Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 5ª SECÇÃO | ||
| Relator: | ANTÓNIO CLEMENTE LIMA | ||
| Descritores: | PENA DE MULTA PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE SUBSTITUIÇÃO PREVENÇÃO GERAL PREVENÇÃO ESPECIAL | ||
| Data do Acordão: | 02/14/2019 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | JULGADO O RECURSO IMPROCEDENTE | ||
| Área Temática: | DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / PENAS DE MULTA – CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA O ESTADO / CRIMES CONTRA A REALIZAÇÃO DA JUSTIÇA / FALSIDADE DE TESTEMUNHO, PERÍCIA, INTERPRETAÇÃO OU TRADUÇÃO. | ||
| Doutrina: | - Anabela Miranda Rodrigues, Pena de prisão substituída por pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 9 – Fasc. 4, Outubro-Dezembro de 1999, p. 655-674; - Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, Código Penal Anotado, Rei dos Livros, Volume I, 4.ª edição, 2014, p. 693 e ss.; - Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2.ª edição, 2015, p. 105. | ||
| Legislação Nacional: | CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, N.º 1, 48.º, N.º 1 E 360.º, N.ºS 1 E 3. | ||
| Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 18-02-2016, PROCESSO N.º 1786/10.0PBGMR-A.G1-A.S1. -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: - DE 29-10-2014, PROCESSO N.º 580/09.5GBOBR.C1, IN WWW.DGSI.PT. | ||
| Sumário : | I - Em vista do disposto nos arts. 48.º, n.º 1 e 40.º, n.º 1, do CP, as pretextadas dificuldades económicas no cumprimento da pena (principal) de multa, só relevam, mediatamente, no âmbito do disposto no n.º 1 do citado artigo 40.º, do CP, uma vez que, na substituição da pena de multa por dias de trabalho (prevenida no n.º 1 do art. 48.º, do CP), estão em causa finalidades exclusivamente preventivas de prevenção geral e de prevenção especial, vale dizer que está em sopeso a satisfação das exigências de prevenção especial de socialização, do passo em que se considere que, com essa substituição, se não põe em causa o conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico. II - Não se vê - nem o recorrente a indica, reportando o alegado, tão-apenas, à sua insuficiência financeira e ao demérito da fundamentação do despacho revidendo - razão substantiva para divergir do julgado, desde logo na medida em que, por um lado, e em sede prevenção geral de integração, mal se compreenderia um Ersatz transigente (em face da comprovada prática, pelo arguido, magistrado judicial, de crime de falsidade de testemunho agravado, previsto e punível nos termos do disposto no art. 360.º, n.ºs 1 e 3, do CP), de par se não dando resposta, em sede de prevenção especial, às necessidades de interiorização, pelo condenado, do relevante desvalor da conduta delitiva. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam, precedendo conferência, na 5.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça:
I
1 – Nos autos em referência, o arguido, AA, foi condenado, pelo Tribunal da Relação de --- na pena de 400 dias de multa, à razão diária de 20 euros.
2 – Por requerimento de fls. 3530, o arguido requereu a substituição daquela pena por prestação de trabalho a favor da comunidade (PTFC), invocando o disposto nos artigos 48.º n.º 1, do CP e 490.º, do CPP.
3 – Por despacho de 4 de Junho de 2018, o Mm.º Juiz do Tribunal da Relação de ---, a quo, decidiu indeferir o requerido.
4 – O arguido interpôs recurso deste despacho. Extrai da respectiva motivação as seguintes conclusões: «I. O despacho recorrido começa por alicerçar a sua decisão de indeferimento, por um lado, no facto de não se evidenciarem dificuldades económicas, por parte do arguido, para proceder ao pagamento da multa criminal; II. Sucede que, as (de resto) invocadas dificuldades económicas, por banda do condenado, na satisfação da quantia correspondente à multa arbitrada não constituem, s.m.o., conditio sine qua non para o deferimento do requerido (vide art.º 48º do CP e art.º 400º do CPP); III. Tais dificuldades apenas seriam relevantes em sede de apreciação jurisdicional da eventual culpa do condenado no não pagamento, no todo ou em parte, da multa arbitrada, designadamente, em face da determinação da suspensão na execução da pena de prisão subsidiária (art.º 49º, 3, do CP), o que não é o caso; IV. Ainda que assim se não entendesse, o Arguido objetivou-as por referência a factos dados como provados no acórdão condenatório (vide pontos 63, 64, 68 e 69 do douto Acórdão proferido pelo Tribunal Recorrido, mantidos pelo douto Acórdão confirmativo do STJ) e nos novéis factos ali alegados e documentalmente demonstrados (documentos juntos pelo arguido, com o seu requerimento e aqueles que decorrem do defluir dos próprios autos); V. Extrai-se da referida matéria de facto, da já dada como provada e dos novos factos ali invocados - e entretanto documentalmente evidenciados - que, em decorrência da condenação sofrida, o arguido terá, num horizonte de seis meses, de suportar pagamentos pelo montante global de cerca de 15.000,00 euros, atinentes a custas criminais, custas cíveis e indemnização civil à assistente, excluindo-se, deste montante, o da multa criminal (de 8.000,00 euros), que acresce; VI. Por outro lado, e apesar de o despacho recorrendo fundamentar igualmente o juízo de indeferimento na impossibilidade de a pena substitutiva requerida (trabalho) satisfazer as finalidades da pena (principal), não foi efetuada uma qualquer apreciação ou análise crítica das mesmas em ordem a identificar qual ou quais as que poderão estar em risco com a pretendida substituição de pena e por que razão tal sucederá in concreto; VII. Não é racionalmente explicitado, no douto despacho recorrido, e neste trecho em particular, por que forma a pena de multa, aplicada a título principal, realiza adequadamente a(s) finalidade(s) x e/ou y, contrapondo-se com a eventual inabilidade de a(s) mesma(s) resultar(em) frustrada(s) com a requerida substituição; VIII. Além de não se vislumbrar, em concreto, qualquer facto ou circunstância que possa basear o juízo de inadequação da pena substitutiva em ordem a satisfazer as necessidades perseguidas pela aplicação ao arguido da pena de multa, é de sufragar, em face das considerações supra expendidas em III, que esta última possui até maior apetência para, maxime em concreto, assegurar a plena satisfação de tais desígnios (prevenção geral e especial, nas vertentes positiva e negativa, com natural – e legal – destaque para a ressocialização do arguido, ut art.º 40º, n.º 1, in fine do CP); IX. Pelo que, ao indeferir o requerimento do arguido, o Venerando Tribunal a quo violou, essencialmente, o disposto no artigo 48º do Código Penal e, mediatamente, o art.º 40º do mesmo Código. Nestes termos e nos mais de Direito, requer o Arguido AA que V.ªs Ex.ªs se dignem julgar procedente o presente recurso, revogando o douto despacho que indeferiu a substituição da pena de multa aplicada pela de trabalho a favor da comunidade, substituindo-o por outro que a admita, fazendo-se, assim, a costumada JUSTIÇA.»
5 – O Ministério Público na instância respondeu ao recurso. Defende a confirmação do julgado. Extrai da respectiva minuta as seguintes conclusões: «1- Por despacho proferido nos autos foi indeferida a substituição da pena de multa, no montante de 8.000,00 euros, aplicada ao arguido e ora recorrente, por trabalho, nos termos dos art.s 48º CP e 490º CPP, em resumo, por, além de se não evidenciar uma situação económica e financeira que o impossibilite de efectuar o pagamento daquela, a substituição não permitir dar resposta às exigências de prevenção que no caso concreto se verificam. 2- Face às conclusões do recurso, está em causa saber se a substituição requerida satisfaria ou não o pressuposto legal de realização adequada e suficiente das finalidades da punição, nos termos previstos no art. 40º do Cód. Penal. 3- Tanto quanto percebemos, alega o recorrente, de relevante, que nos próximos 6 meses tem de suportar pagamentos no montante global de 15.000,00 euros, relativos a custas criminais, custas cíveis e indemnização à ofendida, para além do montante da multa aplicada de 8.000, 00 euros - o que traduz dificuldades económicas na satisfação da quantia exequenda que não constituindo conditio sine qua non para o deferimento da substituição requerida, são factos dados como provados no acórdão condenatório e/ou em decorrência da condenação sofrida. 4- Alega também falta de fundamentação do despacho recorrido por inexistência de factos ou circunstâncias que possam "basear o juízo de inadequação da pena substitutiva em ordem a satisfazer as necessidades perseguidas pela aplicação ao arguido da pena de multa". 5- Salvo melhor opinião, não assiste razão ao recorrente, porquanto do douto despacho recorrido resulta que o cumprimento da pena de multa aplicada se impõe no caso concreto, como já decorria da fundamentação da escolha e medida da pena constante do acórdão condenatório, tendo de revestir o caracter de verdadeira pena e a sua esperada eficácia penal, e não podendo associar-se-lhe uma forma disfarçada de absolvição, de dispensa ou isenção de pena que não tem coragem de assumir-se, 6- Como também resulta que não se verifica o pressuposto de ordem substancial para a substituição, ou seja, que tal substituição realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, razões de prevenção geral (positiva ou de integração) e de prevenção especial ou de socialização. 7- Isto porque, "dados os específicos contornos do crime pelo qual o arguido foi condenado, a sociedade não toleraria a substituição da multa por trabalho, entendendo-a como "uma injustificada indulgência e prova de fraqueza face ao crime" - AC TRP de 14.04.2010, http://WWW.DGSI.pt/jtrp. O restabelecimento da paz jurídica comunitária não seria, desta forma, atingido." 8 - E, também "razões de prevenção especial afastam a substituição da multa por dias de trabalho, pois não contribuiria para a interiorização, por parte do condenado, da ilicitude e gravidade dos factos praticados. É elevadíssimo o desvalor da sua conduta. Por isso, só através do sacrifício exigido pelo pagamento da multa se garantirá que alcance a gravidade dos actos praticados e altere o seu comportamento futuro." 9- Para realizar as finalidades da punição, a pena tem de representar sempre uma censura suficiente do facto, sentida verdadeiramente pelo arguido e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada, sendo relevantes as necessidades de prevenção geral. 10- Releva-se que para a determinação da medida da pena no caso concreto, foi tido em consideração ter o arguido agido com dolo directo e muito intenso; ser a ilicitude muito elevada, dada a forma ardilosa como o arguido pensou, preparou e executou o crime, (...); o elevado valor do bem jurídico em causa (a realização ou administração da justiça como função do Estado); o elevado grau de violação dos deveres impostos ao arguido dada a profissão de juiz; as suas condições pessoais; a condição económica. 11-Também se nos levantam dúvidas sobre se não se verifica efectiva incompatibilidade entre o exercício da função de juiz e a prestação de trabalho a favor da comunidade requerida e, em qualquer caso, se desta não resultaria efectivo prejuízo para o serviço ou função exercida pelo recorrente, que como todos sabemos não se restringe a um horário rígido. 12- Sendo que, ainda de acordo com os art.s 48º, nº2 e 58º, nº3, os períodos de trabalho a favor da comunidade prestado em dias úteis não podem prejudicar a jornada normal de trabalho, nem prejudicar o direito ao descanso diário do trabalhador. 13- Em conclusão, a substituição da pena de multa requerida, face a todos os elementos atendíveis, não cumpriria as finalidades das penas, nos termos impostos pelos arts. 40º e 48º do CP. Por tudo o exposto, - O recurso interposto deverá ser julgado improcedente.»
6 – Nesta instância, o Ministério Público é de parecer que o recurso deve ser julgado improcedente. Pondera-se, designadamente, nos seguintes termos: «O art. 48º, n º 1 do CP, começa por subordinar o deferimento da pretensão trazida pelo arguido aos autos, pela possibilidade de se concluir que in casu «esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição». Para além das já supra referidas necessidades de prevenção geral positiva, assinaladas pelo MP junto do TRG, sem dúvida que num caso com a especificidade do que se mostra em apreciação, necessidades de prevenção especial de socialização, são claramente também de sinalizar, face á comprovada carência de interiorização do bem jurídico tutelado pela norma infringida, o que se torna notório, face á comunidade não esperar tal conduta do agente. De facto, o recorrente, juiz de direito na Instância Local Cível de ---- Tribunal da Comarca do ---, está condenado pela prática do crime de falsidade de testemunho agravado, p. e p. pelo art. 360º, n º s 1 e 3 do CP, , ou seja de um crime que se mostra inserido na sistemática do Código Penal, no Capítulo III- -Dos crimes contra a realização da justiça- Deste modo o recorrente, constitucionalmente comprometido a administrar justiça em nome do povo, praticou o crime que vimos de referir supra, o qual se mostra inserido na sistemática do Código Penal, no Capítulo III- -Dos crimes contra a realização da justiça-. A pena de multa em causa, foi aplicada ao recorrente, juiz de direito na Instância Local Cível de ---- Tribunal da Comarca do ---, pela prática de um crime p. e p. pelo art. 360º, n º s 1 e 3 do CP, agravado, ou seja de um crime que se mostra inserido na sistemática do Código Penal, no Capítulo III- -Dos crimes contra a realização da justiça-. Daqui decorre a nosso ver, um acrescido grau de ilicitude da conduta, sendo certo que a comunidade não aceita que um magistrado, neste caso, judicial, comprometido desde logo nos termos da Constituição da República, a administrar a justiça em nome do povo, pratique, justamente, um crime que como vimos o legislador penal insere entre os que atentam contra a realização de mesma justiça. A nosso ver a decisão proferida pela Srª Desembargadora do TRG, mostra-se perfeitamente justificada, conquanto: Como escreve Jorge Figueiredo Dias, in " DIREITO PENAL PORTUGUÊS - AS CONSEQUÊNCIAS JURÌDICAS DO CRIME", AEQUITAS / EDITORIAL NOTÌCIAS, 1993, §a págs.119, § 123: «Face ao exposto, torna-se ainda mais imperiosa a necessidade - em si mesma, de um ponto de vista teórico evidente- de que a multa seja legalmente conformada e concretamente aplicada, em termos que permitam a plena realização, em cada caso concreto, das finalidades das penas, em particular da de prevenção geral positiva, limitada pela culpa do agente. É indispensável, por outras palavras, que a aplicação concreta da pena de multa não represente uma forma de absolvição ou o Ersatz* de uma dispensa de ou isenção de pena que não se tem a coragem de proferir. Até porque, então, tornar-se-á inelutável a tendência para restringir o âmbito de aplicação da pena de multa unicamente à criminalidade bagatelar e (o que é ainda pior) para ver na multa uma pena politico-criminalmente «subordinada» à pena de prisão: Impõe-se, pelo contrário, que a aplicação da pena de multa represente, em cada caso, uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada» *Sucedâneo, cf. Langenscheidts /Taschenworterbuch A concessão da substituição da pena de multa, por uma pena substitutiva dela, como é o caso da PTFC, não permitiria que a comunidade visse a mesma como uma garantia da validade, quando não do reforço, da norma jurídica violada, o que seria particularmente grave, dada a qualidade do autor do crime e a natureza deste, colocando o recorrente no polo oposto ao que os seus deveres constitucionais e estatutários, obrigam. Acresce que, como entendem jurisprudência e doutrina una voce o cumprimento da pena de multa haverá que comportar para o condenado um certo esforço, ainda que dentro do que a sua condição laboral e económica consente. Aqui, não vemos que com os rendimentos que aufere, não esteja o recorrente em condições de conseguir cumprir a pena de multa em que se acha condenado.» II
7 – O despacho recorrido é do seguinte teor: «REQUERIMENTO DE FLS.3530: O arguido vem: I-Requerer a substituição da pena de multa em que foi condenado por “trabalho a favor da comunidade”, nos termos do artº48º, nº1 do C.P. e artº490º do C.P.P., “sugerindo” a sua prestação na Associação Humanitária dos Bombeiros de ..., «durante todos os dias durante a semana, após as 18 horas, por forma a não colidir com a sua prestação profissional, bem como aos fins-de-semana.» Para tanto, alega: - não tem condições financeiras para pagar a pena de multa aplicada - a substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade realiza as finalidades da prevenção geral e especial e garante o carácter ressocializador da pena. II- Requerer a não transcrição do acórdão condenatório no registo criminal, nos termos do artº13º, nº1 da Lei nº37/2015, de 05/05. A Srª Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido da improcedência da primeira pretensão do arguido e pela procedência da segunda – fls.3943/3945. Cumpre decidir: I-Substituição da multa por trabalho: Dentro do prazo de pagamento voluntário da multa, a lei permite que o condenado possa efectuar o seu pagamento de uma só vez ou por meio de prestações ou ainda a sua substituição por dias de trabalho. A prestação de trabalho constitui, neste caso, não uma sanção mas uma forma de cumprimento da pena de multa. Em nosso entender, tal forma de cumprimento justifica-se quando a situação económica e financeira do condenado lhe não permite efectuar o pagamento da multa de forma diferida ou em prestações, conforme permite o nº3 do artº47º do C.P., pois, como ensina Figueiredo Dias, «Este sucedâneo da multa (…), visa muito justamente afastar, até ao limite possível, a aplicação de uma pena de prisão em lugar da multa não paga ou cobrada.» Ora, não é essa, manifestamente, a situação do aqui condenado. Na verdade, mesmo vivendo exclusivamente do seu vencimento - cerca de € 3 000,00 mensais - e tendo que pagar pensões de alimentos, no montante total € 774,00, restam-lhe € 2 226,00 para fazer face às demais “despesas normais, designadamente, com habitação, alimentação e vestuário”. Note-se que a multa, como verdadeira sanção penal que é, deve representar um sacrifício para o condenado por forma a por ele ser sentida. Seguindo, uma vez mais, os ensinamentos de Figueiredo Dias, «As facilidades de pagamento devem obstar, por um lado, até ao limite do possível, a que a pena de multa não seja cumprida e a que entrem consequentemente em cena a execução de bens ou as sanções penais sucedâneas. Tais facilidades não devem, porém, por outro lado, ser tão amplas que levem a multa a perder o seu carácter de verdadeira pena e a sua esperada eficácia penal.» (negrito e sublinhado nosso) Como também se escreve no AFJ nº12/13 , «(…) para o alcance do pragmatismo imprescindível da multa principal é indispensável que não se lhe associe uma forma disfarçada de absolvição ou o "Ersatz" (substituição) de uma dispensa ou isenção de pena que se "não tem coragem" de assumir (…)» Por isso, permitir a substituição da multa por trabalho seria, nas concretas circunstâncias do caso, desvirtuar o sentido e os efeitos punitivos da pena de multa e poderia mesmo, até certo ponto, ser entendido como uma violação da decisão condenatória já transitada em julgado, em que esta concreta situação económico-financeira foi ponderada. Por outro lado, de acordo com o disposto no artº 48º nº1 do C.P. a substituição da multa por trabalho está dependente da verificação dois pressupostos – um, de ordem formal – requerimento do condenado – e outro, de ordem substancial - que tal substituição realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Quanto ao segundo, são razões de prevenção geral (positiva ou de integração) e de prevenção especial ou de socialização que determinam a substituição ou não da multa por trabalho. Dados os específicos contornos do crime pelo qual o arguido foi condenado, a sociedade não toleraria a substituição da multa por trabalho, entendendo-a como «uma injustificada indulgência e prova de fraqueza face ao crime». O “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime” não seria, desta forma, atingido. Mas também razões de prevenção especial afastam a substituição da multa por dias de trabalho, pois não contribuiria para a interiorização, por parte do condenado, da ilicitude e gravidade dos factos praticados. Embora este não tenha antecedentes criminais e esteja profissional, familiar e socialmente inserido, as necessidades de prevenção não podem considerar-se insignificantes dado o elevadíssimo desvalor da sua conduta. Por isso, só através do sacrifício exigido pelo pagamento da multa se garantirá que alcance a gravidade dos actos praticados e altere o seu comportamento futuro. Assim e em conclusão, a substituição de multa por trabalho não permitirá dar resposta às exigências de prevenção que no concreto caso se verificam, pelo que se infere o requerido.»
8 – Dispõe o n.º 1 do artigo 48.º, do CP (epigrafado de substituição da multa por trabalho): «A requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho…»
9 – Sobre a matéria, com largo desenvolvimento da história dos preceitos, designadamente dos que permitem o cumprimento da pena de multa de substituição em dias de trabalho, veja-se o acórdão, deste Supremo Tribunal de Justiça, de 18-02-2016 (processo 1786/10.0PBGMR-A.G1-A.S1), em que se retrata e leva interpretação completa e inarredável da normação atinente ao cumprimento da pena de multa em dias de trabalho. Assim também, Maria João Antunes, em «Consequências Jurídicas do Crime», Coimbra Editora, 2.ª edição, 2015, pág. 105: «Por força das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 48/95, a execução da pena de multa pode ocorrer por duas formas: por pagamento voluntário, nos termos do disposto no artigo 489.º do CPP ou por prestação de dias de trabalho, nos termos previstos nos artigos 48.º do CP e 490.º do CPP […]. A prestação de trabalho deixou de ser uma sanção, para passar a ser uma forma de cumprimento da pena de multa, a requerimento do condenado, quando for de concluir que realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – as previstas no n.º 1 do artigo 40.º do CP». Tal tese foi avocada, designadamente, para o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 29 de Outubro de 2014 (processo 580/09.5GBOBR.C1, disponível em www.dgsi.pt). No mesmo sentido se pronunciava já Anabela Miranda Rodrigues, em «Pena de prisão substituída por pena de prestação de trabalho a favor da comunidade», na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 9 – Fasc. 4, Outubro-Dezembro de 1999, pp. 655-674 (669). Veja-se ainda Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, no «Código Penal – Anotado», Rei dos Livros, Volume I, 4.ª edição, 2014, pp. 693 e seg.
10 – Em vista do disposto nos artigos 48.º n.º 1 e 40.º n.º 1, do CP, as pretextadas dificuldades económicas no cumprimento da pena (principal) de multa (que o próprio arguido ressalta, com argumento que adrede, em sede recursiva, parece repudiar), só relevam, mediatamente, no âmbito do disposto no n.º 1 do citado artigo 40.º, do CP, uma vez que, na dita substituição da pena de multa por dias de trabalho (prevenida no n.º 1 do artigo 48.º, do CP), estão em causa finalidades exclusivamente preventivas de prevenção geral e de prevenção especial, vale dizer que está em sopeso a satisfação das exigências de prevenção especial de socialização, do passo em que se considere que, com essa substituição, se não põe em causa o conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico.
11 – No caso, como se evidencia do transcrito, o Tribunal a quo não deixou de se pronunciar sobre a matéria: «Por outro lado, de acordo com o disposto no artº 48º nº1 do C.P. a substituição da multa por trabalho está dependente da verificação dois pressupostos – um, de ordem formal – requerimento do condenado – e outro, de ordem substancial - que tal substituição realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Quanto ao segundo, são razões de prevenção geral (positiva ou de integração) e de prevenção especial ou de socialização que determinam a substituição ou não da multa por trabalho. Dados os específicos contornos do crime pelo qual o arguido foi condenado, a sociedade não toleraria a substituição da multa por trabalho, entendendo-a como «uma injustificada indulgência e prova de fraqueza face ao crime». O “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime” não seria, desta forma, atingido. Mas também razões de prevenção especial afastam a substituição da multa por dias de trabalho, pois não contribuiria para a interiorização, por parte do condenado, da ilicitude e gravidade dos factos praticados. Embora este não tenha antecedentes criminais e esteja profissional, familiar e socialmente inserido, as necessidades de prevenção não podem considerar-se insignificantes dado o elevadíssimo desvalor da sua conduta. Por isso, só através do sacrifício exigido pelo pagamento da multa se garantirá que alcance a gravidade dos actos praticados e altere o seu comportamento futuro. Assim e em conclusão, a substituição de multa por trabalho não permitirá dar resposta às exigências de prevenção que no concreto caso se verificam, pelo que se infere o requerido.»
12 – Não se vê – nem o recorrente a indica, reportando o alegado, tão-apenas, à sua insuficiência financeira e ao demérito da fundamentação do despacho revidendo – razão substantiva para divergir do julgado, desde logo na medida em que, por um lado, e em sede prevenção geral de integração, mal se compreenderia um Ersatz transigente (em face da comprovada prática, pelo arguido, magistrado judicial, de crime de falsidade de testemunho agravado, previsto e punível nos termos do disposto no artigo 360.º n.os 1 e 3, do CP), de par se não dando resposta, em sede de prevenção especial, às necessidades de interiorização, pelo condenado, do relevante desvalor da conduta delitiva.
13 – Em conclusão, o recurso não pode lograr provimento.
14 – O decaimento total no recurso impõe a condenação do arguido recorrente em custas, nos termos e com os critérios fixados nos artigos 513.º e 514.º, do CPP, e no artigo 8.º e tabela III, estes do Regulamento das Custas Processuais.
III
15 – Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se: (a) julgar o recurso improcedente; (b) condenar o recorrente nas custas, com a taxa de justiça em 5 (cinco) unidades de conta.
Lisboa, 14 de Fevereiro de 2019 Clemente Lima (Relator) Isabel São Marcos
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