceamento dos vários factores agravantes e atenuantes em presença), se encontra devidamente enquadrada pelos factores relativos à execução dos factos (pensada em termos globais - Art.º 71.º/2, a), b) e c), do Código Penal), à personalidade dos arguidos (cfr. Art.º 71.º/2, alíneas d) e f), do Código Penal) e à conduta dos mesmos arguidos anterior e posterior aos factos (Art.º 71.º/2, e), do Código Penal).

           

A 1ª instância tinha fundamentado:

Medida concreta das penas aplicadas ao arguido BB e punição do concurso

[…]

Quanto ao crime de homicídio qualificado, o prazer demonstrado em causar sofrimento, manifestado na repetição das lesões, até à morte da vítima e a premeditação, agravam a culpa. O dolo directo agrava a culpa. A co-autoria eleva a ilicitude. O facto de ter sido empregue tortura não é aqui ponderado, pelos motivos já expostos. O apoio da família e o passado de desportista do arguido favorecem a sua reinserção social. A indiferença perante o resultado, que levou o arguido a deitar-se na cama como se nada fosse, antes da entrada da polícia no local, depõe contra o arguido. Os hábitos de consumo de tóxicos e a ausência de factores de protecção profissional, elevam as exigências de prevenção especial. Pelo que se afigura adequada a pena concreta de 21 anos de prisão.”

           

Ponderando

O grau de ilicitude do facto, é elevado  pois que a violação do direito à vida é o bem primeiro, o mais elevado da tutela jurídica;

            O modo de execução: através de murros e pontapés e utilização de um martelo, em actuação conjunta com mais 2 arguidos

            A gravidade das consequências: atinentes à quantidade, natureza e características das lesões produzidas, mormente as que directa e necessariamente produziram a morte.

A intensidade do dolo que é directo

Os fins ou motivos determinantes: represália pela não obtenção de quantia em dinheiro que os 3 arguidos tentaram extorquir, conforme várias conversações telefónicas tidas com o pai da vítima

Os sentimentos manifestados no cometimento do crime: indiferença ostensiva pela vida humana, e requintes de malvadez, pois que avisaram a vítima de que o iam matar, que ia morrer, e continuaram a intensificar a agressão até conseguirem o resultado letal, e convencendo-se de que a morte tinha sido consumada quando constataram que o ofendido já não reagia, dizendo o arguido ora recorrente: “Está morto, senão tinha reagido ao mijo” , pois tinham molhado a vítima coma urina do arguido BB.

             A condição pessoal e económica: O arguido BB nasceu em 26/4/86, tendo actualmente 26 anos (25 anos à data dos factos).

Na infância e na adolescência dedicou-se a acuidades desportivas, nomeadamente a vela.

 Abandonou o sistema de ensino no 9º ano para trabalhar e adquirir alguns bens que os pais não podiam proporcionar-lhe.

Trabalhou na construção civil e na hotelaria, tendo feito descontos para a segurança social e recebido subsídio de desemprego.

Revela coesão familiar e estabelece ligações de afecto com os pais e a irmã, com quem reside. Na mesma morada residem o cunhado e sobrinhos.

É visto no meio envolvente como um indivíduo ordeiro.

A conduta anterior e posterior ao facto: À data dos factos revelava hábitos de consumo de tóxicos e um quotidiano desestruturado, sem rotinas, determinado pelos consumos de tóxicos e pela companhia dos co-arguidos. Na altura dos factos consumiu heroína e bebidas alcoólicas.

Já foi condenado numa pena de multa pela prática de um crime de condução sem carta.

            Tendo ainda em conta as prementes exigências de prevenção geral que são especialmente acutilantes, face à necessidade de defesa do ordenamento jurídico na reposição contrafáctica da norma violada, em crimes contra a vida, bem como  as normais exigências de prevenção especial, na socialização do arguido, com 25 anos de idade à data da prática dos factos, atenta ainda a pluralidade de crimes praticados, e a forte  intensidade da culpa, limite da pena, e os limites punitivos integrantes do crime de homicídio qualificado, que se situam entre 12 a 25 anos de prisão nos termos do artº 132º n1 do CP, conclui-se que a pena aplicada ao  arguido BB, de 21 anos de prisão pelo crime de homicídio qualificado revela-se desproporcional, entendendo-se por justa a pena de dezassete anos de prisão.

            Consequentemente e operando o cúmulo com as demais penas parcelares de dois anos de prisão e de um ano e seis meses de prisão, ponderando em conjunto os factos e personalidade do arguido BB, nos termos do artº 77º do CP, valorando o ilícito global perpetrado, consubstanciado na conexão interligada dos crimes praticados, que não resultaram de propensão ou carreira criminosa mas da ocasionalidade na sua prática, a a natureza e gravidade dos crimes, as características da personalidade influenciada elo álcool e por produtos estupefacientes, pois que à data dos factos revelava hábitos de consumo de tóxicos(heroína e bebidas alcoólicas) e um quotidiano desestruturado, sem rotinas, determinado pelos consumos de tóxicos e pela companhia dos co-arguidoso efeito previsível da pena no comportamento futuro do arguido, e que a pena única se situa assim entre 17 e 20 anos e seis meses de prisão, entende-se por adequada a pena única de dezoito anos de prisão.      


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Termos em que decidindo:

Acordam os deste Supremo – 3ª secção:

Rejeitam o recurso interposto pelo arguido AA, tendo por objecto os crimes de sequestro e de extorsão na forma tentada, por inadmissibilidade legal, nos termos do artigo 420º nº 1 b) do CPP.

            Rejeitam por manifestamente improcedente, de harmonia com o disposto nos artigos 412º nº1, 414º nº 2 e 420º nº 1, do CPP. o recurso interposto pelo mesmo arguido quanto ao demais

            Dão parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido BB, quanto à pena aplicada pelo crime de homicídio qualificado que revogam, e ora fixam em dezassete anos de prisão.

            Consequentemente, revogam a pena aplicada em cúmulo ao arguido BB, e condenam-no na pena única de dezoito anos de prisão.

Tributam o recorrente AA em 2 UC e o recorrente BB em 3 UC, de taxa de justiça.

 Condenam o arguido AA na importância de 4 Ucs nos termos do nº 4 do artº 420º do CPP

            Supremo Tribunal de Justiça, 21 de Março de 2013

                  Elaborado e revisito pelo relator                                 

           

Pires da Graça (relator)
Raul Borges