Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2211/15.5T8LRA.C2.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: FACTOS CONCLUSIVOS
DESPEDIMENTO SEM JUSTA CAUSA
DEVER DE LEALDADE
Data do Acordão: 12/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / DIREITOS, DEVERES E GARANTIAS DAS PARTES / FORMAÇÃO PROFISSIONAL / CLÁUSULAS ACESSÓRIAS / CONDIÇÕES E TERMO / TERMO RESOLUTIVO.
Doutrina:
Código do Trabalho: - artigos 126.º, n.º 1 e 128.º, n.º 1, alínea f).
Sumário :
I.  Os n.os 34 e 35 da matéria de facto julgada provada pelo tribunal de 1.ª instância, pese embora algum défice de densificação e concretização no plano factual, uma vez que não acolhem conceitos normativos de que dependa a solução do caso, no plano jurídico, e na medida em que contêm um inquestionável substrato factual, que deve ser interpretado em conexão com os restantes segmentos que integram o acervo factual provado, devem subsistir como factos materiais a considerar.

II.  Tendo-se apurado que a trabalhadora pediu um empréstimo em numerário a uma cliente da instituição bancária empregadora e movimentou, com autorização desta, a sua conta bancária, fazendo levantamentos em proveito próprio e de terceiros, procurando ocultar tais empréstimos da hierarquia, mesmo quando solicitada para esclarecer a situação, configura-se violação, grave e culposa, do dever de lealdade para com a empregadora, tomado no sentido da necessidade de ajustamento da conduta do trabalhador ao princípio da boa-fé no cumprimento das obrigações.

III.  Provado que o empréstimo ocorreu num particular contexto de amizade entre a cliente e a trabalhadora, que esta restituiu os valores recebidos e que, com a sua conduta, não causou prejuízo à imagem da empregadora, gozando a trabalhadora de excelente reputação profissional, contando 35 anos de antiguidade e não tendo antecedentes disciplinares, seria suficiente a aplicação de uma sanção disciplinar de índole conservatória, não se verificando justa causa para o despedimento.
Decisão Texto Integral:


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                    I

1. Em 24 de junho de 2015, na Comarca de Leiria, Leiria — Instância Central, 1.ª Secção Trabalho — J2, AA veio intentar a presente ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, nos termos dos artigos 98.º-B e seguintes do Código de Processo do Trabalho, contra BB, S. A., manifestando a sua oposição ao despedimento efetivado pela empregadora, no dia 23 de junho de 2015.

Frustrada a tentativa de conciliação, que teve lugar na audiência de partes, a empregadora apresentou articulado de motivação do despedimento, em que defendeu que o procedimento disciplinar instaurado é válido e que a trabalhadora praticou atos integradores de justa causa de despedimento, requerendo, nesses termos, a declaração da regularidade e licitude do despedimento e que a ação fosse julgada improcedente.

A trabalhadora contestou, sustentando não se configurar justa causa para o despedimento, e deduziu reconvenção, na qual pediu a condenação da empregadora a reintegrá-la no respetivo posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria profissional e antiguidade, bem como a pagar-lhe (i) o valor das retribuições vencidas e vincendas que deixou de auferir, desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, cujo montante vencido ascendia a € 5.058,21, a que acresciam juros de mora vencidos no valor de € 25,51, (ii) o valor dos subsídios de alimentação vencidos que deixou de auferir, desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, cujo montante vencido ascendia a € 348,66, a que acresciam juros de mora vencidos no valor de € 1,85, (iii) os juros de mora vincendos, relativos aos pedidos explicitados nas alíneas precedentes, à taxa legal, até integral pagamento, e (iv) uma indemnização compensatória pelos danos não patrimoniais causados, no valor de € 10.500, acrescida de juros de mora vincendos, calculados à taxa legal.
    
Tendo a causa prosseguido os seus trâmites legais, proferiu-se sentença, que julgou a ação e a reconvenção improcedentes.

A trabalhadora apelou, tendo o Tribunal da Relação deliberado anular a sentença recorrida e ordenar a ampliação da matéria de facto, sendo que, cumprido o assim determinado, o tribunal de 1.ª instância proferiu nova sentença, na qual julgou a ação e a reconvenção improcedentes, considerando lícito e regular o despedimento e absolvendo a empregadora do pedido reconvencional formulado.

2. Irresignada, a trabalhadora apelou, tendo o Tribunal da Relação julgado a apelação parcialmente procedente, revogando a sentença recorrida, declarando a ilicitude do despedimento e condenando a empregadora a reintegrar a trabalhadora, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, e a pagar à trabalhadora as retribuições que a mesma deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão (incluindo subsídio de alimentação, férias, subsídio de férias e de Natal), acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação do acórdão até integral pagamento, operando-se a dedução a que alude a alínea c) do n.º 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho, sendo a empregadora absolvida quanto ao mais pedido.

É contra o assim deliberado que a empregadora agora se insurge, mediante recurso de revista, no qual alinhou as seguintes conclusões, formuladas na sequência de convite que lhe foi dirigido pelo relator, no sentido de sintetizar as conclusões da alegação de recurso e de explicitar as normas jurídicas que considerava violadas:

               «1.O acórdão recorrido violou a norma do artigo 351.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a) [e] e), do Código do Trabalho, no que tange a aplicação dos fundamentos para a justa causa de despedimento.
             2.   Porque, como resulta dos factos provados, em tempo algum podiam os Venerandos Desembargadores, no seu douto acórdão, dizer que a conduta da trabalhadora, recorrida, estava ausente de qualquer censura, quando consubstanciavam a prática clara de uma infração grave, passível de conduzir ao seu despedimento, como aconteceu no âmbito do procedimento disciplinar que lhe foi instaurado pelo Recorrente, no uso do seu poder disciplinar como decorre do artigo 98.º do Código do Trabalho.
               3.   Apesar desta evidência cristalina que os presentes autos nos mostra, os Venerandos Desembargadores entenderam julgar como naturalmente admissível que uma trabalhadora bancária, no exercício das suas funções de Gestora ao serviço do Banco, Recorrente, tivesse pedido um empréstimo a uma cliente da sua carteira de clientes, pelo simples facto daquela cliente ser sua amiga de longa data.
              4.   Quando as patentes exigências de transparência e lealdade ao serviço do Banco impunham-lhe obrigatoriamente um comportamento distinto daquele que entendeu, de forma livre, consciente e reiterada, assumir.
              5.   Por isso, a decisão de julgar ilícito o despedimento da trabalhadora, Recorrida, só foi possível pela errada aplicação do direito aos factos dados como provados, designadamente os factos provados 5.º a 33.º, 57.º a 59.º e 63.º
               6.   Como, de igual modo, a decisão encontrada teve, também, como fundamento o errado julgamento na reapreciação da decisão da matéria de facto que conduziram para a eliminação do elenco dos factos provados, os factos provados 34.º e 35.º
                7.   Quando os factos provados 34.º e 35.º nunca deviam ter sido retirados do seu espaço natural. Integrando o elenco dos factos provados como muito bem decidiu o tribunal a quo, por não constituírem matéria conclusiva.
               8.   Porque aqueles factos só integravam o elenco dos factos provados por resultarem da avaliação feita de toda a prova produzida em sede da audiência de discussão e julgamento, como os presentes autos disso são seu testemunho.
               9.   Donde resulta que só por uma errada aplicação do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil [se] tornou possível a eliminação dos referidos factos 34.º e 35.º, para seguidamente se obter a decisão de considerar ilícito o despedimento da trabalhadora, Recorrida.
             10.   No caminho feito desconsiderou-se que a trabalhadora, Recorrida, no âmbito da sua relação de trabalho e ao serviço do Banco, Recorrente, devia proceder de boa-fé, como vem consagrado no artigo 126.º do Código do Trabalho e artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil.
             11.   Bem como, estava a trabalhadora, Recorrida, obrigada aos deveres de obediência, lealdade, zelo e honestidade, ínsito[s] no artigo 128.º, n.º 1, alíneas c), e) [e] f), e n.º 2, do Código do Trabalho.
             12.   Deste modo, os Venerandos Desembargadores julgaram normal e admissível toda a atuação assumida pela Autora, sem encontrar qualquer óFFe ao facto de ter pedido dinheiro emprestado a uma cliente da sua carteira, CC.
             13.  Como também era normal e admissível que a Autora tivesse na sua posse os cartões de Multibanco e DD daquela cliente, e ter associado aos cartões e à conta bancária da cliente o seu número de telemóvel.
             14.  E que tivesse movimentado a conta daquela cliente, fazendo levantamentos em proveito próprio e para proveito de terceiros, seus familiares, para pagamento de cartões de crédito, pessoais e de familiares.
             15.   Pois este julgamento feito, além de errado, é contrário à lei, bem como contrário ao entendimento deste Supremo Tribunal de Justiça, como se pode retirar em diferentes acórdãos, nomeadamente no Ac. do STJ de 01/08/2013, proferido no [processo n.º] 447/10.4TTVNF.P1.S1, [relatado] pelo Sr. Juiz Conselheiro Fernandes da Silva, o que se traduz numa verdadeira recompensa para a trabalhadora, Recorrida.
             16.   Quando a Autora, Recorrida, agiu com culpa.
             17.   Tanto assim é que a Autora conhecia e bem sabia da gravidade do seu comportamento, porque quando teve necessidade de pagar, na totalidade, o empréstimo que solicitara junto da cliente, socorreu-se da sua hierarquia, no Banco, para pedir um crédito no montante de 105.000,00 €, ao abrigo da linha destinada a colaboradores em situação de stress financeiro, a quem mentiu da razão que a levaram a recorrer àquela linha, tentando esconder os pedidos de empréstimo que fizera à cliente (factos provados 24.º, 25.º, 26.º, 27.º e 28.º).
              18.   Aliás, deste facto não restam quaisquer dúvidas, porque a própria trabalhadora confessou, não obstante de nada ter servido para o julgamento ad quem.
             19.   Razão pela qual […] temos de concluir que a Autora foi bem despedida, pela violação dos deveres laborais a que estava obrigada, de obediência, zelo, lealdade e honestidade, o que constituiu fundamento para a justa causa de despedimento nos termos do disposto no artigo 351.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a) e e) do Código do Trabalho.
             20.  Por isso, o despedimento da Autora, promovido pelo Banco, Recorrente, foi lícito, porque feito com justa causa.»

Termina pedindo a revogação do aresto recorrido e a absolvição do pedido.
A trabalhadora contra-alegou e respondeu às novas conclusões apresentadas, sustentando a confirmação do julgado e aduzindo, em suma, que «[o] teor dos factos números 34.º e 35.º é manifestamente conclusivo, contendo considerações em ordem à discussão jurídica da justa causa de despedimento, juízos de valor e entendimentos qualificativos, não se restringindo [a] factos objetivos, conforme a lei determina», e que não está configurada «a violação dos deveres jurídico-laborais que o Recorrente invoca e não ocorreu a prática de infração laboral por parte da Recorrida, atenta a materialidade subjacente à situação sindicada nos autos», pelo que «o despedimento em causa é ilícito e como tal inválido, inexistindo justa causa para despedimento».

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido de que devia ser negada a revista e mantida a deliberação recorrida, tendo anotado que a discordância da recorrente quanto aos factos eliminados pela Relação não se inscreve nos apertados parâmetros em que é possível ao Supremo Tribunal de Justiça sindicar o modo como Tribunal recorrido fixou os factos materiais da causa e, num outro plano de consideração, que «a conclusão a que chegou o acórdão recorrido no sentido da inexistência de infração disciplinar encontra respaldo na matéria de facto provada nos pontos 42.º a 79.º», aditando que, «mesmo a entender-se existir infração disciplinar, no particular contexto em que a mesma teria sido praticada, que resulta da matéria de facto provada, […] e tendo em conta os antecedentes da Autora, ao cabo e ao resto uma trabalhadora com um percurso profissional de grande mérito, de muita dedicação à entidade patronal, sem qualquer antecedente disciplinar e em que a conduta sancionada nenhuma […] repercussão teve na esfera da entidade patronal, a análise global da situação em causa (na perspetiva atendível da gravidade da conduta infracional, avaliada em si e nas suas consequências e atendendo ao grau de culpa da infrator) não permite concluir pela existência de uma situação de impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação laboral, equivalente à inexistência ou inadequação prática de medida alternativa à extinção do vínculo».

O aludido parecer, notificado às partes, não motivou qualquer resposta.
3. No caso, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar, segundo a ordem de precedência lógica que entre as mesmas intercede:

              Se a eliminação dos n.os 34 e 35 da matéria de facto considerada provada pelo tribunal de 1.ª instância carece de fundamento legal (conclusões 6.ª a 9.ª da alegação do recurso de revista);
               Se o despedimento da trabalhadora foi lícito, por se verificar justa causa (conclusões 1.ª a 5.ª e 10.ª a 20.ª da alegação do recurso de revista).

Preparada a deliberação, cumpre julgar o objecto do recurso interposto.

                                               II

1. As instâncias deram como provados os factos seguintes:
1) A trabalhadora AA foi admitida ao serviço da entidade empregadora, BB, S.A., em 03/08/1981, com antiguidade bancária considerada desde 28/07/1980;
 2) No dia 22/12/2014, a trabalhadora foi informada pela entidade empregadora da suspensão preventiva das suas funções, tendo-lhe sido comunicado que decorria investigação preliminar sobre indícios de factos graves que lhe eram imputáveis e que a sua presença ao serviço era inconveniente para a averiguação de tais factos;
3) Por carta registada, datada de 10 de março de 2015, rececionada a 12 de março de 2015, foi comunicado à trabalhadora EE, pela entidade empregadora, a intenção desta de despedir a trabalhadora com justa causa, na qual anexou a Nota de Culpa (ora dada por integralmente reproduzida);
4) Na nota de culpa constam os fundamentos que a entidade empregadora aduziu como constitutivos de justa causa de despedimento imputados à trabalhadora, e que aqui se dão inteiramente por reproduzidos para os legais efeitos;
5) No exercício das suas funções de gestora NB 360º, no Balcão de ..., a trabalhadora utilizou, em proveito próprio, fundos pertencentes a CC, titular da conta n.º ...e da conta n.º ...[redação alterada pelo Tribunal da Relação];
6) Servindo-se da sua especial condição de trabalhadora bancária, do BB, e gestora da cliente, CC, que pertencia à sua carteira, e com quem mantinha uma relação de amizade de longa data, pediu-lhe dinheiro emprestado para fazer face a obras de melhoramento num pavilhão industrial, sito na ..., de que era proprietária;
7) Respondendo ao pedido, a cliente CC, porque da sua gestora se tratava e porque era sua amiga, entregou à trabalhadora três cheques n.º …, datado de 04/07/2013, n.º …, datado de 20/11/2013, e n.º .., datado de 12/05/2014, nos montantes de € 120.000,00, € 18.250,00 e € 102.993,00, respetivamente, totalizando o montante de € 241.243,00, sendo os dois primeiros debitados na conta da cliente com o n.º ...e o último na conta da cliente com o n.º …;
8) A trabalhadora, na posse dos cheques, depositou-os na sua conta n.º … de que era titular no Banco FF;
9) Entre 10/10/2013 e 20/06/2014, a trabalhadora movimentou a conta da cliente, CC, em proveito próprio, para fazer pagamentos de cartões de crédito por si titulados e de seus familiares diretos, no montante total de € 17.542,96;
10) A trabalhadora fez igualmente levantamentos em numerário, em ATM, no montante de € 5.150,00;
11) A Trabalhadora, com esta movimentação, utilizou € 22.692,96, que pertenciam à cliente CC [redação alterada pelo Tribunal da Relação];
12) Para concretizar as referidas movimentações e satisfazer os seus interesses, a trabalhadora utilizou o cartão DD e o cartão Multibanco da cliente, CC, que tinha na sua posse;
13) Os cartões da cliente, que a trabalhadora utilizou, foram por ela inseridos no sistema, incluindo o respetivo pedido;
14) O cartão DD da cliente, que a trabalhadora mantinha na sua posse para fazer pagamentos dos cartões de crédito, foi pedido por esta, em 08/03/2013, tendo sido anulado, em 23/12/2014;
15) A trabalhadora associou ao cartão DD o seu telefone pessoal com o n.º …, para receber os códigos de confirmação para as transações por si efetuadas, que eram enviadas via SMS;
16) Estando aquele contacto telefónico da trabalhadora associado às duas contas da cliente;
17) A trabalhadora fez três pagamentos de cartões de crédito, dois da conta cartão por si titulada e uma da conta cartão titulada pelo seu marido, Sr. GG, que totalizaram € 4.165,35, tendo para o efeito debitado a conta n.º …, cujo primeiro titular da conta era o ex-marido da cliente, HH, que já tinha falecido e a segunda titular a cliente, conforme quadro que segue:
Data       Conta Cartão          Titular        Montante      Hora
21/10/2013                                    AA 1.101,30     09:04
13/11/2013             GG 1.166,00      09:56
18/11/2013                                         AA        1.898,05       09:58
18) A trabalhadora utilizou, de igual modo, em proveito próprio, o cartão Multibanco n.º …, da cliente CC, cujo pedido foi feito e assinado pela cliente, em 09.10.2013, para pagamento do cartão de crédito da trabalhadora, assim como de seus familiares diretos, para além de ter efetuado diversos levantamentos em numerário na ATM;
19) Em 10/10/2013, a trabalhadora utilizou o cartão pela primeira vez para fazer um levantamento em ATM, no montante de € 150,00, que continuou a utilizar até o [dia] 20/06/2014;
20) A trabalhadora, conforme quadro que se segue, utilizou o cartão DD da cliente, debitando a conta n.º …, titulada também pela cliente, pelo montante de € 13.377,61, para fazer oito pagamentos de cartões de créditos, quatro da conta cartão por si titulada, três da conta cartão titulada pelo seu marido, Sr. GG, e a uma da conta cartão titulada pelo seu genro, Sr.:
          Data        Conta Cartão          Titular                 Montante     Hora
     21/03/2014                                 AA                  1.040,11    18:54
     10/04/2014                          GG                  2.383,85     13:12
     16/04/2014                              AA                 2.644,85     09:29
     24/04/2014                                  AA               1.162,22     14:09
     29/04/2014                          II                      974,01     15:31
     15/05/2014         GG                  1.176,18     16:23
     30/05/2014      AA                 1.567,77     20:37
     20/06/2014     GG            2.428,62    18:23
21) A trabalhadora fez todas as transações identificadas no quadro acima, na ATM n.º …., do Balcão da ...;
22) A trabalhadora fez 28 levantamentos em numerário nas ATM n.º …. e n.º …, localizados no Balcão da ..., da entidade empregadora, onde trabalhava;
23) Tendo efetuado o levantamento dos seguintes montantes da conta n.º …, titulada pela cliente:
           Data               Montante       Hora       Anexo
      10/10/2013             150,00        18:39         20
      17/10/2013             200,00         19:24         21
      17/10/2013             200,00         19:24         22
      29/10/2013             150,00         18:52         23
      02/11/2013             150,00         11:25         24
      27/11/2013             200,00         18:03         25
      20/12/2013             200,00         13:11         26
      06/01/2014             150,00         18:41         27
      17/01/2014             200,00         19:39         28
      07/02/2014             150,00         08:58         29
      07/02/2014             150,00         08:58         30
      13/02/2014             200,00         19:00         31
      21/02/2014             150,00         19:11         32
      28/02/2014             150,00         19:22         33
      14/03/2014             200,00         18:51         34
      14/03/2014             200,00         18:52         35
      20/03/2014             200,00          08:40        36
      30/03/2014             150,00          18:16        37
      31/03/2014             200,00          19:38        38
      04/04/2014             200,00          19:30        39
      04/04/2014             200,00          19:31        40
      24/04/2014             200,00          14:08        41
      30/04/2014             200,00          19:02        42
      01/05/2014             200,00          10:28        43
      13/05/2014             200,00          13:11        44
      30/05/2014             200,00          20:38        45
      13/06/2014             200,00          14:15        46
      13/06/2014             200,00          14:16        47
24) Em 14/07/2014 e em 05/09/2014, a trabalhadora, para amortizar o pagamento do empréstimo que recebeu da cliente, CC, depositou na conta n.º …, titulada pela cliente, dois cheques, sacados sobre o Banco FF, n.º … e n.º …, nos montantes de € 95.000,00 e € 46.695,00, respetivamente;
25) Apesar desta entrega, a arguida continuou devedora de € 99.548,00;
26) A trabalhadora como não tinha podido pagar na totalidade o empréstimo que pediu à cliente, formalizou junto da sua hierarquia um pedido de crédito, no montante de € 105.000,00, ao abrigo da linha destinada a colaboradores em situação de stress financeiro, conforme havia feito em 05/01/2012 e pelo montante de € 100.000,00;
27) A trabalhadora não disse logo à sua hierarquia quais as razões que a levaram a recorrer àquela linha, tentando esconder os pedidos de empréstimo à cliente;
28) Inicialmente, a trabalhadora afirmou que o crédito se destinaria a liquidar dívidas judiciais, para seguidamente dizer que era para regularizar um empréstimo particular que lhe tinha sido concedido pelo seu irmão e, finalmente, depois de confrontada diferentes vezes pela sua hierarquia, assumiu que se destinava a satisfazer o pagamento de um crédito que pediu a uma cliente da sua carteira;
29) As movimentações que a trabalhadora fez nas contas da cliente destinavam-se, não só para fazer o pagamento do empréstimo, como para ressarcir a cliente dos montantes que tinha utilizado [redação alterada pelo Tribunal da Relação];
30) A trabalhadora geria a conta da cliente, guardando consigo o documento de “Consulta de Saldos e Movimentos do Contrato n.º …”, titulada pela cliente, com anotações suas, designadamente, dos montantes por si utilizados para pagar os cartões de crédito – € 17.542,96; dos levantamentos de numerário em ATM – € 5.150,00, e, com a menção de “Haver – € 106.711,65” [redação alterada pelo Tribunal da Relação];
31) Junto com a “consulta de Saldos e Movimentos”, a trabalhadora tinha vários extratos das contas n.º ...e n.º …, tituladas pela cliente, com a indicação de alguns dos movimentos, e respetivos montantes, que tinha utilizado em proveito próprio;
32) A trabalhadora, como tinha alienado em 08/01/2015 o pavilhão industrial de que era proprietária, e onde haviam sido efetuadas as obras, creditou a conta n.º …, titulada pela cliente, com o depósito do cheque n.º …9, datado de 09.01.2015, sacado sobre a conta n.º …, junto do BB que era titular, no montante de € 105.000,00;
33) Em 12/01/2015, a trabalhadora, para ressarcir a cliente com todos os fundos que se tinha apropriado, creditou a conta da cliente n.º ...com um depósito no montante de € 9.900,00 e, em 13/01/2015, com um depósito no montante de € 3.600,00, e, finalmente, em 17/01/2015, com o depósito de um cheque n.º …, sacado sobre a conta n.º …, titulada pela trabalhadora, no montante de € 3.741,00, ressarcindo assim a totalidade do valor que tinha utilizado;
34) A trabalhadora sabia que lesava os interesses do Banco e punha em causa a sua imagem, que competia preservar e promover [o Tribunal da Relação deu como não escrita esta proposição, por considerar tratar-se de matéria conclusiva];
35) A trabalhadora usou não apenas a sua relação de amizade com a cliente mas também a sua posição de Gestora e trabalhadora do Banco para lhe pedir dinheiro emprestado e para movimentar contas da cliente para satisfazer os seus interesses, apropriando-se com fundos da cliente [o Tribunal da Relação deu como não escrita esta proposição, por considerar tratar-se de matéria conclusiva];
36) A trabalhadora respondeu ao teor da nota de culpa (dando-se como reproduzida na íntegra o teor dessa resposta), indicando prova testemunhal e documental, conforme teor dos artigos 1.º a 104.º da resposta à nota de culpa;
37) No dia 4 de maio de 2015, em autos de inquirição, foram ouvidas pela entidade empregadora, as testemunhas indicadas pela trabalhadora, Sr.ª D. CC, Sr. Dr. JJ, Sr. KK, Sr. LL, Sr.ª Dr.ª MM e Sr.ª Dr.ª NN, como consta dos autos de inquirição juntos aos autos, a fls. (117)/118 e ss. dos autos (igualmente dados por reproduzidos na íntegra);
38) A Comissão Nacional de Trabalhadores emitiu parecer, em 26 de maio de 2015, sobre o processo disciplinar movido pela entidade empregadora à trabalhadora tendo concluído pelo arquivamento do processo disciplinar, porquanto considerou que inexistiam motivos que justificassem o despedimento da trabalhadora como consta de fls. 133 e v. (igualmente dado por reproduzido na íntegra);
39) A entidade empregadora, na deliberação que tomou em 11 de Junho de 2015, considerou, além do mais, e concluiu que
                  «[…] Por isso, e com toda a clareza se conclui que o comportamento da arguida reveste-se de extrema gravidade não só pela ilicitude dessa atuação, mas também pela especial condição de trabalhadora bancária, sabendo conscientemente que lesava os interesses do banco como punha em causa a sua imagem que competia preservar e promover.
                      Tanto assim é, que nada pode justificar o comportamento assumido, pelo que a sua carreira e antiguidade no Banco, como mencionado na defesa, não podem traduzir-se como atenuantes mas, numa agravante, dado que por esse efeito era-lhe exigida maior responsabilidade.
                     Assim, a violação dos deveres de obediência, zelo, lealdade e honestidade, tratando-se de deveres absolutos que são impostos na execução do contrato de trabalho, quando violados não são passíveis de graduação em termos de sanção, já que a necessária relação de confiança, alicerce do contrato se encontra irremediavelmente quebrado de forma definitiva.
                     Deste modo, tudo visto e ponderado, anuindo o enquadramento legal falado na nota de culpa, atendendo às circunstâncias agravantes e atenuantes que dos autos resultam, bem como do parecer da Comissão Nacional de Trabalhadores, o Conselho de Administração delibera aplicar à trabalhadora AA, por justa e adequada, a sanção prevista na alínea f) do n.º 1 da cláusula 117.ª do ACT para o Sector Bancário: Despedimento sem qualquer indemnização ou compensação.»
40) A trabalhadora foi notificada da deliberação final do Conselho de Administração da entidade empregadora por carta registada, datada de 19 de junho de 2015 e recebida pela trabalhadora, em 23 de junho de 2015;
41) À data do despedimento, a trabalhadora detinha a categoria profissional de Promotora Comercial e auferia uma remuneração mensal de € 2.918,20;
42) A trabalhadora conhece a cliente, Sra. D. CC, bem como conhecia o seu falecido marido, Sr. HH, há cerca de 30 anos;
43) No âmbito dessa relação, além da vertente profissional, gerou-se um relacionamento pessoal de grande amizade entre o citado casal e a trabalhadora;
44) Sendo mútuas visitas de casa;
45) A trabalhadora prestou apoio ao casal e, particularmente, à Sra. D. CC, após a morte do marido, Sr. HH, em 2013;
46) Apoio que se concretizava inclusivamente no auxílio nas mais diversas tarefas do dia-a-dia, como por exemplo a aquisição de bens e alimentos necessários à subsistência da Sra. D. CC;
47) Isto porque a Sra. D. CC, após a morte do Sr. HH, deixou de ter qualquer apoio familiar, dado ter apenas um filho, que padece de deficiência mental profunda, encontrando-se internado numa instituição, e não ter irmãos ou irmãs;
48) Em resultado do referido relacionamento de amizade, a Sra. D. CC, bem como o Sr. HH, [conheciam] bem a vida pessoal da trabalhadora;
49) Conhecendo o citado casal a necessidade de realização de obras num pavilhão industrial de que a trabalhadora e seu marido eram proprietários desde 1997, chegaram a dizer-lhes que estavam disponíveis para lhes prestar auxílio financeiro para a reconstrução do pavilhão, com vista à respetiva venda;
50) Disponibilidade que a trabalhadora foi agradecendo, mas que, inicialmente, não aceitou;
51) A partir de fevereiro de 2010, a vida pessoal da trabalhadora conheceu um sério revés, em virtude do acidente vascular cerebral que o seu marido sofreu, com impacto muito negativo na vida pessoal e profissional deste, tendo deixado sequelas que ainda hoje se mantêm;
52) O que redundou também em dificuldades financeiras, em resultado da perda de rendimentos motivada pela supra referida situação de saúde do marido da trabalhadora;
53) Dificuldades que derivavam ainda do incumprimento do contrato de venda das ações da empresa “OO”, da qual o marido da trabalhadora era proprietário, o que motivou que fosse intentada uma ação judicial, que teve provimento, mas que não se encontra integralmente cumprida, tendo sido recebidos cerca de 15.000,00 € dos 60.000,00 € a receber;
54) Foi neste enquadramento e com vista a viabilizar a venda do supracitado pavilhão industrial, que ocorreu o empréstimo pessoal da cliente, Sra. D. CC;
55) Tendo a trabalhadora recebido da referida cliente a autorização para movimentação das contas bancárias daquela, quer por via da utilização do cartão Multibanco, quer por via da utilização do cartão DD, detidos pela trabalhadora;
56) O Sr. KK, ex-trabalhador bancário nomeadamente na agência do PP, na ..., que tratava dos assuntos da Sra. D. CC, sabia igualmente da situação e dos movimentos que iam sendo efetuados e, previamente ao procedimento disciplinar, confirmou isso mesmo às hierarquias da trabalhadora;
57) Em meados de 2014, o Sr. KK informou a trabalhadora que era necessário proceder à liquidação integral do empréstimo pessoal que lhe fora concedido;
58) Isto porque iria iniciar-se o processo de habilitação de herdeiros e subsequentes partilhas relativamente à herança aberta por óbito do Sr. HH, marido da Sra. D. CC;
59) Sendo que o Sr. KK pediu à trabalhadora que mantivesse sigilo sobre o citado empréstimo para evitar eventuais problemas para a Sra. D. CC com familiares, nomeadamente com os cunhados, que não obstante não serem herdeiros, naquele momento, poderiam suscitar questões junto da D. CC;
60) A trabalhadora ressarciu na íntegra a cliente, Sr.ª D. CC, dos montantes por si recebidos da cliente;
61) A conduta profissional da trabalhadora, mormente quanto à cliente em causa, manteve-se inalterada;
62) O Sr. KK conhecia a movimentação da conta da cliente em causa, tanto mais que estava presente em muitas conversas entre a trabalhadora e a Sra. D. CC;
63) A trabalhadora tinha na sua posse o documento mencionado no ponto 39.º da nota de culpa, manuscrito por si (referido em 30.º destes factos), onde registava os montantes que teria de devolver à cliente;
64) Tal documento bem como os restantes documentos mencionados no ponto 40.º da nota de culpa (referido em 31.º destes factos) eram guardados pela trabalhadora na agência, onde poderiam, como puderam, ser facilmente encontrados pelos serviços de inspeção do Banco;
65) Ainda em vida do Sr. HH, os clientes solicitaram o cancelamento do envio dos extratos por CTT, em virtude de ocorrerem extravios, tendo subscrito o extrato digital;
66) E, nessa medida, dirigiam-se regularmente à agência, entregando-lhe a trabalhadora a impressão do respetivo extrato, prática que continuou a ocorrer após o falecimento do Sr. HH, quer por via das deslocações da D. CC à agência, quer por via de deslocações da trabalhadora a casa desta;
67) A trabalhadora sempre exerceu as suas funções com zelo, honestidade e dedicação, empenhando-se no cumprimento das tarefas que lhe foram cometidas;
68) Sempre foi uma trabalhadora preocupada e ativamente empenhada no integral cumprimento das normas legais e internas e das instruções que recebe;
69) A sua postura e dedicação valeu-lhe o reconhecimento do próprio Banco;
70) Sendo uma trabalhadora respeitada por colegas e superiores hierárquicos, sempre tendo revelado empenho no cumprimento dos seus deveres para com o Banco;
71) A trabalhadora mereceu excelente reputação no balcão e na praça comercial da ..., na qual sempre desempenhou funções ao serviço da entidade empregadora;
72) Merecendo e preservando a confiança dos clientes, que fidelizava;
73) Cumprindo os objetivos comerciais que lhe foram sendo sucessivamente fixados pelo Banco, com particular mérito a este propósito;
74) Além disso, sempre se preocupou em transmitir uma boa imagem do Banco;
75) Trabalhando entre 10 a 12 horas diárias;
76) A trabalhadora não tem registo de qualquer antecedente disciplinar;
77) A trabalhadora sente-se afetada no seu sistema nervoso, encontrando-se a ser acompanhada por especialista em psiquiatria, desde 13 de Janeiro de 2015, sendo medicada, designadamente ..., ... e ... (cardiologia) e ..., ..., ... ... e ... ... (psiquiatria) [redação alterada pelo Tribunal da Relação];
78) Isolou-se e afastou-se da sua vida social;
79) Sente angústia com a sua atual situação.

2. A empregadora sustenta que o acórdão recorrido teve «como fundamento o errado julgamento na reapreciação da decisão da matéria de facto que conduziram para a eliminação do elenco dos factos provados, os factos provados 34.º e 35.º», que não configuravam matéria conclusiva, integrando «o elenco dos factos provados por resultarem da avaliação feita de toda a prova produzida em sede da audiência de discussão e julgamento», sendo que tal eliminação só terá sido possível «por uma errada aplicação do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil».

Neste particular, em sede de impugnação da decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto provada, o aresto recorrido enunciou a fundamentação seguinte:

                   «Prosseguindo, temos que a apelante pugna pela eliminação dos factos 34 e 35, que têm a seguinte redação:
                 34.º - A Trabalhadora sabia que lesava os interesses do Banco e punha em causa a sua imagem, que competia preservar e promover.
                  35.º - A Trabalhadora usou não apenas a sua relação de amizade com a cliente mas também a sua posição de Gestora e trabalhadora do Banco para lhe pedir dinheiro emprestado e para movimentar contas da cliente para satisfazer os seus interesses, apropriando-se com fundos da cliente.
                      Trata-se de matéria claramente conclusiva – discutindo-se a justa causa de despedimento, o comportamento do trabalhador que torna prática e imediatamente impossível a subsistência da relação de trabalho, o conteúdo desses pontos encerra claramente juízos de valor em relação a esse mesmo comportamento.
                  Por imposição do art. 646.º, n.º 4, do anterior CPC, tinham-se por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito ou, o que é o mesmo, conclusivas. O mesmo deve considerar-se no quadro do atual CPC, na medida em que o juiz deve considerar apenas os factos que considera provados ou não provados (art. 607.º, n.os 3, 4 e 5), do que resulta dever ser afastada a matéria notoriamente conclusiva. Se apenas a matéria de facto releva para a decisão final, ela deve apresentar-se isenta de considerações jurídicas ou conclusivas que apenas devam ter leitura na apreciação de direito.
                      Assim, eliminam-se esses pontos 34 e 35.»

A questão de saber se os n.os 34 e 35 da matéria de facto julgada provada no tribunal de 1.ª instância contêm matéria conclusiva e, por isso, devem dar-se como não escritos, não resulta do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto questionada, hipótese em que não caberia recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do n.º 4 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, mas antes decorre da estrita aplicação de um critério normativo extraído do n.º 3 do artigo 607.º do mesmo Código, enquanto fundamento da distinção entre questão de facto e de direito, pelo que, versando afinal sobre matéria de direito, não está vedada ao conhecimento deste Supremo Tribunal.

Estabelece o n.º 3 do artigo 607.º do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem os preceitos adiante citados, sem menção da origem, que o juiz, na elaboração da sentença, deve «discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes».

E o n.º 4 da mesma disposição legal determina que «[n]a fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência».

Tais normas aplicam-se aos acórdãos proferidos pela Relação, por força do disposto no n.º 2 do artigo 663.º, sendo que o mencionado complexo normativo se projeta, subsidiariamente, nos processos de natureza laboral, em conformidade com o disposto no artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho.

No n.º 34 da matéria de facto tida como provada pela 1.ª instância constava que «[a] trabalhadora sabia que lesava os interesses do Banco e punha em causa a sua imagem, que competia preservar e promover» e no n.º 35 da mesma matéria de facto acolheu-se que «[a] trabalhadora usou não apenas a sua relação de amizade com a cliente mas também a sua posição de Gestora e trabalhadora do Banco para lhe pedir dinheiro emprestado e para movimentar contas da cliente para satisfazer os seus interesses, apropriando-se com fundos da cliente», itens que o Tribunal da Relação considerou como não escritos, por entender que se tratava de matéria conclusiva.
Ora, as questionadas proposições, pese embora algum défice de densificação e concretização no plano factual, não se reconduzem ao uso de conceitos normativos de que dependa a solução, no plano jurídico, do caso sub judice, contendo antes um inquestionável substrato factual, minimamente consistente, que deve ser interpretado em conexão com os restantes segmentos que integram o acervo factual considerado provado, nomeadamente os factos provados n.os 5 a 23, 26 a 31, 42 a 55 e 63, dos quais resulta que a trabalhadora utilizou, em proveito próprio, fundos pertencentes a uma cliente da empregadora, servindo-se não apenas da sua relação de amizade com essa cliente, mas também da condição de trabalhadora bancária e gestora de conta.

Assim, carece de fundamento a eliminação dos ditos segmentos da matéria de facto, porque os mesmos consubstanciam o mínimo de densidade factual exigível, termos em que os referidos n.os 34 e 35 da matéria de facto devem subsistir no elenco da matéria de facto provada, tal como foi decidido pelo tribunal de 1.ª instância.

Procedem, pois, as conclusões 6.ª a 9.ª da alegação do recurso de revista.

Será, portanto, com base no acervo factual anteriormente enunciado que terá de ser resolvida a questão central suscitada no recurso em apreciação.

3. A recorrente alega que o acórdão recorrido ao julgar «normal e admissível toda a atuação assumida pela Autora, sem encontrar qualquer óFFe ao facto de ter pedido dinheiro emprestado a uma cliente da sua carteira, CC» e ainda «normal e admissível que a Autora tivesse na sua posse os cartões de Multibanco e DD daquela cliente, e ter associado aos cartões e à conta bancária da cliente o seu número de telemóvel», movimentando «a conta daquela cliente, fazendo levantamentos em proveito próprio e para proveito de terceiros, seus familiares, para pagamento de cartões de crédito, pessoais e de familiares», fez um julgamento, que, além de errado, é contrário à lei, e que «se traduz numa verdadeira recompensa para a trabalhadora, Recorrida», que «agiu com culpa», já que «conhecia e bem sabia da gravidade do seu comportamento, porque quando teve necessidade de pagar, na totalidade, o empréstimo que solicitara junto da cliente, socorreu-se da sua hierarquia, no Banco, para pedir um crédito no montante de € 105.000,00, ao abrigo da linha destinada a colaboradores em situação de stress financeiro, a quem mentiu da razão que a levaram a recorrer àquela linha, tentando esconder os pedidos de empréstimo que fizera à cliente».

Mais propugna que «a Autora foi bem despedida, pela violação dos deveres laborais a que estava obrigada, de obediência, zelo, lealdade e honestidade, o que constituiu fundamento para a justa causa de despedimento, nos termos do disposto no artigo 351.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a) e e) do Código do Trabalho».

A sentença do tribunal de 1.ª instância considerou verificada a justa causa de despedimento da trabalhadora, alinhando a seguinte argumentação:

                 «[…] entendemos que, ponderando e sopesando todo o circunstancialismo fáctico que se deu como provado, ficou destruída totalmente [a] relação fiduciária decorrente do contrato de trabalho celebrado pelas partes, atenta a gravidade da conduta da Trabalhadora e o facto de a mesma trabalhar para uma instituição bancária.
                 De facto, trata-se de uma trabalhadora que, com uma categoria profissional já assinalável (“gestora”) e com uma antiguidade considerável no Banco em que trabalhava, aceitou que uma cliente (da sua carteira) lhe concedesse um empréstimo (fracionado em três cheques) e, bem assim, utilizou os cartões desta sua cliente, em seu proveito pessoal, tendo em vista fazer face a necessidades suas e de seus familiares. Não se descura que a cliente em causa terá autorizado essa utilização, o que permitiria mitigar a ilicitude da conduta da Trabalhadora. Não se ignora também que não se provou que a conduta da Trabalhadora tenha tido reflexos concretos na imagem externa do Banco ou que lhe tenha provocado algum prejuízo patrimonial, sendo certo que é de atender ao facto de a Trabalhadora ter devolvido à cliente as quantias que movimentou e utilizou da conta bancária da cliente. Poder-se-á dizer que se tratou de um ato de gestão da vida privada da Trabalhadora, contudo não pode, a nosso ver, e salvo melhor opinião, ser dissociado deste comportamento a atividade que a Trabalhadora desempenhava concretamente para a instituição bancária, atividade que lhe permitia ter um conhecimento privilegiado da situação financeira da cliente e acesso fácil a documentação existente no Banco.
                  A Trabalhadora manteve uma situação de confusão de interesses entre a sua vida pessoal e profissional, potenciadora de situações de conflitos entre a cliente em causa e a Entidade Empregadora, confusão esta suscetível de lesar a imagem desta no mercado e da confiança dos clientes nas instituições bancárias e que é essencial ao funcionamento daquela atividade.
                      Os factos descritos integram, pois, a violação dos deveres laborais a que a Trabalhadora estava adstrita — art. 128.º, n.º 1, alíneas c), e) e f) do Código do Trabalho, cuja gravidade é elevada e revestem uma especial censurabilidade, não só a nível da culpa como da ilicitude e, por outro, as funções desempenhadas pela Trabalhadora desde há longa data impunham-lhe e exigiam-lhe um comportamento bem mais conforme com os ditames regulamentares, tendo por certo que a antiguidade da Trabalhadora na Entidade Empregadora e a consideração da Entidade Empregadora pelo trabalho da Trabalhadora em apreço faria esperar de si um exercício laboral mais conforme com as regras estabelecidas.
                  Aludiu ainda a Trabalhadora, como fundamentos que permitiriam mitigar a sua culpa, ao facto de não ter antecedentes disciplinares e tratar-se de uma profissional de reconhecido mérito no seio da instituição financeira em causa. Pese embora se tratem de elementos de relevo, não pode deixar-se de notar, no entanto, a atitude da Trabalhadora ao procurar omitir, junto da hierarquia, a sua conduta quando foi confrontada com a necessidade de justificar e comprovar a necessidade de um crédito, reconhecendo, ela própria, pelo menos implicitamente, a gravidade da sua conduta. Ora, conforme se aludiu em julgamento, os trabalhadores bancários conhecem e regem-se por um Código de Conduta (código esse que é facilmente consultável, no caso do PP/BB, no site www.BB.pt/site/cms.aspx) que impõe, nomeadamente, que os colaboradores abster-se-ão de utilizar a sua posição na hierarquia ou na estrutura do GPP para obter qualquer vantagem, para si próprio, para a sua família ou para quaisquer terceiros e não ...rerão com o Grupo. Por outro lado, no que concerne aos conflitos de interesses, dita o Código de Conduta (ponto 3.5) que ocorre um conflito de interesses sempre que: a) um interesse privado de um Colaborador interfira ou possa interferir com o desempenho da sua atividade (…).
                      […]
                  Cremos, pois, que o comportamento que a Trabalhadora adotou tornou imprevisível para a Entidade Empregadora saber se, no futuro, o mesmo comportamento (ou similar) não se repetirá.»

Diversamente, o acórdão recorrido concluiu pela ilicitude do despedimento, entendendo que a trabalhadora não praticou qualquer infração disciplinar, afirmando:  

                «Com efeito, estamos, apesar de ter sido adotado pela Autora na qualidade de gestora de clientes, perante uma ato da vida privada da mesma, que em nada se repercutiu na relação laboral.
                      Com vista à obtenção do empréstimo de uma cliente, com quem tinha uma especial relação de amizade, a Autora utilizou os cartões bancários desta e movimentou a conta da mesma, tudo com autorização e conhecimento da cliente. Veio a reembolsar, também de acordo com a mesma, o dito empréstimo.
                     Atuou em nome e em substituição da amiga, com o consentimento desta. Realizou operações bancárias autorizadas por aquela cliente, que sempre seriam efetuadas caso essa cliente/amiga se deslocasse ao balcão ou utilizasse ela própria os cartões bancários. Se a amiga tivesse ido ao balcão fazer ela própria as operações necessárias ao empréstimo e à liquidação, mesmo que com a ajuda material e presencial da trabalhadora, tudo se passaria da mesma forma.
                     Acresce que a Autora tinha na sua posse o documento mencionado no facto 30, onde registava os montantes que teria de devolver à cliente, sendo que tal documento, bem como os restantes documentos mencionados no facto 31,  eram guardados pela Autora na agência, onde poderiam, como puderam, ser facilmente encontrados pelos serviços de inspeção do Banco, o que revela que a trabalhadora de modo algum pretendeu esconder do Réu todas as operações efetuadas em relação à cliente em questão.
               E não está provado que esse modus operandi fosse proibido pelo banco, que fosse contra qualquer diretiva do mesmo. É certo que a sentença faz referência ao código do conduta do BB, disponível no site que identifica (e a que se terá aludido no julgamento, segundo as palavras da Sr.ª Juíza). Contudo, tal código de conduta não faz parte do elenco dos factos provados, nem o Réu alegou que o mesmo existisse ou fez verter o mesmo na nota de culpa e na decisão de despedimento. E, como se sabe, no processo de impugnação do despedimento o empregador  apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador — art. 98.º-J do CPT.
                     A circunstância de ter num primeiro momento omitido, perante o Réu, a finalidade do crédito a que se refere o facto 26, aparece, no contexto global, como desprovido de relevância para a qualificação da conduta da Autora como infração disciplinar.»

3.1. A proibição dos despedimentos sem justa causa recebeu expresso reconhecimento constitucional no artigo 53.º da Lei Fundamental, subordinado à epígrafe «Segurança no emprego» e inserido no capítulo III («Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores»), do Título II («Direitos, liberdades e garantias») da Parte I («Direitos e deveres fundamentais»).
No plano infraconstitucional, estando em causa um despedimento efetuado em 23 de junho de 2015, há que atender à disciplina legal do despedimento por facto imputável ao trabalhador contida no Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, em vigor a partir de 17 de Fevereiro de 2009, diploma a que pertencem os demais preceitos a citar adiante, sem menção da origem.

De acordo com o n.º 1 do artigo 351.º constitui justa causa de despedimento «o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho».

O conceito de justa causa formulado neste normativo integra, segundo o entendimento generalizado tanto na doutrina, como na jurisprudência, três elementos: a) um elemento subjectivo, traduzido num comportamento culposo do trabalhador, por acção ou omissão; b) um elemento objectivo, traduzido na impossibilidade da subsistência da relação de trabalho; c) o nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.

Ora, verifica-se a impossibilidade prática da subsistência da relação laboral, quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, susceptível de criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele.

Na concretização do critério geral para determinação da justa causa, o n.º 2 do artigo 351.º indica alguns comportamentos do trabalhador que podem configurar justa causa de despedimento, indicação que assume clara natureza exemplificativa.

Por outro lado, os deveres do trabalhador são listados no artigo 128.º, sendo que o incumprimento baseado no comportamento ilícito e culposo do trabalhador tanto pode proceder do desrespeito de deveres principais, como o dever de realizar o trabalho com zelo e diligência [alínea c)]  e o dever de cumprir as ordens e instruções da entidade empregadora respeitantes à execução ou disciplina do trabalho [alínea e)] ou de deveres acessórios de conduta, deduzidos do princípio geral da boa-fé no cumprimento das obrigações, acolhido no n.º 2 do artigo 762.º do Código Civil e reiterado no n.º 1 do artigo 126.º do Código do Trabalho, figurando, entre eles, o dever de guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios [alínea f)], que são apenas afloramentos do dever de lealdade, como flui do termo «nomeadamente» aí utilizado.

Tal como determina o n.º 3 do artigo 351.º, «[p]ara apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes».

Nesta conformidade, a determinação em concreto da justa causa resolve-se pela ponderação de todos os interesses em presença, face à situação de facto que a gerou. Há justa causa quando, ponderados esses interesses e as circunstâncias do caso que se mostrem relevantes — intensidade da culpa, gravidade e consequências do comportamento, grau de lesão dos interesses do empregador, carácter das relações entre as partes —, se conclua pela premência da desvinculação.

Refira-se que, na presente ação, o ónus probatório compete à trabalhadora quanto à existência do contrato de trabalho e ao despedimento, recaindo sobre a empregadora relativamente à verificação da justa causa de despedimento, sendo que «o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes de decisão de despedimento comunicada ao trabalhador» (artigos 342.º, n.os 1 e 2, do Código Civil e 387.º, n.os 1 e 3, do Código do Trabalho).

3.2. O comportamento infracional imputado à trabalhadora cinge-se, como dão nota os autos e os factos provados, ao pedido de empréstimo de dinheiro dirigido a uma cliente da instituição bancária empregadora, tendo ficado na posse dos cartões Multibanco e DD daquela cliente, associado aos ditos cartões e à correspondente conta bancária o número de telemóvel pessoal e movimentado essa conta, fazendo levantamentos em proveito próprio e de terceiros, seus familiares.

Neste plano de consideração, apurou-se que a trabalhadora, no exercício das suas funções de gestora, «utilizou, em proveito próprio, fundos pertencentes a CC, titular da conta n.º ...e da conta n.º …» [facto provado 5)], «[s]ervindo-se da sua especial condição de trabalhadora bancária, do BB, e gestora da cliente, CC, que pertencia à sua carteira, e com quem mantinha uma relação de amizade de longa data, pediu-lhe dinheiro emprestado para fazer face a obras de melhoramento num pavilhão industrial […] de que era proprietária» [facto provado 6)], tendo aquela cliente, respondendo ao sobredito pedido, «porque da sua gestora se tratava e porque era sua amiga, entregou à trabalhadora três cheques n.º …, datado de 04/07/2013, n.º …, datado de 20/11/2013, e n.º …, datado de 12/05/2014, nos montantes de € 120.000,00, € 18.250,00 e € 102.993,00, respetivamente, totalizando o montante de € 241.243,00, sendo os dois primeiros debitados na conta da cliente com o n.º ...e o último na conta da cliente com o n.º …» [facto provado 7)], sendo que «[a] trabalhadora, na posse dos cheques, depositou-os na sua conta n.º … de que era titular no Banco FF» [facto provado 8)] e, entre 10/10/2013 e 20/06/2014, «movimentou a conta da cliente […], em proveito próprio, para fazer pagamentos de cartões de crédito por si titulados e de seus familiares diretos, no montante total de € 17.542,96» [facto provado 9)], fez «levantamentos em numerário, em ATM, no montante de € 5.150,00» e, com «esta movimentação, utilizou € 22.692,96, que pertenciam à cliente […]» [factos provados 10) e 11)].

Mais ficou provado que «[p]ara concretizar as referidas movimentações e satisfazer os seus interesses, a trabalhadora utilizou o cartão DD e o cartão Multibanco da cliente […], que tinha na sua posse» e «associou ao cartão DD o seu telefone pessoal […] para receber os códigos de confirmação para as transações por si efetuadas, que eram enviadas via SMS», «[e]stando aquele contacto telefónico da trabalhadora associado às duas contas da cliente» [factos provados 12), 15) 16)], assim realizando os pagamentos e levantamentos descritos nos factos provados 17) a 23); e como não logrou pagar o empréstimo que pediu à cliente, «formalizou junto da sua hierarquia um pedido de crédito, no montante de € 105.000,00, ao abrigo da linha destinada a colaboradores em situação de stress financeiro», não informando logo das razões para recorrer àquela linha, «tentando esconder os pedidos de empréstimo à cliente», afirmando, de início, «que o crédito se destinaria a liquidar dívidas judiciais, para seguidamente dizer que era para regularizar um empréstimo particular que lhe tinha sido concedido pelo seu irmão e, finalmente, depois de confrontada diferentes vezes pela sua hierarquia, assumiu que se destinava a satisfazer o pagamento de um crédito que pediu a uma cliente da sua carteira» [factos provados 26) a 28)].

Portanto, para satisfazer os seus interesses pessoais, a trabalhadora gerou e assumiu uma situação de manifesta confusão entre esses interesses e os da instituição bancária empregadora, suscetível de pôr em causa a imagem desta no mercado, e que devia preservar e promover, tendo procurado «esconder os pedidos de empréstimo à cliente», mesmo quando «confrontada diferentes vezes pela sua hierarquia», face à necessidade de justificar o recurso à linha de crédito destinada a colaboradores em situação de stress financeiro [factos provados 5) a 35)].

A conduta descrita ostenta indiscutível relevância disciplinar, na medida em que infringe, grave e culposamente, o dever de lealdade para com a empregadora, tomado este no sentido de necessidade do ajustamento da conduta do trabalhador ao princípio da boa-fé no cumprimento das obrigações, o que significa que o trabalhador não deve aproveitar-se da atividade laboral desenvolvida e da posição funcional que ocupa para satisfazer os próprios interesses, desconsiderando os da empregadora (cf. artigos 126.º, n.º 1, e 128.º, n.º 1, alínea f), do Código do Trabalho).
Refira-se que, no caso, atenta a matéria de facto apurada, não se configura a pretendida violação dos deveres laborais de obediência, zelo e honestidade.

Na verdade, quanto ao dever de obediência e tal como é aduzido no acórdão recorrido, não resulta da matéria de facto provada que o pedido de empréstimo em causa «fosse proibido pelo banco, que fosse contra qualquer diretiva do mesmo», e relativamente ao invocado código do conduta do BB, o mesmo «não faz parte do elenco dos factos provados, nem o Réu alegou que o mesmo existisse ou fez verter o mesmo na nota de culpa e na decisão de despedimento». Acresce, doutro passo, que se provou que «[a] trabalhadora sempre exerceu as suas funções com zelo, honestidade e dedicação, empenhando-se no cumprimento das tarefas que lhe foram cometidas», «[s]empre foi uma trabalhadora preocupada e ativamente empenhada no integral cumprimento das normas legais e internas e das instruções que recebe» e «[a] sua postura e dedicação valeu-lhe o reconhecimento do próprio Banco», sendo «respeitada por colegas e superiores hierárquicos, sempre tendo revelado empenho no cumprimento dos seus deveres para com o Banco» [factos provados 67) a 70)].

3.3. Verificada a existência de um comportamento ilícito e culposo por parte da trabalhadora, há que ponderar se o correspondente despedimento, sanção máxima disciplinar, é proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade da infratora.

A infração do dever de lealdade para com a empregadora é, em abstrato, de relevo indiscutível, porquanto aquele dever é uma expressão da boa-fé contratual.

Porém, apesar de se configurar a violação daquele dever, a apreciação da sua gravidade, para o efeito da ponderação da justa causa de despedimento, há de aferir-se em função do circunstancialismo que a rodeia.

Ora, demonstrou-se que «[a] trabalhadora conhece a cliente, Sra. D. CC, bem como conhecia o seu falecido marido, Sr. HH, há cerca de 30 anos», que «[n]o âmbito dessa relação, além da vertente profissional, gerou-se um relacionamento pessoal de grande amizade entre o citado casal e a trabalhadora», «[s]endo mútuas visitas de casa», e, ainda, que a trabalhadora «prestou apoio ao casal e, particularmente, à Sra. D. CC, após a morte do marido, Sr. HH, em 2013», «que se concretizava inclusivamente no auxílio nas mais diversas tarefas do dia-a-dia, como por exemplo a aquisição de bens e alimentos necessários à subsistência da Sra. D. CC», porque esta, «após a morte do Sr. HH, deixou de ter qualquer apoio familiar, dado ter apenas um filho, que padece de deficiência mental profunda, encontrando-se internado numa instituição, e não ter irmãos ou irmãs», sendo certo que, «[e]m resultado do referido relacionamento de amizade, a Sra. D. CC, bem como o Sr. HH, [conheciam] bem a vida pessoal da trabalhadora» [factos provados 42) a 48)].

E também se apurou:

             «49) Conhecendo o citado casal a necessidade de realização de obras num pavilhão industrial de que a trabalhadora e seu marido eram proprietários desde 1997, chegaram a dizer-lhes que estavam disponíveis para lhes prestar auxílio financeiro para a reconstrução do pavilhão, com vista à respetiva venda;
             50) Disponibilidade que a trabalhadora foi agradecendo, mas que, inicialmente, não aceitou;
             51) A partir de Fevereiro de 2010, a vida pessoal da trabalhadora conheceu um sério revés, em virtude do acidente vascular cerebral que o seu marido sofreu, com impacto muito negativo na vida pessoal e profissional deste, tendo deixado sequelas que ainda hoje se mantêm;
             52) O que redundou também em dificuldades financeiras, em resultado da perda de rendimentos motivada pela supra referida situação de saúde do marido da trabalhadora;
             53) Dificuldades que derivavam ainda do incumprimento do contrato de venda das ações da empresa “OO”, da qual o marido da trabalhadora era proprietário, o que motivou que fosse intentada uma ação judicial, que teve provimento, mas que não se encontra integralmente cumprida, tendo sido recebidos cerca de 15.000,00 € dos 60.000,00 € a receber;
            54) Foi neste enquadramento e com vista a viabilizar a venda do supracitado pavilhão industrial, que ocorreu o empréstimo pessoal da cliente, Sra. D. CC;
            55) Tendo a trabalhadora recebido da referida cliente a autorização para movimentação das contas bancárias daquela, quer por via da utilização do cartão Multibanco, quer por via da utilização do cartão DD, detidos pela trabalhadora.»

Acresce que a trabalhadora ressarciu a cliente dos valores por si recebidos e não se provou que a descrita conduta tenha prejudicado a imagem da empregadora no mercado bancário, sendo que a trabalhadora, com 35 anos de antiguidade bancária, gozava de «excelente reputação no balcão e na praça comercial da ...», «[m]erecendo e preservando a confiança dos clientes», «[c]umprindo os objetivos comerciais que lhe foram sendo sucessivamente fixados pelo Banco, com particular mérito a este propósito» e, além disso, «sempre se preocupou em transmitir uma boa imagem do Banco», «[t]rabalhando entre 10 a 12 horas diárias», não tendo registo de antecedentes disciplinares [factos provados 1), 40), 60) e 71) a 76)].

Ora, o particular enquadramento explicitado mitiga a gravidade da infração imputada à trabalhadora, bem como a censurabilidade do respetivo comportamento.

Assim, atendendo ao circunstancialismo fáctico apurado, seria suficiente a aplicação, à trabalhadora, de uma sanção disciplinar de índole conservatória, não se verificando, pois, um comportamento integrador de justa causa de despedimento, o que determina a ilicitude do mesmo, pelo que não há motivo para alterar o julgado.
 
                                             III

Pelo exposto, delibera-se conceder parcialmente a revista e revogar o aresto recorrido, apenas no segmento em que considerou como não escritos os n.os 34 e 35 do elenco da matéria de facto provada, mantendo-o quanto ao mais deliberado.

Custas, em ambas as instâncias, a cargo da trabalhadora e da empregadora, na proporção do respetivo decaimento.

Custas da revista a cargo da recorrente e da recorrida, na proporção de ¾ e de ¼, respetivamente.

Anexa-se o sumário do acórdão.

                             Lisboa, 12 de dezembro de 2017
 

Pinto Hespanhol (Relator)

Gonçalves Rocha

Leones Dantas